Pulsos Atados escrita por Anayra Pucket


Capítulo 8
Capítulo 7 - Premonição - Keyla




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– Tem alguma coisa errada. – Sua voz entoou seus pensamentos em voz alta.

Keyla perambulava de um lado para o outro no alpendre do seu quarto e seu salto alto batia no piso escarlate impacientemente. Sua amiga estava vindo buscá-la e uma energia ruim ainda pesava seus ombros.

É como se ela estivesse acorrentada por algum tipo de corrente de aço.

Sem perceber, ela caminhou em direção ao velho piano.

Seus dedos tocaram uma melodia diferente, ela apenas fechou os olhos e deixou que seus instintos criassem as notas. Tocar piano era como tomar morfina ou algum outro tipo de droga inebriante, era bom e acalmava. O mundo podia estar acabando, mas a partir do momento em que Keyla tocasse uma canção, é como se o mundo não existisse mais.

Devagar, seus lábios começaram a cantar a música que ela mesma havia composto há algumas semanas atrás.

Todos os meus sonhos se desbotaram

Não sei mais o que fazer

Sinto que meus ombros se deslocaram

Carregando você

Você sempre pensou que eu não conseguiria

Que todo o meu mundo desmoronaria

Mas a vida te surpreendeu

Quando o que você menos esperava aconteceu

Com um suspiro profundo de alívio, ela levantou-se do pequeno banco de couro do piano.

– Me sinto muito melhor, por mais que ainda falte alguns detalhes na música.

De soslaio ela olhou para o espelho e avaliou seu reflexo uma ultima vez. Ela mal havia acabado de retocar seu batom quando ouviu a buzina de um carro. O som era familiar, e de primeira sua mente não raciocinou, mas a pressa e a ansiedade de ver Mariana a fez sair correndo em direção às escadas.

– Tchau mãe. – Keyla sorriu observando sua mãe assentada no sofá de marfim branco tricotando um cashmere verde-oliva.

– Tchau querida.

Ela se abaixou para beijar a bochecha da mãe.

Quando ia abrir a porta ouviu sua voz doce ecoar de trás dela.

– Tome cuidado e volte antes das 23:30.

Seu coração bateu mais forte. Por alguma razão, Keyla não queria mais ir para o jantar.

– Pode deixar eu voltarei. – Ela respondeu antes de fechar a porta e se dirigir ao portão.

Mesmo na escuridão da noite, foi fácil reconhecer o Uno Cor-de-Vinho de Thammy parado debaixo de um carvalho.

Isso é realmente estranho, pelo o que eu sei Thammy não emprestaria seu carro para Mary de jeito nenhum. – Ela pensou.

Não dava para ver Mariana no volante, e antes de fechar o portão de sua casa, ela repetiu mais uma vez para si mesma.

Aja normalmente, seja normal.


❀ ◕‿◕ ❀

Keyla caminhou em direção às sombras da árvore onde permanecia o carro e ao chegar lá, o vidro do passageiro se abriu.

Imediatamente ela reconheceu os cachos cor de mel de Mariana caindo sob seus ombros e as feições delicadas de sua face. Normalmente Mariana não se maquiava, por isso foi estranho para Keyla vê-la com os olhos sombreados de preto e os lábios pintados de vermelho quase fluorescente.

– Incrível! – Keyla riu enquanto entrava e fechava a porta do carro, preenchida por um odor de hortelã. – O que deu na Thammy para ela te emprestar o carro?

Mariana desviou seus olhos para olhar Keyla.

– Ameacei contar pro namorado dela sobre as loucuras que ela fazia com o Alex.

Ao ver a expressão confusa de Keyla, Mariana explicou.

– Alex, o ex dela? Lembra?

Keyla não respondeu de imediato. Seus olhos estavam presos aos de Mariana.

Eles pareciam diferentes, de alguma forma. Ainda continuavam na mesma cor rústica de caramelo com mel, mas havia algo a mais.

Meio travada, Keyla obrigou-se a parar de agir como se estivesse assustada.

– Sei, o Lobisomem Jacob?

Um sorriso se formou na expressão dura de Mariana.

– É, o viciado em...

– Não precisa dizer – Keyla riu, esquecendo-se por alguns segundos do precipício em que se localizava. – isso é muito, muito, muito nojento!

Mariana deu partida no carro e não disse mais nada.

Keyla sabia que havia algo a mais naquela “ameaça” de entregar Thammy para o namorado. Pelo pouco que sabia, a irmã dela não era do tipo que aceitava uma derrota facilmente e a dicção maliciosa de Mariana insistia em pregar algo a mais. Como violência ou...

Keyla se sacudiu mentalmente e insistiu em continuar com o assunto.

– Poxa estou decepcionada, sua irmã merecia uns bons tapas e pontapés.

Mariana sorriu.

– Eu também queria poder arrancar uns dentes a mais dela, mas o que eu fiz hoje já me satisfez.

Keyla não queria acreditar nos seus instintos, mas aquela frase tinha algo a mais. Sempre tudo o que Mariana dizia parecia ter algo oculto sobre as palavras indiferentes.

Ela olhou impulsivamente para o vestido de Mariana.

O vestido era bordado com caveiras por todo o tecido preto fosco. Os pequenos pontos de luz lembravam o céu escuro de uma noite de calor. O pano preto era o véu sublime da infinidade do céu e os pontos de luz a representação das estrelas. As caveiras eram mescladas em tons de azul claro e violeta.

Mesmo depois de tanto tempo, o vestido ainda permanecia intacto, como se fosse novo.

Mariana estava ainda mais linda do que de costume.

– Vejo que está virando gótica, Taylor Momsen Cover. – Keyla zombou.

Ela acompanhou as risadas da Mariana.

– Talvez sim, se é assim que prefere chamar.

Keyla parou para refletir mais uma vez naquele instante e tentou mudar a lógica absurda que sua mente criara para aquela situação. Tudo bem que sua amiga podia ter mudado repentinamente (mais do que deveria), mas pelo menos estava mais autêntica e mais divertida.

– Mais sombria também. – Keyla murmurou antes que pudesse se calar.

– O quê?

Keyla pulou de susto ao ouvir o tom grotesco de sua amiga. Soava maldoso e quase como um alerta de perigo.

– N-nada, só estou meio distraída.

– Não minta pra mim.

Mariana parou o carro em frente a um Motel e encarou Keyla.

Keyla pensou estar maluca ou que tivesse sob o efeito de alguma droga, mas não estava, o que ela via era real.

Os olhos da sua melhor amiga reluziam um vermelho-sangue ardente, como se alguma luz estivesse refletindo nos olhos dela, mas a única luz presente no lugar era a do poste que era laranja e a do neon do Motel que era verde. De onde vinha aquela luz?

Antes que Keyla caísse à beira do desespero os olhos de sua amiga voltaram ao normal.

– Acha que estou estranha, mas que essa mudança em mim é boa porque estou mais “adolescente”.

Keyla havia esquecido como respirar.

– Como você sabe? – Sua voz falhou miseravelmente.

– Dá pra ver em seus olhos. – Ela sorriu com malícia, novamente com aquele tom esquisito que escondia segredos nas palavras.

Keyla somente desconfiava, e aquela coisa toda de anormalidades já estava a enlouquecendo.

Decidindo dar uma folga para sua cabeça (e para seus batimentos cardíacos também), ela apoiou sua cabeça no banco do carro e se permitiu relaxar fechando os olhos, deixando a escuridão de suas pálpebras a entorpecerem.

– Chegamos! Até que foi rápido não acha? – Mariana comemorou entusiasmada.

Keyla abriu os olhos com exaustidão, parecia que ela não descansava há dias.

– Acho que cochilei. – Keyla respondeu se espreguiçando e bocejando.

– É eu percebi.

Keyla virou-se para olhar Mariana retocar seu batom sedutor no retrovisor do carro.

– Acho que eu não trouxe meu gloss, você tem algum que não seja tão sexy?

Mariana riu, soando mais normal e tranquila.

– Sim eu tenho esse rosa-pink bem claro. – Mariana respondeu revirando sua bolsa preta.

Keyla pegou o batom e retocou mais uma vez seus lábios viçosos, desejando também poder retocar a fina linha de coragem que a impedia de se abrir com sua melhor amiga.


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