Pulsos Atados escrita por Anayra Pucket


Capítulo 17
Capítulo 16 - Visita - Mariana




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Demorei cerca de meia hora para aprontar Rose.
Nem precisei de esforço para deixá-la ainda mais bonita, parecia que ela própria tinha um botão para aumentar ainda mais sua elegância e feminilidade. Seus cabelos eram grossos, mas lisos e totalmente negros como a noite que se mantinha silenciosa lá fora.
Peguei o delineador e caprichei no delineado para marcar bem o seu olhar, que já era de hipnotizar, e realcei com um batom vermelho vivo matte seus lábios, obedecendo às curvas sedutoras. Ela já tinha escolhido o vestido que ia usar, ele possuía mangas curtas e era feito de um tecido vinho que eu havia esquecido nome, e descia até o chão. Ele marcava bastante, mas não de um jeito vulgar, as suas curvas que a sortuda da Key havia herdado (Apesar dos quarenta e poucos anos que Rose tinha, aquele "corpitcho" dela fazia muita modelo parecer lagartixas ambulantes). O decote deixava a mostra os seios, e é claro que eu não ia deixar de acrescentar um colar lindo de prata, com uma safira mediana que pendia no pingente, que encontrei em seu guarda-roupas.
Okay, ela parecia uma musa de televisão. Aquela certa beleza indígena que ela tinha era simplesmente tudo o que ela precisava para conquistar um cara, e não é exagero. Até eu que não era lá de reparar muito em aparência (mas também não era cega) conseguia ver nitidamente o quanto essa mulher brilhava. Pensa só comigo, ela tinha um emprego de dar inveja sendo a dona de uma indústria que fabricava peças de carro - o que normalmente não é de se esperar de uma mulher qualquer - tinha uma quase-mansão, e só tinha roupas de marca chique. Sim, qualquer cara ia ter que ser muito idiota para não querer alguém como ela.
– Posso me olhar agora? - Ela perguntou, cortando minha ligação mental.
– Claro que sim - Balbuciei enquanto virava a cadeira giratória em direção ao enorme espelho que ficava na suíte de seu quarto.
Ouvi ela arfar baixinho de surpresa.
Parecia que eu tinha me saído bem, e pensei naquele momento com sarcasmo, como valeu a pena aturar as aulas de maquiagem de Keyla. A mãe dela realmente precisava realçar a beleza dela.
– Essa sou eu? - Ouvi ela sussurrar, abrindo um sorriso largo.
Ri baixinho, meio acanhada.
– Sim! Agora vá, a noite te espera!
Como se para concretizar o motivo de eu apressá-la, ouvimos uma buzina de um carro.
Ela levantou num pulo, calçou rapidamente suas sandálias e tentou, sem esforço nenhum, desembaraçar seus grossos cabelos com os dedos (Ah, como eu queria ter um cabelo assim!). Rapidamente ela me deu um tchau rápido e desceu as escadas abaixo. Pensei em segui-la para dar uma espiada no sortudo que tinha despertado o interesse dela, mas resolvi apenas me dirigir para a janela, puxar as cortinas e vê-la caminhar pelo jardim da casa, irradiando uma confiança extrema, e entrar dentro de um carro preto que não soube identificar qual era.
Assim que o carro se foi, me deparei com os distantes soluços de Keyla, que vinham de seu quarto no mesmo corredor. Caminhei depressa pra fora do quarto, segui o corredor e abri a porta que rangeu e me trouxe com mais clareza sua tristeza presente na atmosfera do quarto como se fosse um tipo de névoa ambulante.
– Cai fora daqui! - Ela gritou com seus inúmeros bichinhos de pelúcia e travesseiros sobre seu rosto - Se for pra me encher de coisas do tipo "A Filhinha odeia a Mamãe" desista!
Bufei pesadamente.
– Keyla sou eu, a sua mãe acabou de sair.
Imediatamente ela tirou todas aquelas coisas do rosto. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, suas olheiras estavam bem mais escuras que o normal e um leve rubor contornava o nariz e os olhos.
– Você não acha injusto ela trair meu pai?
Tentei soar firme e não encabulada como eu me sentia.
– Seu pai está morto.
A expressão de dor que vi em seus olhos me doeu o coração.
– Sim... mas ela não pode simplesmente substituí-lo por outro.
Sentei pesadamente no colchão macio de sua cama espaçosa.
– Ela realmente não pode substituir ele, mas isso não significa que ela não possa tentar encontrar a felicidade em outro homem. O que tem demais nisso? Você prefere que ela continue sozinha pelo resto da vida? Ou melhor, você acha que seu pai ia querer ver ela ou você tão tristes?
Key pareceu refletir um pouco no que eu havia dito. Eu já estava acostumada a dar conselhos e "sermões" para os outros, então até que podia se dizer que eu era boa nisso. Ficamos alguns minutos sem dizer nada.
É claro que eu ainda mal tinha começado a dizer o que eu tinha em mente, mas resolvi dar um tempo pra ela poder processar as palavras e a situação.
– É mais fácil falar do que fazer. - Ela disse finalmente - Eu não quero esquecer meu pai, e sinto que quando ela tenta ser feliz com outro cara ela tá tentando... sei lá, trocar ele por outro.
– Então tira isso da sua cabeça! Você precisa bloquear isso, porque lá no fundo você sabe que sua mãe só quer ser feliz. Ponto final. Não tem vírgula, nem reticências. Ela só quer o melhor pra vocês duas.
– E o melhor é trazer um macho pra dentro de casa? - Ela cuspiu as palavras.
Fala sério!
– Seria irônico eu dizer que você não quer ser solteira pro resto da vida, certo? Quem é que zomba de mim por não ser namoradeira? Sua mãe também não quer se sentir sozinha. Pare de ser feminista! Tentar ser feliz e superar a tristeza não significa você vai deixar de amar seu pai.
Ela abaixou a cabeça para olhar pros seus pés, como se estivesse cedendo à verdade.
– Acho você que tem razão. - Ela bufou e enxugou com leveza seus olhos e me lançou aquele sorriso que eu amava tanto. - Vamos deixar isso em off.
Me aninhei para mais perto dela e a abracei, sentindo o odor familiar de framboesa e canela do sabonete que ela usava desde pequena. Ela me abraçou de volta, quase me esmagando (sim, ela tem uma força bruta de uma atleta) e se desvencilhou de meus braços.
– Tá com fome? Vou fazer uns sanduíches grelhados com presunto e queijo! E tem coca pra estoque de um ano inteiro na geladeira - Ela mal havia perguntado e já estava caminhando em direção a porta do quarto.
– Aeeho! Demorou!
Ela me fitou por alguns instantes, com um misto de surpresa e confusão, e então caiu na gargalhada.
– É incomum ver minha melhor amiga tão agitada desse jeito.
Dei uma risada meio forçada.
– É, ultimamente não tenho mais sido a mesma...
Baixei meu olhar esperando que ela fizesse uma série de questionamentos, mas ela me surpreendeu ao dizer:
– Tudo bem, tudo bem eu sei que você está com amnésia de ontem e provavelmente vai querer tirar satisfação de tudo, mas dá pra gente comer antes? Eu to morrendo de fome!
Suspirei, aliviada por ter uma desculpa para adiar as respostas para minhas inúmeras perguntas.
– Okay, também estou morrendo de fome.
❀ ◕‿◕ ❀

Alguns minutos depois, Key estava na cozinha preparando os lanches e eu estava aconchegada no sofá branco da sala assistindo pela milésima vez a reprise do filme Matemática do Amor.
Eu amava aquele filme, especialmente a protagonista, Mona Gray que era tão reclusa e esquisita quanto eu, isso sem contar a fofa da Lisa. A história é bem triste por causa da doença do pai dela e pela mãe da Lisa ter câncer no olho e morrer no final, porém tudo no fim das contas - ou pelo menos boa parte do todo - dá certo.
Consegui me distrair o bastante para afastar meus próprios problemas da minha vida pacata. Mesmo querendo negar, eu estava morrendo de ansiosidade e também de receio - era como um cabo de guerra no qual o lado do receio estava vencendo - para saber o que estava acontecendo na minha vida. Primeiro, o garoto do terreno, Gabriel (que agora eu tinha certeza que não era Ariel, mas sim talvez um parente ou até irmão gêmeo dele), depois o próprio Ariel perguntando de mim para Key enquanto ela tentava flertar com ele, depois o terremoto do terreno e a criatura maligna que saiu do chão e me fez sentir uma vontade de me prostrar aos seus pés e o adorar. Depois disso, eu ter visto com meus próprios olhos meu sangue ter se transformado em uma forma líquida quase negra, depois o fato de eu ter quase me matado ao saltar de uma distância impossivelmente grande da estreita viga do prédio onde eu morava até a laje de uma casa que ficava ao lado, e pra piorar tudo, o meu esquecimento totalmente sem razão sobre ontem à noite.
E eu achava que ter prova de matemática em plena sexta feira já era um inferno.
Tim dom.
A campainha desnecessariamente aguda da casa tocou em alto e bom som.
– Eu atendo! - Keyla gritou segundos antes de deixar a panela de pipocas, que antes eu mal tinha prestado a atenção no som familiar que ela emitia, cair com tudo no chão.
Me levantei em alerta rapidamente, pronta para vê-la gritar de dor ou queimaduras de terceiro grau em seu corpo.
– Eu estou bem. - Ela me confortou antes que eu começasse a gritar de histerismo - Melhor você atender enquanto eu limpo essa bagunça.
Segurei uma risada de alívio e fui em direção ao balcão e apanhei as chaves para abrir a porta da sala. Adentrei o quintal após abrir a porta, e mesmo com a escuridão que se mantinha lá fora, reconheci imediatamente os olhos azuis sobrenaturais, quase fluorescentes que me encaravam de longe.
Eu pensei que ele estava morto, não só ele, mas seu irmão ou parente também. Como alguém seria capaz de sobreviver a uma criatura enorme, que parecia ter sido recém tirada de um conto de fadas, como aquela?
Minhas pernas ficaram bambas, e eu considerei por um breve momento fugir e fechar a porta com tudo. Eu seria capaz de me controlar dessa vez, eu não ia permitir que aquele instinto predominasse em mim mais uma vez.
Decida, eu estava quase dando meia volta para entrar dentro da casa e fingir que nada tinha acontecido, quando sua voz grave me alcançou, paralisando meus músculos na mesma hora.
– Não vá! Eu te devo algumas explicações.
Apertei meus olhos com força, tentando fazer aquela vontade que eu tinha de ceder aquele instinto a se cogitar dos meus movimentos e do perigo, mas era em vão. Eu não podia evitar aquele cara.
Foi a certeza mais absoluta que eu tive naquela hora, e sabendo o quanto eu estava sendo estúpida por não ser sagaz e cair fora dali, dei passos hesitantes e fracassados em sua direção.


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