Vemo-nos Após As Aulas escrita por ConstançaAconstante


Capítulo 1
Eu não gosto do meu professor.


Notas iniciais do capítulo

1. Como já disse, todos os personagens aqui presentes já foram apresentados na série "Confession Executive Committee Love Series". Eu inventei apenas a professora de Estudos Sociais e o nome do irmão mais velho do Haruki.
2. A Miou, na história original, é a grande paixão do Haruki e blábláblá. Aqui a coloquei apenas como possível peguete... Ou algo assim. Se querem ver a história dos dois, está na música First Love Picture Book (que é um saco).
3. O drama aqui tá mais intenso que na música... Eu sou assim :P
4. O nome do colégio foi tirado de um apelido dado ao compositor da música. De HoneyWorks, passou a ser Haniwa. hahahaha
5. Não se apaixonem por seus professores. Isso dá problemas e não é legal e pode até ser considerado pedofilia. Se comportem, migos. ♥
6. Vocabulário nas notas finais do capítulo (tem muuita coisa)
7. Passível de erros, porque sou humana ;P
8. Eu não sei por que, mas tudo que escrevo depois me parece que ficou corrido... Esse, especialmente, ficou EXTREMAMENTE CORRIDO. Eu fui revisar e fiquei: meu... o que eu fiz? Como gosto de muito drama preciso fazer os personagens meio lentamente e... Acho que nessa caso ficou estranho. Mãããs, é o que tenho pra hoje. Desculpem.
9. O eu lírico da música muda do aluno para o professor e vice-versa, ok? Eu distingui essas trocas por aspas pra ninguém se confundir.
Recomendo FORTEMENTE que ouçam a música antes.Até porque o vídeo da música é muito importante: https://www.youtube.com/watch?v=Vjq2w8WckZA
Como ninguém é obrigado a ouvir a cantora original, com a voz eletrônica de vocaloid dela, há aqui uma versão em inglês muito bem adaptada!
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Espero que gostem,
@MexericaBlue



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A primeira coisa que a letárgica mente de Saku Akechi reconheceu foram os ensurdecedores berros de uma criança em prantos. A segunda coisa foi a percepção de que tal criança estava a sua frente, e a terceira, a noção do espaço. Um quarto de hospital. Branco. Limpo. Vazio. Branco. Branco como o corpo que na cama jazia.

Deus, odiava branco. Odiava! Mesmo sendo a junção de todas as cores, não se mostrava como nenhuma delas, como se não possuíssem importância. Era a cor final. A conclusão. Por isso o corpo a sua frente era tão lívido, tão pálido. Encontrara sua conclusão.

Uma conclusão imatura, ironicamente incompleta. E que ele não havia conseguido evitar.

Não soube identificar se era a culpa ou o choro que lhe esmagava as entranhas e a cabeça, somente reconhecia o que lhe importava. A criança. O corpo. O branco.

Ele também queria chorar. Queria, como o pequeno de fronte de si, debruçar-se sobre o defunto e lhe gritar todas as súplicas e rezas já ouvidas, agarrar os lençóis e esperar que tudo fosse uma piada de mau-gosto. Deus, desejava morrer. Trocar de lugar com seu melhor amigo.

Ele se afogara no mar por um acidente e agora era ele, Saku, quem estaria se afogando pelo resto da vida.

Seu melhor amigo. Perdera seu melhor amigo.

E Haruki perdera o irmão mais velho.

E embora tivesse tentado salvá-lo, não chegara a tempo. Um inútil, um imprestável. Apostava que era odiado agora. Precisava sê-lo. Não aceitaria ser isentado de sua incompetência, não seria justo com o pequeno Haruki.

Por outro lado, também não lhe pediria perdão. Aquele era um luxo do qual não gozava.

Haruki chorou, chorou, chorou.

E era como se ele nunca fosse parar.

Saku acordou num suspiro engasgado, ofegando ininterruptamente e trêmulo pelo suor frio que corria por sua pele. Teve a impressão de novamente ouvir o choro de Haruki, mas logo percebeu que era apenas o estridente alarme do despertador. Sete da manhã. Hora de acordar. Fazer a higiene matinal. Tomar o desjejum. Pegar o metro. Lecionar. Ver Haruki.

Ver Haruki.

Há quase dez anos vinha tendo o mesmo pesadelo sobre a morte de seu melhor amigo. Era impressionante ainda não ter se acostumado a eles. Não que pudesse torná-los melhores de alguma forma, mas ver Haruki trazia à tona toda a memória de lágrimas pela morte de um ente querido.

Nunca, em sua vida, esperou que o garoto ingressaria na mesma escola em que lecionava. Esforçava-se há dez anos para, no final, tê-lo a sua cola exigindo-lhe a mesma relação fraternal que compartilhavam anos atrás.

Uma relação fraternal com Haruki? Não... Impossível! Ele não era seu falecido irmão mais velho, Hiroki, e muito menos alguém que chegaria a pensar no garoto loiro como um otouto.

Não. Não. Um dia fora algo próximo de um irmão para Haruki. Agora, o que devia era ser apenas um estranho.

.

***

.

— Bom dia, classe. — o professor de literatura do Colégio Preparatório Haniwa, exatamente às oito da manhã, adentrou a sala da turma do 1ºB, da qual era professor-instrutor. A balbúrdia de conversas paralelas antes instalada imediatamente cessou. Os alunos cumprimentaram-no de volta respeitosamente e logo se sentaram, influenciados pelo professor. — Prontos para terem sua aula predileta com seu professor predileto? — o comentário gerou risadas bem humoradas. Não porque aquele já se tornara o bordão do professor, nem por sua personalidade naturalmente cínica e piadista que fazia da situação ainda mais cabível, mas porque o homem sempre o fazia com uma austeridade invejável no rosto, como se realmente estivesse falando sério.

As risadas juvenis não abalaram o professor, que avistando um aluno sério, comentou — Que cara feia é essa, Serizawa-san? Quer ir pra detenção, é?

.

Vocês gostam do seu professor? (Sim, sim, sim, sim, sim)

A pessoa que não levantou a mão

Irá para a detenção

.

Haruki Serizawa revirou os olhos, pretendia ficar quieto em seu canto, mas o homem parecia fazer questão de atrair atenção a si. Achava ridículo aquele papel de professor descolado que Saku-onii-san faziam em frente aos outros. Ele não era desse jeito antes e certamente não ficaria assim de uma hora pra outra. — Na verdade, não, Saku-sensei. Eu estava resolvendo esse cubo mágico, você não quer me ajudar? — a classe tornou-se um pouco mais silenciosa, o constrangimento dos alunos nunca morria ao ouvirem Akechi-sensei e Haruki-kun se digladiarem. O garoto era muito atrevido ao chamar um professor pelo primeiro nome e por “você”. Não era de bom tom. E ai entonação irônica com o qual o desafia tornava tudo ainda pior. O Japão era uma nação que colocava os educadores no mais alto patamar de respeito, desafiá-los era inconcebível.

E para Saku, tudo era ainda pior. Conhecia muito bem aquele cubo mágico, ele mesmo presenteara o loirinho, anos atrás. Claro que ninguém sabia disso. Ele era muito sigiloso quanto ao seu passado como estudante no Colégio Haniwa. Duvidava que qualquer funcionário ou aluno dali soubesse que costumava cuidar de Haruki com seu irmão mais velho quase todos os dias após as aulas, e se alguém o fizesse, seria por intermédio do mais novo, e não de si.

Aquele cubo mágico era um dos últimos presentes que lhe dera, e por isso, muito doloroso de se olhar. Duvidava de que o menino tivesse noção de sua influência sobre si, já que nunca machucaria alguém deliberadamente. Haruki era uma pessoa antiteticamente perniciosa e gentil. Anos atrás, quando ia a casa de seu melhor amigo Hiroki – irmão mais velho de Haruki –, já se preparava para alguma das pegadinhas do pequeno. Ia de pasta de dente no registro da pia a baldes de água sobre portas semiabertas. Embora Hiroki ficasse tão envergonhado, Saku achava tudo muito engraçado.

O pigarreado de um aluno tirou-o da volta ao passado, e logo percebeu que esse fora da própria pessoa na qual pensava agora. O cubo mágico continuava erguido em direção a si. Ignorou-o, deu meia volta, voltando ao tablado para lecionar — Vemo-nos após as aulas, Serizawa-san, na minha mesa.

O outro olhou com desdém, como se já estivesse acostumado. Recebera broncas piores quando era criança: de seus pais, de seu falecido irmão, e do próprio Saku Akechi. A única diferença era que naquele então “Haru-chan” substituía o “Serizawa-san”.

Nunca imaginou que o homem a sua frente tratá-lo-ia tão impessoalmente.

.

***

.

A luz alaranjada do sol poente já coloria toda a brancura das paredes do colégio, indiciando que a carga horário do dia estava prestes a ser cumprida e todos deveriam voltar a suas casas. Haruki acocorava-se a uma dessas paredes, brincando com seu cubo mágico na vã tentativa de minar seu tédio. Há quanto tempo esperava ali, ao lado da sala dos professores? Quinze, vinte minutos, talvez? Saku-onii-chan lhe dissera para que entrasse apenas quando todos os professores tivessem ido embora – para que conversassem a sós –, no entanto aquilo estava demorando um inferno! O que o professor achava que ele era? Um desocupado vidrado em cubos-mágicos?

Depositou o brinquedo ao seu lado, cuidadosamente. Maldição! Perdera a conta de quantas vezes já resolvera esse quebra-cabeça. Nem graça mais tinha. Apenas o trazia à escola para rememorar seu professor de literatura do passado que compartilhavam, quando ainda era amigo de seu aniki, chegando ele mesmo a vê-lo sob uma visão fraternal.

Lembrava-se de que após a morte de Hiroki pensou em toda sua ingenuidade pueril que perdera não só o falecido, mas Saku também. O rapaz, de então 18 anos, havia simplesmente desaparecido. A última vez que o viu foi durante o velório, e depois disso, apenas sete anos depois, ao ingressar no colegial. O homem mudara da água para o vinho. De uma pessoa introvertida e amigável, para um cínico piadista ligeiramente arrogante, pouco sociável e difícil de fazer sorrir.

Difícil? Perdão pelo eufemismo.

Impossível.

As únicas visões de Saku Akechi rindo moravam nas memórias de Haruki. Já havia tentado a maior variedade de artimanhas para lhe arrancar um sorriso do rosto, até mesmo as que fazia quando criança. Nada resultou. O jovem professor parecia determinado a não sucumbir às tentativas do aluno, e pior: determinado a não ir além da relação tutor-aprendiz.

— O que ainda está fazendo aí, garoto? Não há mais ninguém lá dentro além de mim — Haruki direcionou-se à pessoa que fazia uma sombra sobre si, a própria pessoa na qual pensava agora. Logo então, focou num ponto além dela, encontrando a professora de Estudos Sociais a quase dez metros de distância dos dois.

Fora ela a última a sair?

Até os mais leigos da escola sabiam o quão atirada a Shisito-sensei era em cima de Akechi. Cachorra. Estiveram ambos se engraçando dentro da sala enquanto ele esperava lá fora como um palerma?

Deus, não sabia o que a mulher tinha de bom. Era realmente bonita, mas não possuía cérebro nenhum. Embora fosse do magistério, e tivesse se graduado com excelência, e fosse realmente amada por seus alun...

Bem, o caso era que a mulher não prestava. Seu sorriso era amigável demais para ser verdadeiro. Ela era falsa. Falsa!

— Ela é gostosa. — comentou, enquanto adentravam o cômodo espaçosos e se sentavam frente a frente, à mesa do professor.

— Perdão?! — a reação de Saku agradou a Haruki. Ele queria irritar, se insubordinar, e o misto de aturdimento com ira na expressão do outro deixara-lhe um gosto bom na boca.

— A Shisito-sensei. Ela é gostosa, né? Tá pegando ela? — continuou, ignorando o pudor e o respeito que lhe era cobrado quando em frente a um professor. Foda-se. Trataria Akechi como a um irmão mais velho. Por que não era algo assim que ele deveria ser para si?

A resposta foi um revirar de olhos. Haruki queria chamar atenção. Desde criança gostava disso. E se deveria ficar melhor à medida que crescia, apenas via a mesma coisa de anos atrás. — Alunos nada têm a ver com a vida pessoal de seus professores. E não fale esse vocabulário vulgar, você ainda é uma criança.

— Não sou criança! Pare de me ver como se eu ainda tivesse oito anos, onii-san! — Ah, agora, sim, perdera o controle. Haruki era estourado. Não era criança? Como, se ainda agia como se tivesse um irmão mais velho para lhe livrar das enrascadas?

Suspirou fundo. Acalmou-se — Não sou seu onii-san. — Haruki estacou, perplexo pelo que ouvira. Geralmente chamava-o pelo antigo apelido para provocar, mas dessa vez o fizera por simples costume, sem nem pensar. Sal fora jogado numa ferida constantemente aberta. Pois aparentemente, para Saku, ele havia deixado de ser seu onii-san a partir do momento que o elo que os unia – Hiroki – deixou de existir.

Como se não fosse importante, ou simplesmente não fizesse questão. Sentiu-se um pouco descartável.

Sentou-se, completamente desprovido da raiva inicial. Não havia muito com o que responder. Então, aproveitado o silêncio, ouviu-se — Quero que se comporte em minhas aulas, Serizawa-san. Se lhe desagrada meu método de ensino, peço então que se mantenha em silêncio.

Ah, não, ele não havia dito aquilo! — Mas se foi você que veio falar comigo, cacete! Eu tava quieto na minha! — e a audácia anterior voltar. Óbvio. Como se Haruki fosse ficar deprimido ou chateado por muito tempo. Não! Aquilo não era típico seu.

Bom ponto, o argumento de Haruki era válido. Era verdade. Na verdade, não sabia por que fora implicar com o garoto, antes que notasse, já o havia feito.

— Não levante sua voz, sejamos maduros, sim?

— Puta merda, você é um babaca! — o loirinho levantou-se, os cabelos espevitados de tanta indignação. A cadeira com rodas em que se sentava deslizou para trás com o impulso, batendo audivelmente contra a parede fina. Pegando sua bolsa, o estudante foi até a saída com passadas pesadas rabugentas e pesadas, abrindo e fechando a porta com força o bastante para fazer os vidros das janelas tremerem.

.

“Eu não me importo se você fica me olhando

Como se eu ainda fosse criança”

“Porque eu, ao contrário de você

Sou um adulto, eu acho”

.

O abandonado professor de literatura relaxou mais na cadeira, largando-se. Soltou um suspiro cansado de puro desânimo. Para que havia chamado Haruki ali mesmo? Para dar-lhe uma bronca ou para vê-lo? Para discutir sobre o quão infantil ele era ou para observá-lo agir assim?

Nem ele mais sabia.

Haruki vinha fazendo todo o possível para reaproximá-los, e ele, para afastá-los.

Tinha que afastá-los. Por tudo que era mais sagrado, precisava!

Por respeito a Hiroki.

Pela culpa que sentia.

Pelo moral e pelo ético.

Pela segurança de Haruki.

Deus... Haruki. Se ele soubesse dos bastidores da morte de seu irmão, odiá-lo-ia tanto que a dor da rejeição seria insuportável para si.

Não. Saku preferia manter o menor no escuro, ignorante. Porque embora soubesse que não merecia o perdão, ser odiado era... Não.

Pela visão periférica, notou um ponto colorido sobre sua mesa. O cubo mágico que dera a Haruki quando era criança. Pegou o brinquedo, girou-o um par de vezes, pensativo. Naquele então, o garotinho não conseguia resolvê-lo de jeito nenhum, era até engraçado ver sua frustração. Agora, a tintura estava desbotada e irregular, demonstrando o tanto de vezes que havia sido tocada e, consequentemente, resolvida.

Pelo menos naquilo Haruki havia amadurecido.

Quando haviam acabado de se reencontrar, no início do ano letivo. O loiro chegara em sua mesa depositando sobre ela o maldito cubo, falando idiotices como o quanto havia crescido, ou o quanto estivera procurando por si.

.

Pare de usar aqueles quebra-cabeças idiotas

Não sou mais criança! Não me subestime!

Posso encontrar meu caminho sozinho

Aqui está a solução!

Vê?

.

Vocês gostam do seu professor? (Sim, sim, sim, sim, sim)

A pessoa que não levantou a mão

Irá para a-

.

Guardou o cubo mágico em uma das gavetas de sua mesa. Devolvê-lo-ia amanhã.

.

***

.

Miou Aida era apaixonada por Haruki, ou pelo menos, era isso que os mexericos diziam. Dizia-se que eles tinham um rolo, mas ninguém poderia confirmar direito. O loiro achava-a linda, com uma personalidade realmente atraente. Ela ara gentil, introvertida, e se dava bem com todo mundo. Houve um tempo em que até chegou a pensar que gostava dela de verdade – antes de dar mais atenção a seu professor de literatura, claro.

Há algumas semanas atrás, quando a garota declarara-se a si, ele gentilmente respondeu-lhe que já gostava de outra pessoa, mas que queria muito continuar seu amigo. A relação entre eles continuou a mesma, senão até mais íntima, e suspeitava até que a amiga já se interessava por um senpai do 2ºB.

Os rumores apenas continuavam porque se conversavam todos os dias, sem falta, e era exatamente isso o que faziam nesse momento. Papeavam coisas randômicas enquanto se dirigiam ao ginásio para a educação física que, entre suas turmas, era compartilhada.

— O Akechi-sensei é super divertido. Ele é amigo de todos os professores e alunos. A única pessoa que não gosta dele é você, Haruki-kun. Por que você não quer ser amigo dele também?

Ah, sim, não gostava nada dele. Odiava-o! Odiava-o tanto que vinha se esforçando desde o início do ano pra reatar os laços que tinham, sendo rechaçado e ignorado tantas vezes que poderia encher um pote inteiro.

— É porque eu não deveria ser “amigo” dele... — respondeu, mais para si mesmo que para ela. Miou parou de andar, achando muito curiosa a disposição de palavras escolhida pelo amigo. “Não deveria”?

Haruki percebeu sua hesitação, e estacou também, um pouco a frente dela. — Miou-chan, o que foi? A aula já deve estar começand... Ei! — a morena puxou-o um pouco forte demais para sua estatura. Quando ela se tornara forte assim?

Estavam tão próximos e tão colados à parede que os passantes do corredor não poderiam evitar olhar os dois. A astúcia nas palavras prestes a serem proferidas pela garota deixá-lo-iam completamente desnorteado — Haruki-kun, você está meio a fim do Akechi-sensei?

Às vezes, a inteligência saliente de Miou Aida era problemática. Um segundo. Mas que filha da... Dois segundos. Ela arqueou uma sobrancelha. Três segundos. O que responderia?! Quatro segundos. Pense rápido, Haruki! Cinco segundos... — Óbvio que não! Você é louca, Mi...

— Demorou cinco segundos! Você está. — o garoto engasgou — Você está mesmo! Nossa, é a sua cara agir assim com alguém de quem gost-

— Não! Eu o odeio! Odeio demais! Ele é falso e arrogante! Se acha excelente quando só se passa de um professor descolado pra ser amada por todos. Eu o odeio, odeio! — o berro foi um pouco alto demais, e a atenção concentrou-se mais ainda sobre si.

— Falando de mim, Serizawa-san? — era como se o professor de literatura tivesse repentinamente se materializado em frente aos dois, que se assustaram tanto que se não houvesse uma parede os apoiando, teriam dado um pulo para trás. Uma das mãos do maior sumiu no bolso de seu jaleco eternamente sujo, tirando de lá o conhecido cubo mágico. Estendeu-o ao loiro — Você esqueceu isso ontem, vim aqui pra te devolver.

O garoto inspirou fundo. O professor não parecia afetado por tê-lo ouvido falar de si, e isso o enraivecia mais ainda. Inspirou novamente, sorrindo cínico — Pode ficar, sensei. Depois você pode me ajudar a resolver esse cubo aí. Lembra quando você me ajudava há uns anos atrás?

.

“Professor, eu te odeio!

Nosso relacionamento é diferente de uma simples amizade”

“Ok, então, por maioria dos votos, você ganhou”

“Professor, você é excelente não é?

A tarefa que não entreguei

Irá me ajudar a resolvê-la, como nos velhos tempos?”

.

Miou ofegou, Saku empalideceu completamente e Haruki queria rir de prazer. Sentia-se vitorioso!

Sabia que agora que soltara a bomba, teria que explicar tudo à amiga depois, mas havia valido a pena! Ver a surpresa na cara de Akechi por ter mencionado seu passado na frente de outra pessoa era maravilhoso.

Deus, talvez ainda fosse mesmo uma criança. Mas colocaria essa conclusão no fundo de sua mente e fingiria ao maior até o fim que havia amadurecido.

A boca fina e branca do homem permaneceu aberta por uns segundos, até se mover, proferindo, um tom decepcionado — Você é tão infantil. — e foi embora, sem nem mais uma palavra.

Miou olhou pra ele, e embora não entendesse muito a situação, percebera que o Serizawa fizera algo que era um tabu para o sensei. — Você é mesmo.

— Sou o cacete, a gente tem quase a mesma altura até. — o argumento fora tão ridículo que num primeiro momento Miou não entendeu a relação. Apenas quando ele já se reencaminhava ao ginásio, ela revirou os olhos e pensou consigo mesma a proposição do professor. Ele era mesmo infantil.

— Merda, o cubo mágico, eu esqueci de pegar! — o estudante parou, batendo a palma da mão na testa, lamentando. Que idiota!

— Mas você não disse que o Akechi-sensei poderia ficar com ele?

— Mas aquilo foi só pra provocar. Eu adoro aquele cubo mágico! — a morena quis rir. Haruki sempre fazia coisas assim.

— Bem, então depois você terá que ir na mesa dele pegá-lo....

Depois de contar a ela qual a relação entre ele e o sensei, claro.

.

Você diz que ainda sou uma criança

Mas nós não somos tão diferentes de altura

Eu também sei como é estar apaixonado

Então, eu sou um adulto

.

****

Haruki quase se arrependia de ter ficado no colégio até as sete horas para se esgueirar na sala dos professores e recuperar seu cubo mágico. Poxa! Era o último presente recebido de Saku! Uma lembrança muito querida! Seria descuido deixá-lo numa gaveta que qualquer um poderia abrir. Nem uma fechadura possuía.

O pior era que aquela sala era o lugar mais vigiado pelo zelador noturno, já que era lá que se dispunham os documentos de provas, matrículas, e pessoais dos professores. Esperou aproximadamente uns dez minutos para que o vigia se distanciasse o bastante para poder entrar dentro do recinto. Fechou a porta cuidadosamente, e não ligou a luz porque a claridade seria notada pelas frestas. Dispondo de uma lanterna, chegou à mesa de Akechi sem problemas, e abriu as gavetas afoitamente, a fim de encontrar logo seu brinquedo de infância.

A realidade da situação de súbito atingiu-o. Ali jaziam todos os pertences de Akechi! Imagine o quanto do professor poderia descobrir com o que havia guardado naquelas gavetas?

Tentava controlar sua ansiedade enquanto se sentava à cadeira do homem, embora fosse quase impossível. Na primeira, estava seu cubo mágico, uma enorme variedade de canetas e lápis, clips de papel jogados e três borrachas – não acreditava que o professor havia colocado seu cubo num lugar tão bagunçado! –. Na segunda, inúmeros blocos de papeis com anotações, seu diário de classe, algumas preparações para aulas e outros escritos aleatórios, como telefones e sites. A terceira era a única relativamente organizada, cujo anterior possuía apenas dois livros. Seus títulos prediletos, os conhecidos “de cabeceira”.

O de cima era Mar da Fertilidade, de Yukio Mishima. Lembrou-se das aulas sobre esse livro, sobre o quão bem ele explicitava a “realidade dos samurais e do significado de suas vidas” – palavras do próprio professor de literatura –. Ele, pessoalmente, não havia gostado muito da história. Mas clássicos eram clássicos.

E o de baixo era um de que qualquer um gostaria. Eu Sou Um Gato, de Natsume Soseki. Toda uma história sob o ponto de vista de um gato, que disseca da cabeça aos pés a sociedade japonesa à época, e toda sua hipocrisia e conflito de valores. Não resistiu, e pegou o exemplar para lhe dar uma folheada. Era lindo. Uma grossa capa de couro vermelho.

Antes que pudesse ler uma frase sequer, caiu um par de papeis coloridos tão logo virou a primeira página. Descansou o livro sobre a mesa e agachou-se para pegar o que quer que tenha sido do chão. Os papeis tinham forma irregular, como se tivessem sido amassados ou cortados, além de serem mais duros que um sulfite normal. Virou-os para visualizá-los melhor.

E choque foi sua primeira reação.

Fotos. Fotografias.

Uma de Hiroki e de Saku. Outra de si e de Saku. E outra.... Apenas de si.

Não entendia nada.

Uma foto de si? Por que uma foto de si?

Por que Saku guardaria uma foto de si?

Seu estômago embrulhou-se de ansiedade e angústia. Tudo em que acreditava até agora havia virado do avesso. E pela primeira vez, perguntou-se de verdade por que Saku havia se distanciado de si após a morte de seu irmão. Achava que era porque ele só era seu amigo por intermédio de Hiroki, e que sem ele, não havia mais essa necessidade. Que isso não fazia diferença em sua vida. Que não havia motivos para se relacionar com o otouto de novo anos de seu falecido amigo. Muito problemático.

Por que ele tem essa foto? Por que ele tem essa foto?

A última fotografia mais uma vez caiu no chão. Tremia demais para segurá-la devidamente.

Respire, Haruki. Se acalme. Se acalme. Se acalme. Se acalme. Repetiu o pensamento todas as vezes necessárias para que realmente se tranquilizasse. O professor que pensava não dar a mínima para si tinha uma foto sua dentro de seu livro predileto.

E não sabia se queria descobrir se aquilo possuía um significado ou não.

Se acalme, se acalme, se acalme.

Fechou o livro ainda trêmulo, mantendo consigo apenas a foto em que apenas ele estava. Colocou-a no bolso, certificando-se de que estaria bem guardado.

.

Pare com essa atuação, eu posso ver todas as suas

Fra-que-zas!

Um adulto que pouco a pouco se distancia

Você pode entender isso, certo?

.

Vocês gostam do seu professor? (Sim, sim, sim, sim, sim)

Não vou levantar a mão

Porque isso é só aparência

.

****

Saku sabia que alguma coisa estava errada quando Haruki não lhe havia provocado nem uma ver por três dias seguidos – sem contar o final de semana. O garoto dava-lhe olhares desconfiados e curiosos – inexistentes antes –, mas não lhe dirigia a palavra nem uma vez. E apenas falava em suas aulas quando lhe era solicitado, como durante as chamadas.

Ele começou a ficar preocupado de que o loiro havia... desistido de si. Dizia tanto que queria se distanciar do garoto e ali estava ele, implorando aos deuses – intimamente – para que isso não acontecesse.

No final, ele preferia aquela relação “nem preto nem branco” com Haruki que nunca mais vê-lo novamente.

Patético!

Por que, afinal, o estudante teria resolvido de uma hora pra outra desistir de si? Por simples cansaço? Fizera ele algo que o convenceu? Uma lição a mais? Suas provas? Algo que dissera? Talvez alguém o tivesse persuadido de... A garota! Miou Aida! Tinha certeza de que Haruki lhe contara de seu passado.

A malditazinha o fizera pensar que de nada valia correr atrás de si! (embora estivesse certa...).

Provavelmente era essa a menina que diziam ser apaixonada pelo loiro. Eles andavam sempre juntos. Sempre se ajudavam com tarefas e outros problemas. Sempre falavam um do outro. Sempre.

Sempre.

Sim, era ela.

Inspirou, expirou. Inspirou, expirou. Tinha que se acalmar. Realmente estava com ciúmes de uma aluna sua? Aonde havia ido a maturidade de que tanto dizia dispor?

O sinal do colégio bateu, indicando que a terceira aula encontrara seu fim. Agora lecionaria no 1ºB, turma de Haruki. Um dos momentos mais difíceis de se suportar. Uma vez pensara que ficaria muito grato se o Serizawa deixasse de desafiá-lo durante suas aulas, porém agora que ele o ignorava, entrar lá tornara-se ainda pior.

Deus, pessoas que não sabem o que querem eram muito egoístas.

.

“Professor, eu te odeio!

Nosso relacionamento é diferente de uma simples amizade”

“Ok, então, por maioria dos votos, você ganhou

Professor, você é excelente não é?

A tarefa que não entreguei

Irá me ajudar a resolvê-la, como nos velhos tempos?”

.

****

.

— Enomoto-san, você poderia ler a página 147? A partir do diálogo, por favor — Natsuki Enomoto prontamente aceitou o pedido do professor – não que fosse permitido negar. Ajeitando seu característico coque alto, folheou o livro na página desejada e despontou a ler

A primeira frase foi ditada, e o professor instantaneamente arrependeu-se de ter-lhe pedido para que o fizesse.

Aquele trecho! Escolhera justo aquele trecho! No momento em preparava a aula, não notou, mas... Francamente... Por que fora pedir o trecho cujo diálogo era o lamento de uma mulher pela perda do irmão?

A dicção da aluna era clara e expressiva. A mulher chorava sobre seu corpo e reclamava aos céus que trouxessem seu irmão de volta. Dizia do quão injusto era uma pessoa tão boa com seu irmão morrer. Clamava à buda, clamava aos deuses xintoístas por misericórdia. Que a levassem também, pelo menos. Mas clamava principalmente por vingança, contra as crias de oni que o haviam deixado morrer. Meu irmão, meu irmão, lamentava. E a mulher odiava. Odiava tudo e todos. Seu irmão, que lhe cuidava e protegia, que sacrificava-se pelo bem de outrem. Que respeitava. Que perdoava! Os desgraçados que o deixaram ferido sobre a neve para morrer...

A lembrança de Haruki chorando sobre o corpo de Hiroki não deixava sua mente, parecia colado em seus pensamentos. Aquela tortura nunca o deixaria? Teria de eternamente conviver com a morte de Hiroki? Ele gritava tal qual a mulher do livro, perguntando o sentido naquilo, pedindo para que o levasse junto....

Onii-chan! Onii-chan!

Dava-lhe ânsia lembrar dos gritos de Haruki. Sentia-se enojado – de si mesmo. Era tudo culpa sua.

— [...] Nunca os perdoarei! — a última frase teve muita veemência. Embora fosse mais ligada aos esportes, Natsuki Enomoto lia muito bem.

— Está bom... Enomoto-san. Obrigado.... — tentou controlar sua fremência o máximo que podia. Odiava lembrar daquelas coisas. Abriu seu caderno de aulas e comunicou — Agora, copiem as perguntas da lousa e a respondam. Vou me ausentar, mas será por apenas um par de minutos.

Caminhou pé ante pé em direção à porta, esforçando-se para não se demonstrar afobado ou nervoso. Foi de modo automático a um dos banheiros do andar, e antes que ponderasse sobre isso, trancou-se numa das cabines.

Escondeu a cabeça com as mãos, apoiadas sobre os joelhos. Eram pecados demais para se suportar. Pecados demais para esconder. Haruki. Haruki... Se um dia você souber o que aconteceu... Queria falar. Queria tanto! Queria porque estava prestes a perder integralmente a atenção do menor. E embora tivesse passado anos e anos sem vê-lo, agora que o havia reencontrado... Sentia como se deveria haver mais elos a compartilhar, mais coisas que os unissem a algo comum.

Como era egoísta. Aquilo era nojento!

Precisava fazer alguma coisa. Precisava suprimir as vontades que o dominavam desde a adolescência. Do contrário, o prejudicado seria Haruki.

Sempre Haruki.

Haruki sempre fora o centro de tudo.

Haruki sempre rondara sua mente e sempre se inseria nas discussões entre ele e Hiroki.

Haruki, a criança levada.

Haruki, o xodó de Hiroki.

O otouto de Hiroki.

O otouto de Hiroki.

Ah... Decidira-se. Haruki tomara a decisão certa em desistir de si. A culpa o consumia tanto que a convivência seria difícil, senão impossível. Não poderia mais desviar o caminho da vida do garoto. Haviam se reencontrado por acaso, e por um “acaso” separar-se-iam também. Decidira-se.

Sim! Decidira-se! Tomara coragem para fazer o que deveria no momento em que revira o garoto.

Pedir demissão.

.

*****

.

Quando Akechi voltou à classe, faltavam apenas cinco minutos para o término da aula, então já liberou os alunos para o curto intervalo entre um período e outro. Um grupo de pessoas imediatamente se reuniu em volta da mesa do Serizawa, desatando a conversar.

Isso levou o professor de literatura a um intenso e inesperado deja vù. Hiroki e ele eram igualzinhos nesse ponto. Sempre rodeados de amigos, amados por todos, nunca preocupados ou entristecidos. Pensando agora, Haruki era igual até nisso, não se entristecia ou desanimava facilmente.

A cena era nostálgica, não conseguia tirar seus olhos do menino.

Afinal, quando havia conseguido?

O loiro virou a cabeça e seus olhares se interceptaram. Pareceu-lhe um momento em câmera lenta. Sua expressão trouxe-lhe muita dor, era exatamente o jeito como Hiroki o olhava quando estava decepcionado. Era essa o último olhar que vira no rosto do amigo.

Abaixou a cabeça, um gesto muito incomum para um professor que se fazia de altivo na frente de todos.

Perdeu Hiroki uma vez, em sua morte.

E Haruki, estava prestes a duas vezes. A primeira, quando desaparecera da vista do menino, quando era criança, e a segunda... Seria em breve. Em breve.

.

Sempre está rodeado de amigos

Sempre rindo com alguém

Eu percebi que perseguia você por pura nostalgia

Sempre está rodeado de amigos

O número de coisas importantes cresceu mais e mais

Mas só quando algo se torna tão valioso, que se entende o medo de perder o calor...

.

Vocês gostam do seu professor? (Sim, sim, sim, sim, sim)

Ari ori haberi ima sokari

.

Vocês gostam da aula de literatura clássica? (Sim, sim, sim, sim, sim)

A pessoa que não levantou a mão

Fui eu, certo?

.

***

.

Uma semana depois

.

Saku Akechi, (quase) ex-professor de literatura do Colégio Preparatório Haniwa, ouviu alguém bater na porta da sala dos professores justo quando se ocupava em empacotar alguns de seus pertences – ou melhor, tudo o que podia deles.

— Pode entrar. — assegurou, sem nem olhar quem entrava, tomado demais pela caixa de papelão a sua frente. Provavelmente era o vigia noturno querendo se assegurar de quem ainda estava na escola, ou um aluno à deriva.

Nem o clic da porta contra o batente chamou-lhe a atenção, tendo-o feito apenas quando o visitante se pronunciou — Me contaram que você se demitiu, e que a partir do segundo trimestre já haverá alguém para te substituir.

Agora sim, Saku parou imediatamente o que fazia. Era Haruki. Falando consigo. Por quê? Justo ali, justo agora? O garoto já não havia se decidido?

— Pois é.... É o que parece.

O clima estava estranho. Aliás, Haruki estava estranho. Não viera ter consigo naquela típica atitude tempestuosa e presunçosa, exigindo-lhe “issos e aquilos”. Sem falar que nem havia ido direto ao assunto. Muito pelo contrário. Aproximou-se em passos vagarosos e se debruçou milimetricamente sobre a caixa de papelão no chão. — Tem certeza de que todos os seus jalecos vão caber nessa caixinha aí, Saku-onii-san?

— Não sou seu onii-san. — repetiu a frase que tantas vezes pronunciou.

Ao ouvir isso, um sorriso triste pintou-lhe o rosto. O moreno sentiu um agouro em seu peito, e antes que pudesse lhe perguntar o que ocorria, Haruki já o havia dito — Então... Por que mantém isso?

Uma foto em mau estado chegou a uma de suas mãos. Nela havia Haruki no auge de seus oito anos, com um sorriso de orelha a orelha e segurando um besouro que acabara de caçar.

Não...

Como havia conseguido aquilo?! Como?!

Gostaria de poder descrever exatamente o que Saku sentiu nesse momento, mas é algo complicado de se fazer. Foi um misto tão grande de pensamentos e ideias que a única coisa que poderia precedê-lo é o branco. O branco total. Simples. Não conseguia pensar em nada. Haruki poderia jurar que o professor ficou olhando a fotografia por dois minutos sem se mover ou mudar o foco da visão.

E então, veio o medo. Medo do que aconteceria. Porque o loiro descobrira que ele e o irmão eram tão importantes para si quanto anos atrás. E o quê? O que significava? O que ele quereria saber agora? O que ele pensava de si agora?

A segunda coisa foi a raiva. O tipo de raiva explosiva pela qual o garoto era conhecido. Por descobrir seu segredo – um dos, pois a lista era extensa –, por xeretar em seus pertences e roubar-lhe algo precioso, por não falar consigo quase duas semanas e depois jogar-lhe essa bomba, por Haruki ser... Haruki.

— Você mexeu nas minhas coisas! — as faces se avermelharam e antes que recobrasse a sanidade já tinha puxado o garoto pela gola e caído sobre ele no chão — Quem te permitiu que fizesse isso?! Que direito você tem de mexer nas minhas coisas?! Por que você fez isso?!

O peso superior do professor impedia o garoto de respirar, e a proximidade inicialmente o assustou. A última coisa que imaginou seria essa reação. O homem era tão controlado que era difícil até imaginar que sentisse com tal intensidade.

Apenas quando suas cordas vocais pareciam gastas demais, Akechi parou de esbravejar inconsistência, remanescendo apenas sua respiração morna e pesada contra o maxilar do loiro, que, por sua vez, virou calmamente o rosto para ficar cara a cara com o homem enfurecido.

Sensei, você vai me contar o sentido dessa foto?

Estacou. O garoto ignorara-lhe completamente!

Pensou em gritar-lhe tudo novamente, mas a resposta de Haruki transtornou-o tanto que a raiva desapareceu na medida em que veio: de repente.

Falar? O que Haruki queria que falasse? Que se não fosse por uma briga Hiroki ainda estaria vivo? Que se considerava um tarado por muito ter feito em função do otouto do amigo?

O menor deslizou de de baixo de seu corpo, apenas o suficiente para poder sentar-se. Ambos se encararam, um parecendo esperar o outro falar algo. Falar? Falar.

Haruki queria que falasse.

Oh, ele se arrependeria.

Falar seria um desrespeito à vontade de Hiroki.

Deus! Um desrespeito às leis japonesas!

Falar?

Não. Ele não poderia falar. Haruki não queria dizer aquilo realmente.

E de que adiantaria? Poderiam passar-se mil anos e sua culpa nunca diminuiria. Sua relação com Haruki nunca mudaria – não que devesse. E nunca poderiam voltar ao que um dia foram.

A vida não era uma história de amor, afinal. Fantasias aluno-professor não se realizavam como nas mentes perturbadas de histórias criadas por algumas de suas alunas.

— Fale. — pronunciou-se num tom de ordem.

Fale!

Fale!

Aquilo realmente tentava-o. Ele queria falar.

Fale!

Sensei... Depois que descobri essa foto, me confundi todo. Porque pensei que se afastava de mim simplesmente por não querer a responsabilidade que tinha antes. Precisava de um tempo pra pensar — pausa. Suspiro. — Conversei com uma amiga e... Sabe o que ela disse? Pra que te perguntasse. Parece simples não? — Amiga? Aquela Miou Aida? Então ela não o tinha indiciado a abdicar de si? — Embora eu soiba que não é assim. Que você não ia querer. — aonde o loiro queria chegar com aquela conversa? — Sensei, eu sei que tem alguma coisa te afligindo, talvez desde a morte do Hiroki-onii-chan. Na verdade, não sei como não dei mais atenção a isso antes. — por que apenas agora havia dado para chamá-lo de sensei? — Por que não me fala? Podemos resolver esse problema juntos.

— Porque eu não poss-... — Tampou a boca, mas havia sido lento demais. A resposta pulara sozinha de sua boca. Merda!

— Não pode?! Por que não?! Onii-san, eu não estou entenden-... — a exaltação foi tanta que se esqueceu de provocá-lo chamando-o de “sensei”.

— Porque-! — a pressão de Haruki estava-o deixando ansioso, sentia-se sem escapatória. Conhecia o menino, ele não descansaria até saber a verdade. Tinha medo, porque ele sempre lograva seu intento. Tratou de se acalmar – inspirou, expirou – se se deixasse levar pelas vontades do garoto, sem nem perceber seus segredos acabariam escapando-lhe pelos lábios — Haruki... — inspirou, expirou. Mais uma vez — Haruki... — E essa será a única coisa que arrancará de mim — Eu não suportaria ver você me odiar.

— Odiar? O que quer dizer?

Saku pegou sua bolsa, chutando as caixas de papelão para de baixo da mesa. Terminaria de arrumar aquilo amanhã. Nunca conseguiria fazer seu aluno sair dali antes de si. — Agora, adeus. Nos vemos amanhã.

.

Mil anos, e nada mudou. É apenas um ciclo interminável de ida e volta

Por que não vamos para o final da fila, e esperamos nossa vez?

Professor, porque você me odeia?

Nosso relacionamento é diferente de um simples professor para aluno!

Então, por maioria dos votos, você perdeu

.

Nunca chegou a alcançar a porta. Haruki já havia colado-se a suas costas e abraçado-lhe tão firmemente que não poderia dar mais nenhum passo sem ser trazido de volta. — Saku-onii-san! Você precisa! Acha mesmo que o onii-chan gostaria que carregasse esse peso nos ombros por tantos anos?! — o tom de voz diminuiu, inversamente proporcional ao aperto do abraço — Como eu poderia te odiar? Não há nada no mundo capaz disso... — o moreno sentiu o rosto mais enterrado entre suas omoplatas, o calor da respiração parecia se alastrar por toda a sua coluna. Aquilo o estava matando.

Não sabia se ele se utilizava daquela abordagem de propósito, mas que funcionava, funcionava mesmo. O irmão de Hiroki abraçando-o? Eram os momentos pelos quais mais esperava quando adolescente. E hoje em dia também.

Aguente. Aguente.

Tentou se livrar dos braços mais finos. Debateu-se uma vez, duas, três. O loiro sempre fora forte assim? — Me solte, Haruki!

O primeiro pensamento de Haruki foi apontar que Saku finalmente o havia chamado pelo primeiro nome, porém não o faria. Não! Isso levaria dispersão do assunto, e não era isso o que queria. — Não! Você está sendo egoísta, onii-san! Eu mereço saber! — o retorcimento de seus movimentos cessou. Saku refletiu. Era... Era verdade. Ele escondia algo que Haruki merecia saber.

Uma frieza racional dominou-o. Haruki merecia saber. E ele queria falar. Em um par de semanas deixaria o Colégio Preparatório Haniwa e nunca mais veria o garoto. Não teria que lidar com sua repulsa, nem com o peso que ele carregaria. Ponderou sobre qual seria a decisão mais egoísta. Negar a verdade a Haruki, ou livrar um peso de seus ombros e viver como se estivesse alheio de seu passado e sentimentos?

Decidiu que não importava.

Virou-se de frente ao menor. Mirou-o bem nos olhos, vendo tanta determinação e teimosia que seu coração falhou uma batida. Aquele era Haruki. — Hein? Não mereço, pelo menos, por que a pessoa mais importante pra mim me rejeito por tanto tempo?

O termo “importante” acendeu uma faísca de orgulho e expectativa que o professor sabia ser reprovável. Ignorando tal noção, aproximou os corpos puxando-o pelos cabelos da nuca e inclinando-lhe a cabeça pela nuca. Não fez o mesmo com os rostos porque seria tentação demais. — Importante? Você não sabe o que fala.

— Eu sei muito bem o que falo. — retrucou. A certeza que exprimia era tanta que Akechi quis acreditar nisso mesmo. A ordem que se seguiu foi definitiva. O processo que invertia toda a sua preocupação anterior em pura inconsequência concluiu-se – por completo. Era mais como se estivesse congelado, num torpor que o impedia de ver adiante.

— Eu tinha brigado com Hiroki. No dia de sua morte, digo. — Akechi ouviu o som de sua voz mais claramente do que nunca em sua vida. O eco era imenso. Muito mais alto que a extremamente próxima respiração de Haruki. — Como bem sabe... Ele morreu numa viagem à praia que fizemos durante a Golden Week. Eu estava na água com ele antes. Digo, antes de ele... se afogar. Brigamos. E o deixei lá. As ondas estavam fortes naquele dia e eu esqueci que ele não sabia nadar...

O Serizawa respirou fundo. A única informação nova era a de que haviam discutido. Ok. Por enquanto, pouco significava. Observou bem seu professor, mordia levemente o interior dos lábios. Tinha ciência de que deveria ser doloroso para ele reviver esses momentos. — Brigaram? Pelo quê?

— Você.

— O quê?!

Saku soltou-o instantaneamente, e nesse segundo arrependeu-se de ser tão disparatado. Apenas surpreendera-se pela resposta. Por si? Por que brigariam por si? Não conseguia imaginar motivos que os levassem a tal.

O professor mais nada disse. A pergunta incrédula fez renascer a pontada de dúvida da qual antes dispunha. A íntegra inconsequência sumiu no passo em que viera. Na mesma frieza

Fizera mesmo a decisão correta?

— D-Desculpe, onii-san. Eu não quis te assustar, eu... O que faria vocês discutirem sobre mim?

— Eu gostava muito de você, Haruki. Você deveria saber. — afastou-se mais ainda dele e retornou a sentar-se em sua cadeira. Olhou os próprios joelhos – porque lhe revelar aquilo mirando-o nos olhos seria muito humilhante — Eu trazia-lhe doces e brinquedos todas as vezes. Eu que brincava com você e o ajudava nas tarefas. Você tomava mais banhos comigo que com Hiroki. Eu fazia o jantar quando seus pais voltavam tarde. Eu praticamente vivia naquela casa.

— Sim. Porque nii-chan não gostava de fazer nada disso.

— Não, porque antes que ele tivesse a chance, eu já havia tomado seu lugar. No banheiro, na cozinha, no seu quarto. Eu estava fazendo seu papel. — silêncio. Haruki lembrou, ponderou, percebeu: Deus, era verdade. Não havia como desmentir, e por isso, mais trêmulo ainda, o outro continuou — Eu te amava demais, Haruki. Qualquer desejo seu eu sanaria. — ainda hoje. — Talvez, inconscientemente, eu quisesse substituir o Hiroki. Era isso que ele achava... Talvez? Talvez, não, desculpe. Provavelmente. Já cheguei até a desejar que ele não existisse – o que é algo completamente inconsistente — inspirou, expirou, e de novo, e de novo. Não conseguia decifrar a expressão do menor, ele fitava-o com as profundas írises carameladas cujas pupilas quase escondiam-lhe a cor. Prestava muita atenção. Apenas isso poderia dizer.

Sentia como se piche sólido fosse expelido por sua garganta. A cada letra vocalizada, a cada frase que terminava. Hiroki devia estar se revirando no túmulo agora – embora tivesse sido cremado — Distorcido, não? O que eu sentia por você não era nem motivo deveria ter, Haruki. Deus! Hiroki era meu melhor amigo, e você, apenas seu otouto. Apenas. Ou deveria ser. Algo assim. — poucas foram as vezes em que sua vista se ergueu, portanto, não pode ver o loiro aproximar-se de si pouco a pouco. — Então, naquele dia, na praia, ele tocou no assunto. Me falou tudo na lata mesmo. Que tinha ciúmes de mim, que eu era mais próximo de você que ele próprio e que estava tentando roubar seu lugar de aniki. Respondi-lhe que não, que estava louco. Um irmão é um irmão, certo? Ficamos um bom tempo retaliando um ao outro, sem dar o braço a torcer. Ele estava ganhando. Então ele disse que se eu não o queria como um irmão, o queria pra “outra coisa” — Haruki, enfim perto o suficiente, enleou seus finos dedos entre as mechas do cabelo negro e suado, grosso e macio. O dono delas assustou-se, virando-lhe o rosto. Os sentimentos denotados naqueles orbes não se distinguiam muito do embaraço e do receio. Ou melhor – vergonha e pavor. Não perdeu um segundo com ponderações infrutíferas: colou seu rosto em seu peito, com braços que o aprisionavam pelo pescoço.

Se era um pouco perturbado? Era. Era, sim. Mas de uma maneira tão terna que apenas o fazia se apaixonar mais e mais. E além do mais, quem era para julgar os desejos dos outros? Pois se não era ele próprio que se masturbara tantas vezes pensando no homem a sua frente?

Perturbado?

Ele também era perturbado.

Ainda mais agora, tendo ciência de suas chances com o homem. Sentia-se ótimo tendo-o em seus braços, respirando em seu estômago, enquanto ouvia sua confissão. Era como se fosse a pessoa mais especial do mundo, o único com tal privilégio. Conhecer a alma da pessoa que ama. A quantos lhes era concedida essa oportunidade?

— Eu não o acho louco, nem doente... — percebeu o ofegar alto que soltara, e outro, e outro, cada vez mais rápido e mais frequente. Sua apreensão crescia. Talvez achasse que havia mentido. Puxou-lhe alguns fios, intensificou o aperto sobre seu pescoço. Parou. — Fale. Pode falar. Sério. Fale. Isso é um grande peso caindo dos seus ombros, não é? Imagino que sim. Fale, onii-san.

— Haruki.. P-por favor — implorou, com uma voz embargada delatora do pranto que estavam por vir. — Não me chame de onii-san. Eu nunca serei seu onii-san. Nunca, ninguém deveria tomar o lugar e Hiroki. Quando fiquei tão bravo que decidi sair da água, ele ficou sozinho lá, por pura teimosia também. Bem depois percebi que ele não voltava e que era impossível de vê-lo por entre a altura das ondas, entrei imediatamente no mar. Eu o encontrei, tentei de tudo para fazê-lo acordar, mas ele havia batido a cabeça numa pedra e...

— Shhh... Não precisa dizer. Eu sei o que aconteceu depois. — tratou de tranquilizar. A essa altura, ele já o abraçava de volta e tão forte quanto. As lágrimas finalmente despencaram. Haruki soube quando sentiu seu uniforme úmido. Haruki. Haruki...

— Q-Quando o vi deitado na maca, lá no hospital, com o manto branco sobre ele e você chorando sobre seu corpo, eu... — Saku desenterrou o rosto, erguendo-o para cima, em direção ao seu. Os olhos vermelhos e inchados o assustaram, tão triste era sua expressão. Nunca o havia visto de forma tão deplorável, tão... Digno de pena. — ... Eu juro. Daria tudo para estar em seu lugar. Nada poderia substituir Hiroki, ninguém. Um irmão será sempre um irmão. — Haruki sentiu seu pomo de adão subir e descer pela deglutição sobre seu estômago. Tentava deglutir a própria comoção. Um prazer indecente nasceu nesse mesmo lugar, não por vê-lo sofrendo e se culpando, mas pela certeza de sua ligação. Emoções daquele calibre não poderiam ser esquecidas, ignoradas, ou dissociadas da rotina. — Ver você triste, Haruki, chorando tanto que chegava a gritar... Só deus sabe o calhorda que senti que era. Eu nunca me perdoaria. Por não ter podido salvar seu irmão, por roubar seu lugar. — pensou que a confissão finalmente chegara a seu fim, e quando abriu a boca para se pronunciar, houve mais — Então, eu fiz questão de desaparecer da sua vida. Se as coisas continuassem da mesma forma sabia que você chegaria a me considerar seu próprio irmão. Você até já me chamava de onii-san. Seria preciso pouco tempo. Concretizar o maior medo de Hiroki, digo. Eu não poderia me tornar seu outro irmão, Haruki. Por isso... Por favor, não me chame de onii-san. Não é isso o que mereço, nem o que quero.

O pranto cessava, e Saku estava agradecido por isso. O loiro descobriu que ele finalmente terminou, e que agora era sua vez de falar — Não quer ser meu onii-san? Então, o que você quer, sensei? “Outra coisa”, como Hiroki-nii-chan disse? — questionou, almejando não parecer direto demais. Queria saber. Queria saber se possuía apenas a chance ou a possibilidade imediata da afeição do professor.

— Desde aquela época? Não. Duvido muito. Não me sentia assim. Mas à medida que te imaginava crescendo eu... Eu não sei, eu... Antes que notasse... Haruki. — a posição inicial foi repetida. O abraço, o rosto enterrado em seu uniforme. Mais uma vez (e outra, e outra...), Saku sentia-se culpado pelo que sentia. — Haruki, me desculpe. Eu sei que isso é... Repugnante. Meu apego a você não diminuía com o passar dos anos e... Simplesmente não pude evitar.

— Não há o que evitar, sensei. Você não fez nada de errado. Hiro-nii-chan não morreu porque você “o deixou na água sozinho” – ele já tinha dezoito anos! –, e nem ocupou seu lugar como irmão porque eu nunca o vi como um substituto. Se tínhamos uma intimidade fraternal, isso não é bom? Você sabe como nii-chan conseguia ser infantil às vezes. Algo que ele falou da boca pra fora acabou tornando-se um grande fardo pra você. — acarinhou o coro cabeludo de cima para baixo, tal qual uma mãe tranquilizando o filho. — Pode ter certeza que a última visão que tenho de você é a de um irmão mais velho. — Meu afeto por você tampouco diminuiu. Eu pensava todo dia em você, sabia? Nunca imaginei que viraria professor. Eu fiquei muito feliz quando te reencontrei!

Saku riu suavemente. Saku riu! Há quanto tempo não via seu sorriso?! Que aluno já o havia visto? Ou até professor?! Teve a vontade de escondê-lo de todos, para que só ele visse essa bela cena — Quando te reencontrei, fiquei entre a felicidade e apreensão. Não saberia como me controlar com você por perto.

Haruki se enterneceu. Julgou que aquele era o momento para sua proposta final. — Sensei, não acha que já está na hora de começar a se perdoar? Não dá pra viver o resto de sua vida assim, certo? — não tinha pretensões de mudar a autoestima do homem de uma hora pra outra, não viviam num filme de romance. Sete anos culpando-se pela morte de alguém não sanam com uma conversa esclarecedora e sentimentos em ressonância.

— Não me chame de sensei. Também não quero que pense em mim assim.

— Você está mudando de assunto, Saku — pronto! Esse nome serviria então.... Revirou os olhos. Mas pelo menos falou o que realmente pensa. É um progresso.

— Haruki, não sei se consi-... — Interrompeu-o duas mãos batendo contra suas bochechas. Ouch! Doera bastante. Aquilo ficaria avermelhado depois.

— Vai conseguir, sim! Você é idiota?! Pra começo de conversa, você acha mesmo que Hiroki-nii-chan ficaria feliz em te ver assim?! Desrespeito é se culpar pela morte de alguém que te amava tanto! A culpa não foi sua, Saku.

Ah, agora ele parecia ter atingido sua consciência! Afinal, aquele argumento era muito coeso.

— E então? O que me diz? Podemos trabalhar em prol disso a partir de então? Sem mais me ignorar? Sem mais inventar desculpas quando sua família inteira passa o ano novo com a minha? — porque ambas eram amicíssimas há anos — E sem se enterrar no trabalho, ok? É típico seu.

Saku apaixonou-se mais uma vez pelo garoto. Podia fazê-lo mais mil vezes sem se cansar. Quanto mais pensava nisso, mas concluía, numa euforia desnecessária, que realmente estava apaixonado por seu aluno. Um garoto 10 anos mais novo que si cuja infantilidade era madura e a maturidade infantil. Ora era um, ora era outro. Abraçou-o pela milésima vez na noite, ainda numa posição que colocava Haruki acima de si. Sentindo o aroma de seu uniforme e inalando-o profundamente, pensou Haruki tantas vezes que já não sabia se vocalizava o pensamento ou se o mantinha para si. — Ok, tentaremos.

Por Haruki estava disposto a tentar, a acreditar no que ele lhe dizia

— Faremos isso juntos, então. — tomando coragem para concretizar sua maior fantasia, Haruki abaixou um pouco a cabeça e beijou o professor. Óbvio que a iniciativa não viria do outro, duvidava que ele já se sentisse autorizado – pelo mundo? – a aproximar-se de si.

O beijo foi lento e cálido. Representando muito mais a confiança que acabara de nascer que o amor entre os dois propriamente dito. Do segundo, Akechi participou mais. Línguas e dentes foram adicionados. Poucos minutos e as roupas já se amassavam e o calor já alastrava por seus corpos. O moreno descia a mão pelas costas do garoto quando uma ideia acometeu-lhe a mente e se reteve — Se Hiroki visse isso ficaria tão furioso...

O loiro revirou os olhos. Hiroki isso, Hiroki aquilo... Mas depois achou graça. — Não. Ele ia ficar com ciúmes de ambos os lados no começo e depois se convenceria de que se estivéssemos com alguém diferente ainda não seria o ideal. Era exatamente assim que ele era.

A resposta simples impressionou-o. Talvez, se o menor estivesse ao seu lado antes, tudo já estivesse resolvido a essas alturas.

Dessa vez, decidiu que seria ele quem começaria o próximo beijo.

.

Professor, lembre-se

As distorções do seu coração que você não apresentou

Você quer resolvê-las comigo?

Seja bem-vindo, iremos rir novamente

Como nos velhos tempos

.

***

.

O sol se infiltrava no pequeno quarto pelas frestas da persiana. Para o professor de literatura do Colégio Preparatório Haniwa, ainda era muito cedo da manhã para abrir os olhos e começar o dia, mas para um estudante colegial como qualquer outro, meados das seis da manhã era o momento perfeito para fazê-lo.

E era exatamente essa a ação da qual Haruki se ocupava nesse momento. Acabava de sair do banho, apressando-se pelo seu telefone que tocava sem parar. Apenas de toalha, e em passos leves para não acordar seu professor ainda adormecido, alcançou seu aparelho sem maiores problemas, salvo algumas tropeçadas em roupas e lençóis espalhados pelo chão — Alô?

Menino? Onde você se meteu essa noite toda? Faz ideia do quanto eu e seu pai ficamos preocupados?! Mas você está de castigo uma semana — óbvio que seria sua mãe. Quem mais poderia ser a essa hora da manhã? Claro, não lhe tirava a razão, passara a noite fora de casa sem um mínimo aviso e apostava que a senhora estaria subindo pelas paredes. Ainda mais que um de seus filhos já havia morrido. Provavelmente o celular tocara na noite anterior também, mas...

— Calma, okaa-san! Desculpa! Eu fui estudar na casa do Saku-onii-san e acabei dormindo aqui sem perceber. Esqueci de avisar. — A simples menção de Saku pareceu deixá-la eufórica. Não a culpava, há tempos ela se preocupava com a falta de contado do homem com o resto da família.

Tendo resolvido o assunto com sua mãe – com a mentira mais bem contada de sua vida –, tratou de se vestir com o uniforme do dia anterior, graças a deus não se haviam sujado, porque teria de se virar com aquilo. Recolheu as roupas do mais velho espelhadas pelo chão colocando-as na roupa suja. Logo, fez uso de sua cozinha para tomar café-da-manhã, e antes de deixar a casa, voltou ao quarto para avisar seu sensei.

Sentou-se à beirada da cama, e chacoalhou levemente o ombro do homem — Saku, Saku, já estou indo pra escola, ok? — o professor não acordou. Lembrou-se com divertimento de sua infância. Era a mesma dificuldade para acordá-lo. Repetiu tudo de novo, e alguma reação se fez mostrar.

— Ok... — ou talvez não. Ele ainda estava meio dormido. Riu de novo. Deixa pra lá. — deu-lhe um terno beijo na bochecha amassada pelo travesseiro.

— Tchau. — Era ótima a sensação de falar “tchau” e não “adeus”.

Atravessou todo o apartamento, e quando estava para abrir a porta, pesadas e apressadas passadas foram ouvidas de trás de si. Era o professor de literatura com o cabelo todo desarrumado e vestido apenas com uma cueca, a voz grogue não estava muito melhor. Aproximou-se do loiro — Desculpe não ter acordado.

Ele riu — Tudo bem, sua primeira aula é apenas no quinto período, não é, sensei? — provocou-o com o vocativo, cuja resposta foi uma careta mal disfarçada.

— Exatamente. Mas foi melhor eu ter acordado mais cedo mesmo. Ainda vou lavar os lençóis.

A gargalhada do loiro foi imediata. E o viu perceber a graça no que dissera. Ele teria de lavar os lençóis muito frequentemente dali em diante!

Haruki, enfim, deu-lhe um beijo no maxilar enquanto abria a porta. — Então... Vemo-nos após as aulas, Saku. — e fechou-a, deixando o professor do outro lado.

Deus¸ poderia muito bem se acostumar ao garoto chamando-o pelo primeiro nome.


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Notas finais do capítulo

Sim, foi um final meio "inconclusivo". Achei que ficaria mais próprio porque... Né.

VOCABULÁRIO E EXPLICAÇÕES CONTEXTUAIS
. chan - apelido "carinhoso" a meninas.
. kun - apelido "carinhoso" a meninos.
. onii/nii-san/aniki - irmão mais velho
. onii-san VS onii-chan - na prática, o -chan seria mais íntimo que -san. Haruki, quando criança, escolheu chamar Hiroki por -chan e Saku por -san porque um era o irmão de sangue mesmo e o outro acabou "virando"
. No Japão é normal parentes e amigos (ou até conhecidos) tomarem banho juntos. Não vão pensando shotaconzisse (vulgo pedofilia disfarçada), migos.
. otouto - irmão mais novo
. senpai - alguém que é "veterano"/mais experiente que você em alguma coisa, podendo ser trabalho, escola, etc.
. okaa-san - mãe
. oni - youkai (geralmente maléfico) da religião xintoísta
. Natsume Soseki é um escritor que, aqui no Brasil, foi alcunhado de "Machado de Assis japonês", por suas semelhanças na escrita (dãã). "Eu Sou Um Gato" é considerado sua obra prima e você vê toda hora uma referência a ele por aí.
.

Se puderem, por favor, comentem.
@MexericaBlue



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