Vivi a minha vida inteira na mesma cidade, na mesma casa, e no mesmo quarto. Sempre estudei na mesma escola, os mesmos amigos, a mesma rotina. Nunca tive nenhuma mudança drástica na minha vida. Exceto, talvez, naquele dia.

Meu nome é Charlotte, tenho quase dezoito anos, e vivo em uma antiga casa, com meus pais e meu irmão mais novo, Thomas. Quando digo antiga, quero dizer realmente antiga. A casa foi construída há muitos anos, quando a cidade começou a existir. Minha família mora aqui somente a duas gerações. Meus avôs se mudaram para cá quando meu pai ainda era bem bebê. Quando meus pais se casaram, vieram morar na casa dos meus falecidos avôs, e vivem aqui desde então.

A casa tem dois andares e mais o porão, onde guardamos tudo que não estamos utilizando na casa naquele momento, serve como um depósito, literalmente. Meu quarto é no segundo andar, o último do corredor. Não tenho muito que falar sobre ele, é tudo bem simples, nunca fui muito de exageros. Meu irmão Thomas, por outro lado, é exagerado por nós dois. Ele deixa tudo sempre muito organizado, e vive me contanto partes de histórias que ele leu, tentando me mostrar que estou errada no que acabei de falar. Uma das paredes do quarto dele é coberta por uma estante, cheia de livros, e ele já leu todos.

Eu ainda não sabia, mas preferiria que meu irmão tivesse decido ao porão para buscar os materiais de limpeza para a nossa mãe. Ele pelo menos saberia o que fazer naquela situação, e tiraria de letra.

- Charlie! Tom! Venham cá, preciso falar com vocês! –ouvi minha mãe chamar, do andar de baixo.

Ouvi Thomas descer as escadas apressado, resolvi segui-lo antes que sobrasse bronca para mim. Minha mãe, Ana, estava na cozinha, com avental, luvas, e muito sabão, limpando a louça.

- O que foi, mãe? – perguntei, parando ao lado de Tom. Ela estava nervosa, fazia tudo apressada, e nem sequer parou o que fazia para falar conosco.

- Quero a ajuda de vocês dois. Seu pai vai vir só no final do dia, e vai trazer visitas. Essa casa está uma bagunça! – ela exclamou, balançando os braços, fazendo voar um pouco de espuma. - Charlie, guardei o material de limpeza no porão. Você pega lá para mim? Enquanto isso já vou ajeitando aqui a cozinha. Thomas, você começa pelo seu quarto.

Dei de ombros, e me dirigi às escadas que levavam ao porão. Não sei o que minha mãe quer que o Thomas arrume no quarto dele, aquele lugar é o mais ajeitado que já vi. Descendo as escadas notei o quão empoeirado estava o porão, quase não íamos ali, e simplesmente entulhávamos tudo que não precisávamos.

Andei pelo cômodo tentando encontrar o interruptor, e acabei tropeçando em algo. Quando finalmente consegui ligar as luzes, percebi que havia tropeçado em um livro velho, com a capa bem marrom rasgada em diversos lugares. Peguei o livro do chão, nunca o tinha visto antes. Será que Thomas o havia esquecido ali? Não duvido nada. Os escritos da capa estavam muito apagados.

Quando finalmente resolvi abrir o livro, senti uma estranha sensação de enjoou, seguida de um forte vento que tomou todo o lugar, fazendo algumas coisas voarem. Em seguida, tive a péssima sensação de ser sugada por algo e de cair com força no chão.

- Ei, você! Não sabe que é falta de educação quase cair em cima de alguém? – ouvi uma voz muito fina reclamar.

Demorei alguns segundos para me situar, ainda estava um pouco tonta. Olhei ao redor, e percebi que eu não estava mais no porão da minha casa. Havia muitas árvores, flores, e terra, muita terra.

- Ei! Estou falando com você! – a voz reclamou novamente. Olhei novamente ao redor, e não vi ninguém.- Aqui em baixo!

Vi uma criaturinha verde, que parecia vestir roupas, parado na minha frente, e carregando um guarda-chuvas. A criaturinha era um grilo. Um grilo estava falando comigo.