Percebo outra vez que estou divagando. As caixas ainda se encontram abertas e espalhadas pelo quarto. Levanto-me da cama e continuo a encaixotar as roupas e os objetos. Os móveis ficarão com o apartamento juntando poeira com o tempo.

Vou para a cozinha, onde tudo já está encaixotado. Fecho cada armário, lembrando de cada coisa que estava guardada. Não é tão fácil desapegar de um lugar conquistado tão dificilmente, uma vida construída com a ajuda de tantas pessoas…

Volto para o quarto, perdida em pensamentos. A maior parte das gavetas já se encontram vazias. Tiro a última peça de roupa de uma e meus dedos esbarram na abertura de um fundo falso de que eu havia esquecido. Curiosa, retiro o fundo e olho o que ele esconde.

Entre outras coisas, uma caixa. Ainda sem lembrar do conteúdo, retiro-a e me sento na cama. Um caderno, alguns envelopes, bilhetes e outros pequenos objetos. Com um sorriso nos lábios, inicio pelo caderno.

Caderno não, um álbum de fotografias. Duas pessoas sorrindo timidamente sentadas nessa mesma cama. As mesmas duas pessoas em uma praça, cada uma com um sorvete. Duas pessoas, um casal. Lembro-me dele com lágrimas nos olhos e continuo vendo as fotos. Com a família dele. Com a família dela. Com os amigos. Em um casamento. Em diversas viagens. Comemorando cada conquista…

E o motivo da mudança. Um hospital. Ele na cama, pálido. Ela tentando ser forte. Não há muitas fotos desse período, apesar da nossa paixão por fotografias. Uma coisa cai no meu colo. Uma pétala de rosa colocada par secar. Limpo as lágrimas, deixo o álbum na cama e pego os envelopes.

Todas as cartas trocadas, desde antes do início do relacionamento. Mesmo após começarmos a morar juntos, nunca paramos de trocar cartas. Nem mesmo quando ele se encontrava no hospial. Uma a um, leio todas, recordando os momentos que passamos juntos, os bons e os ruins.

Terminada a leitura, volto a verificar o conteúdo da caixa. Alguns presentes dados e recebidos. Chaveiros, relógios, jóias, um bloco de anotações nunca usado, CD’s e DVD’s, entre várias outras coisas, algumas ainda na embalagem.

Fico pensando em como todas essas coisas foram parar ali. Não me recordo nem de ter colocado tudo em uma caixa, muito menos de ter escondido sob o fundo falso de uma gaveta. Lembro-me apenas que algumas coisas sumiram após um certo tempo depois de tudo o que aconteceu.

Meu olhar recai sob um DVD não identificado. Curiosa, coloco-o no aparelho e ligo a TV. Sento-me na cama, sem nem imaginar do que se trata. Respiro fundo e inicio o filme.

Ele e ela, na cozinha do apartamento com outros amigos e um pedido de namoro. O aniversário dele, depois o dela. Um ano de namoro. Vários outros pequenos vídeos de uma rotina atualmente esquecida. Tento inutilmente não chorar conforme o vídeo continua e as lembranças vão surgindo.

E um vídeo sobre o qual eu não tinha conhecimento. Ele no hospital, provavelmente já sabendo que seus dias estão chegando ao fim. Ele sorri, apesar da palidez e dos olhos vermelhos. Começa fazendo piadas como sempre, rindo apesar de todos os problemas.

“Falando sério agora, minha pequena. Se você está vendo esse vídeo é porque já tive meu fim. Não, não chore. Nem pare o vídeo. Ainda não. Não sei quanto tempo já se passou. Tenho duas hipóteses sobre como encontrou o DVD: ou resolveu fazer uma big faxina em casa ou está se mudando. Se eu acertei, você está sorrindo neste momento. Continue sorrindo, ainda não é para você chorar.

Sabe, eu tinha planos para fazermos mais uma viagem inesquecível antes de ser preso. Não vou dizer para onde iríamos. Vou dizer o que íamos fazer lá. Dessa vez eu faria questão de ficar no melhor hotel da cidade. Frequentaríamos algumas festas, baladas e afins. Mais ou menos no meio da viagem iria te levar para jantar em um restaurante simples. Ia pedir para todo mundo prestar atenção em nós dois e ia fazer uma linda declaração de amor improvisada e ia rir enquanto você ficava cada vez mais vermelha e sem graça. Depois ia colocar uma caixinha na mesa com um presente para você. Eu já compre por sinal. É uma caixinha preta, está junto com o DVD. Agora você pode parar o vídeo e até chorar um pouco”

Paro o vídeo e procuro a caixinha. Encontro-a em meio a outros pequenos objetos. Tento não chorar enquanto a abro. Um anel, lindo, com um bilhete na tampa da caixa. “Isso não vai ser possível, mas quero que fique com o anel”. As lágrimas escorrem sem que eu consiga conte-las. Respiro fundo e volto a assistir à mensagem. Ele está com a caixinha na mão e a abre.

“Encontrou? Se sim, seque as lágrimas e presta atenção. Eu pretendia sim te pedir em casamento, mas com os últimos acontecimentos isso não é importante. Não quero que fique presa a mim. Com certeza por pelo menos dois anos você não vai se envolver com ninguém. Mas depois você deve seguir em frente, encontrar alguém e construir a família que você tanto deseja. Estou te dando o anel apenas porque ele foi comprado para você. Pode até usá-lo, mas isso não deve te atrapalhar.

Seja forte. Não pare a sua vida só porque eu me fui. Saia, conheça pessoas novas, volte a trabalhar, continue estudando. Se quiser se mudar, mude. Viaje bastante, tire muitas fotos, crie novas lembranças. Vou estar o tempo todo contigo.

Eu te amo, minha garota, e sinto muito que tenha que acabar assim. Obrigado por fazer desses quatro anos os melhores da minha vida. Sei que está chorando e, acredite, eu queria muito estar aí para secar suas lágrimas. Não tente se desfazer das nossas lembranças, pois será inútil, aprenda a conviver com ela. Não compare seus momentos com os nossos, serão bem diferentes. Acho que é isso. Te amo.”

Fico encarando a TV por alguns instantes. Retiro o DVD do aparelho, deligo tudo e recoloco as coisas na caixa. O anel permanece em meu dedo. Limpo as lágrimas e sorrio. Ele está certo. A vida continua. Termino de encaixotar tudo e saio em busca de uma nova vida.