CIDADE DAS PEDRAS - Draco & Hermione escrita por AppleFran


Capítulo 47
Capítulo 43 - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Leiam a nota final do capítulo.



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43. Capítulo 43

 

 

 

 

 

Theodoro Nott

 

—       Você não tem metade da capacidade que o cérebro de Draco Malfoy tem para gerenciar uma guerra, Theodoro. – Severo Snape soltou com sua apatia fria e pausada embora Theodoro soubesse que aquele tom proferia seu nível de indignação. – Draco tem anos de experiência, ele vem exercitando e praticando estratégias há anos, ele sabe como tudo funciona. Tudo que você fez foi administrar o funcionamento de Brampton Fort como cidade todos esses anos!

 

—       O mestre me escolheu. – retrucou Theodoro. – Escolheu a mim, Severo!

 

—       É claro que ele escolheu você! Todo mundo sabe que tudo que você sempre quis foi ser como Draco Malfoy. O mestre viu sua motivação seria maior do que a de qualquer outro. Mas a verdade é que você não passa de uma criança mimada.

 

Theodoro riu com raiva.

 

—       Uma criança mimada? O que você acha que Draco Malfoy é?

 

—       Draco Malfoy era uma criança mimada fora do cargo que tinha. Ele era uma criança mimada com as mulheres que levava para cama, com as amantes que tinha, com as disputas infantis de perversidade com gente como você, com a rebeldia de achar que ninguém estava acima do nariz dele, com as doses de álcool que tomava. Draco sempre levou suas missões a sério. O que você acha que o fez matar Alvo Dumbledore? Draco Malfoy não tinha a menor capacidade de sequer apontar a varinha para um bruxo como Dumbledore, mas a seriedade dele com o que lhe era confiado fez com que ele criasse nele mesmo a capacidade para tal. Por que acha que o mestre confiou o exército dele nas mãos inexperientes de Draco Malfoy no início? O Lorde sabia bem o potencial dele. Draco matou a maior pedra no caminho do mestre. E ele só tinha dezessete anos! Ninguém é tão bom quanto ele.

 

—       Eu sou tão bom quanto ele! – soltou furioso.

 

—       Viu só? Você soa como uma criança mimada! Draco dizia coisas como essa o tempo inteiro e ninguém o questionava porque ele já havia provado que realmente era o melhor. Até que você me prove o contrário, sempre soará como uma criança implorando por atenção.

 

Theodoro soltou o ar sentindo que explodiria. Mas não podia. Não podia explodir. Tinha que ser mais inteligente do que sua raiva. Sua raiva não o levaria a lugar nenhum e Severo Snape sempre estivera contra ele desde quando o mestre informara que usaria Theodoro como uma carta na manga caso a rebeldia de Draco fosse algo mais sério do que apenas seu instinto mimado.

 

—       Eu só preciso que decifre as magias de distração na sala de Hermione, Severo. – precisava se conter. – Por favor.

 

—       Está fazendo algo que Draco Malfoy jamais faria: Implorar.

 

Theodoro respirou fundo tentando não deixar a raiva queimar debaixo de sua pele.

 

—       Você deve os seus serviços ao império, Severo.

 

—       Eu não devo nada ao Lorde. Você tem ajuda o suficiente com a Comissão. O que restou dela, ao menos. Eles podem fazer esse serviço.

 

—       As melhores mentes foram com Hermione e Draco. O que restou não tem a mínima capacidade para lidar com as magias de Hermione.

 

—       E o que te faz pensar que eu tenho? – questionou Snape. – Aquela mulher tem uma mente que ninguém nunca viu antes. Fui professor dela. Ela falava sobre coisas que nem eu tinha conhecimento. Não me faça perder meu tempo. Eu só trabalho diretamente com o mestre.

 

Theodoro bufou. Quem estava perdendo tempo era ele e a última coisa que poderia estar fazendo naquele momento era perdendo tempo. Deu as costas disposto a não gastar nem mais um pingo de sua saliva e deixou o escritório de Severo Snape furioso.

 

Fez seu caminho de volta para o quartel sem poder perder tempo. Agora Theodoro entendia o porque Draco sempre parecia andar como se estivesse atrasado para dar alguma ordem. Entrou novamente na antiga sala de Draco, que agora era sua. Bateu a porta atrás de si com raiva. Inclinou-se sobre a enorme mesa bagunçada e bufou dando-se tempo para engolir a própria raiva.

 

Puxou um dos cadernos que encontrou no laboratório de Hermione. Folheou as páginas tentando encontrar sentido em todas aquelas anotações. Era dela. Era a letra dela. Eram os cálculos dela, comparações, jogos de palavras, línguas estranhas. Tinham páginas que ele mal conseguia ver a cor do papel. Ninguém jamais conseguiria decifrar aquilo. Ele podia dizer que aquele era um antigo diário de Merlin e provavelmente muitos acreditariam.

 

Empurrou o caderno para longe. Começou a abrir as gavetas. Ainda haviam muitos pertencem de Draco Malfoy que ele queria olhar com atenção antes de se livrar. Haviam inúmeros documentos de antigas e novas ações, missões falhas, missões em espera, missões em processo, missões descartadas, missões revisadas... Havia até mesmo um documento e dois livros enormes sobre uma reorganização geral do quartel. Um vetado por Voldemort, o outro em processo de desenvolvimento. Não havia tempo no universo que pudesse ser suficiente para fazer Theodoro entender todo o trabalho que Draco vinha fazendo ali. Era impossível. Ainda mais enquanto tentava lidar com todo o caos que o Império de Voldemort vinha sofrendo com a divisão que Draco Malfoy causara. Ele não estava esperando que o estrago fosse ser tão grande. E piorava a cada dia. E ele tentava concertar, tentava minimizar o problema para o Mestre, mas a verdade era que tudo estava desmoronando.

 

Parou quando abriu uma das primeiras gavetas e se deparou com uma fotografia. Hermione estava bem vestida ajoelhada sobre a grama segurando o filho no colo enquanto tentava impedir que a filha sentada na grama colocasse um dente de leão inteiro na boca ao mesmo tempo que tentava não deixar o filho comer seu cabelo. O menino no colo puxando o cabelo de Hermione para a boca. A menina na grama com um enorme sorriso mostrando dois dentinhos inferiores muito pequenos segurando seu dente de leão. O sorriso que Hermione tinha no rosto era tão genuíno que era quase estranho. Ela se divertindo com os filhos. Seus olhos brilhavam. Seu rosto resplandecia. Quase faziam as cores serem extremamente vibrantes. Era quase de outro mundo. Era como se aquilo nunca tivesse acontecido em um lugar como Brampton Fort. Ela bem vestida, os filhos bem vestidos. Talvez fora algum tipo de foto informal ou acidental que saiu de um daqueles editoriais que os Malfoy haviam feito não fazia muito tempo apresentando os filhos ao mundo.

 

Draco guardara para si. Colocara logo na primeira gaveta de sua mesa. Aquele ali era o ponto fraco em toda a armadura de Draco Malfoy. Sua mulher e seus filhos. Theodoro jamais imaginou que Draco fosse material para família, mas de alguma forma, aqueles três seres humanos daquela fotografia conseguiram desvendar o labirinto para penetrar o coração impenetrável do homem que Draco era. Ainda o fascinava que logo Hermione fora a mulher para ele. Theodoro havia jurado muitas vezes que Draco morreria sendo o canalha que se provara ser desde a adolescência. Era difícil acreditar que ele era tão devoto as pessoas daquela foto agora.

 

A porta da sala foi escancarada por Thomas Ryot tirando Theodoro de um transe que não se notara entrar. O Comensal carregava rolos e mais rolos de pergaminho com ele. Estava claramente irritado como sempre desde que todo o caos de instalara no Império.

 

—       Infernos! – praguejou o homem despejando os pergaminhos sobre a mesa. – O líder do acampamento de Godric’s Hollow está do lado dos Malfoy! Ele acabou de cortar laços oficialmente com o mestre. – puxou um pergaminho de seu bolso e estendeu para Theodoro.

 

Era uma carta enviada por uma coruja que não esperou por respostas. “Apenas sigo ordens do general Malfoy. – Alan Casey” Era o que estava escrito no pedaço de pergaminho enviado. Não era bem uma surpresa para Theodoro. Casey vinha ignorando todas as ordens enviadas direto de Brampton Fort quando Ryot explicara por alto o que consistia o plano C.

 

—       Qual o tamanho da base de Godric’s Hollow? – Theodoro sabia que era grande, mas precisava ter mais detalhes do número de aliados que estava perdendo.

 

—       É uma base grande. Ficou ainda maior quando Malfoy precisou recheá-la um pouco mais quando a Ordem tomou a região de volta por um tempo faz uns dois anos. A maioria tem estado lá desde o início do acampamento. Subiram de zona ali mesmo. Muitos ali não tem contato com Brampton Fort há muito tempo. Mas isso acontece em quase todas as bases bem estabelecidas. – explicou Ryot.

 

—       Quero todos os líderes de base reportando de volta para o quartel. Hoje mesmo! Qualquer um que não responder o chamado será considerado traidor. – ordenou Theodoro.

 

Ryot ficou em silêncio e imóvel como se não estivesse gostando da ideia.

 

—       E os Dementadores? – questionou.

 

—       Uma coisa de cada vez. – Respondeu Nott não querendo fazer seu cérebro explodir.

 

—       Brampton Fort é prioridade. Estamos completamente desprotegidos. Conhece a Maldição de Brampton? Precisamos de Dementadores...

 

—       EU SEI O QUE ESTOU FAZENDO, RYOT! – exaltou-se ao sentir-se pressionado, mas precisou engolir sua fúria com muita rapidez quando Tom Riddle em pessoa passou pela porta.

 

—       É melhor que realmente esteja. – A voz arranhada, cruel e intimidadora do que já se parecera com um homem-cobra fez-se ser ouvida. Nagini vinha com ele. – Onde estão meus Dementadores?

 

—       Mestre, estou fazendo meu melhor com o exército quebrado que nos restou. – a ansiedade subiu pela sua espinha.

 

Riddle parecia impressionado com nada. Voltou-se para Ryot.

 

—       Saia. – ordenou ao comensal. Ryot fez uma reverência exagerada e correu para sumir. Voldemort aproximou-se usando o ar dominante que exalava. – Você é patético. – começou o Lorde. – Patético. – enfatizou. – Sabe bem que é responsabilidade sua que o meu exército esteja como está. Eu disse para ganhar a confiança deles por baixo do trabalho de Draco Malfoy e tudo que você me conseguiu foram as zonas iniciais que mal sabem aparatar de um lugar para o outro.

 

—       Eu pensei que teria mais tempo, mestre. – a última coisa que sua ansiedade precisava naquele momento era engolir um sermão de Voldemort.

 

—       Não ouse justificar-se. Será que ao menos uma vez eu poderia receber alguma atitude de general vindo da sua parte? Eu venho tentando me convencer de que não condenei meu império ao desastre no dia em que te tornei um de meus Comensais. Quantas vezes vou ter que passar por cima de seu fracassos, Theodoro?

 

Theodoro apenas limpou a garganta e tentou passar por cima da intimidação que o Lorde estava reproduzindo. Será que nem uma mínima apreciação por ele estar conseguindo trabalhar com o número limitado de amadores da zona um, dois e três teria do mestre? Não podia esperar nada positivo vindo do Mestre tão cedo. A morte de Bellatrix ainda estava muito recente e aquilo amargava ainda mais Lorde Voldemort.

 

—       Mandei corujas exigindo relatórios detalhados sobre o desaparecimento dos Dementadores de suas posições aos líderes de base. Preciso ter certeza de que está acontecendo exatamente como da última vez. Draco teve a audácia de manter tudo fora dos históricos do departamento. Tudo que consigo encontrar são as ações do exército em Azkaban e Ryot informou que Draco cuidou dos Dementadores com muito sigilo a última vez que eles surgiram...

 

—       Cale-se. – ordenou Voldemort. – Não quero saber como Draco cuidou dos Dementadores. Eu quero que cuide deles agora e não me faça ter que lhe dar prazos, Theodoro. Eu não quero ter que fazer de você a próxima atração da Cerimônia de Inverno.

 

Theodoro sentiu os pelos de sua nuca expressarem o calafrio que passou pelo seu corpo. Ele tinha que aprender a lidar com aquilo da mesma forma como sabia que Draco Malfoy havia. Ele ainda se lembrava do adolescente a pilha de nervos que Draco era quando Voldemort o marcou com a Marca Negra. Tinha que aprender alguma coisa com a rebeldia e ousadia que marcava Draco Malfoy dentro do círculo de Voldemort.

 

—       Honestamente, Mestre. – limpou a garganta tentando não pingar suor com a presença intimidadora de seu mestre ali. Sabia que na situação em que estava um movimento que pudesse pender para um lado que Voldemort não gostasse poderia significar o fim de tudo aquilo que ele lutara para conseguir dentro do Império. – Seria mais fácil lidar com as tentativas de Draco contra o Império se me desse liberdade para agir contra o filho dele.

 

Voldemort revirou os olhos.

 

—       Cada vez que abre a boca eu me pergunto se acaso tem mesmo um cérebro. – o mestre aproximou-se ainda mais. – Ninguém toca no meu herdeiro.

 

—       Mestre, Draco e Hermione Malfoy juntos tem o apoio e a influência de mais gente do que eu e qualquer um conseguimos contar. Eu não duvido que nem mesmo aqueles que dizem morrer por seu nome, no fundo não simpatizam nem um pouco que seja com a causa Malfoy. Se agirmos contra eles agora o mundo vai nos dar as costas. Não chegou tão longe nessa jornada para se tornar Tom Riddle novamente e ter seu Império lhe dando as costas por causa de um Malfoy. – A cobra de Voldemort subiu pelas costas do mestre para descansar em seu ombro e poder encarar Theodoro logo ali. Não podia deixar sua voz vacilar ou perderia o interesse do mestre em um segundo. Precisava continuar com seu jogo de palavras porque ali que havia ganho Voldemort para chegar onde estava agora. Precisava continuar com confiança. - Com o apoio que eles tem agora, Draco e Hermione podem avançar contra Brampton Fort qualquer dia e a chave para pará-los é Scorpius Malfoy!

 

—       A chave para pará-los sou eu, Theodoro. O medo me trouxe até aqui e o medo vai me manter aqui. Eu sei trabalhar com o medo. Acaso é capaz de fazer surgir o medo do caos? Por que é isso que estou esperando que faça! Eu não me importo quantas cabeças geniais Hermione tenha levado da Comissão com ela ou que metade do meu exército esteja com Draco. Eu quero caos. Eu quero medo novamente! Prove a eles que quanto mais desestabilizado meu Império estiver, mais o mundo vai sofrer.

 

Theodoro recolheu qualquer tentativa de contradizê-lo.

 

—       Sim, mestre. – Ele precisava aprender como Draco conseguia enfrentar Voldemort em todas as suas decisões.

 

Lord Voldemort o encarou por um bom tempo como se estivesse analisando cada centímetro de suas intenções e sua postura.

 

—       Nagini. – ele soltou depois de um minuto que pareceu horas. A cobra desceu pelo corpo de seu mestre, fez um caminho por entre as pernas de Theodoro como se quisesse demonstrar perigo e foi embora. Voldemort apenas continuou a encará-lo por mais um tempo mapeando tudo que conseguia apenas com o olhar. – Tem permissão para mover Narcisa para longe de Scorpius como um recado ao casal Malfoy. Encontre alguém para cuidar da criança. Eu preciso dele saudável.  – deu as costas e tomou seu caminho de volta, mas parou assim que alcançou a porta. – Quero os Dementadores de volta. E em algum lugar dessa Catedral ou da casa dos Malfoys deve haver um exemplar da maldita poção contra a minhamarca, a Marca Negra. Preciso de mais do que está me dando, Theodoro. – pausou como se estivesse dando a si mesmo tempo para considerar uma decisão e então finalmente soltou: - Uma lição em Scorpius Malfoy seria uma boa forma de sondar o quão longe Draco e a mulher estão dispostos a realmente ir. – terminou e finalmente sumiu.

 

Theodoro soltou o ar sentindo seus músculos relaxarem por não ter a presença de Voldemort por perto. Mas não demorou muito para que caísse em si de que isso não significava que a corda ainda estivesse em seu pescoço.

 

—       JODIE! – gritou pela secretária que assumira o cargo muito descontente não fazia muitos dias. A mulher apareceu de má vontade. Ela queria ter conseguido o cargo do Governador, mas Theodoro tratou de arruinar todas as chances possíveis. Precisava do cérebro daquela mulher trabalhando para ele sempre. - Mova Narcisa Malfoy para Whitehall. Ela não tem mais permissão para ficar com o filho de Draco e Hermione. Encontre alguém para substituí-la. – pausou por um segundo percebendo a abertura que Voldemort havia lhe dado ali. – Alguém maleável que trabalhe para o nosso lado. – especificou. - Quero ter acesso a criança. – ele precisava que Draco e Hermione soubesse que tinha um controle paralelo a criança fora a enorme proteção que Voldemort colocava em torno do pequeno pivete de sangue de ouro. – Encontre também uma coruja que possa ser sacrificada. – pegou a fotografia de Hermione e dos filhos da gaveta da mesa de Draco. – Preciso enviar um recado a Draco e eu sei que a coruja não vai ter a chance de voltar.

 

—       Sim, senhor. – ela disse de má vontade.

 

—       Senhor? – indagou irritado.

 

Jodie puxou o ar entediada.

 

—       Sim, general. – concertou ela. Fez menção de que iria embora colocar em práticas as ordens dele, mas parou quando um pensamento cruzou sua cabeça. – Eu não passaria da linha com o herdeiro Malfoy. Todo mundo sabe que ele é uma criança diferenciada. Sangue Merlin-Morgana.

 

—       Eu sei que diz isso porque é simpatizante de Hermione Malfoy, Jodie. Apenas cale a boca e faça o que eu mandei. – cuspiu ele.

 

Jodie apertou os lábios com desgosto e tomou o caminho da saída. Ela cruzou com Gina Weasley na porta que entrou sem pedir permissão. A ruiva estava bem vestida. Qualquer cor parecia um bom contraste com o tom de seu cabelo. Ainda estava magra demais, e o modo como se portava sempre dava a perceber que seu psicológico ainda estava afetado com os traumas que fora obrigada a sofrer.

 

—       Me deixou esperando no almoço. – Gina proferiu mostrando seu descontentamento.

 

Será que, por Merlin, alguém poderia mostrar-se bem disposto a cooperar com ele? Alguém que fosse! Qualquer um!

 

—       Tenho deveres mais importantes a cumprir do que um almoço, Gina. – ele estava sem paciência. – Conseguiu encontrar a poção no laboratório de Hermione?

 

—       Quantas vezes vou ter que falar que sei lidar com a poção, não com os feitiços de distração e proteção de Hermione? – retrucou ela. – Além do mais, eu não sei porque perde tempo tentando me cortejar quando claramente não tem interesse em ter minha afeição. Ao menos um recado eu poderia ter recebido sobre o almoço. Tive que colocar todos os aparatos para me apresentar em público. – ela fez menção ao vestido que usava.

 

Theodoro já estava irritado.

 

—       Não seja patética, Weasley! Sabe muito bem o porque estamos nos juntando e isso é suficiente para ter que lidar com minhas ondas de humor em te cortejar e te desprezar. Agora, saia da minha sala. Tenho muito no que trabalhar. Apareça quando estiver disposta a me dar mais informações sobre a tal maldita poção. – cuspiu para ela.

 

Gina pareceu querer relutar, mas eventualmente deu as costas e foi embora calada. Theodoro puxou uma pena e um pergaminho sentando-se finalmente na confortável cadeira bem talhada e acolchoada. Tinha um recado para dar ao precioso casal Malfoy e ele não seria longo, mas seria bem significativo.

 

Harry Potter

 

Enfaixava a junta dos dedos com um tecido comprido e poroso embalsamado de uma mistura de ervas curativas que Mason havia lhe empurrado após uma terrível sessão de tortura. Sim, cada vez que tinha uma “aula” com Mason sentia-se torturado. Não avançava para absolutamente lugar nenhum. Apenas apanhava. Fazia-o lembrar-se de quando Dumbledore o obrigara a ter aulas de Legilimencia e Oclumencia com Severo Snape em seu quinto ano. Mason Dixon era bem pior do que Severo Snape. Ele podia dizer aquilo com muita propriedade.

 

—       Foi a biblioteca? – Rony perguntou displicentemente folheando um enorme exemplar que pegara de lá.

 

—       Não. – respondeu Harry terminando de enfaixar o ultimo dedo.

 

—       Parece um museu dedicado a grandeza da família Malfoy.

 

Harry soltou o ar e estralou o pescoço dolorido analisando o saco de pancada feito de couro de dragão pendurado logo a sua frente. Era um saco pesado e Mason estava exigindo que ele treinasse porque tudo que escutava sempre que se encontravam era sobre o quanto era fraco. Harry simplesmente não conseguia ver a razão em continuar tudo aquilo. Ele era bom com sua varinha. Era bom em defesa. Não precisava ter que aprender a como socar um saco!

 

—       Não me surpreenderia. – foi tudo que ele comentou. Puxou o ar e deu o primeiro soco no saco sentindo a dor viajar por todo o seu corpo enquanto o maldito peso a sua frente continuou imóvel. Tentou conter o gemido. Sabia que deveria usar luvas apropriadas para aquela atividade, mas Mason parecia querer criar nele uma resistência a dor que ele considerava completamente desnecessária.

 

Ele não era o tipo atlético. Nunca havia sido. Não era uma completa decepção, tinha seus olhos e seu sorriso que já faziam muito por ele, mas certamente não chegava nem perto do que Draco Malfoy era ou do que todo o restante daquele grupo de Comensais que se achavam soldados bem treinados de um exército eram. Ele sempre se orgulhava do fato de sua falta de peso fazer dele o mais ágil dos apanhadores em Quadribol.

 

—       Nossa, você é horrível nisso. – comentou Rony vendo o saco de pancada imóvel

 

—       Quer tentar? – perguntou Harry irritado.

 

—       Não é de mim que eles estão exigindo essa habilidade. – Rony mostrou as duas mãos na altura do ombro em sinal de paz.

 

Harry soltou o ar sem muita paciência e focou-se novamente no saco a sua frente. Mentalizou a raiva. Não era muito difícil encontra-la, assim como também não era muito difícil encontrar a culpa que vinha com ela. A culpa de ter condenado tanta gente a morte quando entregou a Ordem nas mãos de Draco Malfoy. Apertou o punho e socou o saco. A dor foi quase um presente para aliviar a que ele sentia por dentro. Usou a outra mão também. Ficou ainda mais irritado por não ver o saco se mover.

 

Investiu contra ele vezes seguidas. A fúria aumentando cada vez que ele mentalizava mais a raiva e a culpa. Ele tentava não pensar nas vezes que Hermione dormira com a cabeça encostada em sua perna no salão comunal da Grifinória enquanto lia um livro qualquer. Tentava não lembrar das garrafas de cerveja amanteigada que haviam divido enquanto observavam o por do sol em silêncio das arquibancadas vazias do campo de Quadribol de Hogwarts no inverno. Tentava não lembrar das vezes que ela se esgueirara para debaixo de suas cobertas no meio da noite no dormitório masculino porque pressentia que algo de ruim ou sério fosse acontecer com ele ou as vezes simplesmente para lamentar que Rony não estava lhe dando atenção. Tentava não lembrar de como ela o apertava forte em seu abraço todas as vezes que acordava na ala de enfermarias depois um acidente feio. Tentava não lembrar de como ela se orgulhava que eles dois conseguiam ler um ao outro sem que nenhuma palavra fosse dita. Tentava não se lembrar de como os anos e a guerra apenas serviram para juntá-los ainda mais. Tentava não se lembrar de como vagavam entre conversas sérias e profundas quando deitavam lado a lado no telhado do sótão do Largo Grimmauld crescendo juntos, tornando-se adultos no meio do caos daquela guerra. Tentava não se lembrar de como ela ainda fazia seu caminho para debaixo das cobertas dele no meio da noite para abraça-lo forte e dormir ao seu lado apenas por temer não tê-lo no dia seguinte caso Voldemort o matasse. Tentava não se lembrar de como ela era carinhosa e perfeccionista quando tirava seu tempo para cortar os cabelos dele. Tentava não se lembrar de como eles juntos gostavam de incitar a imaginação alheia ao brincar terem algo além do platônico quando sofriam pela implicância e dúvidas de outros sobre o relacionamento que tinham. Tentava não se lembrar de como ela o protegia com unhas e dentes. Tentava não se lembrar de como foi quando cruzaram a linha pela primeira vez. Tentava não se lembrar de como era sentir o coração querer explodir dentro dele quando beijava a boca de sua melhor amiga. Tentava não se lembrar da ardência e da paixão que queimava nele sempre que se enterrava dentro dela. Tentava não se lembrar de como eles haviam se ajustado tão naturalmente a intimidade de homem e mulher quando o alívio de terem finalmente quebrado a extensa, porém fina, linha que os separava. Tentava não se lembrar de como seu coração gentilmente se acalmava quando ele afastava sua boca da dela simplesmente porque sabia que eles se pertenciam. Se pertenciam porque haviam se feito pertencer muito antes de qualquer beijo ou de qualquer toque intenso.

 

Parou ofegante antes que seu corpo entrasse em colapso. Ainda havia muita raiva para depositar contra aquele saco. Encarou as juntas de suas mãos trêmulas e ensanguentadas contra o tecido protetor. Apoiou o corpo segurando os próprios joelhos para evitar não cair contra o chão. Observou o suor pingar de seu rosto enquanto ofegava e sentia o olhar silencioso de Rony bem fixo nele as suas costas.

 

—       Eu vou morrer sentindo falta dela. – soltou por debaixo da respiração.

 

Rony respirou fundo e com calma.

 

—       Eu sei. – ele disse como sempre dissera todas as vezes que tivera que aturar Harry lamentar por Hermione. – Você compartilhou com ela algo que eu nunca tive. Vocês sempre foram conectados.

 

—       Você não entende. – ele fez o caminho para encostar-se contra a parede. – Ela é parte de mim. – ofegou. – E eu sei que sou parte dela. – doía. -  Ela não pode ter esquecido, Rony. Ela não poderia simplesmente ter esquecido o que nós construímos do momento em que nos conhecemos até o primeiro beijo que demos! Como? Como ela poderia esquecer? – encarou o amigo. – Eu costumava pensar que tudo poderia passar, mas eu e ela sempre permaneceríamos. Cho veio e foi, Gina veio e foi, Krum veio e foi, você veio e foi, todo o resto veio e foi e eu e ela sempre continuamos estáveis e unidos. Sempre. Mesmo antes de sequer nos explorarmos como homem e mulher. O que aconteceu, Rony? O meu amor não foi suficiente? O amor dela não foi suficiente? Por que ela matou a parte minha que havia nela? Por que?

 

—       Culpa? – sugeriu Rony.

 

—       Não. – ele sabia que não era culpa. - Ela não luta com a culpa. Ela fez as pazes com a culpa. – Conhecia Hermione. Ofegou. Remoeu seus pensamentos lembrando-se da conversa nada agradável que tivera com ela. – Draco Malfoy. – soltou. – Ele deu a ela um significado que eu não dei. – sentiu seu coração pesar e doer fortemente. Fez uma careta e jogou a cabeça para trás sentindo sua mãos arderem. – Eu não vou conseguir passar por cima. Nunca vou conseguir passar por cima. Ela sempre vai ser a única mulher que meu coração já amou. A única que amo.

 

—       Eu sei. – era tudo que Rony poderia dizer. Ele realmente sabia. Era tudo que ele sempre soubera. Exatamente por isso compartilhou de um ciúme nada saudável quando tivera seu tempo com Hermione. – Ela foi obrigada a ter que te deixar para trás, Harry. Como você disse. Ela fez as pazes com a culpa.

 

Eles ficaram em silêncio. Harry analisou uma de suas mãos tentando imaginar o tamanho do estrago por debaixo do curativo.

 

—       Você acha que ela é feliz? – perguntou Rony receoso depois de um tempo.

 

Aquela era uma pergunta difícil para ele decifrar com Hermione tendo um filho nas mãos do Lord das Trevas.

 

—       Quem tem tempo para pensar em felicidade com Voldemort por aí, Rony?

 

Seu amigo puxou o ar fazendo menção de que usaria um comentário para concordar, mas sua voz nunca saiu porque a atenção dos dois foi roubada para uma agitação incomum vinda do corredor. Harry e Rony avançaram com rapidez e empurraram a porta da sala onde estavam para ver o que estava acontecendo.

 

—       ...por que maldição sou eu quem tenho que te redirecionar agora? – Draco Malfoy estava claramente alterando enquanto via Hermione caminhar para longe dele tão decidida quanto ele. – Fizemos um acordo sobre isso. Não pense que pode ter qualquer razão que seja! Como ousa achar que é mais fácil para mim do que para você? – ela continuava a afastar-se. – HERMIONE! – a voz dele foi tão poderosa que pareceu ter feito as paredes tremem.

 

Hermione parou de costas a ele respirando pesado. Ela parou como se não esperasse que ele fosse demonstrar uma reação alterada como aquela no meio de quem pudesse passar ali. Devon saiu de uma das salas muito próxima a eles com um olhar bem apreensivo. Ela voltou-se para Malfoy. Os olhos brilhavam molhados. Os dentes estavam cerrados. Ela estava com raiva. Estava fervendo em raiva. Aproximou-se dele como se estivesse pronta para lhe jogar um crucio. Como se estivesse dando a ele o que ele parecia estar pedindo.

 

—       Eu te desafio a me culpar. Eu te desafio a me culpar tendo muita consciência de onde saímos e onde estamos! São nossos filhos! – ela cuspiu contra ele encarando-o com um ódio flamejante que intensificou-se por não ter uma resposta imediata ao tal desafio que jogara. – FAÇA, DRACO!

 

Ele apenas a encarou com desgosto. Era difícil ler Draco Malfoy.

 

—       Você sabia que seria difícil. Você disse que conseguiria. – foi tudo que precisou dizer.

 

Os olhos de Hermione pareceram projetar chamas. Ela fez quase menção de que avançaria contra ele para dilacerar a garganta dele, mas parou. Parou porque estava ferida e o molhado em seus olhos junto com o fogo em suas pupilas mostravam claramente isso.

 

—       Como pode... ? Como consegue? Perdemos uma filha uma vez, Draco. Se lembra disso? Se lembra de como foi? Se lembra? – ela soltou e puxou o ar quase que imediatamente como se aquela fosse uma lembrança que lhe tirava o oxigênio.

 

Aquilo pareceu cair como um peso final sobre os dois. Como se não houvesse palavra no mundo que pudessem seguir aquilo. Harry sentiu a atmosfera chegar até ele. Viu Hermione dar as costas e ir embora. Draco pareceu quase por um segundo estar disposto a ir atrás dela, mas ele apenas ficou estático onde estava até voltar para dentro da sala de onde havia saído batendo a porta com uma agressividade assustadora. Ainda escutou o som de algo se quebrar vindo de lá de dentro. Harry trocou olhares receosos com Devon. Devon trocou mais alguns com uma dupla de bruxos logo atrás deles que Harry não notara também estar presente. Aos poucos e em silêncio todo mundo apenas recolheu-se de volta de onde vieram. Harry e Rony fizeram o mesmo.

 

—       Bom, pelo menos eles ainda se odeiam. – comentou Rony tentando distrair. Harry não fez nenhum comentário sobre o comentário dele. – Além do mais. Não sabia que eles ficavam por essa parte da casa.

 

—       Eles adaptaram os quartos daqui para servirem quase como salas de simulação. Não sei como funciona. Não me deixam entrar. – ele respondeu não conseguindo tirar da cabeça o incomodo de ver Hermione naquele estado.

 

Havia sido seu melhor amigo por anos. Era ele quem estivera ao lado dela nas frustrações mais mínimas da vida dela as mais pesadas. Estivera ao lado dela para lhe confortar quando as ofensas de Malfoy feriram sua autoconfiança, quando as infantis rejeições de Rony machucaram seu coração adolescente, quando seus planos de guerra falharam. Estivera bem ao lado dela como sempre quando ela teve que passar por cima do brutal e repentino assassinato dos pais. Ele sempre estivera presente para ela. Sabia que ela nunca recusava uma raspadinha de gelo de qualquer sabor que fosse para ser consolada e que ela não gostava de falar, gostava apenas de usar o ombro dele em silêncio. Ele queria ir atrás dela. Queria que ela pudesse usar seu ombro. Queria poder ser mais uma vez o lugar para onde ela poderia correr para se sentir entendida, acolhida e confortada.

 

—       Por que acha que eles podem estar brigando? – Rony perguntou. Seu amigo agora estava todo especulativo. A imaginação dele viajava para os planetas mais distantes sempre quando começava a verbalizar um cenário que sua cabeça vinha montando. Ele era curioso. Harry também, mas tentava se manter focado em ser a arma de Draco Malfoy e nada mais. Era tudo que havia restado para ele ser.

 

—       Não sei, Rony. – jogou para ele. – Voldemort tem o filho deles e pelo que parece os dois estão jogando bem pesado contra o império dele como se não se importassem nem um pouco com esse fato.

 

—       Eles devem ter uma carta na manga. – Rony especulou novamente.

 

—       Honestamente, não me importo. – Harry respirou fundo e socou mais uma vez o saco de pancada. Dessa vez, com o sangue frio, soltou um lamurio de dor sentindo como se tivesse acabado de ir com toda força contra a ponta de uma faca. Era mentira. Ele se importava, sim. O filho podia ser de Draco, mas também era de Hermione e pelo respeito que tinha por ela, preocupava-se com os dois pequenos que ele mal conhecia e evitava contato.

 

—       Pare, Harry! Eu não acho que eles querem que você perca a mão!

 

Harry estava pronto para retrucar. Ninguém parecia entender que aquilo era tudo o que havia lhe restado. Que se enfiar nas sessões de tortura de Mason ou aprender sobre magias complexas com o que chamavam de Comissão anestesiava a dor dele. Mantinha sua cabeça ocupada. Distraia sua raiva. Mas então Luna apareceu um tanto quanto ofegante como se tivesse corrido uma maratona.

 

—       Sabia que ia encontrar vocês aqui. – Ela anunciou sua chegada. – Precisam ver isso. – Tirou do bolso de trás da calça jeans uma folha enrolada que parecia ser do Profeta diário mas quando mostrou para eles Harry pode ler Diário do Imperador bem no topo. Aquele jornal parecia estar por todo o lugar agora.

 

Rony foi o primeiro a puxar a folha de jornal da mão de Luna quando viu estampado o nome da irmã na matéria.

 

Theodoro Nott e Gina Weasley oficializam noivado

 

—       Onde conseguiu isso? – Rony parecia quase que assustado.

 

—       Estou ajudando Neville e todo o resto do pessoal no porão com a fabricação das poções. Eles tem uma demanda enorme. Esses jornais estão por toda a parte. – ela respondeu. – Não é de hoje. Veja. – apontou para a data que mostrava ser de dois dias atrás. O dia em que os Dementadores haviam aparecido em Malfoy Manor.

 

—       Mamãe e papai precisam ver isso! – As orelhas de Rony estavam ficando vermelhas.

 

—       Leia. – Luna pediu.

 

Harry não se deu ao trabalho, mas Rony parecia estar devorando cada palavra.

 

—       Ela tentou matar Hermione? – soltou Rony com os olhos arregalados engolindo as letras uma por uma. – Arma trouxa? Onde Gina conseguiu uma arma trouxa? – ele comentava. - ...Atingiu Lucio Malfoy... – soltava enquanto lia. - ...Foi capturada... Torturada... – os olhos ziguezagueavam de um lado para o outro. - Cerimônia de Inverno? Nott conseguiu salvar Gina da Cerimônia de inverno porque se apaixonou por ela? Se apaixonou loucamente por ela visitando sua sela na Catedral quando o Lorde deu permissão para que Comensais do ciclo interno pudessem abusá-la livremente? Nott a protegeu? Oi? – ele ergueu os olhos completamente furioso. - Isso é a maior bosta que eu já li em toda a minha vida! Primeiro porque pensei que Gina estava sobrevivendo sozinha em algum lugar depois que nos deixou. Segundo porque é uma idiota! Como que ela estupidamente iria se aventurar numa missão tão suicida quanto a de invadir sozinha um lugar lotado de Comensais e aliados de Voldemort? Terceiro, Theodoro Nott é um Nott! Um Nott nunca, e eu repito: n-u-n-c-a, se casaria com um Weasley. Não somos parte da elite bruxa!

 

—       Costumava dizer o mesmo dos Malfoy. – Harry soltou quase que automaticamente. - Alguma vez na vida pensou que Hermione pudesse estar casada com Draco?

 

—       A família dele provavelmente sabia da descendência de Hermione quando aprovaram a união. – Luna disse duvidosa.

 

—       Não importa! – Rony ainda estava indignado. – Olha isso! – quase esfregou o jornal em Harry que precisou recuar e tirar o informativo da mão do amigo. – Tem que haver um motivo maior!

 

—       Claro que tem, Rony. – Luna soltou como se não fosse óbvio que eles ainda não tivessem chegado a mesma conclusão que ela. - Eu posso ter fama de fazer as comparações mais criativas e sem cabimento, mas ao meu ver, isso se parece muito com a história que Draco e Hermione tem na mídia. Eu duvido que Gina tenha algum interesse nisso que não seja o de salvar a própria pele a qualquer custo, mas Theodoro claramente está querendo criar uma imagem como novo general do exército muito parecido com o que Draco Malfoy tem hoje. Ele quer ser com Gina o novo casal modelo porque sabe que Draco e Hermione se fizeram ser um casal muito queridinho na mídia.

 

—       Como pode saber de tudo isso? – perguntou Rony fazendo uma careta.

 

—       Eu converso com as pessoas, Rony. Escuto o que elas conversam umas com as outras. Não é difícil. Tem uma cachoeira de gente nesse lugar que sabe de absolutamente tudo o que aconteceu no mundo de Voldemort enquanto nós estávamos confinados num ponto minúsculo do mapa tentando levar a vida sem que nossas barreiras de proteção do mundo externo fossem penetradas.

 

Rony não pareceu contente em ter que escutar aquilo. Provavelmente porque o amigo vinha evitando contato com Comensais assim como Harry. O ruivo puxou o informativo da mão de Harry novamente e saiu bufando dizendo que precisava mostrar aquilo ao pai. Luna fez menção de que o seguiria como se parecesse dever algum tipo de conforto a Rony Weasley, talvez porque eles vinham tendo algo, mas então ela parou percebendo que na verdade não devia nada a ele, como se soubesse que tudo no mundo era incerto, até mesmo o que quer que fosse que houvesse entre eles. Pareceu incomodada por alguns segundos até voltar-se para Harry.

 

—       Ouch. – ela fez uma careta apontando para as mãos de Harry. – Tem que ir cuidar disso, Harry.

 

—       É para doer. – respondeu.

 

—       Não para infeccionar. – retrucou ela. – É completamente desnecessário isso que estão fazendo com você. – ela pareceu indignada enquanto levantava uma das mãos dele para analisar o tecido que a enfaixava coberto de sangue. – Você sabe se defender. Sabe lutar.

 

—       Não no nível deles. – Harry sentiu-se obrigado a defender o porque estava tão empenhado a se dedicar ao que ele considerava sua última chance. – Quando Malfoy fizer o povo dele marchar contra Voldemort, eu vou estar lá. Ele quer me preparar para não morrer no meio do caminho. Nem quer ter que desperdiçar forças usando gente para servir de babá me protegendo.

 

—       A Ordem da Fênix sempre foi um exército. Você sempre lutou bravamente ao nosso lado.

 

—       Fomos um exército de amadores desde a morte de Kingsley, Luna. Tínhamos que dar conta de mil coisas ao mesmo tempo. Sempre nos focamos demais em ajudar o povo. Aqueles que sofriam pelo medo da ditadura. Conseguimos segurar os Comensais de Voldemort por muito tempo apenas porque Hermione conseguia nos fazer ser bons em magia.

 

—       Nós éramos bons juntos. Todos juntos. – ela soltou o ar cansada. – Tudo bem. Eu entendo que aceitou entregar a Ordem porque se via destruindo a Ordem como líder de qualquer jeito. Eu entendo que a cruel forma como tudo aconteceu fez com que tivesse que carregar mais a culpa dessa decisão. E eu entendo que está se dedicando a ser o que Draco Malfoy quer que seja numa tentativa desesperada de chegar logo ao ponto final dessa guerra. E eu entendo que vê isso como a última carta que tem na manga. Mas preste bem atenção, Harry. A profecia pode não ter te escolhido para ser um líder, mas ela definitivamente te escolheu para eliminar Voldemort. Você só precisa saber de um feitiço para isso. Pare de carregar o peso de todo o resto.

 

Luna pensava que o entendia bem. Que o lia bem. Mas ela não enxergava nem metade do que havia dentro dele.

 

—       Talvez deva ir atrás de Rony, Luna. – foi tudo que ele resolveu dizer. - Ele vai querer que esteja por perto quando o sangue esfriar e perceber que a mimada irmã que tem conseguiu se enfiar debaixo da varinha de Voldemort.

 

A mulher loira torceu a boca segurando a frustração por ter que escutar a amargura dele falar mais uma vez por cima do bom homem que ela acreditava que ele fosse. Deu as costas e foi embora. Mason cruzou com ela na entrada da sala. Ele vinha em sua figura morena e alta como se estivesse pronto para iniciar uma sessão de agressão física consentida.

 

—       Potter. – ele anunciou sua chegada. – Vai estar assumindo publicamente representar o acampamento de Godric’s Hollow amanhã. A Comissão quer revisar o texto que vai mandar ao Profeta Diário. Estão o esperando no quarto ao lado. Seja rápido. – fez parecer que ia dar as costas e sumir, mas parou e encarou as mãos machucadas dele. – Limpe as mãos antes. – a linha de um sorriso cínico escondida nos lábios. – Sinceramente. Você é patético. É inacreditável que exista uma profecia sobre você. – disse e sumiu.

 

Harry engoliu o que quer que precisasse engolir para apenas seguir seu caminho paro o quarto ao lado.

 

**

 

Enrolou um saco de gelo e o carregou pelo quarto escuro até sentar-se em uma poltrona próximo a enorme janela do quarto que ocupava no palácio dos Malfoy. Inclinou a cabeça para trás contendo o gemido de dor que tinha constante vontade de soltar e colocou o gelo contra o olho direito. Soltou o ar e tentou relaxar os músculos embora fosse difícil. Seu corpo inteiro doía. Mason o colocara em uma sala grande para lutar contra um trasgo adulto, que mesmo não sendo um trasgo verdadeiro, fizera um bom estrago nele.

 

Nunca imaginou que combinar a agilidade que estava ganhando com sua varinha pudesse ser tão recompensador. Era quase um presente saber que seu corpo podia ser uma arma da mesma forma que podia fazer sua varinha também ser uma. Fazer os dois trabalhar em conjunto era uma dança que ele estava aprendendo a gostar e a odiar ao mesmo tempo. Mason não lhe permitia poções para dor nem poções de cura instantânea, por isso a parte em que ele odiava tudo aquilo tomava mais de seu tempo do que a parte em que usufruía uma vitória depois de mil fracassos.

 

Em sua cabeça ele debateu por um tempo no que teria que trabalhar para fazer aquele Trasgo cair derrotado mais rapidamente a próxima vez que tivesse que enfrenta-lo. Quando cansou-se seu cérebro quase que inconscientemente o fez focar-se na lembrança de Hermione furiosa mais cedo cuspindo contra a figura do marido o fato de terem perdido um filho antes. Divagou por um bom tempo no que perder um filho teria sido para Hermione Granger. Sim, Hermione Granger, a mulher que ele conhecia. Sua melhor amiga. Que cicatriz aquilo havia feito nela?

 

Puxou uma garrafa de whisky de fogo que deixara no vão da janela e entornou um enorme gole bebendo direto da garrafa. Ao menos nenhum elfo daquela casa lhe recusava bebida quando ele pedia. Era quase uma anestesia pensar em Hermione. Mesmo que o ferisse, havia uma parte que o satisfazia em tê-la constantemente em sua memória.

 

Escutou alguém bater em sua porta. Ele deduziu que fosse Rony. Girou a varinha de onde estava para abri-la para o amigo, mas ficou em alerta no momento em que notou que os passos que entravam para dentro do quarto que ocupava eram sem pressa e cuidadosos. Não era Rony. Seus músculos tencionaram e ele não se mexeu.

 

—       Potter. – era a voz mortal de Draco Malfoy.

 

Harry continuou sem se mover. O gelo no olho. O corpo largado na poltrona. Tentou relaxar.

 

—       A que devo a honra de uma visita real? – foi irônico.

 

Malfoy não respondeu imediatamente. Continuou a ouvir os passos dele pelo quarto. Como se ele estivesse tomando tempo para analisar o que havia ali.

 

—       Tina realmente o colocou em um péssimo quarto. – comentou ele.

 

Era essa a conclusão que ele havia chegado depois de analisar o espaço? Harry não via nenhum problema com o luxo que o cercava. Tinha ali muito mais do que ele precisava. Mas talvez o gosto de Malfoy fosse de muita alta qualidade para um simples quarto de hospede. Harry queria manda-lo embora, mas sabia que não tinha autoridade para expulsar Draco Malfoy. Aquela era a casa dele. Tirou o gelo de seu olho e encarou a visita em seu quarto. Malfoy voltou-se para ele depois de analisar a vista escura da noite que acabara de cair da grande janela em seu quarto e mostrou um frasco de poção que tinha na mão.

 

—       Mason disse que seu esforço lhe fez merecer isso. – jogou para ele o frasco de poção. Harry conseguiu o pegar no ar com uma de suas mãos machucadas. Era uma poção para a dor. – Tem se dedicado, Potter. Devo confessar que é um alívio saber que eu não estava nem um segundo errado sobre onde suas motivações poderiam estar.

 

Harry colocou a poção de lado.

 

—       Não preciso disso. – poder usar de magia para acelerar o processo de cura era tudo que ele realmente precisava. Mas, a dor o anestesiava da constante retaliação de suas memórias e sua ansiedade e era isso que queria.

 

—       Imaginei que não fosse querer. – Malfoy deu as costas, chamou por um de seus elfos e pediu por conhaque. Em dois simples estalos Draco Malfoy conseguiu sua bebida enquanto sentava numa cadeira e colocava os pés sobre a mesa de escritório que haviam movido para seu quarto. Ele primeiramente, sem sentir-se acuado ou pressionado pelo silêncio tenso que havia entre os dois, calmamente fez-se mais confortável ao abrir alguns botões de sua blusa e puxar as mangas até os cotovelos antes derramar conhaque num copo de vidro e tomar um gole pacientemente e sem pressa. Pareceu apreciar, por um longo tempo, o sabor da bebida e o silêncio. – Quem diria, hum? Estamos no mesmo time finalmente.

 

—       Você me manipulou. – foi tudo que Harry resumiu-se a dizer. Não decidira juntar-se a Malfoy. Malfoy mexeu todos os seus palitinhos para que ele não tivesse nenhuma outra opção que não fosse juntar-se a ele.

 

—       Potter, deve concordar que não é, nem nunca foi, uma pessoa realmente inteligente. Juntar-se com alguém como Ronald Weasley foi uma das suas primeiras escolhas idiotas ao entrar para o mundo bruxo. Depois disso, o que se seguiu foi somente uma consequência do seu temperamento impulsivo, teimoso, curioso e impaciente. Não precisei fazer muito para te ter jogando o meu jogo. – Malfoy gostava de fazer-se ser detestável. – Mas veja bem. – ele tomou mais um gole de sua bebida. – Precisamos ter uma conversa que não vai o agradar muito.

 

—       Não acredito que um dia houve alguma que realmente me agradou. – retrucou Harry.

 

Draco não se mostrou impressionado e apenas continuou.

 

—       Muitas vezes me pego perguntando a mim mesmo qual foi a lição que o universo quis dar a humanidade ao nomear você para ser ‘o escolhido’. Por que não há duvidas de que é o maior idiota da história. – irritava ver que Draco Malfoy não parecia estar dizendo aquilo por pura implicância. – Isso era o que eu costumava pensar. Mas então quando me tornei pai, aprendi uma lição muito válida que fez meus olhos se abrirem. Existe uma lei que eu e Hermione decidimos numerar como a número um. A lei mais importante de todas. ‘Jamais dê recompensas a mal comportamento’. Podemos ter criados nossos filhos em uma bolha de superproteção até agora, mas jamais permitimos que fossem crianças mimadas. Parte disso porque vivi o quanto é difícil ter que passar por cima de uma má criação. Mas foi exatamente isso que me fez perceber a raiz de toda a sua idiotice, Potter. Você não passa de uma criança de dois anos de idade. Tudo o que você é, é um ser humano mimado que passou boa parte da vida sendo recompensando por mal comportamento e atitude. Pode soar até irônico visto que o mundo sabe que teve uma terrível infância vivendo com os tios, mas isso serviu apenas para piorar ainda mais sua situação. O pobre coitado e órfão Harry Potter, ele não teve uma boa infância, vamos ‘passar a mão em sua cabeça’ quando ‘pisar na bola’. – Malfoy o encarou. – E assim foi. Desde o primeiro ano quando quebrou quase todas as regras da escola. Passou por cima das advertências da autoridade de uma liderança como a do diretor de Hogwarts. Invadiu um espaço fora do limite estudantil. Quase matou a si próprio e os dois amigos que carregou com você. E no final o que ganhou? Pontos por bravura! Transformou sua tia em um balão durante as férias porque foi incapaz de conter seu temperamento impulsivo e agressivo quebrando uma das leis para menores mais importantes do mundo mágico, e o que o Ministério te dá em troco? Um castelo fortificado por Dementadores para o bem e proteção do indefeso menino-que-sobreviveu. E pouco me interessa saber se sua tia mereceu o não o que teve. Ou se um fugitivo que sofreu a degradação física e psicológica de anos em Azkaban estava atrás de você. No Torneio Tribruxo, você recebeu ajuda em absolutamente todas as provas agindo como o babaca que aparece na sala um minutos antes da aula começar e quer copiar a tarefa do coleguinha do lado. Sem contar a sua necessidade de querer ser o centro da atenção constantemente dando uma de herói impulsivo ou se colocando como vitima. O que é um padrão que te segue até hoje. No fim do quinto ano persuadiu alunos, de formação mágica ainda incompleta, a fugirem de Hogwarts nas costas de animais mágicos voadores, criando a necessidade de um conflito intenso dentro do departamento mais inseguro do Ministério da Magia, colocando em risco a vida de muitos, tudo porque foi incapaz de escutar todos os avisos que recebeu sobre a necessidade inquestionável de aprender Oclumência. E o que foi que recebeu como recompensa? O mundo inteiro o aclamando por ser ‘o escolhido’! Bom, dessa vez você ainda teve a consequência de acabar sendo responsável pela morte do padrinho. Mas será que podemos dizer que isso lhe serviu de lição? Acredito que não, porque sei que ainda levou mais quatro anos para aprender a proteger sua mente dos ataques de Voldemort. Isso porque não estou mencionando sua dificuldade de aceitar autoridade, leis e regras. Não estou mencionando sua teimosia em sempre empurrar a frente de tudo sua própria agenda, porque as suas suspeitas e necessidades são sempre as mais importantes e as que precisam ser atendidas agora e neste exato momento. Não estou mencionando seu incontido temperamento agressivo, raivoso e insatisfeito quando as coisas não estou saindo do seu jeito. Durante a guerra o que te manteve de pé contra Voldemort foram as inúmeras pessoas que se sacrificaram para te ajudar e quando elas foram caindo uma por uma devido a sua incapacidade de aprender outro feitiço que não fosse expelliarmus, tudo o que você conseguiu fazer foi sentir pena de si mesmo porque ninguém nunca te ensinou a passar por cima daquilo que te causa dor. E honestamente, Potter, o que te trouxe até a situação em que está agora foi que o mundo e as pessoas que o cercam o incentivou a fazer com que sentir pena de si mesmo fosse seu passatempo favorito. O pobre menino-que-sobreviveu, o triste título de órfão, a traumática infância, o peso de ser ‘o escolhido’. Perdeu os pais, perdeu a infância, perdeu a chance de ter paz na adolescência, perdeu a vida adulta em uma guerra, perdeu a mulher que ama. Você se joga de vitima até mesmo quando não tem a menor intenção, Potter. – Ele finalmente desviou o olhar para encarar o copo na mão antes de tomar mais uma longa golada apreciando o sabor da bebida com paciência para dar continuidade a seu monólogo. – Você sabe mais do que eu que entregou a Ordem em minha mãos porque não conseguiu lidar com a enorme pena que sentiu de si mesmo por ser um péssimo líder. – virou o último gole em seu copo. - É preocupante que eu dependa de alguém como você para ter Voldemort fora do mapa. – ele soltou o ar colocando o copo sobre a mesa. Encheu-o novamente. Tudo com muita calma e sem pressa. – Vai ser a face pública de Godric’s Hollow, mas não terá voz para interferir em absolutamente nada. O mundo apenas precisa saber que juntou-se a mim. Alan Casey é o líder do acampamento e ele será seu superior. Mas como sei bem que tem problemas com submeter-se a qualquer tipo de liderança, porque o momento que quiser agir não irá pensar duas vezes em passar por cima de quem for para ter seus impulsos idiotas atendidos, Casey decidiu separar as zonas iniciais para ficarem de olho naquilo ao qual vai estar sendo exposto. Quero continuar de olho nas suas motivações. Você está exatamente onde eu preciso que esteja e não quero ter a chance de te ter fora do trilho. Obviamente não está contente, mas tome isso como um... – apertou os lábios como se estivesse escolhendo pela palavra certa. - ... um castigo. – disse. – Um castigo temporário pelo ser humano mimado que é. Talvez se me provar ser mais inteligente do que tem se mostrado ser até agora posso te dar mais liberdade. Mas por enquanto, vou precisar ficar de olho. – bebeu mais uma vez. – Preciso de Mason comigo, mas ele tem passagem livre para entrar e sair da minha casa sempre quando quiser então a decisão será sua se irá querer continuar aqui ou mudar-se de volta para a casa de seus pais em Godric’s Hollow.

 

O silêncio se seguiu. Ele foi tenso, mas talvez somente para Harry porque Malfoy ainda parecia muito confortável com seu copo de conhaque e os pés cruzados em cima da mesa. Estava esperando por uma resposta. Harry ainda estava processando o amargo de cada palavra que tivera que escutar saindo da boca dele. Seus dentes estavam grudados e seus músculos travados. Estava completamente incapacitado de pensar qualquer frase coerente. Malfoy havia acabado de revelar uma enorme ferida que nem mesmo Harry tinha consciência de onde estava. Sabia que existia, mas nunca havia tido interesse em trazê-la a superfície. Era algo pessoal e ali estava Malfoy revirando e mexendo naquilo que pertencia somente a ele.

 

Privou-se de qualquer comentário. Sabia que qualquer jogo que tentasse com Malfoy era um jogo perdido e realmente não tinha interesse em entrar em qualquer conflito com ele. Decidira que gastaria energia somente com Voldemort de agora em diante. Mas se havia algo que ele sabia bem era que não abandonaria Hermione. A demonstração de humanidade que ele vira nos olhos dela ao cuspir as palavras que cuspira para Malfoy horas mais cedo fora suficiente para que grudasse em sua memória. Aquilo tinha que significar algo.

 

—       Vou continuar aqui. – disse finalmente sentindo os músculos de sua mandíbula terem dificuldade de ceder.

 

Malfoy moveu os olhos para ele quase que no mesmo instante. Havia o surpreendido. Ainda não entendia como, mas havia o surpreendido. Malfoy nunca, nunca parecia surpreso por nada.

 

—       Quer ficar, Potter?

 

—       Sim.

 

Malfoy o analisou. Tomou um longo tempo para isso. Em silêncio ele conseguia quase escutar os neurônios do homem e todas as substâncias que os compunham vibrarem enquanto ele pensava, pensava e pensava.

 

—       Quer ficar aqui por causa dela, não é? – ele finalmente soltou depois de muito tempo.

 

—       Hermione. – sim. Ela.

 

—       Minha esposa. – ele pausadamente jogou contra Harry.

 

—       Se orgulha disso? Eu a conheço melhor do que ninguém. Melhor do que você. – sentia a necessidade de cuspir.

 

Draco riu ao escutar aquilo. Riu muito confortavelmente. Desviou o olhar e virou um gole de sua bebida. Pausou analisando o copo em sua mão, tirando alguns segundos para o silêncio.

 

—       Você não a conhece, Potter. Eu não a conheço. Nem mesmo ela realmente se conhece. – ele soltou vagamente, como se estivesse preso em seus pensamentos.

 

—       Por que diz isso? – perguntou curioso.

 

Ele soltou o ar com calma. Virou a bebida de uma vez só. Pareceu debater consigo mesmo se deveria ou não responder aquela pergunta.

 

—       Porque acabo provando, assim como ela, do instinto de sobrevivência que ela carrega nas veias quase que diariamente. – ele respondeu. O que aquilo queria dizer? - Me conte, Potter. – tornou a encher o copo. – Me conte uma memória feliz que tem com ela. Eu sei que tem muitas. Mas quero escutar apenas uma.

 

Harry poderia ter feito uma careta se seu rosto inteiro não doesse tanto pelo nível aleatório em que aquele pedido havia sido feito.

 

—       Por que? – não entendi porque ele estava tomando aquela direção.

 

—       Me da paz visitar as lembranças que mostram a estranha e maravilhosa mulher que ela é obrigada a esconder agora.

 

Harry não soube realmente como reagir ao estranho teor daquela conversa. Revirou sua memória quase que automaticamente sentindo-se especial por ser dono das lembranças que tinha com Hermione e quase sentiu prazer ao saber que as abriria para o homem que clamava ter posse dela.

 

—       Não me lembro quando exatamente, mas em algum momento de quando estávamos em Hogwarts Hermione fundou uma organização a favor da libertação dos Elfos Domésticos. Ela não conseguia digerir nem aceitar que eles fossem escravos de uma magia. Virava noites fazendo gorros, luvas e cachecóis para que os Elfos de Hogwarts tivessem com o que se cobrir para aguentarem os meses de inverso. Era o único tempo que ela tinha e ela sacrificava o seu sono pela causa sem reclamar. As pessoas a olhavam torto por isso. Eu muitas vezes descia no meio da noite quando não conseguia dormir ou quando tinha um sonho ruim e nós ficávamos conversando por horas. Ou as vezes ela me convencia a deixar a torre da Grifinória no meio da noite usando minha capa da invisibilidade para espalhar os acessórios de inverno pelo castelo para que os Elfos pudessem encontrar. Em uma dessas noites ela nos arrastou para o jardim e por alguma aposta idiota que fizemos acabarmos indo parar dentro do lago de Hogwarts. Estava frio e eu me lembro que mesmo assim ficamos apenas com nossas roupas de baixo para mergulharmos. Aquela noite fiz uma nota mental sobre como Hermione não era uma criança quando a vi molhada e com tão pouco tecido a cobrindo. Talvez tivesse me apaixonado se não estivesse interessado por Cho Chang aquela época e se não me obrigasse tanto a ver Hermione apenas como uma amiga já que sabia que Rony estava desenvolvendo um ciúme quase que doentio por ela. Mas nós rimos alto jogando água um no outro, tentando afogar um ao outro, até que a Lula gigante nos encontrou e tentou nos segurar dentro da água. Não sei como conseguimos escapar, mas conseguimos. Corremos sem nos preocuparmos em nos esconder novamente debaixo da capa, sem nos preocuparmos se nossas gargalhadas iam acordar o castelo inteiro quando fizemos nosso caminho de volta para torre da Grifinória, sem nos preocuparmos se estávamos morrendo de frio ou não molhados como estávamos. Rimos disso por um bom tempo. Relembrar isso agora me faz querer que eu tivesse a beijado aquela noite. O bom humor dela sempre me encantou. A risada dela. O sorriso no rosto. O brilho dos olhos dela. – calou-se. Malfoy continuou em silêncio encarando o copo que tinha novamente em mãos. Harry o observou. Ele parecia imerso dentro dos próprios pensamentos. Harry poderia até julgar que ele não estava o escutando. – Você a ama? – ousou perguntar.

 

Draco Malfoy puxou o ar ainda com o olhar vago.

 

—       O que é amor, Potter? – soltou o homem.

 

Harry já não sabia mais o que estranhar em toda a situação que estava se vendo ali.

 

—       Um sentimento que te move, te impulsiona, te motiva. – respondeu incerto.

 

—       Raiva também é um sentimento. – retrucou ele - Inveja, rancor, ódio, frustração. Qualquer sentimento tem o poder de te mover, te impulsionar e te motivar. Qualquer sentimento tem potencial para ser forte e intenso. Assim como qualquer sentimento também tem o potencial de ser passageiro, e eu me recuso a acreditar que o amor esteja em um nível tão instável quanto o de um sentimento. – ele disse e Harry não soube exatamente como reagir ao fato de estar escutando aquilo da boca de Draco Malfoy.

 

—       O que é amor então? – curioso novamente.

 

—       O que é amor? – Malfoy repetiu a pergunta deixando-a no ar. Ele não sabia. Ou talvez tinha suas teorias e preferia mantê-las guardadas para si.

 

Tinha que fugir daquele tópico. Era estranho demais estar filosofando sobre amor com alguém que ele queria poder matar.

 

—       Você acha que Hermione está muito longe da pessoa da minha lembrança? – teve que perguntar. Ele havia se referido a mulher que ela tinha que esconder agora. Isso significava que ele conhecia uma Hermione diferente da que ela mostrava para o mundo agora.

 

Malfoy pareceu novamente debater com seus próprios pensamentos. Harry esperou novamente o minuto que ele tomava para chegar as suas conclusões.

 

—       Ela tem que estar. – foi o que ele respondeu.

 

—       Ela se faz de fria, mas eu sei que existe um resto de humanidade nela.

 

—       Se pudesse realmente ver o tanto que Hermione precisou mudar e como teve que ser rápido não duvidaria que ela tem potencial para perder toda gota de humanidade que um dia correu em suas veias. – ele soltou muito calmamente como se não desse valor para o peso das palavras que havia deixado no ar. Tomou de uma vez a bebida no copo e levantou-se como se verbalizar aquilo fosse expor um medo que ele mesmo carregava e que aquilo era um sinal de que já fora longe demais. Caminhou até a porta deixando Harry saber que seu tempo ali estava chegando ao fim. – Preciso que pare de sentir pena de si mesmo, Potter. Não gosto de vitimas, gosto de guerreiros e guerreiros não reclamam. Fatos não se importam com seus sentimentos. Encontre sua identidade. Preciso de um homem matando Voldemort, não uma criança. – disse e bateu a porta ao sair.

 

Draco Malfoy

 

Pegou a pena do duende, representante de Gringotes, logo a sua frente. Encarou o documento sobre a mesa e passou os olhos por cada palavra novamente. Estava prestes a cortar o acesso aos cofres da família por Brampton Fort e por todos os outros fortes de Voldemort. Isso significava que estava cortando os fundos de sua mãe, seu filho e seu pai que ainda permaneciam presos na Cidade dos Comensais. Não podia arriscar que os cofres de sua família estivessem ligados a quem Voldemort tinha facilmente acesso. Nem mesmo podia continuar permitindo que sua mãe tivesse que lidar com o jogo que Voldemort faria com ela sabendo que ela tinha acesso aos cofres. Ele precisava eliminar aquilo de sua mesa, mesmo que significasse cortar os fundos de parte de sua família.

 

Fingia ler mais uma vez o documento, embora estivesse apenas concentrando-se em não hesitar. Não podia hesitar. Hesitar significaria ter que lidar com os pensamentos que lhe condenavam da crueldade que estava prestes a fazer com sua própria mãe e seu próprio filho. Precisou fingir mais de uma vez porque o corroía saber que não conseguia concentrar-se o suficiente para simplesmente não hesitar.

 

—       Sr. Malfoy. – o duende manifestou-se. - Antes que assine, preciso lembra-lo mais uma vez de que isso nunca foi feito por nenhum mestre da família Malfoy antes na história.

 

—       Nenhum deles teve que lidar com a situação que estou lidando agora. – foi tudo que Draco respondeu.

 

O duende apenas limpou a garganta em resposta. Draco sentiu que o duende de Gringotes estava percebendo seus músculos hesitarem. Molhou a pena no tinteiro e a levou até o final da página do documento.

 

Não pense, Draco. Apenas não pense.

 

Sabia porque deveria fazer aquilo. Sabia que aquilo trazia não só segurança aos bens da família, mas como também as jogadas que vinha fazendo contra o império de Voldemort. Aquilo era necessário. Não podia pensar em sua mãe e seu filho. Tinha que focar-se apenas nos benefícios que assinar aquele documento o traria. Sabia que seria difícil e havia se convencido de que conseguiria ser o Malfoy que precisava ser.

 

Assinou.

 

A tinta reluziu por um breve segundo antes de cravar-se definitivamente no pedaço de pergaminho do banco bruxo. Estava feito. Seus bens estavam protegidos e longe de Voldemort. Assim como também estava longe de qualquer outro membro da família que não fosse ele ou Hermione.

 

Devolveu a pena ao duende e o encaminhou até Tina, que faria o caminho dele de volta ao Beco Diagonal dentro da segura passagem mágica que criara por entre os feitiços de proteção de sua propriedade. Quando retornou para o escritório que usava na ala central de sua casa sentiu o peso imaginário em seus ombros aumentar um pouco mais depois de assinar aquele documento.

 

Olhou os jardim ainda mal iluminado de sua casa pela janela naquela sala. Não demorou a procurar por bebida indo logo para o móvel onde as guardava. Puxou a garrafa de Whisky e encheu um copo. Não podia se permitir beber direto da garrafa. Soltou o ar ainda encarando o copo cheio.

 

Não fazia muito tempo que virara alguns copos de conhaque na companhia do ilustre perdedor Harry Potter. Ali estava ele desejando poder beber whisky direto da garrafa. Conhecia aquele tipo de comportamento e sabia das consequências que ele carregava. Deu as costas ao copo e viu Fox pedir permissão para entrar pela porta que estava aberta.

 

—       Vamos sair amanhã cedo. Tudo está em ordem e bem programador. – Fox anunciou.

 

—       Perfeito. – respondeu Draco. – Acredito então que todos estão liberados para uma noite de descanso. – Fox concordou. – Mas ainda preciso que Devon esteja atento com as corujas de Theodoro. – Fox tornou a concordar. Recebia corujas da Catedral desde a aparição dos Dementadores. Theodoro lhe mandara uma aquela manhã com uma foto que ele guardava em sua mesa de Hermione e os filhos juntos. O recado havia sido simples quando a fotografia queimou lentamente e virou cinzas em sua mão quando a pegou. – Está livre para descansar, Fox.

 

O homem fez uma pequena reverência e deixou a sala. Draco passou as mãos pelos cabelos e tentou não se fazer lembrar de que havia um copo cheio de bebida as suas costas. Bufou. Estava cansado. Estava tenso.

 

Deixou aquele andar indo direto para o subsolo da ala central. A única ala com sobsolo. As mentes mais brilhantes da Comissão, os bruxos devotos a Hermione e toda sua sabedoria e conhecimento estavam ali numa produção incessante e interminável da especial poção que havia sido apelidada de ‘o antídoto’. O antídoto contra a magia da Marca Negra.

 

Verificou a quantidade de caixas que estavam sendo despachadas para os aliados de sua causa. Isaac Bennett estava conseguindo infiltrar algumas dentro do Ministério da Magia para uma distribuição ilegal e discreta do antídoto. Draco estava tentando encontrar formas de levar uma quantidade significativa para dentro dos fortes também. Precisava infiltrar aquela poção em todos os lugares. Logo conseguiria fazer aquele tráfico de poção fluir perfeitamente.

 

Quando ficou satisfeito com o progresso na produção da poção chave, ele viu-se finalmente livre para descansar até a manhã do dia seguinte. Assim como liberara Fox e o resto de seus aliados. Caminhou para sua ala privada disposto a acreditar que conseguiria fechar os olhos e dormir. Seus pés o levaram a torre que dividia com Hermione, mesmo que os dois estivessem evitando realmente dividi-la ultimamente. Eles haviam se distanciado. Por obrigação. Assim como haviam concordado. E acabara sendo naturalmente difícil viverem algum tipo de afeto quando precisavam ser tão duros ao conduzir aquela guerra contra Voldemort e terem que lidar com o peso de todo o stress que viviam. Era bom e ruim. Bom por ver cada vez mais longe a lembrança da família que um dia foram, o que facilitava suas tomadas de decisões. E ruim pela desumana falta que lhe fazia.

 

Parou quando chegou as escadas de mármore que o levaria até seu quarto. Ele carregava tanto peso em suas costas. Tanto peso que o furacão em seus pensamentos era tão constante quanto a tensão em seus músculos. Chegava a irritá-lo. A estressa-lo. Queria beber. Queria quebrar algo. Queria o silencioso conforto de Hermione que não podia ter. Acabou sentando em um dos degraus. Exausto. Bufou enterrando o rosto nas mãos.

 

Sabia que Hermione estava no quarto e ele não queria lidar com ela e toda a situação dos filhos. O dia inteiro ficara afastando aquilo de sua cabeça simplesmente porque sabia que seria incapaz de funcionar como ser humano na situação em que se encontrava se não empurrasse tudo aquilo para longe de sua consciência. Mas agora que tudo que ele precisava fazer era esperar que o dia amanhecesse, era como se toda a carga emocional que ele tentara afastar durante o dia inteiro estivesse vindo com sede de vingança contra ele agora.

 

Hermione vira quando recebera a coruja de Theodoro aquela manhã. Vira a fotografia dela e dos filhos virar cinzas em sua mão. Horas depois conseguira conectar-se com Narcisa via um espelho qualquer, visto que ela enfeitiçara todos na casa, e recebeu a noticia de que sua mãe fora afastada de seu filho e estava atualmente sendo mantida em Whitehall. Não muito tempo depois, tanto ele quanto ela começaram a ser bombardeados por alertas de Molly Weasley. Hera estava inconsolável. Hermione quis ir cuidar da filha, mas foi quase que automático quando Draco sentiu-se obrigado a lembra-la do quanto aquilo tinha potencial para enfraquece-los. Eles já haviam discutido que afastar-se do elo que os unia como família era vital para enfrentarem os sacrifícios que teriam que fazer. Correr até a filha porque ela estava inconsolável, provavelmente devido a algo que estava acontecendo a Scorpius já que eles eram estranhamente conectados, era o mesmo que mergulhar na bolha emocional e frágil que havia entre eles. Hermione ficara absolutamente furiosa. Furiosa ao ponto de trazer a tona a filha que eles haviam perdido. Furiosa ao ponto de não se importar em perder a postura na frente de quem estivesse por perto. Aquele era o lado mãe dela. O lado humano dela. O lado humano que ela passara o resto do dia matando porque sabia bem que ela não fora visitar a filha apesar de ter ficado tão furiosa.

 

Ela vinha se fechando de uma forma que o assustava. Sabia que ela estava tentando encontrar um ponto onde pudesse conseguir ser inquestionavelmente forte, mas ela vinha matando tudo que havia nela para conseguir encontrar esse determinado ponto. Draco detestava ser a pessoa que tinha que redirecioná-la quando ela tinha seus momentos de fraqueza. Ele não a culpava. Ela era mãe e a insanidade de ter os filhos longe a consumia. Assustava-se com a maestria de Hermione em conseguir dominar aquilo com crueldade para ser forte, porque era o caminho que precisava seguir. Talvez só ele e seu sangue Malfoy se importasse e se preocupasse que Hermione era tão comprometida a matar toda humanidade que a tornava fraca. Talvez fosse culpa dele já que havia a ensinado a importância de ser impenetrável. Os potenciais que Hermione guardava nela. Seu instinto de sobrevivência aflorado. O fato dela saber se desprender do emocional para sustentar-se na lógica era quase que um superpoder que ela tinha. O assustava, porque sabia que ela pulara da mulher que Harry havia descrito em sua lembrança para o que era agora.

 

Focou-se no silêncio que o cercava naquele momento. O quarto de sua filha estava a poucos metros dali e ele não conseguia escutar o choro dela. Certo que já havia passado horas do horário que ela normalmente ia para cama, mas ainda assim, sabia que a conexão entre o irmão e ela seria suficiente para mantê-la acordada se algo realmente terrível estivesse acontecendo a ele.

 

Talvez estivesse cometendo um erro enorme. Na verdade, estava sim cometendo um erro enorme. Mas levantou-se e avançou para fora do salão de mármore, seguindo por um corredor pequeno que o levou para uma confortável sala com entrada para dois quartos, uma de cada lado da sala. Um vazio, que seria o de Scorpius e o outro onde Hera deveria estar. A luz estava baixa e o silêncio era quase que consumidor. Foi em direção a porta entreaberta do quarto de Hera e espiou abrindo mais a porta com extremo cuidado.

 

Molly Weasley estava sentada em uma poltrona do lado oposto onde sua filha dormia pacificamente no berço. Ela ergueu os olhos extremamente cansados para o visitante. Fez menção de que iria se levantar, mas ele logo ergueu a mão em sinal para que ela parasse continuasse onde estava. Ele só queria ver a filha. Iria ignorá-la se ela igualmente o ignorasse.

 

Entrou na penumbra do quarto bem decorado da filha pisando no tapete extremamente confortável e foi silenciosamente até o berço. Seu corpinho pequeno e indefeso vestindo o aveludado macacão de pijama dormia de bruços segurando entre os dedinhos frouxos um pequeno unicórnio de pelúcia anexado a uma chupeta. Tanto Hera quanto Scorpius odiavam chupetas, mas o fato dela estar segurando uma servia de aviso que Molly Weasley tentara realmente de tudo para acalmá-la.

 

Seu coração apertou. Sua pequena princesinha exploradora e falante. Fazia dias que ele não via o brilho dos olhinhos dela. Fazia dias que não a segurava em seu colo e a fazia gargalhar passando sua barba rala pelas bochechas rosadas e macias dela. Fazia dias que não usava suas mãos de apoio para que ela tentasse dar seus primeiros passinhos. Fazia dias que não escutava os sons engraçados que ela soltava ao tentar conversar. Fazia dias que não a via. Sua filha. Sua metade. Sangue do seu sangue. A dor em seu peito enfraqueceu todos os seus membros. Sua garganta apertou. Ele foi até o chão agachando-se sem forças diante a figura da filha em seu pacífico sono logo a sua frente. Hermione podia ter seus momentos, mas ele tinha certeza que ela não cedera a vontade de ir ver a filha. Ele por outro lado, tentava manter sua constância e a fachada da indiferença, mas quem estava enganando? Ele estava ali. Cedendo a sua fraqueza. Ela era mais forte do que ele. Desde quando era mais humano do que Hermione?

 

Seus olhos embaçaram encarando toda a perfeição que ela era. Os cinco dedinhos em cada mão. A pele suave e sem qualquer defeito. Os longos cílios. Os fios prateados que começavam a se alongar. A pequena boca rosada. O narizinho minúsculo. Como que poderia haver no mundo uma bebê mais perfeita do que ela? Era sua filha! E o que ele estava fazendo? Estava a entregando na mão de outra pessoa simplesmente porque sabia que estar conectado demais a ela o enfraqueceria. E era exatamente disso que ele estava falando quando se via ali naquele quarto sem forças encarando-a dormir. Naquela altura ele não poderia nem mesmo pensar em Scorpius porque sabia que causaria um grande estrago a sua sanidade.

 

O que estava fazendo? Não sabia se deveria se perguntar isso porque estava ali ou porque estava se permitindo afastar-se da filha. O que infernos estava fazendo? Soltou o ar e apertou os olhos tentando impedir que a dor em seu coração fizesse qualquer tipo de líquido escapar de seus olhos. Soltou o ar sentindo como se não conseguisse respirar normalmente. Precisava sair dali. Encarou a filha novamente. Ele queria pegá-la em seu colo. Estendeu a mão por entre as grade do berço e desenhou com a ponta dos dedos a direção em que seus fios prateados cresciam. Sua mão era enorme em comparação a toda delicadeza de seu bebê.

 

—       Por favor, não a acorde. – Molly Weasley sussurrou muito baixo de onde estava. Draco somente a ignorou.

 

Ele tinha que seguir com sua agenda contra Voldemort e precisava tornar suas fraquezas algo fácil para lidar. Estar ali definitivamente as tornava difíceis e quase insuportáveis de lidar. Levantou-se e afastou-se do berço, antes que sua presença ali acabasse a acordando. Deus sabia o quanto ele queria que ela abrisse os olhinhos. Deus sabia o quanto queria ver o brilho deles novamente. Mas sabia também que ela se agarraria a ele e ele se agarraria a ela e se aquilo acontecesse ele não sabia se teria forças para soltá-la.

 

—       Eu sei que se importa com sua filha. – Molly Weasley o seguiu para fora do quarto ainda sussurrando, mas sendo firme para ter a atenção dele. Draco parou. – Você não tem ideia do estado miserável em que ela esteve hoje o dia inteiro! Fazê-la comer foi um sacrifício. Fazê-la dormir foi um sacrifício. Fazê-la fazer qualquer coisa foi um sacrifício. Eu acabei de ver que realmente se importa com ela. Por que não dá a ela a atenção que precisa?

 

Ele permaneceu de costas tentando fazer passar por sua garganta o fato de que não devia nenhuma justificativa a uma Weasley.

 

—       Não faça julgamentos sobre o que não sabe. – ele não conseguiria lidar com alguém o recriminando verbalmente sobre o que estava fazendo sua família passar.

 

—       Eu estou julgando uma mãe e um pai que não veem a filha a dias. Um pai e uma mãe que não foram capazes de atender o chamado dela quando precisava. Um pai e uma mãe que...

 

—       Cale-se. – cortou sem nem mesmo precisar voltar-se para ela. – Engula o seu julgamento. – não se importou em sussurrar como ela. – Estou ocupado em tentar garantir que minha filha tenha um futuro. Tanto ela quanto o irmão. Irei permitir que me julgue o dia que souber o mínimo do que isso tem me custado. – concluiu e seguiu seu caminho sem ser perturbado pela mulher outra vez.

 

Cada passo que dava sentia como se a força que o atraia até a filha ficava mais tolerável. Não porque não se importava com ela, mas porque sabia o que estava fazendo. O sacrifício era alto e doloroso, mas ele sabia o que estava fazendo.

 

Subiu as escadas de mármore até o quarto sem parar no meio do caminho, não permitindo se sentir dominado pela tensão em seus músculos dessa vez. Encontrou Hermione na antessala do quarto parada de frente para a lareira encarando estática o fogo crepitar. Ela vestia seu longo robe de seda azul marinho. Os cabelos estavam soltos fazendo a cascata de camadas, cachos e ondas descerem por suas costas. O rosto provavelmente livre de qualquer maquiagem. Abraçava o corpo o próprio corpo encarnado a lareira. Ela não fez qualquer movimento que fosse para demonstrar que notara a presença dele. Apenas a observou por alguns segundos. Gostava do cabelo dela. Tinha uma beleza ingênua e doce naquelas ondas. Tinha um calor acolhedor.

 

Avançou e parou logo a alguns metros dela, logo as suas costas. Céus, a situação entre eles não estava boa e ele não queria ter que lidar com aquilo. Lidar com a relação deles era difícil. Lidar com Hermione era difícil. Tudo era tão difícil ultimamente. Puxou o ar para abrir a boca uma ou duas vezes até desistir. Não estava pronto.

 

Foi até o quarto. Livrou-se da gravata. Abriu alguns botões de sua camisa e puxou as mangas até a altura dos cotovelos. Sentou-se na beira da cama e a mínima amostra de conforto estava querendo o fazer entregar-se a tensão e ao desespero. Passou a mão por sua barba rala que não tivera tempo de fazer. Ele não fazia o tipo procrastinador.

 

Levantou-se e foi direto em direção ao aparador próximo a uma das janelas, onde encheu um copo de conhaque. Segurou-o entre os dedos e encarou o conteúdo no copo. Tinha orgulho das bebidas caras que podia consumir como se não tivessem valor nenhum. Naquele momento tudo que ele sentia era vergonha por desejar o efeito que aquela bebida teria em seus músculos. Ele precisava aliviar sua tensão.

 

Não era nem nunca havia sido um viciado. Tivera seus momentos em que mergulhar na bebida para aliviar a ansiedade fora o caminho mais rápido, mas sempre fora muito bem consciente de que a bebida não resolvia seus problemas, apenas os encobria. Ele abominava completamente toda a ideia. Seria definitivamente um viciado se o álcool realmente pudesse dar uma solução definitiva a seus problemas. Portanto, quando encarou aquele copo e se convenceu de que ele seria o único que tomaria, sabia bem ele seria o único, porque precisava estar bem no dia seguinte para seguir em frente com aquela guerra contra Voldemort. Disciplina, auto domínio e controle fora algo em que ele aprendera a ser muito bom. Orgulhava-se demais disso para entregá-lo a uma mísera bebida.

 

Voltou para a antessala onde encontrou Hermione exatamente como antes. Quieta. Calada. Estática. Tomou um gole do líquido âmbar no copo em sua mão e avançou. Passou por ela e encostou-se de um lado da decorada moldura da lareira podendo encará-la de frente. Cruzou os braços e a encarou. Ela continuou com os olhos fixos no fogo. Imóvel. Estava limpa de maquiagem como ele havia previsto. Ele sempre admirara o quanto o rosto dela era perfeito sem a pintura que ela era obrigada a fazer todos os dias. Ele gostava de ver o rosado natural das maças e das pálpebras do rosto dela. Do vermelho muito suave na ponta de seu nariz em contraste a sua pele pálida. Das poucas sardas. Da pele uniforme e macia exposta em sua cor natural. Do tom pêssego em seus lábios sempre suculentos. Tudo nela gritava perfeição quando em modo natural. Se todo homem que cruzava o caminho dela parecia a querer, ele não conseguia imaginar o nível de desejo que eles teriam se pudessem ver o que Draco via quando ela se despia de tudo no fim do dia. Ela era completamente desejável não importasse a raiva que detinha contra ela naquele momento ou não. Não importava o brilho que ela detinha nos olhos. Não importava a tensão que houvesse. Em momentos como aquele, sentia-se extremamente incomodado com o quanto aquela mulher atraia tudo que estava a sua volta, independente das circunstâncias. Ele se incomodava porque quanto mais tempo e mais intimidade tinha com ela, mais sentia-se dependente dessa atração, mais sentia-se parte do encanto dela. Tinha que haver algo de errado naquilo.

 

—       Chegou a hora do dia em que “lidar com minha esposa” estava escrito em sua agenda? – ela manifestou-se sem tirar os olhos do fogo. Completamente séria.

 

Engoliu o humor dela. Não estava disposto a seguir aquela direção. Iria direto ao ponto.

 

—       Eu quis acabar com você hoje.

 

—       Deveria ter feito.

 

—       Evito fazer escândalos. – provocou. Viu os lábios dela quererem comprimir-se. – Você foi longe.

 

—       Eu sei. – ela estava seca.

 

—       É só isso que vai dizer? – manifestou-se quando o silêncio seguiu as últimas palavras dela.

 

—       Quer que eu me desculpe? – ela estava brincando com aquele teatro de “é você quem tem a razão”.

 

—       Não me faça te odiar agora.

 

—       Algum dia parou? – ela finalmente o encarou. O olhar dela estava completamente opaco. Vazio. 

 

—       Não nos leve para essa discussão, Hermione. – alertou-a.

 

Ela apenas piscou calmamente e tornou a colocar os olhos sobre o fogo. Sem vida. Calou-se por alguns segundos. Ele pensou em dar as costas e desistir daquela interação visto que ela já assumira seu erro. Mas então quando decidiu definitivamente sair, ela começou:

 

—      Astoria conseguiu mandar uma coruja enfeitiçada mais cedo. Ela foi a Brampton Fort. Fizeram algo de ruim a Scorpius. Ele usou magia para se proteger, mas não sabe o que faz. Está bloqueando que qualquer um aproxime-se dele. Não conseguem alimentá-lo, trocá-lo, tocá-lo. Ele tem apenas um ano. Astoria acredita que ele não vá conseguir segurar a magia por muito tempo, mas teme pelo mal que ele irá fazer a si mesmo se conseguir. - Ela disse cada uma daquelas palavras com um tom uniforme, calmo, firme, frio e despido de qualquer emoção. – Esteja pronto quando Theodoro for usar isso contra você.

 

Lutou para não deixar seu coração cair. Lutou para que o fato de Scorpius ser seu filho não o levasse ao chão. O bebê que ele muitas vezes balançara em seus braços para fazer dormir. O bebê que não muito pouco tempo atrás roubava seu sono se pegasse apenas um resfriado. Ele era só um bebê e havia sido pressionado ao ponto de conseguir produzir magia involuntária na pouca idade que tinha. Draco não poderia deixar que sua mente vencesse com todos aqueles pensamentos para enfraquece-lo. Não podia permitir que lamentasse pelo filho.

 

—       Acaso você já está pronta? – ele teve que perguntar. Por que ela quem havia perdido o controle horas mais cedo e era óbvio a esse ponto que Theodoro não demoraria para usar aquilo contra eles.

 

—       Estou matando uma parte de mim a cada dia. Tenha mais paciência. – foi tudo que ela disse.

 

Ele sabia que ela não estava. Como sabia. Todo aquele esforço dela o irritava. Ela não estava pronta, a prova disso fora o ataque que dera mais cedo, mas ela não estava pronta ainda. Sabia que ela estaria logo e a ideia de uma Hermione completamente fria por fora e morta por dentro o assustava.

 

—       Matar todas essas partes de si significa se obrigar a ficar aqui o dia inteiro escutando o choro da sua filha de longe para provar a si mesma de que consegue não ir até ela? De que pode abrir a boca para falar sobre a frágil situação do seu filho sem demonstrar sequer um cisco de emoção? Eu a vi ser forte quando tinha tudo para não ser. Eu a vi se manter de pé em longas sessões de tortura na Catedral onde era obrigada a ver coisas horrível. Eu a vi apontar a varinha e proferir maldições para quem sabia que não merecia. Eu a vi fazer escolhas que colocavam a vida de muitos em suas costas. Mas eu também estava lá quando o peso de tudo isso a fazia passar mal, quando tremia e chorava escondida tirando a armadura que vestia para aguentar o mundo ao qual estava sendo submetida a viver. Eu me familiarizei com essa mulher. Eu me sinto confortável com essa mulher. Eu aprendi sobre essa mulher. Interessei-me por essa mulher. Mas o que vejo agora me assusta, Hermione, porque eu sei que o rosto para o qual eu estou olhando nesse exato momento é o rosto de alguém que não derramou uma lágrima hoje.

 

—       O assusta? – ela estreitou os olhos e o encarou. - Como você ousa não considerar isso uma vitória? Não pode me condenar pelo modo como acabei agindo mais cedo e ao mesmo tempo se preocupar com a minha frieza.

 

Ele quis deixa-la. Quis sair da presença dela. Irritava-o. Aquele mecanismo que ela usava para se proteger. Aquela necessidade de enterrar para sempre um lado seu que era bem característico. Ela não entendia que ele apenas queria que ela encontrasse um balanço. Que vestir uma máscara não significava se transformar nela por completo. Hermione estava empenhada em matar a mulher que ensinara o coração dele a ceder. A mulher que enxergava as cores numa saturação que ele não via, a mulher que não tinha interesse em pisar em ninguém pelo poder, a mulher que não tinha vergonha de ser altruísta, de pensar no outro primeiro, gentil, ajudadora. Draco odiava tudo aquilo em qualquer outra pessoa, mas não nela, e ela estava eliminando aquele lado de seu caráter. Ela estava se tornando alguém como ele. Na verdade, estava se tornado alguém melhor do que ele, mais fria do que ele, mais inabalável do que ele, mais egoísta do que ele, mais ambiciosa do que ele. E o que amargava em sua garganta era saber que ela conseguiria. E conseguiria rápido. Porque não havia nada que pudesse parar Hermione. E porque, infelizmente, sabia da natureza real dela. Ele reconhecera aquilo quando viu que ela foi capaz de eliminar de si mesmo a Marca Negra de Voldemort. Não existia nada que pudesse segurar Hermione. E o que o preocupava era: Até onde ela realmente tinha consciência disso? Draco preferia acreditar que Hermione ainda não se permitia explorar todo aquele potencial.

 

—       O que quer ser quando tudo isso acabar? – teve que perguntar.

 

—       Inquebrável. – ela respondeu sem hesitar, como se não fosse óbvio.

 

Ele uniu as sobrancelhas irritado por não acreditar que ela ainda não havia encontrado a falha naquele discurso.

 

—       Que tipo de soberania você quer, Hermione?

 

—       A nossa!

 

—       Nossa? – ele questionou. – Tem certeza?

 

Foi a vez dela unir as sobrancelhas.

 

—       O que está sugerindo?

 

—       Estou sugerindo que o que realmente quer é a sua soberania! Quer que as pessoas a temam. Quer que ninguém nem mesmo tenha a ideia de pensar em tocar em você ou naquilo que tem debaixo de suas asas nunca mais! Você reconheceu que a dor vem da sua fraqueza em se importar demais. Quer deixar de se importar para se tornar impenetrável.

 

—       E você teme que por causa disso eu acabe me tornando alguém como Voldemort? – Estava claramente irritada. Ele lutou para não engasgar com o que ela acabara de lançar contra ele. Sequer havia se dado o direito de permitir que isso se passasse pela sua cabeça e ela mesmo já tivera corrido a maratona que ele não correra para acabar soltando uma conclusão daquele peso. – Voldemort arrancou e vai arrancar de mim toda a vida que eu escolher viver. Ele primeiro tirou de mim meus pais, depois tirou de mim meu mundo para me jogar no cruel que ele criou exclusivamente para mim. O mundo onde ele permite que eu me apegue a um homem que sempre odiei. O mundo onde ele me faz ser parte da maldição que é ser um Malfoy e ter que viver com todas as máscaras que vem com esse sobrenome. Um mundo onde ele decide que filho meu vai ganhar vida ou não. Um mundo onde ele me faz carregar a morte e a queda daqueles que eu costumava chamar de família. Um mundo onde pode tirar meus filhos de mim, onde ele pode me privar do poder de livra-los da natureza cruel que o cerca. Um mundo onde ele se vê no direito de poder me fazer ser uma estranha para meus próprios filhos! Eu tenho tentado vencer tudo isso com uma força fora do comum. É como se eu estivesse presa no meio de um poço sem fundo por mil correntes. É como se minha única opção fosse cortar meus braços e pernas, sacrificar aquilo que eu sou para poder me ver livre daquilo que me prende, para me ver sair do poço onde ele me enfiou. E é exatamente o que tenho feito. Mas a cada sacrifício que eu faço, com menos ferramentas eu me vejo para conseguir subir e mais e mais acabo me vendo ser engolida por mais mil correntes que me levam para baixo. Não importa o tamanho do sacrifício que eu faça, o jogo foi ele quem criou para mim, as regras foi ele quem estabeleceu, e eu estou destinada a ser a criação dele, não adianta a luta que eu lutar, a batalha que eu vencer. – Pausou como se precisasse absorver a raiva em seu discurso. Como se precisasse que aquela raiva fosse seu alimento.  - Você não vê, não é mesmo? – continuou. Distante. - Tudo o que vê e é capaz de julgar é a pele que eu venho inocentemente e tão cruelmente arrancando de mim mesma tentando me fazer sair da onde ele me prendeu. Não é uma visão muito bonita. Mas é a única escolha que ele me colocou nas mãos. Sabe disso. Portanto você vai se calar e vai aceitar que o poder que eu quero segurar para sempre em minhas mãos tem tudo a ver com o egoísmo, porque não quero que ninguém, nunca mais, sequer ouse em pensar tocar em mim e naquilo que me pertence.

 

Ele se manteve calado. Exatamente como ela havia exigido. Ele, na verdade, não se via tendo outra reação que não fosse o silêncio diante do monólogo dela. Ele queria poder dizer que aquilo era somente o produto da insanidade de uma mãe sem poder diante do sofrimento dos filhos, mas a verdade é que aquilo estava sendo gerado dentro dela muito antes até mesmo dos filhos terem sido concebidos. E era muito óbvio que ali, tendo que jogar uma das faces do jogo que Voldemort montara para ela, que era ser uma Malfoy, a indiferença forçada para com os filhos fazia com que ela enxergasse o mundo através de um filtro de dor e ódio que clamava por soberania. Preocupava-o.

 

—       As máscaras que usamos são apenas máscaras, Hermione. Não são o que somos. Isso tudo vai ter um fim. – sentiu-se obrigado a dizer.

 

A reação dela foi nula. Como se as palavras dele tivessem sido uma brisa mal apreciada. Não foi ouvida e pouco sentida. Os olhos dela apenas piscaram numa frieza paciente e continuou a encarar o fogo. O silêncio pairou seco entre eles. Draco viu que não havia mais o que precisavam discutir. Simplesmente passou por ela e voltou para o quarto onde virou num gole só sua bebida e seguiu para o banheiro, onde se enfiou debaixo de uma ducha gelada.

 

Por algum motivo seu cérebro começou a fazer uma minuciosa análise do comportamento de sua mulher desde quando pisaram o pé fora de Brampton Fort como inimigos do Império. Era quase inevitável não ser bombardeado de um turbilhão de sentimentos, preocupações e ansiedade.

 

Precisava do frio do inverno para anestesiar e congelar a incansável máquina que era o seu cérebro. Já que não o tinha, precisava se contentar com a água gelada caindo sobre sua cabeça. Não funcionava bem. Mas pensando bem, ele nunca estivera vivendo na beira do precipício como estava agora. Nem mesmo o frio o acalmava.

 

Fazia um bom tempo que ele não tinha a oportunidade de colocar uma calça de algodão. Normalmente gostava de usar apenas aquela peça como pijama, mas a vontade de querer fazer seu cérebro entender que precisava desligar para que ele pudesse descansar o fez pegar também um roupão grosso e macio para vestir. Penteou os cabelos molhados muito perfeitamente e tirou sua barba sem pressa. Temia pela hora que fosse deitar na cama. Não iria conseguir fechar os olhos. Não queria ter que passar a noite revirando, esperando pelo momento que ele pudesse levantar e continuar a levar aquela guerra ao fim.

 

Voltou para o quarto e pela porta, através da parede vazada, ele viu Hermione exatamente como havia a deixado. Parada de frente para lareira acesa encarando o fogo. Talvez ela fosse ficar ali a noite inteira. Ela, sua angústia, suas reflexões e sua vingança fria. Algo revirou dentro dele que lhe fez sentir um gosto amargo na garganta. A figura dela era quase intimidadora. Parecia ser o que o sofrimento dela projetava.

 

Viu seus pés o levarem de volta para a antessala. Parou a uma distancia segura logo as suas costas. O longo robe de seda cintilava. Os cabelos longos em cascata descendo pelas costas. A postura imóvel e tensa. Draco se viu engolindo o amargo em sua garganta mesmo quando sentiu que sua boca ficou seca e soltou:

 

—       Nunca dissemos um para o outro que nos amávamos. E por incrível que pareça sei que sabemos o porque evitamos essa palavra. – porque por tudo que tinham, pelo que haviam passado, pelo que estavam passando e por tudo que viria pela frente, ele já deveria ter dito que a amava.

 

O silêncio imediato dela provou a ele que ela fora pega de surpresa pelo peso da pergunta e pela escolha aleatória para a qual ela parecia ter sido trazida a luz. Draco tinha uma boa ideia de que Hermione tinha o que comentar sobre aquilo. E mesmo que ela escolhesse não dizer nada, ele estava pronto para trazer mais para a mesa, simplesmente porque já haviam chegado longe demais no relacionamento que tinham e ele estava farto. Mas então, surpreendentemente ela respondeu:  

 

—       Sei que se acredita que amor é uma escolha, duvida que possa fazê-la todos os dias para o resto de sua vida sabendo do potencial que eu tenho para ser uma inimiga. – respondeu sem emoção. Como se não se importasse. Como se não estivesse expondo uma enorme ferida que eles ignoravam sempre sem a menor pretensão de curá-la. E não que ela fosse realmente uma inimiga. Tudo era sobre a potencialidade que existia. E ele tentava se convencer todos os dias que era algo idiota que mantinha seus pés pronto para recuar, mas em momentos como aquele, quando via Hermione daquela forma, era praticamente impossível que um alerta não acendesse em algum lugar de seu cérebro. Sabia mais sobre ela do que queria e tentava esconder isso de si mesmo e dela todos os dias. – Não o condeno por isso. – Se ela realmente soubesse de tudo, definitivamente o condenaria. - Provavelmente também tem sua própria teoria do porque nunca disse que o amo, mesmo depois de tudo que construímos.

 

Ele quis abrir a boca cheio de convicção, pronto para negar tanto o lado dele quanto o lado dela que ainda insistiam em não destruir a fundação, as raízes, da muralha que um dia esteve de pé entre eles. Queria negar. Céus! Como queria! Havia uma força dentro dele quase mágica que o alimentava a dizer que não existia absolutamente nada que pudesse fazê-lo questionar a aliança deles. Nada que pudesse instigar a duvida. Principalmente agora que haviam duas vidas conectadas a eles. Mas a verdade é que a relação deles sempre carregaria um ponto frágil.

 

Ele sem duvidas era conectado a ela, sem dúvida era atraído a ela, sem dúvida podia dizer que era enfeitiçado por ela. Como não poderia ser? A mulher que muitas vezes deslizava os dedos suavemente pelos seus cabelos distraída enquanto amamentava o filho deles no meio da noite escura e silenciosa. A que contava histórias e fazia planos engraçados quando conversavam dos assuntos mais relevantes aos mais irrelevantes. A que gostava da companhia dele quando tinha a chance de estar em casa para assisti-la fazer o jantar. A que abria um sorriso leve quando ele a beijava para acordá-la nas primeiras horas da manhã. A que pedia para estar debaixo de seu corpo quando tinha sede do calor. Como ele poderia não se sentir completamente entregue a ela? Mas o fato de sentir o que sentia nunca fizera dele um homem menos racional, menos estratégico, menos inteligente. Ele protegia possessivamente tudo que era seu porque sempre fora o tipo egoísta que pensa apenas em si mesmo. Aquilo que lhe pertencia eram extensões de si mesmo. E nunca, mesmo depois de tudo que haviam tido, mesmo depois do contrato mágico que os colocava debaixo do mesmo sobrenome, mesmo lutando o que lutavam juntos, ele ainda não sentia que Hermione pertencia a ele. Era como se sempre, de alguma forma, ela mesma conseguisse se fazer escapar por entre seus dedos. E ele não queria ser Krum. Não queria ser Weasley. Não queria ser Potter. Porque de alguma forma ela fora de todos, e não se deixara ser de nenhum deles.

 

—       Duvida se realmente já amou um homem. – ele externou o que conspirava sobre o lado dela. - Porque de alguma forma sempre houve algo dentro de si alertando-a de que tem parte em algo maior. – e ele apostava que aquilo tinha grande peso em mantê-la longe de se entregar completamente a ele. Na verdade, ele apostava que aquilo a mantinha longe de se entregar a qualquer um.

 

Viu Hermione respirar fundo ao escutar aquilo. Deu-se tempo para digerir o que fora dito entre eles.

 

—       Mesmo se isso for o que realmente é, mesmo se não for, mesmo se houver mais um milhão de outros motivos, nós nos permitimos viver nosso bonito ‘‘castelo de areia’’. E a verdade é que nenhum de nós dois esteve empenhado em fazer do nosso relacionamento uma fortaleza. Temos a tendência de ignorar e evitar todos os pontos fracos do que eu e você juntos somos um para o outro. E são em momento como o que estamos vivendo agora, onde não estamos na bonita e gloriosa sala do nosso castelo fragilizado, que enxergamos todos os espaços em branco que existem entre nós. Não fomos feitos um para o outro. – ela disse. Remoeu aquilo com ela mesma por um tempo. – Doloroso, não é?

 

Draco teve que sofrer para aceitar aquela verdade. Não foram feitos um para o outro, e mesmo assim tentavam tanto fazer com que funcionasse ao ignorar todo o resto simplesmente porque era bonito demais.

 

—       Sim. – Teve que concordar. Definitivamente doloroso.

 

Hermione soltou o ar um tanto quanto incomodada.

 

—      Detesto falar sobre nós dois. Podemos parar? – pediu.

 

Claro que ela detestava. Assim como ele também odiava ter que verbalizar e discutir o pó que eles empurravam para debaixo do tapete. Era sempre terrível quando davam um show de honestidade, principalmente agora, que a relação deles não estava vivendo debaixo dos enfeites da falsa vida pacífica que viviam em Brampton Fort. O romance deles estava em um estado cru despido de vários artifícios, e ainda assim, doloroso que fosse, Draco o achava bonito em toda a sua nudez.

 

Aproximou-se.

 

—       Sim. – Aceitou. Tocou um lado de sua cintura muito calmamente com uma mão e com a outra afastou seu cabelo para expor um lado de seu elegante pescoço. Depositou ali um beijo muito paciente. Foi como tocar uma pedra de gelo. – Não quero nos perder, independente do que for. – precisava que ela soubesse daquilo. - Boa noite. – foi tudo que disse quando sentiu que não receberia qualquer reação de volta.

 

—       Noite. – a voz dela veio distante e baixa depois de um tempo muito longo. Foi tudo que ela disse.

 

**

 


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