Precisamos conversar escrita por Ramona


Capítulo 1
Capítulo 1




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— Precisamos conversar.

— Por favor, não...

— Isso — nós... Não posso mais fazer isso. Desc—

— Mas eu te amo! Linda, por favor... Não me deixe.

— Eu sinto muito.

— É ela, não é? Você tá apaixonada pela Sarah?

— Eu... É. É, acho que sim.

— Mas... E-Eu posso te fazer esquecer dela, querida, eu juro!

— Pare com isso. Por favor. O que você está fazendo com si mesma... Não é bom pra você. A gente não funciona mais. Eu só... Eu cansei. Nós acabamos.

.........

Sarah não aguentava mais aquela aula. Odiava quando os professores eram tão ruins que faziam ficar chata uma matéria linda. Uma página de seu caderno já estava cheia, mas com nada relacionado à história geral. Durante os quarenta e cinco minutos de aula que já haviam se passado, ela apenas fez rabiscos e desenhos que poderiam se passar pelos de uma criança. Entre eles, estava um boneco palito enforcado, que deveria representar seu professor. Sua falta de atenção não seria nenhum problema para as notas da menina. Por se interessar demais pela matéria, fazia pesquisas e estudava por conta própria. Raramente havia algum assunto do qual não sabia pelo menos o básico. Achava que a história da humanidade deveria ser vista com mais importância. Dessa maneira, os erros não seriam tão constantemente repetidos.

Durante os cinco minutos finais, Marcos, o professor, ensinava apenas às paredes. Depois daquela aula, os terceiros anos teriam um intervalo de meia hora e, logo após, começariam as palestras sobre profissões, o que deixava os estudantes animados e dispersos. O ano já estava na metade e, ainda assim, boa porcentagem dos alunos nem faziam ideia de qual carreira seguir. Sarah, contudo, decidira desde nova que seria jornalista. Já tinha um plano de futuro: sabia qual faculdade queria cursar e já decidira para onde mandaria seu currículo. Para que isso se concretizasse, estava bem focada nos estudos. Não deixava de se divertir nem nada do tipo, mas tinha seus limites bem definidos.

Quando tocou o sinal, foi praticamente uma disputa de quem saía primeiro da sala. Isabella já a esperava no pátio. Desde que Sarah entrara na escola, as duas conversavam. Nos últimos meses, porém, aproximaram-se ainda mais e a paixonite pela amiga vinha crescendo. Lívia, no entanto, de quem costumava ser amiga, estava mais afastada. Sarah notou também que Lívia e Isabella não conversavam mais, o que era estranho, considerando que costumavam ser inseparáveis. Deduziu que as duas estavam brigadas e que Lívia não falava mais com ela por falta de oportunidade, já que estava frequentemente ao lado de Isabella.

— Já sabe quais palestras vai assistir?

— Nah... Ainda tô decidindo. E você? Só a de jornalismo?

— Uhum. É a única coisa que quero fazer, não vale a pena ir pras outras.

— Às vezes queria ser tão certa que nem você... — suspirou Isabella — Não faço a mínima ideia do que quero fazer.

— Ah, qual é, Bella! Você vai achar o que te faz bem. Não tava pensando em moda?

— Ainda tô, mas não tem palestra disso.

— Que péssimo...

Estavam sentadas em uma mesa do pátio (em cima da mesa, mesmo. As cadeiras tinham sido tomadas por um pessoal que se amontoava em outra mesa). Comiam o lanche em silêncio, até que Sarah teve coragem para perguntar o que a atormentava há algum tempo:

— Ei, o que aconteceu entre você e a Lívia? — Sarah podia jurar que vira Isabella trancar o maxilar por uma fração de segundo.

— Eu e Lívia? Como assim?

— É que, tipo, vocês conversavam pra caramba, mas agora vocês mal se olham. Assim, eu entendo se você não quiser me falar nada e tals.

— Ah, não, é que... — Isabella hesitou um pouco, como se pensasse se deveria ou não ceder a informação — A gente terminou — completou, desviando o olhar.

Sarah pôde sentir sua face mais quente. Tinha certeza de que ficara vermelha. Bella gostava de meninas! Isso! Iiisso! Deveria se sentir mal pelas amigas, mas não conseguiu. Sempre achou que seu sentimento por Isabella nunca seria recíproco, mas ali estava ela pensando que talvez tivesse uma chance.

— Oh... Eu não sabia que vocês... Foi mal.

— Sem problemas.

Permaneceram em silêncio por quase um minuto, quando Sarah:

— Mas, então... por que vocês terminaram, mesmo? Assim, se for muito pessoal não precisa responder.

— Ah, tipo assim... Não tava dando certo. Surgiram novos... — E observou Sarah de cima a baixo — Interesses — completou com um meio sorriso, encontrando o olhar da garota.

Uma Sarah muito vermelha olhou para todas as direções, menos para Isabella, que agora sorria notando a vergonha da amiga. O sinal não tardou a tocar, o que salvou a garota da situação embaraçosa. Dirigiu-se à quadra, onde aconteceria a palestra de jornalismo, à qual prestou muita atenção. Quando essa se findou, porém, seu pensamento voltou a girar em torno de Isabella.

O porteiro a barrou na saída, dizendo que deveria permanecer na escola, no mínimo, até o horário normal de saída. Assistiu, portanto, a mais duas palestras: de história e de letras. Lívia estava na última.

— Liv? Essa cadeira tá vazia?

A menina desviou o olhar do livro que lia e encontrou Sarah a observando. Estava um pouco surpresa e olhou discretamente ao redor procurando por Isabella. Ao checar que Sarah vinha sozinha, abriu um sorriso e indicou a cadeira.

— Sente-se.

— Olha, Lívia, só porque você vai fazer letras não precisa falar formalmente, com essas ênclises — brincou Sarah.

— Pô, velho, senta aí, mano — retrucou Lívia, não sem antes revirar os olhos.

— Será que me enganei e você vai cursar sarcasmo?

— Disso não preciso, já sou expert. No mais, só costumo falar formalmente quando estou desconfortável. Ou nervosa. Quando é essa a situação, eu uso mais para me controlar, porque preciso pensar antes de falar alguma coisa. Mas quase nunca funciona, eu sempre me irrito demais e escorrego nas palavras todas.

— Pera, pera. Está dizendo que não fica confortável perto de mim?

— Não! Não, não é isso. Tipo, meio que é, mas não porque não gosto de você ou algo do tipo. Não. Eu demoro a fazer amizades, não gosto de me abrir, mas já tinha me acostumado a você. Só que a gente se afastou e tal... Aí não é tão simples agir como antes, sabe?

— É... Não, eu entendo. E, bem, a Isabella me contou o que aconteceu com vocês, então eu sei porque você não anda mais com a gente.

— Sim, Sarah, mas não é como se você tivesse me procurado.

Sarah corou. A amiga (?) não estava errada. Enquanto Lívia se afastava, ela não fez nada para impedi-la. Foi então que a palestra começou e as duas não mais se falaram. Na saída se despediram e Sarah foi a casa.

Durante as próximas semanas, Sarah tentou procurar Lívia, mas não poderia simplesmente abandonar Isabella. Por isso, a situação não mudou muito. Já sua relação com Bella evoluía para algo além da amizade. Durante o recesso de julho, elas se encontraram repetidas vezes para assistir a filmes ou séries. As indiretas que trocavam estavam cada vez mais intensas. Foi num desses encontros que Isabella beijou Sarah e, desde então, a televisão passou a ser só um barulho de fundo.

Algumas semanas depois da volta às aulas, Sarah e Isabella oficializaram o namoro. Aconteceu quando estavam sentadas em um banco do parque da cidade e Sarah encontrou uma amiga. Acidentalmente, apresentou Isabella como sua namorada. Quando estavam novamente a sós, Bella a fez enrubescer com um “namorada, huh?”, mas não negou o título.

No colégio, usavam a biblioteca para sessões de amasso, já que não era permitido namorar dentro dos domínios escolares — regra que era constantemente quebrada, mas os zeladores faziam vista grossa. Se elas o fizessem em público, porém, teriam problemas, porque eram duas garotas e muitos reclamariam com a direção.

Em agosto, num fim de semana, os pais de Isabella viajaram e a deixaram sozinha em casa. Claro que Bella não perdeu a oportunidade de chamar a namorada para dormir em sua casa e Sarah não recusou o convite.

Começou como sempre: beijos no sofá enquanto assistiam a “Imagine eu e você” pela milésima vez. Logo Isabella ignorou completamente o filme e foi para o colo de Sarah, depositando beijos, chupões e mordidas no pescoço da namorada. Quando perceberam, já estavam no quarto de Bella, apenas de roupa íntima, uma seleção de músicas lentas tocando ao fundo. Sarah era virgem, mas não demonstrou nenhum nervosismo enquanto era guiada pela garota mais experiente.

Três meses depois, era a festa de formatura, na qual as três salas do terceiro ano se juntavam. Sarah e Isabella chegaram de mãos dadas, o que provocou comentários: alguns eram maldosos, mas no geral eram apenas demonstrações de surpresa e votos de felicidade. Na verdade, a opinião dos colegas não era importante: o mais difícil fora contar para as famílias das duas, mas essas aceitaram bem o relacionamento das meninas.

Aparentemente, não foram as únicas a assumir um namoro. Lívia chegou poucos minutos depois junto de uma garota que não era do colégio. Poderia ter se passado apenas por uma amiga de Liv, mas elas se beijaram na pista de dança. Sarah, ao ver a cena, virou-se para dirigir um comentário a Isabella, sobre como era bom que Lívia tivesse achado uma outra pessoa, mas interrompeu-se ao ver o olhar de desespero e confusão no rosto da namorada.

— Am... Bella?

— Hm? — A menina tentava, sem sucesso, suavizar sua expressão. Não conseguiu, tampouco, olhar para Sarah: sua vista estava focada na ex-namorada.

— O que ac—

— Preciso ir no banheiro — interrompeu, já saindo dali. Quando Sarah olhou novamente para a pista de dança, Liv não estava mais ali e sua acompanhante estava sentada, provavelmente esperando seu retorno.

..........

— Mas que merda é essa, Lívia?! — disse Isabella, com voz alterada, enquanto batia e trancava a porta do banheiro atrás de si.

— Hm... foi só xixi, na verdade. — Estavam sozinhas.

— Tô falando dessa vadia com quem você veio?

— Oi?! — Liv, indignada — Essa “vadia” é minha namorada, e lave essa sua boca hipócrita antes de falar dela.

— Como “namorada”?! Você gostava da Sarah! Eu lembro, você me disse!

— É, e aí você monopolizou a garota e começou a dar em cima dela. Ela era uma paixonite, Isabella, eu não ia passar a disputar meninas com você.

— Uma paixonite, você diz, mas terminou comigo por causa dela.

— Não. Não, não. Disse que estava apaixonada por ela, mas você sabe muito bem que não foi o motivo principal de termos terminado. Nós vivíamos brigando, Isabella. Conte quantas vezes já tentei terminar com você antes, sempre por causa de uma cena ridícula sua. Eu disse: a gente já não estava mais dando certo. Eu perdi a pac— segure essas lágrimas! Elas já me comoveram muitas vezes, Isabella, mas eu já tenho ciência da ótima atriz que você é.

— Você sabe por que eu estou com a Sarah, Liv... Eu não podia deixar você ficar com ela. Se não eu, ninguém mais pode ter você. Eu te amo, Liv. Eu te amo!

— Mais uma vez, eu repito: isso não é amor, Isabella. É obsessão. Já foi procurar um psiquiatra, como eu lhe recomendei? Mostra-se cada vez mais necessário.

Com isso, Lívia deu as costas para Isabella, de expressão completamente descontrolada. Quando abriu a porta, Sarah estava na soleira, incapaz de conter as lágrimas. Liv, com os olhos marejados, paralisou-se e fez algumas tentativas de falar alguma coisa — qualquer coisa — para a menina, mas nada saiu de sua boca. Ela apenas balançou a cabeça para os lados, como um pedido de desculpas, e saiu dali.


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