Rumo ao Leste escrita por Trezee


Capítulo 4
No três...




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- Deus Azcus, aqui estamos para fazermos o ritual de libertação. O Grande Aquém vos levará para junto dos outros deuses, que felizes com sue retorno, nos darão a salvação! Que comece o Branda-branda!
Não tremi, não sentia ao menos que meu corpo ainda me pertencia. Eu era uma perfeita marionete guiada pelos pigmeus para o fosso de lava. Quando senti o chão sob meus pés ficar instável, imaginei um rio de lava passando logo abaixo de mim. A lava que logo eu me fundiria. Somente aí eu tremi.
Chagamos a um lugar, uma espécie de plataforma, onde os pigmeus me deixaram e se afastaram. Parecia um trampolim que me separava da piscina de lava. Cheguei bem na borda da plataforma e vi a massa cinzenta a alguns metros para baixo. Sabia que o momento havia chegado e que ninguém iria atirar um Deus dentro de um vulcão. Um Deus se sacrificaria e pularia sozinho. Isso que um Deus faria. E o Deus em questão ali, era eu. Eu teria que pular. Um frenesi estranho subiu pelo meu corpo. A adrenalina estourou seus limites. Contei até três várias vezes, mas minhas pernas não se moviam.
- É agora. – murmurei confiante. Fechei os olhose vi minha vida se acabar em uma contagem. Passei com êxito pelo 1, mas no 2, senti meu corpo ser arremessado e meus pés saírem do chão.
Abri meus olhos assustado com o movimento que eu corpo fez sem eu dar um passo sequer. Então me deparei com o inacreditável. Percy voava pelos ares, suspenso por uma corda vinda não sei de onde e eu, vinha enganchado entre seus braços.
- AHHHHHHHH. – foi o melhor que pude fazer. – Percy! AHHHHHHHHH. – me senti um bobo fazendo isso de novo. – Como? – murmurei por fim, enquanto rodopiávamos nos ares, sobre os pigmeus que gritavam desesperadamente.
- Bom te ver também! – disse ele rindo da minha reação. - Irei te explicar, assim que sairmos daqui!
A corda começou a perder o movimento então, com o impulso dos nossos corpos, conseguimos atingir a borda do vulcão. Claro que a borda oposta da que os pigmeus estavam.
- Vamos Terick, temos que correr para a praia!
- Mas... – tentei perguntar, porém Percy se virou para frente, ignorando-me.
Restou-me então tirar conclusões pelo o que meus olhos me falavam. Percy não estava mais usando as vestes azuis da marinha, e sim um camisão bege e remendado. Na sua cabeça, havia um lenço vermelho e na sua orelha um brinco tão reluzente quanto o meu. O que eu via não mentia. Percy havia se tornado um pirata!
Mesmo pasmo, confuso e perdido, não fiz nenhuma pergunta até chegarmos à praia. Minhas pernas não aguentavam mais correr e o ar faltava aos meus pulmões. Eu ainda não havia olhado para o mar, até reparar em um grande vulto preto atracado na praia.
Meu queixo caiu e Percy percebeu meu estado de choque tão rápido que nem precisei perguntar.
- Sim Terick, o que você está vendo é verdade.
Um imenso navio cinza chumbo com velas negras, mal arrematadas e rasgadas estava atracado há alguns metros de nós. Perto dele, vários piratas armavam um acampamento um tanto que desorganizado, mas que tinha como fim principal, pelo que entendi, arrecadar mantimentos.
Meus olhos se fascinavam a cada vez que eu piscava e as imagens se arquivavam na minha mente.
Eram piratas de verdade! Achei meu raciocínio um tanto que infantil, na verdade, achei muito infantil. Eram piratas, apenas piratas. E não seres sobrenaturais que devessem ser encarados como mártires ou aberrações da humanidade.
Depois de gastar alguns segundos tentando processar as ideias, resolvi fazer a pergunta que me incomodou por quase todo o trajeto até ali.
- Percy... Você é um pirata? – gaguejei um pouco.
Ele olhou para o barco e para suas vestes. Deu um sorrisinho intimidador e respondeu sem parar de encarar meu rosto, que ansiava pelo óbvio.
- Não...
Não? Como não?" Minha mente gritou e ele riu da minha cara que na certa me traiu.
- Pular de um navio em chamas, flutuar em uma tábua e ser salvo por piratas não me torna um deles. É preciso querer e amar a traição da águas... E eu priorizo outras coisas. – seu olhar se tornou um pouco vago.
Parecia que eu conseguia ler sua mente. De fato, não sei se enxergaria Percy como um pirata. Sou um pouco idealizador nessa parte. Desde pequeno ouço histórias sobre piratas, as incríveis façanhas e malandragens. O dom de se esquivarem de problemas e viverem em conjunto, mesmo tendo como ideal o "cada um por si". Um verdadeiro grupo de bandoleiros e foras da lei que se aventuram pelos mares a mercê dos ventos e das ambições. Marginalizados por alguns, admirados por outros e inquestionáveis por mim. Sim, por mais que eu seja da marinha e não há nada mais controverso a um marinheiro do que um pirata, de alguma forma, uma forma bem grande, eles não deixam de me intrigar. De um modo bom.
E foi com esse sentimento que embarquei pela primeira vez no Pérola Negra. Resgatado, como Percy, mas sem prioridades. Nunca me imaginei entre vários outros tripulantes que não fossem chamados de "marinheiros", e sim de "marujos". Foi um pouco insano e cômico tudo que eu via ao meu redor. Parecia que eu não existia, já que ninguém reparou na minha presença. Segui Percy por todos os cantos que ele andou, até chegarmos há um cubículo, onde ele mandou que eu entrasse e trocasse de roupas.
- Desculpe Terick, são as exigências. – ele deu um risinho amarelo e fechou a porta, deixando-me no cubículo com uma luz fosca e uma trouxa de roupas.
Comecei a revirar os panos e identifiquei uma camisa, uma calça e um lenço. Tirei minhas vestes azuis e tão comuns – ou místicas, segundo os pigmeus – e coloquei o que haviam me dado. Amarrei o lenço na cabeça, formando uma bandana de bolinhas. Achei aquilo tão pirata que gostei.
Saí do quartinho mais leve. Foi estranha essa sensação, parecia que eu estava indo para uma festa a fantasia, mas não estava. Estava indo para minha realidade.
O que antes era nada, agora se tornou tudo. Vários olhares voltaram-se para mim. Perguntas, maus dizeres, falas indiferentes, quaisquer palavras foram ditas e ouvidas e eu gelei quando todos se calaram.
De uma porta grande saiu o capitão. Lembrei-me de imediato do Grande Pigmeu, mas relevei.
- Quem é você marujo?
- Um naufrago. Marinheiro de Verópolis. – não sei se deveria ter dito isso. Mas se nada aconteceu com Percy, não temi.
O capitão apenas olhou para mim, com um sorriso sádico que me gelou as espinhas. Seu dente dourado e seu olhos rasgado acabavam toda minha visão de um simples e grande e superior Chefe de navio.
- Que seja. Não dou a mínima para o que você é, era ou deixará de ser. Para ficar no meu navio, bem, você tem que ser útil. Vamos atracar daqui dois dias em Koogland. Descerá lá com seu amigo ou, se demonstrar interesse, poderá tentar sobreviver entre os porcos. Não é marujos? – juro que achei que eles iriam gritar "branda-branda", mas o único som que saiu suas bocas foi uma insana risada.
- Pensarei até lá. – foi minha resposta final antes de ser convocado para descascar batatas. Parecia que essa função me perseguia.
Meu primeiro contato como pirata, não poderia ser mais igual como foi meu primeiro contato como marinheiro. Meu fascínio não foi menor. Eis uma pequena diferença. A marinha de Verópolis chamava pelo meu nome, ou melhor, pelo meu sobrenome desde o dia em que eu nasci. Ser um Hoipky e não ser um marinheiro, era igual ser um navio e não ter velas. O navio não anda. Agora, ser o Terick e não ser um pirata, era igual ser um navio e não ter tripulação. O navio afunda.
E eu não queria afundar.
Foi a decisão mais crucial da minha vida. Nunca havia cogitado a ideia de ser um pirata e sem mais nem menos, parecia que uma luz havia se acendido diante dos meus olhos. Um futuro programado exclusivamente por mim e mais ninguém. Uma oportunidade única, uma aventura inovadora. Irracional, mas sem prévias consequências. Um mistério.
Senti-me tentado, absorto e incorporado no mundo pirata. Mesmo que ainda ali, cascando batatas. Não me bastava mais seguir ou não as rotas, eu precisava inventá-las.
Minha mãe me entenderia, meu pai talvez. Mas um dia, ouvi dizer que quando os ventos sopram para o leste, há sempre esperança de que tudo vai dar certo. Bem, um dia o vento vai ter que soprar para o leste novamente. E a esperança nunca morrerá.
Foi pensando assim que encarei minha realidade, que de fato sussurrava aos berros na minha cabeça. Eu sou um pirata? Não sei. Ainda.
Essas ideias consumiram toda minha atenção durante os dois dias que passamos enclausurados dentro do navio. Era agora. Ou eu ficava ou eu ia.
Bem, fiquei.

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Notas finais do capítulo

Não acabpu... mas comentem!



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