Onde Nasce O Amor escrita por Sill Carvalho, Sill, Sill


Capítulo 4
Capítulo 04 – Nosso Anjo


Notas iniciais do capítulo

Oii, pessoal.
Ansiosas (os) para saber como termina?
Bem, antes vou deixar um agradecimento a duas pessoas queridas, que sempre comentam, e que também recomendaram a fic: Lili Swan e RebecaHarumi, muito obrigada. Espero que gostem do capítulo.

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No jardim, Rosalie recolheu todas as coisas que ela e Thedy haviam deixado pra trás. Para facilitar o trabalho enrolou tudo na manta que antes usavam para sentar-se, e voltou para a casa. Ao abrir a porta, percebeu que Thedy havia vomitado no tapete. Ainda estava curvado, com ânsia de vomito, e a pele de seu rosto quase translucida.

Preocupado, o garoto virou o rosto na direção de onde ela estava.

– Desculpe – pediu. Sua voz não passava de um murmúrio.

A manta, e todas as coisas embrulhadas nela, foram parar no chão novamente. Rosalie passou feito um foguete para a cozinha voltando apenas um segundo depois, trazendo um pano umedecido. Sentou ao lado de Thedy, e, devagar, começou limpar sua boca e queixo.

– Desculpe – o garotinho voltou a pedir.

– Shhhh. Está tudo bem, meu anjo. Está tudo bem. É apenas um tapete.

Afetivamente envolveu os braços ao redor do garoto, levando-o para sentar em seu colo. Encostou a cabecinha ao peito e o ninou. Teve ainda alguns espasmos, mas conseguiu relaxar e dormir.

Ainda estava no colo de Rosalie quando a porta da sala voltou a ser aberta, e Emmett passou por ela, com as chaves e uma pasta de documentos nas mãos.

– Está tudo bem amor? – perguntou, fechando cautelosamente a porta atrás de si.

– Agora está – ela respondeu com desanimo. – Pode levá-lo pra cama –pediu –, eu preciso retirar esse tapete daqui e pôr para lavar.

– Não se preocupe com o tapete, eu cuidarei disso.

Ele se movimentou pela sala deixando as coisas que trazia sobre o sofá desocupado. Em seguida afastou a mesinha de centro e começou enrolar o tapete que, por sorte, não era tão grande. Dava para retirá-lo sem fazer esforço algum.

– Sua mãe esteve aqui – ela avisou, quando Emmett se virou de costas e o silêncio pareceu inoportuno.

– Ela tratou você e Thedy mal?

Parou por um instante, observando o rosto dela, buscando algum indicio do que fora a visita de Margo. Rosalie desviou o olhar, buscando uma fuga para aquela conversa, se concentrando no garotinho que dormia em seu colo.

– Rose, me responda. Minha mãe tratou vocês mal?

– Deixa isso pra lá, Emm. Eu também não fiquei calada. Você sabe como eu sou...

Emmett estalou a língua, inconformado. Pegou o tapete sem dizer mais nada e o retirou da sala, passando pela cozinha, até desaparecer pela porta da área de serviço.

Muito devagar, Rosalie acomodou o pequeno corpo adormecido no sofá e pôs uma almofada embaixo da cabeça. Ajeitando a manta para aquecê-lo melhor.

– Eu volto logo – sussurrou.

Deixou o garoto sozinho e foi à procura do marido. O encontrou de frente para o tanque, empurrando o tapete na água que havia se acumulado ao sair da torneira. Assistiu-o acrescentar sabão e um tira manchas a água.

Sem dizer nada, ela deu alguns passos e parou ao ficar de frente a secadora de roupas. Com um pequeno movimento sentou-se sobre ela. Até então Emmett não tinha parado para olhá-la.

– Ficou bravo comigo? – sua voz soou insegura ao se dirigir a ele novamente.

Pela primeira vez desde que estavam os dois ali, na área de serviço, Emmett se virou na direção de onde ela estava.

– Não. Não estou bravo com você. Só estou chateado por minha mãe ter vindo até aqui importuná-los. Não sei o que pretendia com isso.

Rosalie estendeu o braço até alcançar o dele com a mão, incentivando-o a chegar mais perto.

No momento em que ficou de frente a ela, passou os braços fortes em volta de seu corpo. Ela apertou os dedos no tecido da camisa que ele usava, e, com o rosto escondido no peito largo, começou a chorar.

Emmett beijou seus cabelos louros, enquanto fazia daquele abraço ainda mais apertado.

– Não fique assim, querida... Eu vou falar com ela. Pedirei para não voltar mais aqui.

– Não. Não pode fazer isso, é sua mãe.

– Posso, quando ela faz mal a minha esposa e ao meu filho. Eu também a amo, mas está na hora de ela entender que, se não for para fazer o bem, não deve mais voltar.

Rosalie tornou apertar os dedos no tecido da camisa dele.

– Margo falou na presença dele, que não era nosso filho... Que era apenas um garoto que está morrendo – um soluçou escapou entre seus lábios. – Sabe isso não é o tipo de coisa que se diga a uma criança, muito menos uma criança como Thedy. Ele já tem sofrido tanto nessa vida, não precisa de mais coisas que lhe façam mal.

– Ela não vai mais voltar a fazer isso...

– Não quero que brigue com sua mãe por nossa causa.

– Não vou brigar.

– Ele está ficando cada dia mais fraco... – outro pequeno soluço a fez parar. – Não quero ter que me despedir... Aprendi amá-lo durante esse tempo juntos. Ele é adorável, Emm. E, às vezes, tão maduro pra sua idade. Estou certa de que o sofrimento é um grande empurrão para que algumas pessoas amadurecerem antes do tempo. E o nosso garotinho é uma delas.

– Eu também aprendi amá-lo. Mas, infelizmente, não há nada que possamos fazer para mudar isso. Se fosse uma questão de dinheiro, eu gastaria tudo o que tenho para salvá-lo. O levaria para qualquer lugar no mundo onde houvesse a cura para sua doença. Mas não depende de nós... Nem mesmo da força de nosso amor. Está nas mãos de Deus, Rose.

O que eles não sabiam era que Thedy estava acordado, e os observava, sem que percebessem sua presença, ao lado da porta que separava os dois cômodos. Saiu de lá, um pé atrás do outro, sem fazer barulho.

Novamente na sala, se pôs de joelhos diante do sofá e deu inicio a uma prece quase sussurrada.

– Senhor Deus, meu nome é Thedy, mas isso o senhor já deve saber. O reverendo Brown disse que o senhor sabe de todas as coisas. E que todas elas têm seu proposito.

Antes eu não sabia o que isso significava, agora eu sei. Então, o senhor deve saber que agora eu também sou um Hale McCarty. Emmett e Rose me tiraram do abrigo onde passei a maior parte de minha vida. Estou feliz porque, apesar de tudo, agora eu tenho pais carinhosos e que se preocupam comigo. Só que eles estão tristes... E isso também me entristece.

Senhor Deus, eu sei que deve estar muito ocupado com todos os problemas no mundo. E devem ser muitos. Mas eu gostaria de te fazer um pedido. Não, não é pra mim. Eu sei que vou morrer muito em breve. Sinto que o momento está se aproximando. O que vou pedir é para Rose e o Emmett; eles são meus pais agora. Assim como eu, eles também sabem que o fim se aproxima pra mim. Então senhor Deus, se puder, dê a eles alguém a quem possam amar e vê-lo crescer. Estou me sentindo muito fraco agora. Talvez falte pouco para me encontrar com o senhor – uma leve tosse chegou e fez com que a prece parasse por um instante. – Amém – voltou a dizer, mesmo com dificuldade.

A tosse que começou fraca ficou mais intensa impedindo- de respirar direito.

Antes que pudesse se deitar novamente no sofá, Rosalie e Emmett estavam ao seu lado, ajudando-o. Oferecendo o apoio de que precisava.

[...]

Poucos dias depois...

Thedy havia demonstrado uma pequena melhora se comparado aos dias anteriores. Emmett havia tirado o dia de folga para ficar com a família, e aproveitou para brincar um pouco com garoto no jardim.

O frio de fim outono parecia não incomodá-los.

Estavam envolvidos em um jogo de tacobol, no gramado desbotado, cujo Thedy estava vencendo. O garoto sorria parecendo muito feliz por estar vencendo o jogo. Claro que Emmett estava facilitando o jogo pra ele. E não se incomodava, de forma alguma, toda vez que o garotinho o chama de perdedor, após marcar um novo ponto. Apenas fingia estar decepcionado e mencionava que ainda tinha tempo de virar o jogo.

Em frente a casa, Rosalie conversava com a irmã Kate. De tempos em tempos fazia um afago no barrigão dela, e mencionava o quanto estava ansiosa para conhecer o sobrinho.

Ali mesmo de onde estavam podiam ouvir com clareza o que diziam. Seus risos e a comemoração sempre que um novo ponto era marcado.

– Eu sou mesmo muito bom nesse jogo – dizia Thedy, comemorando, erguendo as mãozinhas com o taco no alto.

Emmett chegou mais perto e o pegou no colo. No minuto seguinte, estava dando a volta pelo jardim. As folhas secas espalhadas estavam em menos quantidade agora.

– Eh, eh, eh! É isso aí! – comemorava o garotinho em meio a risos. Completamente agasalhado, somente seu rostinho pálido estava à mostra.

– Ele parece bem – comentou Kate, observando os dois se divertirem.

Naquele instante, Rosalie afastou a mão que acariciava o barrigão da irmã dando total atenção à cena em seu jardim. Um sorriso largo estava estampado em seu rosto. Mas bastou começar a falar que a preocupação tomou lugar.

– O Dr. Turner diz que são seus dias bons. Que é pra gente não criar esperanças... Thedy pode ficar mal novamente a qualquer momento, e que poderá ser a última vez.

Se mostrando compreensiva, Kate afagou o ombro da irmã.

– Você está sendo a melhor mãe que esse garoto poderia ter Rose. Está conseguindo fazer com que se sinta amado. Está lhe dando alegria. Não pode se sentir mal. Vocês são como anjos para ele...

Kate parou de falar no instante em que ouviu o garoto chamar por Rose.

As irmãs sorriram. Os dois faziam caretas um para o outro, como que disputassem algum tipo de campeonato. A cena enterneceu o coração das duas mulheres que os observavam.

– Parecem duas crianças – divagou Rosalie.

– Fico pensando se Garrett será assim com nosso filho – Kate comentou, enquanto acariciava a própria barriga.

– Ah, mas não tenho dúvidas – a irmã afirmou.

– Estou feliz por ele ter me deixado aqui hoje cedo, assim pude aproveitar o dia com vocês.

– Eu mais ainda – disse Rosalie, chegando mais perto para poder beijar no rosto da irmã. – Te amo, sabe disso não é? E estou feliz por vocês. Quero dizer, com a chegada do bebê e tudo o mais.

Parou de falar, no momento em que percebeu Thedy, paralisado, encarando o vazio. Foi tudo muito rápido. Antes que demonstrasse qualquer outro tipo de reação, o garoto tombou para o lado e caiu desacordado com as costas no chão.

Após um segundo em choque, conseguiu por fim abrir a boca com um grito de desespero.

– Thedy!

Moveu-se muito rápido, em menos de segundos estava ao lado deles; do marido e do filho, no gramado desbotado.

Emmett, de joelhos no chão, verificava a pulsação do garotinho. Embora o nervosismo o atrapalhasse, fazia o possível para se mostrar seguro. Tentando amenizar o inevitável.

– Oh, meu Deus! – disse Kate, enquanto tentava alcançar a irmã.

Ajoelhada ao lado dos dois, Rosalie tremia, imaginando o pior.

– Thedy – ela suplicou –, fala comigo. Thedy! Agora não, querido. Não faz isso. Ainda não estou preparada para te deixar partir. Fica aqui. Fala comigo – lágrimas lhe molhavam o rosto, enquanto suas mãos nervosas estavam ora nos braços do garoto, ora no rosto.

– Ligue para a emergência! – Emmett gritou por sobre o ombro com a cunhada. Mas Kate não podia correr. Subitamente Rosalie tomou consciência disso e reagiu, correndo para dentro da casa. A irmã foi logo atrás, o mais rápido que conseguia por causa da barriga pesada.

Emmett acolheu o corpo frágil em seus braços levando para a sala de estar, tirando-o do frio, aguardando a chegada da ambulância.

Kate tinha os olhos cheios de lágrimas, e, em momento algum conseguiu afastar as mãos da boca. Não queria que a irmã a visse chorando. Estava se controlando ao máximo, no entanto, todos os hormônios relacionados à maternidade não facilitavam em nada. Levando-a pensar em seu bebê, que ainda nem nascera, passando por algo parecido.

Quando Rosalie enfim conseguiu pegar o telefone, tremia tanto que o aparelho lhe escapou entre os dedos e caiu no chão. Recolheu apressada errando na primeira tentativa de discar o número. Tentou mais uma vez, e quando conseguiu, o apelo foi rápido, confuso e angustiante.

Em pouco tempo o som da sirene da ambulância estava nas redondezas.

[...]

Estavam todos no hospital, aguardando por informações, na sala reservada a família. As mesmas pessoas que estiveram na festinha de boas-vindas estavam também ali agora. Orando a Deus que aquele ainda não fosse o fim para aquela criança.

Rosalie chorava abraçada ao marido.

Toda família, que durante esse tempo aprendeu amá-lo, era o reflexo de uma dor contida.

Depois do que pareceram horas, o médico apareceu na sala, empurrando a porta vaivém. Todos os olhares se dirigiram a ele. Olhares de uma família que exigiam notícias, mas que fosse boa.

Depois de torturá-los na angustia o Dr. Turner por fim falou:

– Ele está consciente agora... – um a um todos soltaram o ar que prendiam nos pulmões, de repente, sentindo-se mais aliviados. O que durou apenas até o doutor voltar a falar. – Infelizmente o prognóstico não é nada bom. Sinto muito... É provável que Thedy não passe dessa noite.

A esperança daquela família escorreu como água da chuva no ralo.

Emmett segurou um soluço quando esse chegou à garganta. Precisava ser forte para dar apoio a esposa. Apesar de Thedy não ser filho biológico do casal haviam aprendido amá-lo como tal.

Do outro lado da sala de espera, Kate escondia o rosto no peito do marido, chorando assim como a irmã mais nova também chorava.

Um som gutural escapou dos lábios de Rosalie, se misturando a soluços e lágrimas.

– Amor para – tentou Emmett. – Não fique assim... Sabíamos que esse momento iria chegar. Tínhamos que estar preparados...

Ela soluçou, apertando os dedos no tecido da camisa do marido. Se negando aceitar o que já estava destinado.

– Não quero... Não posso. Ele é só um garotinho. Isso está errado. Muito errado.

Emmett apertou um pouco mais os braços ao redor do corpo dela, plantando um beijo em seus cabelos louros.

– Todos nós fizemos o que podíamos. Não está mais em nossas mãos...

– Não – negou-se outra vez, empurrando agora a mão no peito dele.

– Amor... Por favor... – ele sussurrou.

– Não... – ela tornou repetir.

– Thedy pediu para vê-los – outra vez a voz do doutor Turner atraiu a atenção da família. – Infelizmente, posso apenas liberar a entrada de dois por vez, três no máximo.

Prevendo que a esposa não aguentaria ir até lá agora, deixou que os outros parentes fossem primeiro. Conseguindo assim um tempo a mais para ela assimilar o que estava acontecendo.

Os primeiros a irem vê-lo foram Esme e Carlisle. Depois Jasper com Alice. Em seguida, Kate com Garrett. Isabella e o namorado Edward entraram junto com Otávio. Todos eles voltaram com os olhos cheios de lágrimas, senão limpando-as no rosto.

E então chegou à vez de Emmett e Rosalie.

Ele segurou firme na mão dela, dando alguns passos à frente. Seguiram em silêncio até parar em frente à porta correta. Emmett foi o primeiro a entrar no quarto, incentivando-a ir junto.

Rosalie tinha receio de olhar para o garoto e encontrá-lo tão mal. Escondia-se atrás do corpo do marido, como uma criança assustada. Engoliu o choro e segurou o soluço quando o sentiu vir à garganta.

– Oi, Thedy – esse foi Emmett, se esforçando ao máximo para transmitir segurança aos dois.

– Oi – o garoto respondeu, com a voz arrastada. Uma pequena tosse o acometeu assim que abriu a boca para falar. Respirando fundo logo depois.

Estava mais pálido do que jamais esteve antes. E ao redor de seus olhos, muito escuro.

Emmett se curvou de maneira que conseguisse beijar sua testa.

– Eu te amo, garotão – falou emocionado. – Sabe disso, não sabe?

Thedy afirmou com um leve movimento de cabeça. Prensou os lábios em uma linha reta, e sentiu a garganta coçar. Sua boca estava seca. Os lábios roxos, recados.

– Rose... – ele se esforçou a falar.

– Oi, meu anjinho, eu estou aqui.

Somente nesse momento obteve coragem para sair detrás do corpo grande do marido, e olhar o garotinho que aprendeu amar como filho.

Segurou na pequena mão, notando o quanto estava quente, e frágil.

– Sentem aqui perto de mim um pouco – pediu novamente se esforçando.

– Claro, meu anjo.

Sem soltar a mão do garoto, ela se acomodou na beirada da cama hospitalar. Emmett fez o mesmo, só que no outro lado.

O monitor cardíaco seguia com um som constante e regular.

Thedy tinha agora no nariz uma cânula por onde recebia oxigênio.

A luz fria contribuía para que o ambiente parecesse ainda mais enfermiço.

– Não quero que fiquem tristes... – começou o garoto, mesmo que para isso precisasse se esforçar bastante. – Eu não estou com medo... Porque você – confessou olhando para Rosalie – me disse que não iria doer quando chegasse a hora.

Ela soluçou, mesmo esforçando-se para não desmoronar diante do garoto.

– São pessoas boas. Toda sua família. Merecem ser felizes. Eu fui feliz com vocês. E tenho na minha memoria todos os passeios que fizemos juntos. Todos foram divertidos. Mas o que mais me marcou foi à ida a praia. Se fechar os olhos agora, posso sentir a brisa soprando no meu rosto trazendo o gosto de sal e o cheio de maresia. O barulho das ondas quebrando... Quando me encontrar com Deus, direi que foram os melhores pais que poderia ter me dado. Eu gostaria de poder ficar... Mas, sinto que minha missão já foi cumprida. Certa vez o reverendo disse que todos nós temos uma missão na terra – ele ficou em silêncio por alguns segundos, apreciando o afago que recebia em ambas as mãos, e quando voltar a falar, foi para fazer um pedido. – Poderia cantar para mim aquela mesma canção?

– Claro, meu amor – respondeu Rosalie.

Ela se mexeu mudando a posição, chegando um pouco mais perto do travesseiro de Thedy abraçando-o bem junto ao seu corpo. Abriu a boca para dar inicio a canção e lhe escapou um soluço. Afagou a cabecinha desprovida de cabelos, tentando buscar forças para cantar para ele a canção Make You Feel My Love – de Adele – música que vinha cantando para ele quase todas as noites.

Cada frase saia em um murmúrio sofrido e um novo caminho de lágrimas surgia em seu rosto. Na metade da música Thedy sussurrou a ela as palavras que ficariam para sempre cravadas em seu coração. As palavras que tanto desejou ouvir um dia.

– Eu te amo... Mamãe.

Os olhos de Rosalie se fecharam, absorvendo a magnitude e a mágica sensação que aquela frase lhe trouxe. Lágrimas correram tão apressadas que caíram na cabeça de Thedy em gotas repetitivas.

O garoto então olhou para Emmett.

– Te amo... Papai.

Thedy suspirou, e a expressão em seu rosto se suavizou. No minuto seguinte, o monitor cardíaco deixou de funcionar. E a voz de Rosalie se estendeu na última frase da canção.

“Para fazer você sentir o meu amor”

O quarto ficou regado apenas ao som do choro do casal que acabara de perder o que de mais valioso tiveram na vida; um filho.

Rosalie o abraçou forte, como se seu abraço tivesse o poder de trazê-lo de volta a vida. Emmett repousou a mãozinha de Thedy cuidadosamente no colchão e foi para o outro lado abraçar a esposa. Permaneceram assim, unidos por uma dor que jamais pensaram sentir, até que a equipe médica entrou no quarto obrigando-os se afastar da criança.

– Ele é meu filho – ela se queixou com eles. – Thedy!

O marido a segurou pela cintura quando ameaçou voltar para perto do leito da criança.

– Meu bebê... – Rosalie soluçou, com a mão estendida, como que para pegá-la de volta.

E Deus sabia o quanto queria.

Estavam do lado de fora do quarto, no corredor, quando Emmett se descuidou e ela logo tentou voltar lá pra dentro de novo. Em um gesto rápido impediu que fizesse isso a mantendo presa entre a parede fria e seus braços.

E quando a porta voltou a ser aberta, foi para os enfermeiros passarem empurrando a maca que levava o corpo, encoberto por um lençol, do garotinho.

– Thedy... Meu filho... Não o levem, por favor – ela implorou. – Deixe-o comigo. Eu vou cuidar dele. Eu prometo. Ele vai ficar bem...

– Ele está morto – Emmett respondeu, com lágrimas nos olhos, em uma tentativa vã de fazê-la compreender o que nem mesmo ele conseguia.

As pernas dela cederam perdendo as forças que ainda restava. Mas Emmett foi rápido e conseguiu pegá-la no colo antes que seu corpo alcançasse o chão de mármore frio.

Dezenove de dezembro – dois dias antes de o inverno oficial começar – jamais seria o mesmo para aquela família. Thedy não conseguiu ver os primeiros flocos de neve cair aquele ano. Tampouco passar o natal em família. Ainda assim foi feliz, pois teve a chance de conhecer tudo aquilo que desejou um dia; amor incondicional.

[...]

Aproximadamente seis meses depois...

Com a chegada de Thedy muita coisa havia sido adiada. A exposição dos quadros de Rosalie ocorreu há exatas duas semanas. Entre suas obras, uma ocupava um lugar especial na galeria. Talvez a única não à venda; um quadro de Thedy cujo ela pintara um dia após o funeral, usando apenas a imagem que ficara guardada em sua memória. Deixando as fotografias de lado.

O período de luto passou. Dor e negação passaram a raiva, tornando-se aceitação até chegar ao que chamamos de saudade.

Outra vez Rosalie se encontrava na situação esperançosa de estar esperando um filho do homem que ama. No entanto, esperou tempo o suficiente para uma confirmação. Não planejou nada, tampouco ficou sonhando acordada.

Por insistência do marido, estava agora trancada no banheiro com um teste de farmácia, na verdade, mais de um.

Emmett aguardava ansioso, sentado na beirada da cama, mexendo as mãos uma na outra, encarando a porta do banheiro fechada.

– E aí, amor? – nada. O silêncio estava deixando-o louco. Achou melhor ficar de pé enquanto esperava. – Rose, saí logo desse banheiro, e me diz alguma coisa – pediu.

Quando viu a cruz azul no teste de gravidez, uma linha bem azul e outra perpendicular hesitante e tímida que mal dava para ver, se deixou deslizar pela parede de azulejos até o chão do banheiro, fechou os olhos e experimentou uma alegria suprema que nunca havia sentido antes. Três testes depois, já não conseguia mais fazer xixi e estava tonta de emoção.

Voltou a ficar de pé, e abriu a porta devagar. Escondeu as mãos atrás das costas, com uma expressão indecifrável no rosto.

Emmett esperou choro e revolta. Mas, em vez disso, ela o surpreendeu com um grito eufórico de felicidade.

– Eu estou grávida! – gritou tão alto que doeu nos ouvidos. Ainda assim gritar parecia o certo a se fazer. Era como se isso reforçasse a ideia de estar realmente esperando um filho.

Mostrou a ele os testes com resultados iguais.

Antes que o marido conseguisse assimilar a nova informação, compreender a dimensão do que estava acontecendo, Rosalie se jogou em seus braços.

– Nós vamos ter um bebê – ela repetiu em voz alta.

Ele abriu um pequeno sorriso, desconfiado. Foram tantos alarmes falsos antes que agora estava com medo, por ela. Não queria vê-la sofrer com o mesmo assunto outra vez.

– Tem certeza?

– Amor você viu – ela se manteve no mesmo entusiasmo, plantando um beijo nos lábios dele em seguida. – Os testes deram positivos. Quero dizer, qual a chance de algo negativo dar positivos três vezes? Isso parece confuso... Apenas entenda aonde quero chegar.

Manteve-se o olhando nos olhos esperando por uma reação que estivesse de acordo com o que estava se passando naquele momento. E, então, ele inclinou a cabeça para trás e deu à gargalhada mais perfeita de todo o mundo. O corpo grande chegando a sacudir. Foi contagiante. Ela acabou gargalhando junto com ele.

Emmett segurava firme nas coxas dela. Em pouco tempo estava se movimentando pelo quarto e a colocou, sentada, no centro da cama, com cuidado. Moveu-a para que se deitasse. Depois afastou sua blusa de maneira que pudesse vislumbrar a barriga ainda esguia. Acariciou o contorno com a mão grande, despertando, sem intenção, ondas de arrepio em todo corpo dela.

Aproximou o rosto, quase grudando na barriga, e murmurou:

– Ei, você aí dentro da barriga da mamãe, o papai já te ama.

Beijou na barriga da esposa de um modo terno, e ela fechou os olhos, tendo no rosto um sorriso largo. Nesse momento, fazendo um agradecimento a quem acreditava ter a ver com a benção recebida.

“Obrigada por falar com Deus, Thedy”.

Quando tornou abrir os olhos, o rosto do marido estava próximo ao seu. Ele mantinha o peso do corpo em sua maior parte nos cotovelos. E as covinhas salientes brincavam em suas bochechas.

– Em quê está pensando?

– Em nosso primeiro filho – ela respondeu convencida de seus sentimentos.

As covinhas no rosto dele se inibiram, quando tornou a falar.

– Ele está em paz agora. Livre de todo sofrimento. Não sente mais dores...

– É... Agora eu entendo – Rosalie admitiu. – E sei que está agora ao lado de Deus, intercedendo por nós.

– Do que está falando amor? – pediu, mantendo uma das sobrancelhas erguidas lhe dando um ar curioso e ao mesmo tempo divertido.

– Thedy foi nosso anjo, e agora intercede por nós junto a Deus. Nós tínhamos que conhecê-lo para que descobríssemos que o amor nasce nas pequenas coisas; num afago, num abraço, em um sorriso. Basta dar a chance que ele precisa para florescer. Hoje eu sei o que ele desejou ao soprar aquele dente-de-leão. Ele queria apenas que fôssemos felizes.

– Isso me parece algo lindo em que se pensar.

– Apenas acredite Emm. Apenas acredite.

[...]

Meses depois...

A família ganhara um novo membro. Como a mãe suspeitava, era um lindo menino. Domenico era a cópia fiel do pai. Herdara seus cabelos escuros e expressivos olhos azuis. E sempre que sorria as mesmas covinhas salientes brincavam em suas bochechas coradas.

Domenico estava agora com quinze meses. O casal vivia um momento mágico em suas vidas. Cada aprendizado os fazia vibrar junto ao filho.

Foi segurando nas mãos do pai que Domenico ensaiou seus primeiros passinhos. Mas a primeira palavra que disse foi “mamã”.

Era uma criança saudável. Desde seu nascimento a única doença que teve foi um pequeno resfriado que durou apenas poucos dias.

Junto com o primo Ethan, filho de Kate, eram os xodós da família.

Apesar de ter melhorado a forma de tratar Rosalie depois que ela engravidou; Margo jamais pediu desculpas.

Hoje tinham um compromisso importante, mas, antes precisavam passar em um lugar que há muito havia se tornado íntimo: O lugar onde estava enterrado o primeiro filho.

Eram meados de primavera.

No caminho passaram na floricultura onde compraram lírios brancos para deixar no túmulo de Thedy.

Estavam em uma sexta-feira de manhã. O céu estava límpido, e temperatura agradável.

Após estacionar em frente ao cemitério, Emmett retirou Domenico da cadeirinha deixando que Rosalie se ocupasse apenas com as flores.

O bebê estava usando calça jeans e uma camisa polo de listras grossas em vermelho e azul-escuro e nos pezinhos, um par de tênis.

Domenico segurava entre suas mãozinhas roliças um brinquedo de borracha.

O casal caminhou lado a lado, em silêncio, por entre a imensidão de lápides brancas. Sabiam exatamente aonde ir. Foram inúmeras visitas desde a morte de Thedy. Ir ali já não doía mais tanto quanto no começo. No lugar da dor restava agora a saudade.

Distantes uma da outra, as árvores tinham suas folhas sopradas pela brisa primaveril. A grama aparada recentemente impregnava o ar com seu cheiro.

Seguiram em frente até avistarem a lápide que buscavam. Diminuíram o passo vindo a parar a poucos metros dela.

Naquele momento, Domenico se remexeu no colo do pai, exigindo que o deixasse ir. Emmett se curvou e o pôs no chão. Com passinhos curtos e ainda trôpegos, Domenico chegou mais perto da lápide do irmão, onde, em letras escuras e limpas, dizia:

“Thedy Hale McCarty, irmão e filho querido”. Pouco mais abaixo estavam gravadas as datas de seu nascimento e morte.

– Thé – balbuciou o nome do irmão, com o dedinho estendido na direção da lápide.

Rosalie chegou mais perto dele.

– Isso amor, Thedy – concordou.

– Thé – Domenico voltou a repetir, olhando para o pai dessa vez, mantendo a mãozinha na mesma posição de antes. – Papá, Thé.

– Isso – o pai falou. – Seu irmão, Thedy, está agora com os anjinhos no céu.

– Thé – tornou a repetir, agora sorrindo. – Céu.

Rosalie se abaixou arrumando as flores na lápide junto aos outros presentinhos deixados por Domenico em outras visitas recentes. Entre esses presentinhos estavam: pirulitos, um carrinho de corrida, uma pequena bola colorida e uma chupeta.

Domenico se abaixou deixando lá o brinquedo de borracha que segurava, e ao tentar ficar de pé novamente, caiu de bumbum no chão. A mãe o levantou e beijou seu rostinho, antes de o pai pegá-lo no colo outra vez.

Rosalie se despediu de Thedy dizendo que o amava e o quanto fora importante em suas vidas.

Outra vez de pé, estendeu os braços para pegar o filho Domenico no colo.

– Vem com a mamãe, amor da minha vida.

– Mamã – ele balbuciou.

Domenico agarrou entre os dedinhos gorduchos uma mecha dos cabelos louros da mãe e ficou a enrolá-la distraidamente.

Emmett passou os braços ao redor do corpo dela, de maneira que o filho ficasse entre os dois, beijando-lhe a têmpora direita.

– Vamos buscar nossa filha – disse. – Já está na hora.

Ela lhe sorriu, e os olhos brilharam um pouco mais.

– Sim. Vamos buscar nossa garotinha – afirmou.

Refizeram todo o caminho de volta ao carro a passos curtos, e em silêncio. Emmett sempre com o braço em torno da cintura dela, que tinha as mãos ocupadas segurando o filho.

[...]

Minutos depois. No mesmo orfanato onde conheceram Thedy.

Estavam na sala de espera, aguardando ansiosos que a assistente social trouxesse sua filhinha.

Desde a morte de Thedy, o casal havia voltado à fila de esperava para adotar outra criança. Há poucos dias estava sendo oficializada a adoção de uma garotinha de cinco anos de idade.

Para felicidade do casal, esse era o dia de levá-la pra casa.

Durante o processo tiveram a chance de conhecê-la melhor, e ela a eles.

Com seu jeitinho meigo Jordana conquistou o coração de todos na família.

Emmett e Rosalie sorriram abertamente quando avistaram a senhorita Dickinson se aproximar trazendo pela mão a garotinha ruiva de cabelos cacheados. De nariz pequenino e maçãs do rosto salpicadas de sardas.

No colo do pai, Domenico se agitou ao vê-la. Abriu e fechou as mãozinhas, como se quisesse pegá-la pra si.

– Dana! – ele gritou.

A garotinha abriu um sorriso que revelava todos os seus dentinhos de leite.

Com uma mochila nas costas, que lembrava uma boneca de pano, presente de Rosalie durante o processo de adaptação, Jordana largou a mão da assistente social e correu ao encontro de sua nova família.

Os braços de Rosalie foram os primeiros a recebê-la. Depois foi a vez de Emmett e Domenico abraçá-la.

– Vamos para casa? – disse Rosalie.

– Sim, sim, sim. Vamos para casa – Jordana afirmou sorridente, tendo os olhinhos castanhos brilhando como nunca antes estivera.

Com um pulinho feliz, estendeu uma mão para Rosalie e outra para Emmett.

O casal deixou o interior do prédio levando o filho biológico e a filha que o coração escolheu.

A senhorita Dickinson e a senhora Ofélia ficaram observando enquanto eles se encaminhavam rumo aos portões de saída.

Por vezes o casal erguia Jordana do chão, e logo em seguida as gargalhadas da menina surgiam.

As duas mulheres assistiram Rosalie beijar na mãozinha de Jordana, e Domenico se pendurar no colo do pai para ver a cena. Assistiram também o momento em que o pai o colocou no chão e ele estendeu a mão pequenina para segurar na mão da garotinha ao seu lado.

E então os quatro estavam de mãos dadas, as crianças no meio, quando cruzaram os portões do abrigo. Deixando para trás a história de abandono de mais uma criança.

Se ali retornariam apenas o tempo poderia dizer.

Fim


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Notas finais do capítulo

Bem, gente, esse foi o último capítulo.
Infelizmente Thedy se foi. Mas eles tiveram Domenico, e adotaram Jordana.
Espero que todos tenham gostado, eu, particularmente, gostei bastante. Chorei e também fiquei feliz.
Aguardo por vocês nos comentários, ou quem sabe uma recomendação.

Beijo, beijo
Sill