Os olhos negros de Susan dançavam sobre mim, em uma dança duradoura, aquelas de baile. Vagavam tão lentamente que parecia estudar cada pedacinho de mim, como se fosse a matéria mais difícil da escola e que justamente a que ela estava com dificuldades para entender. Quando seu trajeto terminou em meu pescoço, cravou as órbitas tempestuosas em meus olhos e disse com uma voz fraca:

–Está atrasado, Rick.

Isso havia iniciando há pouco tempo atrás... Esse desespero por saber onde eu estava e com quem. Ou marcar o tempo em que eu saía de casa e que horas eu iria voltar. Me ligar a cada 10 minutos no trabalho e surtar se uma mulher atendesse meu telefone. E não a culpo por isso, quer dizer... Ela definitivamente não era assim quando começamos a namorar na faculdade - Nós ríamos de tudo, andávamos de mãos dadas, ainda tinha o tempo no intervalo em que dávamos um sorriso bobo um para o outro. Coisas fúteis que qualquer adolescente apaixonado faria. Mas nos formamos. Então ela trazia suas roupas para minha casa e as guardava no meu armário, no banheiro havia também loções femininas, e, quando fui ver, já estávamos morando juntos, assim do nada. Ainda com a ilusão adolescente em minha mente, permiti que ela fizesse tudo aquilo e a dei intimidade o bastante para fazermos coisas que só casados fariam. Não me importei muito no começo, até porque tinha o emprego dos meus sonhos - Colunista em um jornal local, escrevia as notícias da cidade e fazia de tudo para ficar perfeito. Em seguida, vi o inferno na minha frente. Susan não gostava da secretária, então tive que desfazer umas das mais sinceiras amizades que eu tinha na empresa. Depois haviam as outras colunistas, e depois outra secretária, e depois várias outras mulheres que, na opinião dela, estavam dando em cima de mim. Achando que aquilo tudo era ciúmes bobo, e que ela era a mulher da minha vida, eu a pedi em casamento um tempo depois. Nós já agíamos como casados, lembra? Eu pensei que não faria grande diferença, e Deus, como eu amava aquela mulher, mas como ela foi capaz de mudar tanto assim?

–Me desculpe, Susan. Eu estava fazendo uma redaç... - Fui interrompido pela seu indicador que pairou sobre meus lábios, mandando eu calar a boca.

–Só não se atrase de novo. - Deu um sorriso ameaçador. Seus lábios estavam alinhados perfeitamente em um batom vermelho-sangue. - Afinal, vamos nos casar, não vamos?

Balanço a cabeça afirmadamente.

–Podíamos ir em um hotel que eu vi na internet. Ele era lindo! Tem vista para um lago e tudo! fica em Hoboken, uma cidade rural.

❄️

Abri os olhos em um certo susto. Ver aqueles olhos novamente, mesmo nos sonhos, não me davam boas lembranças. Sonhei com Susan, é a primeira vez que a vejo tão nitidamente depois de uma semana inteira. E acredite se quiser, eu até estava conseguindo apagar ela da minha memória por um certo tempo, eu me preocupava mais com Melissa esses dias, e comigo mesmo, é claro. Mas bastou me recordar do dia em que ela anunciou que queria vir para Hoboken, e me mostrou na tela do notebook o hotel em que eu estava nesse momento para a mesma dominar minha cabeça novamente... Isso não importa mais, só foi uma espécie de flashback, devo esquecer isso e me preocupar mais com o que está acontecendo neste momento.

Quando meus olhos se acostumam com a escuridão que estava naquele quarto, sem ser pela TV que estava passando os créditos finais de algum filme. Eu percebo que meu braço está dolorido, e muito. Foi então que percebo que Melissa aconchegada, dormia sossegadamente nele, vi um sorriso inocente nascer em seu rosto mostrando suas covinhas, com certeza tendo um sonho melhor que o meu.

Me surpreendi ao perceber que eu estava assistindo ao filme que acabara de terminar, e simplesmente apaguei do nada, com Melissa não deve ter sido muito diferente. O sorvete ainda estava sobre a cama, Mel segurava o controle com uma mão. Então comecei a rir daquela cena.

Melissa despertou um pouco assustada, arregalando os olhos. Seus olhos azuis como o começo de uma tarde de verão cravaram em mim.

–O que foi?! - Perguntou, me olhando. - Droga, o que tô fazendo aqui?

–Eu que pergunto, Mas aí, o filme é muito bom, né? - Perguntei irônico, já que ela que tinha escolhido o filme.

Ela franziu as sobrancelhas, levantando-se do meu braço.

–O segundo é mais legal, tá?

Desligou a TV.

Arrumamos a bagunça que estava ali juntos, pois ainda naquela tarde já vieram arrumar,e seria muito envergonhoso pedir para limpassem novamente aquele quarto. Abrimos a janela para entrar um ar fresco e decidimos dar uma caminhada pela cidade, já que iríamos ir embora ainda hoje. Mas claro, primeiro a levarei para furtar bebidas no mercado e beberíamos no caminho, tenho que me lembrar de beber pouco, pois irei estar dirigindo.

Coloco um moletom cinza escuro que tínhamos comprado, Melissa põe um sobretudo preto e arrumou o cabelo em um rabo de cavalo alto. Estava tão frio na cidade que eu trincava os dentes sem nem ao menos ter colocado meus pés lá fora. Arrumamos nossas poucas roupas que tínhamos e colocamos no carro, damos a chave para a mulher gordinha do outro lado do balcão, agradecendo por tudo. Pude jurar que ela mordeu os lábios quando me encarou, numa tentativa totalmente miserável de ser sensual.

Andamos em passos lentos por um momento, até que Melissa disse que eu não corria mais rápido que ela, e eu, como sou um homem adulto e responsável, fiz uma aposta: Quem conseguisse chegar primeiro na árvore podia perguntar o que quiser um para o outro, exatamente o que quiser.

Contamos até 3 em alto e bom som, e começamos a correr. Correr como se aquilo dependesse da nossas vidas, Melissa explodiu em gargalhadas ao ver que estava ganhando, então não vi outra opção a não ser a puxar para ela cair. Acho que ela ler mente ou algo do tipo, pois quando fiz exatamente isso, ela me puxou junto também, e nós dois acabamos caindo.

–Ei, Isso não vale! - Mel resmungou, jogando algumas folhas secas em meu rosto por discórdia.

–Você tá maluca. - Minha risada misturou com a sua. - Você que estava na minha frente... - A puxo na minha direção, e a faço passar por cima de mim, pairando em meu lado. - Atrapalhando o caminho do atleta aqui.

–Idiota.

–Chata.

Nos encaramos por alguns segundos. Eu fitei os olhos dela, que revelavam toda a felicidade que a mesma sentia, ela sorriu para mim. O sorriso mais sinceiro do mundo.

❄️

Eu e Melissa fomos ao mercado, e eu a ensinei colocar rapidamente a garrafa na parte interior do casaco. Ela se negou a fazer isso, afirmando que seria presa. Mas depois de muito insistir, assim fez, e saímos do mercado como se não quiséssemos nada. Fizemos um brinde pela nossa "aventura" já longe do mercado. Melissa estava dizendo que ia voltar e pedir desculpas ao senhor, mas eu falei que se ela voltasse para aquele mercado eu iria dar partida no carro e deixar ela para trás. Mesmo ela não acreditando que eu faria isso, não quis ver com os próprios olhos e aceitou o destino. Viramos as garrafas no carro, bebendo e rindo ao mesmo tempo, como verdadeiros loucos.