Anna

Eu e Drew guiamos dois médicos, Max e os três outros líderes até onde tudo tinha acontecido. Fomos contando o que havia ocorrido rapidamente.

Não tinha sido difícil encontrar todos, embora Max tenha ficado furioso quando o acordamos. Ele havia esbravejado e ameaçado nos expulsar da Audácia, e foi só quando tivemos a chance de explicar o que estava acontecendo que a fúria passou.

O resto dos Iniciados estavam sentados, um pouco afastado do corpo de Eric. Ninguém realmente conversava. Na verdade, ninguém entendia o que estava acontecendo ali. Eu não entendia. A única coisa que eu sabia era que Tris e Quatro tinham uma ideia, e que eles achavam que alguma coisa estava fora do controle.

Eric estava de bruços, com uma mancha de sangue enorme na roupa. A respiração dele agora estava forte e ofegante. Quando eu e Drew havíamos partido, eu tinha minhas dúvidas de que ele ainda estava vivo.

Quatro e Tris estavam de pé, a quase um metro do corpo.Eles pararam de conversar quando viu que nós nos aproximamos. Tris estava encostada no peito de Quatro. Ele a abraçava, e ela parecia extremamente perturbada.

Estranhei essa cena. Quando nós saímos, ela não estava com nenhuma expressão de que tinha se arrependido de acertar uma faca nas costas de Eric, e agora, estava prestes a cair no choro. Eu e Drew trocamos olhares.

Os médicos foram rapidamente atender Eric, que começou a xingar descontroladamente. Eu não sabia se ele xingava os médicos, Quatro, Tris ou qualquer outro que estivesse ali para ouvir.

Max e os outros líderes foram até Quatro e Tris. Eu e Drew não nos afastamos. Eu realmente queria escutar o que eles iam falar. Queria realmente entender o que estava acontecendo ali, o que era essa mudança repentina de comportamento de Tris.

— Quatro, o que aconteceu aqui? — Um cara gordo perguntou, Quatro olhou pra ele e apertou Tris ainda mais contra si. Ela enterrou o rosto em seu peito.

— Eric me atacou depois do jogo. Ele não estava brincando. Apontou um revólver pra mim — ele indicou o revólver que continuava jogado no lugar que Tris o tinha chutado — Eu reagi ao ataque. Derrubei a arma da mão dele e nós começamos uma luta. Eu tropecei e caí. Eric aproveitou e foi buscar o revólver. Ele ia atirar em mim, quando caiu. Tris o atingiu com um canivete.

O silêncio foi mortal, brutal. Ele não tinha mudado a história. Isso tinha sido exatamente o que tinha acontecido. Por que será aquela mudança de comportamento? Eu não entendia.

— Onde você estava quando a briga começou, Tris? — o mesmo cara perguntou. Ela soluçou, tentando controlar a voz.

— Eu estava com o grupo que foi resgatar a bandeira. Nós conseguimos e então viemos pra cá comemorar. Quando cheguei mais perto, vi Quatro caindo e Eric pegando a arma, e então… — ela enterrou o rosto no peito de Quatro novamente.

O arrependimento dela por ter acertado Eric era tão grande, que até parecia que ela preferiria ter deixado Quatro morrer. Se eu fosse ele, não estaria a consolando de maneira nenhuma.

— Drew, Anna, venham até aqui, por favor — Quatro chamou. Nós fomos — Por favor, Tris não está bem. Acompanhem ela até a cede da Audácia. Depois podem ir se deitar. O treinamento amanhã vai ser só no período da tarde.

Quatro deu um beijo na testa de Tris, que o beijou na bochecha. Ela saiu caminhando lentamente ao nosso lado.

Pegamos o trem de volta. Eu pensava em como eles iam fazer para colocar o corpo de Eric dentro do trem. Já era difícil subir normalmente, imagina carregando um corpo.

_Anna — A voz de Tris chamou. Olhei pra ela. Ela não mais me parecia chateada ou arrependida. O rosto dela apresentava uma expressão de frieza e determinação. Ela estava fingindo esse tempo todo. Não tinha outra explicação.

Drew já estava olhando pra ela. Eu provavelmente devo ter divagado e não escutado quando ela me chamou da primeira vez.

— Confio em vocês dois para me ajudarem em uma coisa, mas vocês não podem comentar isso com ninguém, estamos entendidos?

Concordamos com a cabeça.

— Quando chegarmos a cede da Audácia, vou procurar uma coisa, e vocês vão vigiar pra mim. Repito, não podem comentar isso com ninguém, de espécie alguma.

— Por que você fingiu estar chateada? — A pergunta escapou antes que eu pudesse reter. Na Franqueza, minha antiga facção, as coisas costumavam a ser assim. Pensou, falou.

— Porque eu precisava parecer perturbada para ter uma desculpa para sair de lá antes de os líderes voltarem para a cede. Preciso de uma coisa que eles... não vão me dar se eu pedir. Então vou usar emprestado sem que eles saibam — Ela deu de ombros, como se isso fosse normal.

— Roubar, você quer dizer. Você vai roubar? — Eu estava em choque. Ela ia roubar alguma coisa dos líderes da facção.

— Eu não usaria essa palavra — Ela disse, depois de alguns segundos pensando em o que me responder — Na verdade, não vou nem tirar do lugar. Só quero dar uma olhadinha e descobrir se realmente tem alguma coisa acontecendo.

— E Quatro? — Mais uma vez a pergunta saiu sem que eu conseguisse me conter — Ele sabe do seu teatrinho e da sua índole para ladra?

— Sabe — ela riu — A ideia foi dele, na verdade. Ele pode até ter aquela carinha de inocente, mas esse não é muito o ponto forte dele não — Ela respondeu sorrindo.

O que será que ela e Quatro estavam aprontando? Por que eles não tinham dito para os líderes que achavam que Eric estava sendo controlado? Eu não havia entendido como ele poderia estar sendo controlado, mas eles pareciam tem uma ideia.

Me acalmei ao saber que Quatro estava envolvido. Ele em geral, parecia mais honesto do que Tris. Ela era desconcertante, cínica até. Ele era sensato. Devia saber no que estava se metendo.

Descemos do trem e corremos. Tris não parou para olhar para trás para ver se continuávamos seguindo-a nenhuma vez.

Ela subiu. Nós continuávamos a acompanhando. Eu nunca tinha estada lá antes, naquela parte do complexo da Audácia. Provavelmente não era uma área permitida para Iniciados.

Ela chegou até uma porta preta e parou. Independente do que ela queria encontrar, devia estar por trás daquela porta.

— Vocês dois — Ela chamou enquanto avaliava a maçaneta da porta — Estão vendo aqueles vãos nas paredes? Se escondam lá. Ninguém vai conseguir ver vocês. Fiquem um de cada lado do corredor. Se alguém aparecer, quero que vocês gritem o número de pessoas e saiam correndo daqui. Voltem para o Fosso e vão dormir.

Ela mexia na porta, tentando abri-la com uma chave que ela tirou do bolso.

Nós fomos para onde ela tinha mandado. Eu odiava ter que fazer isso. Se eu fosse pega, estaria expulsa da Audácia.

— Você entendeu, não é? — Drew perguntou, mas continuou falando antes de eu ter a chance de responder — Se três pessoas aparecerem, grite três e saia correndo.

— É, eu entendi — Eu respondi, de mau humor.

Ficamos em silêncio. O corredor estava iluminado por uma fraca luz vermelha, que ficava presa ao teto. Ele não era tão largo. Se alguém passasse ali, até poderia nos ver, mas só se estivesse procurando.

— Drew, não gosto nada disso. Se formos pegos, vamos ser expulsos. Ou pior, mortos.

— Não vamos ser pegos. Se alguém chegar aqui, vai preferir pegar quem realmente importa. Ou seja, nesse caso, Tris. Ninguém liga muito para os guardas... eles geralmente não sabem de nada — Ele riu de leve. Eu não conseguia ver a expressão de seu rosto, mas tinha a leve impressão que ele estava se divertindo com tudo isso que estava acontecendo.

Respirei fundo e fiquei em silêncio. Isso era maluquice. Eu devia ir embora agora, ou até mesmo contar para Max ou um dos outros líderes. O que Tris estava fazendo não era certo.

Mas não consegui sair do lugar, por mais que eu quisesse. Eu não ia conseguir delatar Tris, porque isso envolveria Quatro na história. Não tinha como entregar um sem entregar o outro. E mesmo se eu colocasse só o nome dela na história, eu tinha certeza que ela envolveria Quatro ou ele mesmo tentaria defendê-la.

Prendi minha respiração quando eu finalmente entendi o que estava acontecendo comigo. Eu estava apaixonada por Quatro.