Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 26
Transcendência




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/606609/chapter/26

No final da tarde a chuva já havia cessado. Elly estava sozinha e acordada, dentro da tenda, presa em seus próprios pensamentos.

Assim que acordou, viu Amber e Leena se abrigando do clima que tinha mudado repentinamente naquela manhã.  Estava usando um vestido cor fúcsia, de modelo idêntico ao das outras duas meninas, que logo a fez pensar em uma família cuja a mãe gostava de combinar as roupas das filhas. Na noite anterior, não tinha tido oportunidade de analisar os trajes e, mesmo que tivesse, não iria reclamar do presente.

Contou para Leena sobre a conversa que teve com sua mãe e do acordo que tinham feito. A irmã ainda estava preocupada com o risco que Farrah corria na prisão, mas imaginava que a mãe não queria que Elly se esforçasse tanto para entrar em contato com ela. Nas condições que se encontravam, as irmãs ficavam felizes de, pelo menos, possuírem algum meio de falar com alguém da família.

Amber, no entanto, surpreendeu-se quando Elly disse que tinha um recado para ela. Relatou seu encontro com Tyler e que ele havia dito que pretendia resgatá-la. Um sorriso bobo e desacreditado preencheu a face da arqueira e, naquele instante, ela compreendeu a satisfação das duas meninas ao ter notícias de alguém próximo. Não era ninguém da sua família mas havia passado tempo o suficiente com ele pra nutrir alguma consideração.

As três passaram o início daquela tarde chuvosa falando sobre diversos assuntos e comendo algumas frutas que Amber havia lembrado de pegar antes de retornar à tenda. Era a primeira vez que elas tinham tempo para discutir assuntos que não fossem relacionados a como tinham chegado em Yor'Em. Era uma conversa despretensiosa, onde trocavam experiências e conheciam mais uma das outras.

Isso tudo logo encontrou um fim assim que a chuva estiou. Amber alegou que precisava colocar todo o tempo que tinha praticando suas habilidades para quando fosse necessário utilizá-las. Leena aderiu à ideia e resolveu acompanhar a garota no treino. Elly, apesar de ter sido convidada a juntar-se a elas, preferiu permanecer onde estava.

Apesar de não gostar, ficar sozinha era algo que ela já estava acostumada dada a natureza de seus poderes. Além disso, tinha conhecimento que sua habilidades não tinham relevância em combate e, saber que não teria utilidade quando fossem resgatar sua mãe, deixava-a incomodada e frustrada.

Pensou em andar para averiguar a aldeia em que se encontrava e fornecer mais detalhes para seu irmão quando o contatasse novamente. Achava que era uma boa ideia e que isso era o mínimo que podia fazer para sentir-se útil. Provavelmente teria o feito se não tivesse recebido um visitante naquela tenda.

— Olá, pequena Elly. - disse um senhor que ela não reconhecia. - Sou Gene, líder espiritual daqui de Yor'Em.

A menina relaxou quando ele disse o nome. Leena e Amber haviam comentado sobre o encontro delas com Eugene durante a conversa da tarde mas, ainda assim, ela estranhou ele ter aparecido para falar com ela.

— Fui informado que alguém aqui sentia-se solitária e precisava conversar. - explicou.

— Quem te falou isso? - Elly só conseguia pensar em Leena, mas não imaginava que a irmã sabia disso.

— Boa pergunta, mocinha. Foi ela!

Uma luz tomou conta do lugar e no ombro de Eugene tomou forma um falcão de plumagens brancas e acinzentadas.  A ave adotava uma postura serena e olhava fixamente para Elly.

— Mas como? Por que? - a menina não estava entendendo.

— Acho que seu espírito guardião está um pouco preocupado com você. Preocupado o bastante para pedir que eu viesse falar com você.

— Mas por que ele iria até você ao invés de vir até mim? - questionou Elly.

— Acho que não teria sido de muita ajuda, não é mesmo? A não ser que você consiga se comunicar com ele, mas não acho que seja o caso. Já eu, tenho bastante experiência nisso. - e esboçou um sorriso.

Elly não sabia como reagir. Retribui o olhar fixo que seu guardião mantinha nela e esperava, apenas, que ele entendesse seu agradecimento. Em segundos, a ave saiu do ombro de Eugene, abrindo suas grandes asas dotadas de pontilhados escuros e sobrevoou a menina, pousando a seu lado.

— Então, jovem Elly, conte-me o que te preocupa nesse momento. - pediu gentilmente. - Eu já estou ciente da situação de vocês, mas acredito que vá além disso.

— Pode parecer irrelevante mas eu sinto como se não tivesse como ajudar mais. - admitiu. - Até agora eu tenho ajudado e acho que isso vai acabar.

 - E no que você gostaria de ajudar? - perguntou Gene curioso.

 - Não é segredo algum que provavelmente tenha algum tipo de confronto. E eu não quero ficar apenas observando de longe.

 - Mas é muito perigoso para uma menina da sua idade se envolver nesse tipo de situação. Deveria deixar essas coisas para pessoas mais velhas, não?

 - Minha irmã não é tão mais velha que eu, sabia? - discordou Elly. - Além disso, eu sei como me virar em luta. Pelo menos um pouco, eu acho. Até porque se for pensar, eu já me envolvi nessa situação, mesmo sem eu querer.

 - Bem, se você insiste nisso, não sou eu quem vai dizer o contrário. Talvez se eu tivesse em perigo, minha família pensaria da mesma forma. - disse Gene sem apresentar relutância alguma. - Mas seria um descuido de sua parte sair às cegas.

 - Sim, eu sei disso! - concordou prontamente. - É complicado querer fazer alguma coisa e não ter ideia de como executar.

 - Ai, menina. Pensamentos muito complexos para alguém da sua idade. Talvez a resposta seja mais simples do que você imagina. Ou sonha. - brincou Gene.

 - O que você quer dizer com isso? Não entendi. - Elly ficou confusa.     

 - Crianças da sua idade gostariam bastante que seus sonhos se tornassem realidade, e você já tem praticamente todas as ferramentas para conseguir fazer isso.

 - Eu sei que você está tentando ajudar, mas não consegui acompanhar seu raciocínio.

 - Pequena peregrina de sonhos, não é necessário gastar tanto tempo pensando. Você já viajou por tantas ilusões e viu bastante coisa que muita gente gostaria de ver, não é mesmo?

 - Sim, é uma das vantagens da minha habilidade. Já pude ver coisas que não existem nesse mundo. - confirmou Elly.

 - Então por que você não traz o que vê nos sonhos para o mundo real? Certamente deve ter um baú de possibilidades para o que pode fazer.

 - Como irei trazer coisas que não existem? Não faz sentido.

 - Muitas pessoas irão te dizer que espíritos não existem. Eles apenas não existem na forma física desse mundo.

 - Começou a complicar novamente. - retrucou Elly.

 - Pense por um instante na existência de vários mundos. O mundo que vivemos é apenas um deles. - iniciou Gene. - Bom, meus poderes me permitem enxergar coisas do mundo espiritual, enquanto o seu lhe permite visitar o mundo de sonhos formado por energia etérea. E esses são apenas mais dois.

 - Você está dizendo que existem mais além deles? - perguntou curiosa.

 - É uma possibilidade. Não posso afirmar nada. - respondeu o líder espiritual. - Mas não perca o foco. Além de enxergar os espíritos, consigo manter uma conexão com eles para saber suas histórias. E até mesmo consigo evocá-los quando necessário.

 - Mas de onde os seus poderes tem relação com os meus?

 - Ambos temos a possibilidade de entender um mundo diferente do que nos encontramos. As coisas que eu consigo fazer hoje foram frutos de treinamento e um pouco de curiosidade. Só descobri até onde ia o limite dos meus poderes quando me forcei a entendê-los. - contou Gene. - E não acho que eu saiba de tudo ainda.

 - É uma teoria bem interessante, mas não acho que eu tenha tanto tempo assim para explorar tudo isso. - disse Elly com um certo desapontamento.

 - Bom, era você quem estava reclamando que não queria ficar de lado. Eu apenas estou contando minhas experiências com minhas habilidades.

 - Digamos que seja possível, então. - iniciou a menina. - A energia que eu controlo não deveria ficar apenas no mundo dos sonhos?

 - Então você está dizendo que a energia que eu controlo fica apenas no mundo dos espíritos? - Gene rebateu na esperança que ela entendesse a mensagem.

 - Claro que não. Não teria como dizer uma coisa dessas. - respondeu envergonhada pensando que pudesse ter ofendido-o de alguma forma.

 - Quero que entenda, Elly, que não estou pedindo para iniciar com algo grande. É uma tentativa. Precisamos ter noção de suas limitações primeiro. - aconselhou. - Assim como eu, imagino que certas coisas irão demandar mais esforço e energia da sua parte e, sem estar acostumada, isso pode ser prejudicial a você.

 - Novamente, não acho que irei ter tanto tempo para algo grandioso. Mas antes de ficar pensando nisso, preciso ter certeza que sua teoria funciona. - olhou para Gene. - Não estou dizendo que está errada, apenas não sei se conseguirei num período tão pequeno.

 - Tenho certeza que você irá encontrar a motivação necessária para conseguir alcançar o objetivo. Afinal, estamos fazendo tudo isso por uma boa causa, não é mesmo? - e piscou para Elly.

 - A motivação eu já tenho. Só preciso saber como usar isso a meu favor. - disse a menina. - Mas tentarei ficar otimista.

 - Já temos uma breve mudança. Isso é bom.  - comentou. - Acho que meu trabalho aqui está finalizado. Irei voltar ao meu posto.

 - Mas já? - contestou Elly.

 - Outros espíritos podem estar necessitando de ajuda. Se, por acaso, precisar de alguma coisa, é só mandar ela me chamar. - e a ave assentiu em concordância.

 - Ela? - perguntou curiosa.

 - Não sabia? Acho que hoje você aprendeu algo além da extensão de seus poderes. - brincou Gene. - E creio que, muito em breve, poderá aprender mais sobre sua família. Pessoalmente, quero dizer.

 - Como você pode ter certeza disso?

 - Os espíritos gostam de me manter informado sobre algumas coisas que estão acontecendo por aqui. Fique bem, mocinha.

 Gene saiu, deixando Elly mais pensativa do que quando a tinha encontrado. No entanto, conseguiu escutar a menina sussurrando algumas palavras para sua ave: "Tantos anos e você não podia ter me falado que era uma menina?".  Naquele instante, percebeu que, apesar de todos os acontecimentos, ela ainda preservava um toque de inocência de alguém de sua idade.

 Observou pequenos raios alaranjados saindo por entre algumas nuvens.

 "Bons tempos estão por vir.", falou para si mesmo. E continuou seu caminho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Crônicas dos Elementais" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.