Onde Nasce O Amor escrita por Sill Carvalho, Sill, Sill


Capítulo 1
Capítulo 01 – Dor e Esperança


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente bonita.
Mais uma fic Emmelie, espero que gostem :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/611743/chapter/1

Para Rosalie aquela estava sendo uma tarde como qualquer outra, trancada no atelier de pintura, cercada de telas, cavaletes e pinceis.

Pincelando ao som de Mozart – compositor austríaco. A melodia lhe conduzia a outra dimensão enquanto trabalhava em suas telas. Todos os dias, o mundo lá fora deixava de existir mesmo que por alguns instantes.

Estava feliz, pois estava certa de que seu maior desejo estava a caminho de se tornar realidade. Há vários dias trazia consigo uma empolgação que irradiava.

Finalmente, em quatro anos de casada, voltara a desconfiar de uma gravidez. Sua menstruação estava atrasada tempo suficiente para suspeitar. Tinha até agendado uma consulta com a ginecologista para dali uma semana. Mas tudo mudou novamente, quando, com uma ida ao banheiro, percebeu que tinha acabado de menstruar.

O sonho de ver sua barriga crescer dentro de poucos meses havia chegado ao fim pela terceira vez. Aceitar a frustração, a incapacidade de poder gerar um filho era demais para quem tanto almejava a maternidade, e por tantas vezes se viu na mesma situação.

Dor. Lamento. Insatisfação. Fracasso. Sonho destruído. Esses eram sabores amargos que Rosalie há muito tinha provado.

A música clássica ainda estava ressoando suavemente pelo ambiente.

Trancada dentro do banheiro, Rosalie se permitiu desabar em lágrimas. Tremia de tal maneira que quem a visse pensaria ter tomado o maior susto de toda sua vida.

Se desfez da lingerie manchada de vermelho, atirando-a do outro lado do banheiro. Retirou o vestido jogando longe, da mesma forma que havia feito com a peça intima. Entrou no box, com o peito tremendo, e abriu o chuveiro. Esperando que a água levasse muito mais do que poderia, que levasse sua dor embora pelo ralo, exatamente como estava levando seu sonho de se tornar mãe.

Soluçou forte, enquanto pingos grossos de água morna caiam sobre sua cabeça, encharcando seus cabelos dourados. As lágrimas se misturaram a água que escorria por seu rosto. No entanto, nada mudou, a dor da tristeza continuou a mesma. Destroçando seu coração dentro do peito.

Somente depois de muito tempo se atreveu a fechar a água, e então saiu do box. Olhou-se no espelho pensando em todas às vezes que esteve diante dele, analisando a barriga, sonhando com o dia em que a veria volumosa.

Não parou de chorar um só minuto durante o tempo que se secou diante do espelho. Foi ao closet, enrolada na toalha, buscar uma peça intima, e voltou ao banheiro para vesti-la, com o acréscimo de um absorvente.

De frente ao espelho outra vez, enquanto penteava os cabelos, as lágrimas não a deixaram.

Porque com ela? , essa era a pergunta que martelava em sua mente o tempo inteiro. Quatro anos de casada e nada havia mudado... Não conseguia gerar um filho mesmo os médicos afirmando que não havia nada de errado com ela e nem mesmo com o marido.

Decidiu enfim voltar pro quarto. Deitou-se na grande cama do casal, abraçada ao travesseiro do marido. Sufocando com a dor da frustração, desejando que Emmett chegasse logo em casa. Somente ele seria capaz de fazer sua dor diminuir. Somente ele teria as palavras certas para tranquilizá-la. Reconfortá-la.

As horas foram passando arrastadamente, a luz do sol cedeu lugar a escuridão da noite, com uma lua prateada no alto do céu. O quarto antes iluminado se encontrava agora na penumbra. Rosalie tinha adormecido ainda enquanto chorava. Caminhos de lágrimas secas marcavam seu rosto incrustrado na dor.

A janela, na parede oposta, estava aberta permitindo à entrada da brisa noturna, farfalhando suavemente as cortinas de seda. Os móveis projetavam sombras fantasmagóricas nas paredes. A música tinha terminado. O silêncio havia se instalado incomodamente em cada cômodo.

Lá fora o motor de um carro se tornava cada vez mais próximo. Então, ao chegar à entrada de automóveis, o barulho foi diminuindo aos poucos até restar apenas o silêncio novamente. Os faróis deixaram de iluminar a faixada da casa logo em seguida.

Emmett achou estranho que todas as luzes estivessem apagadas. Se livrou do cinto de segurança, e pegou no banco do carona uma rosa vermelha e a pasta preta de documentos. Tinha sido um dia e tanto no escritório da revista.

Ao deixar o interior do veículo olhou em volta. Percebeu que a única casa nas sombras era a sua. Se já estava preocupado, ficou um pouco mais. Sabia que Rosalie não teria saído sem avisá-lo antes. Não era dela fazer esse tipo de coisa. Tinham um bom relacionamento, e um sempre sabia onde encontrar o outro.

Ele se encaminhou até a porta, pisando no capacho, escolhido por ela, que desejava boas-vindas a quem chegava. Abriu a porta e foi tomado pela escuridão do hall de entrada.

Tateou a parede em busca do interruptor. Finalmente o encontrou, e luzes foram acessas em seguida.

– Rose... Está em casa querida? – sondou, indo até a sala de estar, onde também precisou acender as luzes.

Deixou a pasta sobre o sofá, apoiada ao encosto, levando consigo apenas a rosa. Verificando cada cômodo por onde passava até chagar ao atelier, na parte da casa que dava para o jardim dos fundos.

Precisou acender as luzes, e, ao fazer isso, constatou que ela havia largado as tintas e os pinceis de qualquer maneira, algo pouco incomum. Pela textura da tinta soube que muito tempo havia se passado desde então.

Seus instintos o alertaram para algo ruim. Deixou o atelier as pressas, pensando que talvez algo grave tivesse acontecido à esposa. Passou pela sala novamente, mas, dessa vez a caminho do lance de escada subindo os degraus de dois em dois.

– Rose...? Querida, você está em casa? – correu pelo corredor até alcançar a porta da suíte do casal. Como já se encontrava entreaberta, apenas empurrou devagar. Se encaminhou até a parede onde ficava o interruptor, acendendo as luzes do cômodo. Logo pôde respirar mais aliviado, ela estava na cama. Agora não tinha dúvidas de que havia algo errado acontecendo com ela.

Chegou mais perto e sentou-se na beirada da cama, ao lado dela. Afagou seus ombros e, em seguida, plantou um beijo nos cabelos.

– Rose...? Amor. Fala comigo – sentiu ela se mexer um pouco ao seu toque e som de voz. – Ei, o que aconteceu? Olha pra mim, querida. Está me preocupando agindo desse jeito... Por favor, diz alguma coisa.

Retirou o travesseiro dos braços dela, quando ela se virou em sua direção. Foi nesse momento que percebeu que a esposa havia chorado por horas, senão a tarde inteira.

– Vem cá... – murmurou, levando-a para descansar em seus braços. Aninhando-a contra seu corpo quente e forte. Onde sempre gostava de estar, ele sabia disso.

Somente então Rosalie se sentiu amada e acolhida. Não estava mais sozinha em sua dor e frustração.

– Me diz o que está acontecendo? – pediu.

Ele a sentiu respirar fundo contra sua camisa de botões.

– Amor... – disse ela por fim, recomeçando a chorar. – Nós não vamos ter um bebê... – ela soluçou, e o coração dele doeu infinitamente em dobro, por ela e pelo filho que não teriam.

Com a voz sofrida e abafada, ela confessou a ele.

– Menstruei hoje... – o corpo dela tremeu com a confirmação que suas palavras trouxeram. – Eu não estou grávida, Emm. Eu não... Eu não estou – e o choro se intensificou. Emmett a envolveu ainda mais em seu abraço de urso protetor. – Aconteceu outra vez amor... – ela voltou a falar com a voz engasgada. – Era alarme falso.

Comovido, beijou os cabelos da esposa, depois a testa.

– Não chore, por favor. Não fique assim querida. Ainda não é o fim de tudo.

– Eu quero um bebê... – soluçou, molhando com suas lágrimas a camisa do marido.

– Eu sei amor – ele ergueu o queixo dela com a ponta dos dedos, e lhe beijou os lábios calmamente. – E, acredite, eu também quero. Quero muito.

– Porque não conseguimos se os médicos garantem que não há nada de errado com nós dois?! Porque amor? Me diz? O que há de errado? Acha que estou pagando por algo de errado que cometi em outra vida? Porque isso só pode ser castigo... Não encontro outra explicação.

– Shhhhh. Não volte a dizer isso. Acho que apenas não é o nosso momento – sussurrou com os lábios nos cabelos dela.

– E quando será o nosso momento?

– Eu realmente gostaria de poder te dizer amor. Mas, eu não sei... Eu realmente não sei.

Nesse momento, Emmett sentiu os braços dela se apertarem ainda mais em torno de seu corpo, enquanto o dela tremia com soluços causados pelo choro.

– Vai dar tudo certo.

– Promete?

– Eu prometo.

Não sabia exatamente como, mas não iria permitir que a esposa amada vivesse para sempre naquele tormento. Deus havia de poupá-los, lhe presenteando com a felicidade e o amor incondicional de uma criança.

Com esses pensamentos, deixou uma das mãos tatear o colchão em busca da rosa que trouxera consigo. Após alcançar a flor, roçou de leve as pétalas no pescoço da esposa, ganhando um pouco de sua atenção novamente.

– Trouxe para você – disse-lhe.

Ela ergueu o olhar. Um beicinho nada proposital apareceu em seus lábios ao tentar controlar o choro. Ergueu a mão para receber a rosa, depois de recebê-la encostou as pétalas aos lábios em um beijo suave.

– Obrigada.

– Apenas isso? Não vai dizer que me ama, ou mesmo me dar um beijo – ele a instigou se animar.

Rosalie se esticou forçando o corpo contra o dele, unindo seus lábios em um beijo calmo e apaixonado. As mãos grandes do marido brincaram nos fios dourados de seus cabelos, na nuca.

E mesmo depois de precisarem interromper o momento, permaneceram com as testas unidas, respirando devagar, olhando nos olhos um do outro.

– Seus cabelos estão bem bagunçados aqui – comentou em um tom risonho, afagando os fios bagunçados, no lado esquerdo da cabeça dela.

– É que me deitei com eles ainda molhados – explicou se afastando um pouco do marido.

Ele deslizou os dedos por entre os fios desalinhados tentando arrumar a desordem, enquanto a olhava com atenção.

– Tomou banho sem mim – constatou em um tom provocativo.

– Eu precisava.

Beijou suavemente a têmpora direita dela.

– É – disse ele, após outro beijo, porém, dessa vez na bochecha, e depois outro nos lábios.

– Aham... – foi o que ela respondeu, passando os braços ao redor do pescoço dele com uma calma que o deixava excitado.

– Devo te perdoar por isso? – perguntou no intervalo de um beijo e outro.

– Eu acho que sim.

– É. Eu também acho que sim. Mas antes terá que me dá um beijo daqueles, como quando fazemos amor.

– Isso é tudo? – ela pediu, olhando nos olhos.

Ele abriu um pequeno sorriso, e roçou os lábios aos dela logo em seguida.

– Por enquanto – disse-lhe em forma de aviso.

Suas grandes mãos trabalharam desfazendo o nó no roupão de banho que ela usava para logo sem seguida se infiltrar sob o tecido felpudo atoalhado. Traçando um caminho perigoso das coxas a barriga esguia, passando pelos seios, por fim, parando ao alcançar as costas.

– Eu te amo, Rose. Para mim você é como as pétalas dessa rosa: perfumada e delicada – pronunciou com os lábios próximos ao pescoço dela. E então no queixo, e depois na boca. Somente depois de mais um beijo se afastou. – Devo ir tomar meu banho agora?

– Aham.

– Certo. Mas, antes que me esqueça, minha mãe ligou convidando a gente para jantar na casa dela hoje.

– Tem certeza de que ela não convidou apenas você? – sondou com um ar desconfiado.

– Claro que não. Ela sabe que eu não iria sem você.

– Eu não quero ir. Não estou preparada para falar pra eles que não vamos ter um bebê. Que outra vez foi alarme falso. Sua mãe, você sabe, ela não vai facilitar pra mim. Por favor, me livra dessa.

– Tudo bem – disse ele, voltando segurar na nuca dela. – Eu vou tomar um banho e volto para ficar coladinho em você. Cuidando da minha rosa – deu um cheiro no pescoço dela – tão perfumada. E quem sabe pedir uma pizza, se você quiser.

– Pizza está bom pra mim.

– Ok, então. Eu volto em alguns minutos. Espere por mim. Não vai fugir, hein.

– Nunca – ela respondeu refazendo o nó no roupão. Acompanhando-o para fora da cama.

– Vai tomar banho comigo?

– Não. Só preciso fazer umas coisas no banheiro...

Outra vez a tristeza voltou aos seus olhos, e rapidamente Emmett soube ao que a esposa estava se referindo.

– Ei, não fique assim – pediu ele, preocupado outra vez.

Ela segurou na mão dele, e deu um beijo no dorso.

– Está bem – respondeu não tão confiante quanto gostaria de parecer.

[...]

Uma semana depois...

O tempo frio do outono chegara com toda força naquele início de semana. As folhas tinham cores fascinantes: vermelho, laranja e amarelo estourando nos galhos, preparando-se para descer à relva coberta de orvalho. Em breve o jardim estaria coberto com os restos descorado do verão.

Emmett estacionou na entrada de automóveis, saltando do veículo às pressas, fechando a porta com um empurrão. Apressou-se para dentro da casa, sem deixar as chaves no aparador como sempre fazia.

Foi pela melodia suave que chegava aos seus ouvidos que soube, Rosalie estava no atelier de pintura trabalhando em seus quadros.

Caminhou até lá, com animação renovada.

– Amor...? Rose – chamou por ela, no instante em que alcançou a porta aberta. – Rose.

Ela se virou devagar, na direção do som da voz do marido. Segurava um pincel na mão direita, e na esquerda, uma paleta. O avental branco estava com respingos de tinta na parte da frente. Seus cabelos dourados estavam presos em um rabo de cavalo, tendo alguns fios indisciplinados soltos.

– Oi, amor – disse ela. – Chegou cedo hoje.

– Na verdade, não. Eu saí da revista largando tudo pela metade, porque recebi um telefonema que confirmava um pedido meu.

Rosalie mexeu a mão com o pincel no ar, olhando para ele com curiosidade recém-adquirida.

– Que pedido?

– Ah, é surpresa. Anda, larga tudo isso e vem comigo – pediu, mantendo o mesmo entusiasmo de quando chegou.

– Mas, preciso terminar alguns quadros. O dia da exposição está se aproximando e ainda tenho muito trabalho pela frente.

Ele deu mais alguns passos aproximando-se um pouco mais.

– Por favor, vem comigo – pediu, cautelosamente retirando as coisas das mãos dela. Deixando tudo sobre a mesinha ao lado de um dos cavaletes.

– Então tá, né? – Rosalie acrescentou, assistindo-o retirar as coisas de suas mãos. Logo depois desfez o nó no próprio avental, e Emmett retirou para ela, dispensando-o sobre uma poltrona florida que ficava localizada ao lado da janela.

Ela mesma desligou o aparelho de som. E riu um pouco quando Emmett a puxou pela mão, deixando o atelier às pressas.

– Não sei o que está planejando Emmett, mas saiba que me deixou absurdamente curiosa. E preocupada, também. Amor... – ela desviava dos móveis que encontravam pelo caminho. – Que pressa toda é essa? Para onde vamos?

Ao chegarem à sala de estar, ele parou por alguns instantes com ela ao seu lado.

– Estou ansioso – disse por fim.

Rosalie o olhou com uma sobrancelha erguida, desconfiada.

– Não deveria, pois se supõe que saiba o que está fazendo. Já que tudo isso é ideia sua.

– Estou ansioso por você. Não sei o que vai pensar... Se vai gostar.

– Amor, é oficial agora, isso está começando me apavorar.

Foi preciso se curvar um pouco para beijar de leve os lábios dela.

– Não fique – garantiu. – É uma coisa bacana. Muito bacana.

Com essas palavras, a conduziu pela mão até a porta de saída, mas não sem antes pegar o agasalho no gancho. Fez questão de abrir a porta do carro para ela, que não tirava a expressão curiosa do rosto. Segundos depois, deixavam a entrada de carros para trás.

Durante o trajeto, Rosalie tentou desvendar a razão pela qual o marido deixou o trabalho às moscas. Mas não conseguiu chegar a nenhuma conclusão que fizesse sentido, uma vez que ele parecia feliz, e ninguém passava mal.

Tudo o que conseguiu arrancar dele foi um “já estamos chegando”.

Minutos depois, estacionava em frente a um prédio antigo. Cercado de muros altos e um enorme portão de ferro preto. Apenas mais três carros estavam no estacionamento, um deles era uma van prateada.

Desde que o marido entrou no estacionamento com o carro, que ela olhava pela janela, desconfiada e absurdamente curiosa. Seu jeito de observar as coisas naquele momento lembrava o de uma criança quando a mãe a leva para um lugar novo. Pensando, que diabos ele estava aprontando.

Emmett afastou as mãos do volante, e sorriu apertando a mão dela nas suas. Pela primeira vez desde que chegaram ali, Rosalie olhou para ele. Interessada.

– É um orfanato... – as palavras deixaram seus lábios rosados no que pareceu um sussurro.

Ele se manteve segurando as mãos dela entre as suas. Levou a altura dos lábios e as beijou calmamente, demonstrando adoração.

Enquanto a mente de Rosalie processava o que estar ali implicava, o coração começou bater descontroladamente, e ela teve dificuldade para respirar.

– Vamos adotar uma criança? – perguntou por fim. – Eu pensei que precisávamos nos inscrever no cadastro de adoção, e passar por todo um processo de análise e aprovação da documentação, entrevistas com a equipe técnica da Vara da Infância e da Juventude, que incluiu profissionais da área da psicologia e do serviço social.

– Sim, é preciso fazer tudo isso – respondeu com tranquilidade. – Mas hoje vamos apenas conhecer o trabalho que é feito aqui. Vamos ver as crianças, de longe. Falei com a assistente social, e pedi se podíamos vir. Ela concordou e aqui estamos nós. Ela deve estar nos esperando agora.

Emmett viu um sorriso largo surgir nos lábios da esposa, e aquilo fez seu coração bater a ponto de parecer estar dançando sapateado.

– Vamos lá? – ele a convidou.

– Agora mesmo – ela afirmou, com o mesmo sorriso de antes e um brilho inigualável no olhar. – Uma daquelas crianças poderá ser nosso filho, ou filha – uma gargalhada gostosa escapou dos seus lábios com essa constatação vindo à tona.

Emmett se viu segurando o rosto dela entre as mãos enquanto lhe roubava um beijo.

– Te amo – disse ele, ao passo que afastava os lábios dos dela.

– Eu te amo mais – ela lembrou. E logo depois saiu do carro, seguida por ele.

O céu estava encoberto por nuvens cinzentas quando olharam pra cima.

Ambos ajeitaram o casaco junto ao corpo.

Emmett segurou na mão dela. Erguendo novamente a altura dos lábios para um beijo. Rosalie o olhou, o sorriso ainda estava em seu rosto.

A assistente social com quem ele vinha mantendo contato por telefone nos últimos dias se aproximou do portão.

Era uma mulher jovem, magra, alta, de pele negra. Usava um terninho escuro, e sapatos pretos com meia-calça. O cabelo preso em coque bem feito lhe dava um mais ar sério.

– Senhor McCarty – ela sondou, abrindo o portão devagar.

– Senhorita Dickinson. Essa é minha esposa Rosalie – ele olhou brevemente para a esposa. – Amor, essa é a assistente social de quem te falei.

Rosalie estendeu a mão educadamente para a mulher a sua frente.

– Como vai, senhorita Dickinson?

Ambas apertaram as mãos.

– Seu marido me falou muito de você.

Rosalie deu uma leve cutucada nas costelas no marido quando a mulher largou sua mão. Tudo o que ele fez foi segurá-la novamente pela mão trazendo-a para perto novamente.

– Venham comigo, por favor.

A assistente social cedeu passagem aos dois, e eles passaram para o outro lado do portão sem pressa.

– A diretora do abrigo irá falar com vocês. Ela os aguarda em sua sala.

Eles assentiram, e caminharam lado a lado, enquanto a seguiam pelo jardim. O mesmo se repetiu dentro do prédio.

Após as apresentações preliminares, passaram por uma longa conversa. E foi passado a eles o que era necessário para se inscrever no cadastro. Ficou marcado que entregariam toda a papelada no dia seguinte, quando tivessem tudo em mãos. Então todo o processo legal seria dado início.

Pediram para dar uma volta pelo local, e as duas mulheres concordaram. A diretora, Ofélia Johnson, uma senhora de cabelos grisalhos, baixa e corpulenta, se mostrou bastante a vontade na presença deles. E os acompanhou junto com a senhorita Dickinson pelas dependências do prédio.

– Onde estão as crianças? – pediu Rosalie, quando caminhavam novamente pelo corredor vazio. O barulho dos saltos de seus sapatos era perceptível em contato com o piso, assim como o das outras duas mulheres.

– Algumas estão brincando no jardim dos fundos. Outras estão em atividades, em salas um pouco mais afastadas. É preciso ressaltar que nem todas as crianças que estão aqui estão disponíveis para adoção. Muitas delas foram retiradas de suas famílias temporariamente, e aguardam o retorno. Ou até que o juiz decida a que parente mais próximo será destinada sua guarda.

Sua ressalva fez Rosalie menear a cabeça em concordância.

Seguiram em frente e foram sair no jardim dos fundos. E o barulho que o casal esperava ouvir desde que chegou ali – gritos, risos, resmungos – foi aos poucos chegando aos seus ouvidos. Dando vida ao local antes silencioso.

Caminharam por todo o jardim, apreciando o trabalho perfeito da natureza, enquanto conversavam. Algumas crianças paravam com o que estavam fazendo, mais interessadas em observá-los. Nenhuma delas parecia se importar de fato com o tempo frio. Mesmo no inicio, o outono tinha sua beleza.

O casal observava cada rostinho, mesmo que de longe, pensando nas historias que cada um deles carregava. Algumas mais tristes que outras com toda certeza, mas, de toda forma, todos tinham uma para contar.

Alguns se mostravam tímidos, ao passo em que outros se mostravam interessados na presença deles ali.

Como podia haver tantas crianças longe de suas famílias, sem um lar?! Algumas inutilmente ainda vivendo na esperança de voltar pro seus pais biológicos. Outras com a dúvida e o medo de jamais serem adotadas – incluídas na adoção tardia, sendo essas crianças maiores ou adolescentes.

Naquele momento Rosalie desejou fazer muito mais por eles. Quem sabe apadrinhamento e voluntariado. Decidiu pensar melhor no assunto mais tarde.

– Onde estão os bebês? – ela pediu.

– Maior parte deles já foi adotada. E os que ainda estão aqui, estão bem perto de partirem também. Como disse antes, lá na minha sala, para bebês a fila é grande e eles são adotados rapidamente.

– Isso quer dizer que nossas chances de adotar um bebê são quase nulas?

– Pode levar muito mais tempo, senhora McCarty. Porque há outras famílias, que buscam esse mesmo perfil, e que estão em sua frente. Como também há casos especiais. Se você se inscreveu para adotar apenas uma criança e atrás de você alguém se habilitou a adotar três irmãos, caso apareçam três crianças da mesma família, essa pessoa será chamada antes de você.

– Entendo... Mas, nós não estamos interessados apenas em adotar bebês – ela buscou o olhar do marido naquele instante. – Não é mesmo amor?

– Certamente que não. Queremos um filho, não importa se bebê ou uma criança maior. Tudo que esperamos é que essa criança se adapte a nós.

– Muitas dessas crianças não estariam aqui hoje se todos os casais dispostos a adotar pensassem como o senhor e sua esposa.

Emmett e Rosalie apertaram as mãos unidas, satisfeitos.

Continuaram o passeio, agora retornando para dentro do prédio. Viram, também, através de uma grande janela de vidro, crianças desenhando, sentadas em grupos. Mais a frente, ouviu vozes em uma melodia doce e suave, ao questionar, soube que algumas crianças ensaiavam num coral.

Por um caminho diferente, estavam retornando a sala da diretora do abrigo, quando Rosalie notou a presença de um garotinho, que falava com um homem de meia-idade, negro, sentados em um banco de madeira, no corredor.

– Quem são eles? – pediu Rosalie, interessada, estranhando o fato de aquela criança não estar com as outras.

– Ah, o garotinho é Thedy – esclareceu a assistente social. – E o homem que está com ele, é o reverendo Brown. Ele costuma visitar as crianças pra falar sobre a bíblia, em especial a Thedy.

Notando a curiosidade no rosto do casal, a diretora Ofélia emendou.

– Thedy não é como as outras crianças... Ele está doente.

– O que ele tem? – continuou Rosalie.

– Thedy tem leucemia agressiva.

– Isso faz dele um paciente terminal? – a voz de Emmett voltou a fazer parte da conversa.

– Infelizmente sim, senhor McCarty.

– Porque ele está aqui? Quero dizer, qual é a historia dele? – nesse momento Emmett sentiu a esposa apertar sua mão, receosa, talvez com medo do que poderia ouvir.

– A mãe morreu há alguns. Quanto ao pai jamais tivemos conhecimento. Thedy foi diagnosticado com leucemia aos três anos de idade. Já estava aqui na época. Depois de seu diagnostico ninguém jamais se interessou em adotá-lo. Apesar de ser um garoto doce e gentil, sua condição o impediu de ser adotado. Como vocês sabem, a maioria dos casais buscam crianças saudáveis, e, no caso de Thedy, isso é ainda mais delicado.

– Entendo... – refletiu Emmett.

E foi enquanto ouvia aquelas palavras, sobre a vida de Thedy, que Rosalie passou prestar mais atenção na criança há alguns metros de onde estavam.

Somente então pôde perceber com clareza a palidez de sua pele fina. Grandes olheiras abaixo de seus olhos, sem o brilho que o olhar de toda criança deveria ter.

Thedy usava uma touca de lã azul na cabeça. Rosalie agora sabia que por baixo dela havia uma cabecinha desprovida de cabelos. E, se chegasse mais perto, veria que nem os cílios ele tinha mais. Veria também todos os hematomas adquiridos ao longo do tratamento agressivo.

– Ele está com quantos anos agora? – pediu, desviando atenção da criança por um breve instante.

– Thedy está com sete anos, e já é um valente lutador. Tem lutado com bravura contra o câncer durante todos esses anos. Ele está agora em seus dias bons... Sabe, nem sempre ele está assim. Andando e conversando. Faz alguns dias que deixou o hospital. Não faz mais o tratamento, então isso lhe dá alguns dias, digamos, sem muitos danos aparente. Tem apenas tomado a medicação para aliviar as dores e os desconfortos causados pela doença. O Dr. Turner, oncologista que cuida do caso dele, vem vê-lo quase todos os dias. E temos uma enfermeira que nos ajuda com a medicação.

O casal ouviu em silêncio o que a diretora Ofélia tinha a dizer.

Quando chegaram mais perto, o garotinho sorriu para eles, que não hesitaram em retribuir o gesto simpático.

Rosalie largou a mão do marido e se atreveu chegar ainda mais perto do garoto. Percebendo melhor os sinais que seus olhos não notaram com a distância.

– Olá, Thedy – cumprimentou, carregando nos lábios um sorriso singelo.

– Olá, moça.

– Rosalie. Meu nome é Rosalie. E esse aqui, – ela olhou brevemente para trás – é meu marido Emmett.

Emmett também se aproximou, e estendeu a mão ao garoto.

– Como vai Thedy?

Sendo extremamente sincero o garoto lhe respondeu.

– Me sinto um pouco melhor hoje.

– Isso é muito bom, Thedy – disse, mesmo sabendo que aquilo não significava grande coisa, não em sua condição, um paciente condenado à morte.

– É. Eu acho que sim – disse o garotinho. – Você é um homem muito grande, e forte também.

Todos em volta deram risadas.

– É que como muitas verduras e legumes– brincou Emmett.

– Às vezes eu como muitas verduras e legumes, mas acho que eles não fazem efeito em mim. Deve ser por causa do câncer...

Rosalie segurou as pequenas mãos pálidas, e as beijou com carinho.

– Não diga isso querido. Emmett está exagerando. Eu também como muitas verduras e legumes, e estou longe de ter os músculos dele – ela piscou um olho e sorriu.

– Você é muito gentil moça.

– Obrigada, querido. Você também é um garotinho muito gentil. Adorei te conhecer Thedy – ela se pós de pé. – Agora eu tenho que ir – por um instante pareceu refletir – Você gostaria que nos encontrássemos outra vez?

– Sim. Eu adoraria Rosalie.

– Rose. Me chame apenas de Rose.

– Eu adoraria Rose.

A mão dela afagou o rosto pálido do garotinho, com ternura.

– Nós voltaremos em breve, Thedy – ao dizer isso, olhou para o homem ao lado do menino e o cumprimentou antes de se afastar.

– Tchau – disse o garoto, acenando fracamente com a mão.

– Até logo, garotão – esse foi Emmett.

– Até logo, querido – a voz de Rosalie soou emotiva por um instante.

Voltaram a caminhar em direção a sala da diretora, e, mesmo afastados, puderam ainda ouvir o murmurar grave da voz do reverendo Brown.

– Eu disse para você, Thedy. Deus jamais abandona aqueles que nele creem. Aqueles que em ti esperam e confiam.

Rosalie não conseguiu ouvir a resposta do garoto, mas não fazia diferença, sua decisão estava tomada. Após um segundo de reflexão, falou com o marido:

– Amor, eu acho que acabamos de conhecer nosso filho... – um brilho novo alcançou seus olhos, o coração se agitou com a possibilidade. A paz que sentiu em saber que faria a coisa certa foi apenas consequência.

Emmett virou-se, de maneira que ficasse de frente um para o outro, enquanto segurava nas mãos dela.

– Você tem certeza disso querida?

– Tenho.

Ele assentiu fracamente com a cabeça e suas palavras só vieram a confirmar a decisão.

– Então eu te apoiarei em tudo o que for preciso – ele olhou para a diretora, depois a assistente social e então disse: – Nós vamos adotar Thedy. Apenas nos diga o que precisamos fazer para levá-lo conosco para nossa casa.

A senhorita Dickinson questionou a veracidade daquelas palavras.

– Vocês têm certeza de que querem mesmo fazer isso? Estão cientes de que essa é uma criança com pouco tempo de vida, e que poderão passar por momentos muito difíceis se optarem mesmo por sua adoção?

– Sim – afirmou Rosalie. – E faremos de tudo para que se sinta amado e parte da família. Faremos desse pequeno tempo que lhe resta, o melhor possível.

As duas mulheres, que conheciam Thedy há muito tempo, abriram sorrisos largos. Ambas sabiam o quanto o gesto de amor e compaixão daquele casal podia significar na vida daquela criança que havia se acostumado à ideia de não poder ter um futuro.

– Amanhã mesmo, quando trouxerem a documentação para ser avaliada, se estiver tudo ok, encaminharemos a adoção de Thedy. Provavelmente não terão muitos obstáculos já que se trata de um caso isolado e especial – esclareceu a assistente social.

– Acha que isso pode levar muito tempo? – insistiu Rosalie.

– Como disse, é um caso isolado e muito especial. Creio que se estiver tudo ok com a documentação, o juiz deverá entender isso como uma emergência. Devendo assim dar uma acelerada no processo. Thedy não tem muito tempo. Precisamos correr contra o relógio se quisermos dar a essa criança o que tanto deseja, que é uma família.

– Amanhã cedo estaremos aqui com toda documentação necessária – afirmou Emmett, recebendo o sorriso orgulho da esposa, que segurava sua mão em um aperto confiante. Certa de que o amava naquele instante um pouco mais, se é que era realmente possível.

Pouco tempo depois, deixaram o abrigo. Mais tarde teriam um jantar na casa dos pais de Emmett, e, provavelmente, aproveitariam a ocasião para contar sobre a decisão que tomaram.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Alguém?
Sinal de fumaça, qualquer coisa?! Adoraria saber o que acharam.
Beijo, beijo
Sill