A noite estava tranqüila e um fresco vento balançava as cortinas da sala da casa. Jhon estava sentado no sofá, com Daniel do seu lado, vendo um filme que passava na televisão. Cíntia terminava de preparar o jantar na cozinha, e o velho Lester, parado em frente a porta, olhava para as panelas, ávido por um pedaço de carne.

- Tenha calma Lester, depois eu dou o seu jantar, disse secando as mãos em um pano que estava no ombro direito. O cão em resposta, lambeu os lábios nervosamente.

Lucas tinha ligado antes e avisado que ia demorar um pouco pra chegar em casa. Mesmo assim, Daniel pediu para que Cíntia só servisse o jantar quando todos estivessem à mesa, e isso incluía Lucas. Ela consentiu, e pensou que seu marido estava começando a dar a atenção devida a eles. Já fazia um bom tempo que não via Daniel participar dos assuntos da família. Agradeceu em silêncio por Jhon estar bem, mas mais ainda, passou por sua mente que foi até bom ele ter tido aquele surto, pois fez Daniel abrir os olhos e ver o quão longe deles ele estava.

- Que Deus me perdoe por esse pensamento insensato, rogou em voz baixa.

O interfone tocou, e Cíntia ouviu a voz de Lucas pelo aparelho. Logo estava entrando na casa, e viu Jhon e Daniel sentados no sofá. Um sentimento de alívio o preencheu, ao ver o irmão bem nos braços do pai. E como sempre, teve inveja de vê-lo tão aninhado a Daniel. Ele queria estar no lugar do irmão, sendo amparado pelo pai, recebendo um forte abraço dele. Mas não podia dar o braço a torcer, por enquanto não.

- Ah boa noite filho, como você está? Perguntou Daniel,levantado do sofá, com Jhon ao seu lado. – Estávamos esperando você para o jantar.

 - Boa noite. – jogou a mochila para o canto e se jogando na poltrona do lado, continuou. – Eu estava no ensaio com a banda até agora, porque esse foi o ultimo que tivemos, e não podemos vacilar na apresentação sábado.

- Até que enfim você chegou hein meu filho! Arquejou Cíntia chegando na sala. – Vamos jantar então? - Oba, to morrendo de fome mamãe! Se prontificou Jhon, já indo pra cozinha. - Eu também to com muita fome mãe, disse Lucas. Vou lavar as mãos.

Se sentaram na mesa, e começaram a se servir. Jhon parecia que tinha andado meio deserto do Saara, pela voracidade e rapidez com que comia.

- Vá devagar Jhon, você não vai viajar! Repreendeu a mãe.

Lucas comia calmamente, mas estava quieto, pensando em algo. Não reparou em como Daniel olhava para ele, e como Cíntia estava supervisionando as artes de seu irmão.

- E a viajem que vocês tinham programado para o fim de semana, ainda está de pé? E Lucas saiu de seu devaneio, levando o garfo com um pedaço de carne à boca.

Cíntia parou e voltou sua atenção para Daniel nesse momento. Ele, que estava terminando de engolir uma garfada de comida, olhou para Lucas, e voltou para o prato de comida.  Jhon, também parou de devorar sua comida e ficou olhando para pai e irmão. – Tomara que eles não comecem a brigar, pensou o garoto.

- Bom eu acho que vamos ter que deixar pra outro momento. O que aconteceu hoje, acho que o Jhon não está totalmente recuperado pra fazer uma viajem longa. Por isso, vamos ficar por aqui mesmo.

- Certo, disse Lucas entre uma mastigada e outra.

  Cíntia deu uma expirada longa, e agradeceu que a resposta não se estendeu para uma discussão, típica dos dois. Jhon voltou para seu jantar, e também agradeceu em silêncio. O jantar terminou, e Cíntia limpou a cozinha e não esqueceu do jantar de Lester. O cachorro aguardava eufórico pela comida, engolindo em grandes bocadas. Daniel e os filhos voltaram para a sala, e na TV passava um jornal internacional. Lucas estava quieto como sempre, Jhon sentado na outra poltrona quase dormindo, e Daniel no sofá grande, vendo o noticiário. Logo, Cíntia se juntou a ele, se aconchegando aos braços do marido.

- Papai eu to com sono, o senhor pode me levar pra cama? Pediu Jhon, coçando os olhos que teimavam em se fechar.

- Claro filho. Pegou Jhon no colo e foi subindo as escadas em direção ao quarto do menino. 

O quarto, impecavelmente arrumado, estava com a luz acesa, e a cama de Jhon pronta para recebê-lo. Daniel o colocou lentamente , e o garoto já estava dormindo em seus braços. Deu-lhe um beijo e apagou a luz, deixando somente a do abajur acesa. Voltou para a sala, e viu que Lucas estava ao lado de Cíntia. Ela afagava os cabelos longos do filho, e Daniel teve vontade de estar no lugar dela. Precisava da atenção de Lucas, muito mais que Cíntia. Ficou ali no alto da escada vendo os dois conversando e se dando tão bem. Desejava um dia, abraçar Lucas e afagar seus cabelos, e dizer-lhe que sua vida só seria completa com ele ao seu lado.

- Jhon está dormindo como uma pedra querida, e acho que foi por causa do remédio que o doutor deu a ele, disse descendo as escadas. - Que bom. Amanhã ele vai acordar bem melhor.

Ele sentou-se ao lado de Cíntia, e Lucas estava deitado, com a cabeça nas pernas da mãe. Parecia estar cansado, pelo que Daniel pôde notar, mas não quis perguntar. Cíntia dava sinais de cansaço também, e deu um bocejo.

- Nossa, me deu um sono de repente gente! Melhor eu ir me prepara para deitar. – levantou-se, e Lucas a acompanhou. Ela se virou para Daniel, e perguntou: - Você vem querido?

- Vou me deitar também. Eu to muito cansado, bocejou Lucas. - Então vamos todos nos deitar! Disse Daniel, e seu corpo se arrepiou, e ele sabia o que isso significava. Mais uma noite e madrugada acordado, e ainda tinha a possível visita do maldito monstro.

Subiram as escadas e no corredor, Lucas parou em frente ao quarto. Virou para os pais e deu-lhes boa noite. Eles retribuíram o boa noite, e andando em direção ao quarto de casal, foram interrompidos por Lucas novamente.

- Bom, já que vocês não vão mais viajar, eu queria saber se vocês estão afim de ver a minha apresentação depois de amanhã. – Ele fez a pergunta já sabendo a resposta: "- Adoraria ir filho, mas você sabe né tenho muitas coisas pra fazer aqui em casa, sem contar que tenho manicure a tarde, salão...- e de seu pai, receberia o comum: - Não posso, tenho que ir na empresa passar instruções para os funcionários enquanto estou de férias."

- Adoraríamos ir na sua apresentação Lucas, disse Daniel. Por isso, vamos eu, sua mãe e o Jhon também. Não vamos viajar mesmo não é verdade querida? Olhou para Cíntia, e seus olhos suplicavam para que ela o acompanhasse na resposta.

- Claro querido, vai ser ótimo! E houve sinceridade na voz dela.

- Legal! E Lucas deu um sorriso amplo, limpo. Há anos que Cíntia não via um sorriso tão bonito no rosto do filho, era sempre de cara fechada, sem expressão, frio. Ficou até surpresa ao ver. – Bom, boa noite de novo pra vocês.

 - Boa noite filho, disse os dois.

Chegando ao quarto, os dois comentaram sobre a felicidade estampada no rosto de Lucas, do trauma que Jhon sofrera, e da trégua que Daniel fez com o filho mais velho. Cíntia achou isso um absurdo, um pai ter que pedir trégua para um filho. Mas os dois eram homens, e homens tem seus próprios métodos de se entenderem. Se deitaram na grande cama, se amaram, e Cíntia estava exausta. Daniel parecia insaciável. Ficaram abraçados, e logo Cíntia adormeceu. Tudo estava escuro, e o silêncio imperou no quarto. Seu medo começou a dominá-lo. Olhava para as paredes, esperando que o monstro aparecesse de uma delas a qualquer momento.

- Tenho que manter a calma, tudo está bem. – dizia para si.

As janelas estavam fechadas, e ouvia baixo o barulho dos carros passarem na rua. A porta do banheiro estava aberta, e sua mente trouxe à tona a imagem da aparição-Jhon segurando o gato morto-vivo nas mãos. Um calafrio percorreu seu corpo rapidamente, eriçando os pêlos da nuca. Pediu a Deus por proteção, e abrindo os olhos, o quarto ainda estava ali. Normal, com todos os moveis em seus devidos lugares. Daniel respirava profundamente, e teve vontade de acordar Cíntia para ajudá-lo a dormir, mas ela dormia tão aconchegada nas cobertas que preferiu não incomodá-la. Pensamentos de todos os tipos invadiam sua mente, numa mistura de medo, surpresa, aflição, e em dado momento com os olhos fechados, ele adormeceu profundamente.