Tenho dificuldades para dormir. Todas as noites eu vejo aqueles rostos, aquelas inúmeras expressões, cada uma à sua maneira para lidar com o que está por vir. Alguns costumam chorar bastante, abraçam seus familiares na esperança de oferecer uma espécie de conforto, ou quem sabe alguma força para suportar. Ver esse tipo de coisa destruiria qualquer um, acredito. No entanto, meus ditos companheiros não sentem remorso algum no momento em que puxam o gatilho. Eu não consigo entender como alguém consegue olhar nos olhos de alguém e atirar. Sempre falam que o melhor de nós se manifesta em momentos extremos. Se o melhor de nós significa amontoar corpos sem nome e diferenciados apenas por suas numerações, devo ser o pior se humano que caminha sobre essas terras. Não consigo fechar os olhos sem ser assombrado por aquelas lágrimas infantis, pelo choro fragilizado, pelo lamento dos condenados. Condenados à morte semelhante a um abate de um animal inútil, onde seus restos serão atirados à sarjeta, dependendo apenas do bel-prazer dos seus carrascos. Mas as noites em claro não são meu maior problema; todos os dias, vejo meus fantasmas em suas formas reais, restos de carnes sobre ossos. Restos de um todo que se perderam no passado, e não almejam algum futuro, alheios a vontade de qualquer um, a vontade de nós, do tempo, a si mesmos. Todos os dias eu os vejo, e esses indivíduos — vestidos com seus trapos listrados, com sujeira, com suas tristezas, e esperanças perdidas. — enxergo um pedido, uma vontade que se torna unânime a medida que o tempo é cruel e passa sem se perceber, sem levar aqueles que perduram nos campos. Um desejo calado, velado naqueles olhos, à vista naquelas expressões.

Piedade.