Pessach, obligations and rewards escrita por Aline


Capítulo 1
Passagem, obrigações e recompensas


Notas iniciais do capítulo

Hi, hi!



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“Você vai comigo à Pessach.”

Foi exatamente isso o que a minha namorada me disse, sem perguntas, era uma ordem. Por alguns estudos, eu sabia que aquilo era a celebração dos judeus pela libertação de seus antepassados da escravidão no Egito, mas não fazia ideia dos motivos de Sam querer ir a tal festividade. Foi quando me lembrei de que ela fingia ser judia, ou alguma coisa assim, para sua avó, o que realmente me deixava barbarizado, porque é inacreditável absorver que um Puckett possa ter raízes religiosas. Ela me disse que só a sua avó e duas tias patéticas (na verdade a loira acrescentou uns xingamentos à essa parte da família, dos quais não me recordo) seguiam o judaísmo, mas Pam fizera questão de empurrar as duas filhas para passarem-se por judias afim de que estas tivessem algum privilégio com a avó.

-Nós três nos revezamos. Ano retrasado a Melanie deu um jeito de vir pra cá e ir nessa coisa estúpida, no passado a minha mãe foi, e nesse eu vou sofrer a tortura!- Ela reclamou, enquanto bufava e mastigava presunto.

-Escuta, os judeus não fazem jejum um dia antes da Pessach pra homenagear os primogênitos salvos da última praga no Egito?- Questionei, lembrando-me de ter lido algo assim na internet.

-E daí? Eu não sou mesmo judia... Nem morrendo eu vou ficar um dia inteiro inteiro sem comer por essa babaquice.- Sam revirou os olhos, rindo de mim por ter cogitado isso.

-Okay, mas... Ahn, eu não vou saber o que fazer lá porque...

-Diz “shalom” quando entrar, fica calado durante toda a porcaria que é essa festa, e repete o mesmo quando estivermos saindo.- Ela instruiu, e eu comecei a me perguntar o porquê dela querer me levar junto, já que não faria nada sequer manter presença. A indaguei sobre tal.- Eu odeio a Pessach, e detesto aquelas tias certas e chatas e suas famílias inúteis, então se for pra conviver por horas com essa pequena parte da família medíocre, tem que ter alguém pra compartilhar a merda que é me sentar à mesa e ficar ouvindo gente velha recitar parábolas em hebraico.

-E por que eu?- Insisti, afinal ela podia levar a Carly.

-Porque quando voltarmos, você vai me deixar em casa, e como a minha mãe tá namorando um cara de outra cidade e não fica mais lá desde semana passada, nós... Podemos aproveitar.- Sugeriu, surpreendentemente largando o presunto e mesclando rapidamente nossos lábios em um beijo insinuante.

Ah sim, eu iria.

***

-Por que não vamos de táxi?- Perguntei, enquanto Sam e eu já esperávamos por quase uma hora em uma parada de ônibus.

-A minha avó mora longe...- Começou, franzindo a testa por causa do sol forte da tarde, ela usava um vestido que eu nunca havia visto, e a deixava atraente demais para uma comemoração religiosa.- Você não vai querer pagar uma corrida tão cara.- Disse, se virando para mim com um olhar bravo.

-Não começa, é você quem tá dizendo isso!

-Eu te conheço, Benson, não se finja de despreocupado, posso até ver seu rosto se contorcendo em desgosto pelo dinheiro gasto.

-Inacreditável você remoer algo tão irrelevante...

-Você é irrelevante!

Quase quinze minutos depois de gritos, fomos parados pelo choro infantil de um garotinho que também estava na parada, junto à sua família de cinco pessoas. Não, o menino não estava aos prantos porque minha namorada e eu estávamos discutindo, ele comia um biscoito e este acabara, o fazendo pedir por mais com um choro agudo.

-Dá pra calar a boca disso?- Sam apontou o menino escandaloso, e os pais deste a miraram com descrença, provavelmente porque ela e eu estávamos segundos atrás brigando em um tom tão ou mais alto.

-Você não pode pedir isso à eles! Estava gritando até agora.- Revidei, tentando repreendê-la.

-Não ouse me dizer o que fazer.- Ela se virou, furiosa, e eu pensei se me bateria ali tamanha sua raiva.

Mas só continuamos a discutir incessantemente, com o choro do garoto ao fundo, tentando, sem sucesso, ser maior que as nossas vozes. Os pais do menino pareceram aliviados quando viram o sétimo ônibus que passava por aquela parada. Evidentemente era o deles, e ambos pareciam torcer para que não fosse o nosso também.

-É esse?- Perguntei à Sam, buscando acalmar a situação.

-É.- Ela resmungou, caminhando apressadamente até o ônibus, levando-me a segui-la. Com sorte, o veículo fazia uma de suas primeiras paradas e por isso estava quase vazio, o que nos fez encontrar lugares facilmente.

Sentamo-nos, ainda emburrados, mas alguns minutos depois, de alguma forma imprevisível que me fez refletir sobre isso dias depois, estávamos bem novamente, e nos agarrando em um banco dos fundos.

Incrível como nos reconciliamos depressa. Incrível como Samantha Puckett...

***

Acho que uns quarenta minutos mais tarde, não havíamos saído do maldito ônibus que tremelicava mais do que o normal.

-Amor, porque ainda não descemos?- Questionei, assim que cessamos um beijo, e com certeza minha voz estava sofregamente ofegante.

-Não passamos pelo lugar desejado...- Ela explicou, puxando-me novamente pelo pescoço e mordendo meu lábio inferior.- Mas agora é.- Disse subitamente, me soltando e puxando o cordão acima que emitia o pedido de parada. Quando saímos, me dei conta de que jamais havia estado naquela rua.

-Onde... fica a casa da sua avó?- Falei, entrelaçando nossas mãos.

-Ficava ali.- Sam apontou tranquilamente para uma área de destroços de cimento e tijolos. Arregalei os olhos, imaginando se minha namorada havia pagado alguém para demolir a residência da própria avó ou feito isso sozinha.- Mas provavelmente ela se mudou, ela... se muda com frequência.

Claro, até a parte pacífica dos Puckett precisava ser incomum.

-Você não devia ter ligado pra ela e perguntado, não sei, pelo menos... ontem?- Perguntei, indignado.

-Não tente me aborrecer mais!- Disse, puxando sua mão e revirando os olhos.

-Como vamos sair daqui agora? Você nos colocou nessa...

-Olha...- Ela devia estar pronta para me ofender, e apenas não continuou pois fomos abordados por dois grandes cães raivosos que corriam de uma casa barulhenta ao lado.

-Okay, vamos sair daqui.- Adverti, tentando puxá-la mais uma vez.

-Qual é? Vai ficar com medo, Benson? Eu mesma posso dar um fora neles.- Disse, e antes que eu a parasse, ela realmente bateu violentamente nos focinhos dos animais e eles correram de volta pra casa, mas retornaram em menos de um minuto, acompanhados de mais sete cães.- O quê? Quem guarda nove disso num lugar só?- A loira perguntou, perplexa, e me mirou de repente, como se esperasse que eu tivesse a resposta.

-Ahn... Um... amante de cachorros...?- Sugeri, percebendo que eles corriam em nossa direção. Espera, desde quando animais tem todo esse senso de vingança?- O que fazemos?- Prossegui.

-Corre!- Falou, e o fizemos sem mais demora.

Devemos ter passado quase vinte minutos à passos apressados para só então conseguirmos despistá-los, ao entrarmos em uma pequena e desconhecida lanchonete, onde alguns caminhoneiros lanchavam em pratos generosos.

-Sabe onde estamos?

-Não!- Sam quase gritou, secando a testa suada que grudava sua franja ao rosto. Ela estava linda e desesperada.- Hey, você.- Voltou a se pronunciar, indo até um homem alto e sujo, que comia ao lado de uma mulher e dois garotos.- O panaca do meu namorado e eu estamos perdidos, você vai nos dar uma carona de volta.

-Sam, eu não acho que ele...- Tentei intervir, buscando não dar importância à sua ofensa em relação à mim.

-Calado.- Me silenciou, bufando, se virando novamente para o homem.- Qual o teu nome?

-Blender.- Okay, aquilo era um sobrenome, mas não liguei para isso, prestando atenção no tom cansado do cara, que claramente não pretendia nos auxiliar.

-Sua família?- Sam indicou a mulher e os meninos ao seu lado, e o homem assentiu, zangado pela interrupção.- Estão voltando de uma longa viagem?- Ela parecia saber de tudo, pois a figura concordou de novo.- Antes de vocês irem pra casa, vão nos levar ao Bushwell.

-Garota, você não...- Blender iniciou, com uma voz muito grave.

-Você. Vai. Nos. Levar.- Ela insistiu, batendo os punhos cerrados sobre a mesa de madeira, e fitando o homem de forma intensa. Mas... seria impossível intimidar um cara daqueles, certo? Mesmo sendo a Sam... Ah, não, errado. Blender concordou, suspirando com pesar. Como ela... Como? Oh, sim, Sam consegue qualquer coisa, inclusive me enlouquecer, nos mais diversos sentidos.-Dei um jeito.- Disse, me mirando com um sorriso vencedor. Ergui os braços em redenção.

Após terminarem a longa refeição, o homem e sua família nos mostraram o caminhão em que viajavam. A mulher e os dois meninos foram para a parte da frente, enquanto Blender nos levava para a traseira do veículo. Ele abriu as duas portas e, com uma risada incontestável, nos mostrou os... corpos?!

-Vocês podem se acomodar aí...- Falou, e não ouvimos a continuação, pois já estávamos correndo na direção contrária.

Blender era evidentemente um assassino! Bom, aquilo também podia ser apenas artificial, mas... Se não fosse, significaria que ele tentaria nos incluir em sua lista de cadáveres.

Mais alguns minutos de corrida – aquilo já estava me cansando, e à Sam também – nos acalmamos, sentando-nos numa calçada meio suja e fria, já que a tarde estava se encerrando.

-Que ótima carona...- Murmurei.

-Você não sabe de nada. Poderia ser ótima, só sabemos que não seria segura.- Ela retrucou, em um tom de repente ameaçador.

-Poderíamos estar mortos!

-Só se você deixasse, pateta.- A escutei, mas decidi ignorar, abraçando-a de lado.- Freddie...

-O quê?

-Eu nos fiz pegar o ônibus errado.- Sam admitiu, sorrindo descaradamente.

-Ahn... Você... O quê? Por quê?!?- Perguntei, exaltado. Aquilo era mesmo sério?

-Não queria ir pra Pessach.

-Tá, então por que simplesmente... não foi? Por que me envolveu nisso?

-Eu não queria, mas eu ia pra lá.- Falou, me deixando triplamente confuso.- Tínhamos que pegar o ônibus 33, mas... fomos no 37.

-De propósito?- Indaguei, ainda perplexo.

-Mais ou menos... Eu quis perturbar aquela família irritante, indo com eles.- Ela disse, se referindo aos pais do garotinho que chorava.

-E a mim também?

-Talvez.- Sussurrou.- Mas tenho outra coisa pra você...- Unimo-nos mais, e eu apertei sua cintura, sentindo-a pressionar meu pescoço com as duas mãos, aprofundando o beijo.- Você paga o táxi e vamos pra minha casa.- Emitiu em uma voz sedutora.

-Ainda mereço ser recompensado?

-Acha que sim?

-Eu desejo muito.- Inquiri, arfando próximo à seu pescoço, e percebendo que ela havia se arrepiado.

Oh, sim, eu paguei o táxi e fomos para sua casa.

Samantha Puckett sempre foi... É complicado dizer algo em termos de “sempre”, porque ela é imprevisível e na maioria das vezes eu nunca soube o que esperar: se uma agressão verbal ou física, ou, enquanto namorávamos, brigas de casal, beijos ou mais. Todavia, posso afirmar - baseado nos momentos maravilhosos que tivemos e que eu sempre lembrarei ou dos instantes frustrados dos quais ela me fez esquecer deslumbrando-me com ocasiões formidáveis - que Sam sempre foi apaixonante, ela sempre foi a mais...


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