Tão frio quanto a Coréia escrita por Garota Errada


Capítulo 6
Temperatura 1


Notas iniciais do capítulo

Nenhum escritor, por melhor que ele seja, transforma sua realidade em verdade sem um leitor.
Comentário faz bem a vida, ao leitor e principalmente a inspiração do escritor. Comente!



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A minha noite foi mais uma de choro. O calor momentâneo que senti no jantar com essa nova família que faço parte, esvaiu pela frieza do tempo e de seus corações. Não consigo entender essas pessoas e sua forma de lidar com uma situação como esta. Posso até compreender que somos de culturas diferentes, porém eles não podem perceber que não preciso somente de alimento e um lugar para viver? Que nesse instante necessito muito mais que isso?

Imagino que eles não conseguem realmente compreender claramente o que uma pessoa que acabou de perder seus entes queridos precisa. E o que me resta é sufocar-me no choro as noites frias num quarto aquecido. E é exatamente desse modo que se segue uma semana. Tenho café da manhã, almoço, lanche e jantar; um garoto mal humorado para falar por cinco ou dez minutos ao dia, um tutor (que chamo de Quim Geun So – como foi me ensinado) para falar comigo a noite e traduzir conversas frias com as senhoras da família.

Nada parece mudar nesses dias e tampouco nas noites quando me coloco na cama e choro na madrugada, ao acordar com o coração apertado devido o sonho que tive. As vezes vejo o acidente como se tivesse nele, noutro me vejo no funeral dos meus pais e há sonhos que sou completamente levada para um lugar obscuro onde ouço choro dos meus pais e lamentos desses.

Outro fato que se tornou costumeiro são os barulhos, iguais aos que ocorreram na minha primeira noite nesse lugar. Todas as noites eles se repetem, mas não verifico mais o que podem ser, ignoro-os e continuo nos meus lamentos.

Entretanto nessa mais uma noite o barulho ao se repetirem se mostram mais perto, tento ignorar, mas o fato de estar praticamente dentro do quarto os barulhos não consigo fazê-lo.

Levanto-me devagar, cautelosa aproximo-me da porta, chego a segurar a minha respiração, é quase como se estivesse num filme de espionagem, na parte que tenho que ouvir uma conversar extremamente importante. Colo meu ouvido a porta e presto atenção o som de fora.

O uivar do vento é a primeira coisa que ouço, então quanto mais presto atenção percebo uma respiração. Tem alguém próximo a porta, certamente espionando como faço agora. Com a coragem gritante dentro de mim coloco-me ereta e puxo uma das folhas da porta de supetão.

San Min cai aos meus pés. O garoto mal humorado de no máximo quatorze anos é quem produzia o barulho. Atrapalhado ele se levanta e se coloca diante de mim, olha-me por alguns segundos e depois se retira rapidamente, coloco-me para fora do quarto e o chamo. Ele para próximo a porta de seu quarto e vira para minha direção.

–Você queria falar algo comigo? – indago, estranhamente esperançosa.

Ele fica olhando-me perdido entre negar ou concordar.

–Ouvi. – diz ele num fio de voz.

–Ouviu? – pergunto.

Percebo pelo olhar dele o que queria dizer. Ele tinha me ouvido chorar. Fico envergonhada por esse fato, mas também feliz de certa forma; alguém de dentro dessa casa estava mostrando uma preocupação além de alimentação e moradia.

–Desculpa-me acordá-lo. – digo.

Ele balança a cabeça num sinal que está tudo bem; dou-lhe um sorriso.

–Esta bem? – indaga.

Demoro para responder, incerteza do que realmente posso lhe dizer. Quero que alguém demonstre mais sentimento, mas também não quero perturbar ninguém dessa casa, já sinto-me intrusa o suficiente para causar tal tormento.

Pela falta de resposta ele se aproxima de mim, fico surpresa com essa atitude e ainda mais com a que ele realiza em seguida.

Sinto seus braços magricelos envolve-me, e sua cabeça bater no meu queixo. Só agora que percebo que meus olhos estão marejados, certamente foi isso que o impulsionou a realizar esse ato. O ato que me acalentou completamente por toda a noite.

Já que logo em seguida, certamente envergonhado, ele solta-me bruscamente e volta para seu quarto.

Não me importo com essa atitude estou feliz suficiente para ignorar sua saída nada elegante e volto para o quarto, e então vou dormir confortavelmente...

•••

Acordo animada no dia seguinte, o sábado brilha vibrante do lado de fora do quarto que ocupo. Saio empolgada a olhar o jardim; estamos no último mês de outono, segundo Quim Geun So, e por isso as plantas não demonstra seu esplendor, e as três árvores que há ao redor do jardim tem seus galhos quase todo desfolhado. Ainda assim é uma cena bela em se ver banhando ao sol. Sinto a temperatura agradavelmente mais quente do que nos dias anteriores e só isso já é suficiente para sorrir.

E é sorrindo que atravesso o jardim e vou para a outra parte da casa; a senhora Kan Rê Zun (conhecida também como Oma – que aprendi ser mãe em coreano - de San Min e esposa da Quim Geun So) olha-me e dar um delicado sorriso, e aponta para uma das cadeiras vazias. Somos somente nós duas.

O café da manhã desordenado, que é comer comida em vez de alimentos característico aos da manhã, não incomoda-me nesse dia belo que se mostra pelo vidro da porta diante de mim.

Assim que começo a comer, a porta direita que fica na sala de estar se abre, a senhora Ran Eun Gi (conhecida como araboti – avó em coreano - de San Min e Oma de Quim Geun So) sai calmamente. Abro-lhe um sorriso alegre e sou correspondida com outro delicado sorriso. Nessa manhã isso não me importa.

A sopa com um sabor leve, nessa manhã está magnifica, como também o arroz sem tempero, os legumes e verduras em sua maioria conservado em temperos fortes; tudo está maravilhoso e estranhamente não consigo tirar meu sorriso do rosto. Percebo as duas mulheres cochicharem, enquanto se servem, não importo-me com isso.

Quim Geun So adentra e lhe dou um alegre ‘bom dia’, ele se mostra surpreso no primeiro momento, para então sorrir e cumprimentar-me. Assim que o faz se senta ao lado da esposa e cochicha algo com ela, os dois me olham e volto-lhes a sorrir. Imagino que estou sendo completamente anormal as outras manhãs, mas não posso me conter há um sentimento caloroso dentro de mim e isso é a única coisa que me importa.

Então entra na sala de jantar o garoto que é a razão da minha felicidade. San Min. Ele não está com seu uniforme, como no sábado passado, está ainda vestido no seu pijama de calça cumprida e blusa, seus cabelos também não estão rigorosamente penteados, estão bagunçados como na madrugada. Seus olhos se encontram com os meus e simultaneamente abro outro sorriso, ele também sorrir timidamente e realiza algo incomum as outras manhãs.

–Bom dia. – cumprimenta.

Agora é a minha vez de ficar surpresa. Embora San Min saiba falar um pouco de português, que aprendeu com seu pai, ele não falava comigo na frente dos demais, somente quando estamos sozinhos; e pela reação dos outros percebo que não sou a única a ficar surpresa, algo que se quebra rápido, com outro sorriso meu.

–Bom dia. – respondo-o.

O restante do café segue normal, o que acontece depois dele que transforma o meu dia ainda mais especial.

Enquanto levanto-me para ajudar a senhora Kan Rê Zun, Sam Min e seu pai vão para a porta do lado esquerdo, onde fica o escritório de Quim Geun So. Embora não seja convidada a participar da conversa, quando termino de lavar a louça (uma tarefa que muitas vezes revolta-me por fazer-me lembrar das inúmeras vezes que não a fazia para minha mãe), Quim Geun So chama-me. Ele e San Min estão parados diante da porta do escritório e pelas expressões dos dois parece que será um assunto importante.

Meu tutor aponta um dos sofás da sala de estar e sento-me nele, San Min senta-se num defronte a mim e seu pai ao seu lado.

–Estou vendo escola para você. – informa ele. Isso eu já sabia, antes mesmo de chegarmos na Coréia ela havia me informado que iria ver sobre essa questão.

Concordo com a cabeça.

–O inglês é importante, em escola para estrangeiros.

Faço uma cara desanimadora, nunca fui boa em inglês. Nem mesmo o curso que fazia além da escola me ajudou, eu simplesmente não gostava e por isso não estudava. Para falar a verdade nunca fui boa em nenhuma matéria.

Quim Geun So deu uma risadinha.

–Seu pai me falou. – disse num tom nostálgico. – Que filha dele não era boa na escola de inglês.

Torço o nariz, mas não posso deixar de me sentir bem com isso, em pensar que na conversa entre meu pai e meu padrinho entrava um assunto tão banal assim sobre mim.

–Fui escola de Sang Min e consegui vaga.

Automaticamente olho para San Min que me sorri, chego a ficar aliviada por estudar na mesma escola que ele, embora suponho que seremos de classes diferentes devido a idade.

–Fico feliz com isso. – declaro.

–Bom. – diz meu tutor. – Sang Min ajuda no coreano.

Outra notícia que me deixa feliz.

–Ele ensina idioma para você.

–Certo. – concordo.

Olho para ele, empolgada.

–Primeira aula, manhã. Aula em lugar diferente.

A empolgação soube aos céus ao ouvir aquelas palavras saírem da boca de San Min. Finalmente sairia um pouco dessa casa, não iria apenas para o armazém ou a banca diante a casa (qual é a araboti que cuida).

–Perfeito. – digo. – Realmente estou feliz com essa notícia. – informo.

Os dois mostram-se satisfeito com o efeito que isso causa em mim. Imagino que terei mais uma difícil noite de sono, desta vez por causa da ansiedade.


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Notas finais do capítulo

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