Contador de Histórias escrita por Darth


Capítulo 3
O Maior dentre os Piores




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Galeth agora estava a caminho de Haydeck, cidade que ficava no litoral oeste de Ornea. A viagem duraria um dia e meio a cavalo ou de carruagem, mas o bardo preferia caminhar a pé e ir conversando com os viajantes no caminho para coletar histórias.

Chegando à metade do caminho parou em uma estalagem conhecida já. A Estalagem do Tarrasque Manco, conhecida por servir de ponto de parada para descanso àqueles que se dirigiam para o extremo oeste do continente. Após negociar os termos de sua estadia com o taverneiro, Galeth fez uma agradável refeição de carne assada e batata acompanhados por vinho e hidromel. Aproveitou esse tempo para avaliar o público que teria para esta noite. “A maioria são aventureiros, homens e mulheres experientes e que conhecem várias e várias histórias. O melhor será eu escolher uma das famosas lendas entre eles e não serei interrompido. Um aventureiro sabe que traz azar interromper uma lenda contada por um bardo.”

Galeth terminou sua refeição, tirou o alaúde do estojo que carregava em suas costas, afinou-o e foi ao palco ao lado da lareira tocar. Preferiu as animadas músicas de bebedeira e diversão nesta noite, pois queria um público animado e alegre para a história que escolhera. A noite adentrou-se e quando terminou sua apresentação, em meio a assovios e aplausos tomou a palavra:

– Obrigado, obrigado. É sempre um prazer para um bardo como eu tocar para uma plateia animada como vocês – mais aplausos – Mas agora preciso de silêncio, pois chegou a hora de eu contar uma história como já é esperado de mim.

E era, todos na taverna silenciaram-se de imediato. O único barulho era o crepitar das chamas na lareira e o das canecas sendo cheias e batidas na mesa. O bardo voltou a falar, com um sorriso:

– A história de hoje é conhecida pela maioria de vocês. Mas isso não a torna menos prazerosa, pois se trata da lenda do Guaxinim Rubro. – murmúrios animados – Sim, sim. O lendário ladrão de capa vermelha. Capaz de desaparecer num piscar de olhos, com brilhantes olhos azuis no mar de sombras que o capuz de sua capa projeta sobre seu rosto. Dizem que ele pode ver tudo o que um homem tem de valor a dois quilômetros de distância. Mas minha história não será sobre nenhuma dessas coisas. Minha história será sobre como o Guaxinim Rubro passou de um homem a uma lenda. Minha história é sobre o roubo do manto vermelho de Vitsas, deus dos ladrões e dos assassinos.

“Naquela época, o Guaxinim Rubro ainda não era conhecido por esse nome. Seu nome era... Droga, é sempre difícil de lembrar... Tudo por causa do maldito manto vermelho. Trevor Locke. Seu nome era Trevor Locke, e ele pertencia ao secreto culto a Vitsas criado por ladrões. Esse culto era e ainda é conhecido como a Guilda dos Ladrões. Locke era habilidoso nas artes ladinas já naquele tempo, e assim ascendeu rapidamente na secreta hierarquia da Guilda.

Não sem merecimento, claro. Mesmo sem o manto, Trevor conseguia invadir castelos e mansões de nobres com rapidez e discrição. Era um dos melhores assaltantes que a Guilda possuía. Mas sua ascensão incomodou um dos membros veteranos da guilda, Henry Mercer. Preocupado que a ascensão de Locke fosse prejudica-lo, Mercer armou um falso assalto para o ladrão.
Assim, Trevor invadiu facilmente a mansão que fora contratado para invadir. O que ele não sabia, é que se tratava de um dos refúgios da Guilda. O mais secreto e importante deles, onde ficava um altar dedicado a Vitsas. Quando roubou um dos símbolos divinos que ficava no altar, uma escultura de um saco de moedas se esvaziando feita em prata maciça, e voltou para a sede da Guilda, percebeu que fora enganado. Mercer incriminou-o, dizendo:

–Eu o avisei de que este trabalho não deveria ser aceito pela Guilda! Mas ele não me escutou! A ascensão rápida inflamou demais seu orgulho e o cegou!
Assim, Locke foi entregue a guarda local de Porto-Capital, capital do reino humano de Ornea e sede da Guilda, e jogado nas masmorras para apodrecer. Mas o destino é algo poderoso, assim como a vingança. E o ladrão queria se vingar do cretino que o enganara. “Mas como vou poder me vingar se eu continuar preso aqui?” Pensou o jovem ladrão, que na época estava com apenas vinte e dois anos.

E assim se deu a primeira das mais famosas façanhas do Guaxinim Rubro: Como ele não poderia contar com seu equipamento ladino, já que estava preso e tinha apenas a roupa do corpo, Trevor começou a esconder os talheres das refeições. Colheres, garfos e facas de ferro fundido se amontoaram no fundo de sua cela. Após isso, o ladrão quebrou os talheres e os afinou de forma a ter várias gazuas, os instrumentos utilizados para se abrir e forçar fechaduras.
Utilizando as gazuas improvisadas, Trevor foi capaz de abrir a fechadura de sua cela. Acabou perdendo várias delas nas tentativas, mas depois de fora de sua cela buscou seus pertences no depósito da masmorra e foi esgueirando-se pelas sombras rapidamente. Tomou também o cuidado de deixar as gazuas onde seus pertences antes estiveram, como um lembrete de quem fugira. E dessa forma, o Guaxinim Rubro fugiu da masmorra de Porto-Capital sem matar um guarda e sem nenhum equipamento de ladinagem.

Em seguida, Trevor Locke passou quatro meses planejando como destruiria com a reputação de Henry Mercer. E esses longos meses renderam o plano perfeito: roubar a relíquia mais valiosa que havia no altar a Vitsas e escondê-la entre os pertences de Mercer. Vê-lo ser punido na mesma moeda que si mesmo seria perfeito.

Logo o ladrão invadiu novamente a conhecida mansão. Furtivamente se esgueirou até o altar a Vitsas, mas o que viu superou qualquer plano que tinha em mente. De frente para o altar, estava o líder da Guilda, Arthur, acompanhado de Mercer. E sentado no altar estava Vitsas encarnado em forma humana. Vitsas se manifestara como um rufião, com seus trinta e poucos anos, vestido com um corselete de couro com seu símbolo divino no peito, um saco de dinheiro rasgado com moedas caindo em cor prata. Carregava na cintura duas espadas curtas. Seus cabelos eram pretos como as sombras nas quais se esconde, e seus olhos poços profundos de escuridão. Usava uma barba bem aparada, negra como seus cabelos, e trazia no rosto uma expressão maliciosa. Carregava nas costas um manto vermelho com capuz, belamente costurado. O manto emanava algum tipo de poder e tornava Vitsas difícil de focar. O deus parecia translúcido, quase invisível.

“Eu quero aquele manto. Será assim que me vingarei de Mercer. Roubarei o manto de Vitsas na frente dele e de Arthur. O deus dos ladrões será roubado hoje.” Pensou o determinado ladino. Movendo-se pé ante pé, foi até uma pilastra de madeira à esquerda do altar. Enquanto caminhava, tenso como uma corda retesada de um arco, ouvia a conversa entre os presentes:

– Senhor Vitsas, a que devemos a honra de sua presença e de seu chamado? – perguntou Arthur.

– Vim aqui para puní-los, Arthur. – O líder da Guilda assustou-se, assim como Henry.

–Mas p-p-por quê, meu senhor? Tudo o que fizemos foi segundo as regras que estabeleceu desde a criação da Guilda.

– Não, Arthur. Vocês foram enganados, traídos. Mas o pior não é terem sido enganados e traídos. O pior é que foi um de vocês que fez isso.

– O traidor já foi punido, meu senhor. – disse Henry, juntando-se a conversa.

– CALADO VERME! Eu não permito que alguém além do mestre da Guilda dirija a palavra a mim! Você é o traidor, que deixou seu orgulho patético dominá-lo e fazer a Guilda desperdiçar um ótimo membro.

– D-do quê está falando, meu senhor? Eu jamais faria tal coisa.

– Não tente mentir para mim, garoto. Eu sou um deus. – e com essas palavras, Vitsas desembainhou suas espadas. – Mas ainda assim lhe oferecei uma chance de se provar leal. Enfrente-me como um verdadeiro ladrão e não o matarei.

Henry desembainhou sua espada curta e sua adaga, tremendo de medo. Nesse meio tempo, Trevor havia se esgueirado até atrás do altar, esperando a oportunidade de pegar o manto de Vitsas. Esta se mostrou quando o deus tirou-o e entregou ao líder da Guilda, para que este cuidasse dele enquanto o deus punia Mercer. “Perfeito! Nada melhor que ver o maldito Mercer cair perante Vitsas num combate e ainda roubar o manto das mãos de Arthur debaixo do nariz do próprio Vitsas. Com certeza o mestre da Guilda será punido, e merecidamente. Esse é o preço que ele pagará por não ter deixado que eu me defendesse ao ser acusado por Henry Mercer.”

Assim que Vitsas iniciou o combate contra Henry, Locke se esgueirou até Arthur. O mestre da Guilda estava abismado em poder presenciar seu deus em combate, embora claramente ele estava apenas se divertindo com o medo de Mercer. Mas Henry, no seu orgulho, achou que poderia ter chance de vencer o deus. Começou a ficar mais confiante nos golpes e a fintar. Logo após a primeira finta, teve seu próximo ataque rechaçado pela defesa de Vitsas.
O ladrão traidor deixou sua espada cair com o susto, o impacto e o medo o dominando. E o deus abriu sua garganta, punindo-o pela traição por fim. Arthur estava tão estupefato pelo duelo que não percebeu que agora segurava um manto preto surrado. Quando o deus dos ladrões voltou-se para ele, enfureceu-se:

– EU LHE DEI APENAS UMA TAREFA! E VOCÊ CONSEGUIU FALHAR EM ALGO SIMPLES ASSIM?! ONDE ESTÁ O MEU MANTO? – Foi quando o mestre da Guilda viu que havia sido roubado enquanto esteve distraído pelo combate.

– Perdão, meu senhor. Vou encontrar o maldito que o roubou! E vou mata-lo e tortura-lo por isso!

– Não, você não vai. – Disse uma voz sombria atrás de Vitsas. Trevor estava vestindo o manto, mas seu rosto não mais aparecia. Por baixo do capuz, era possível ver apenas dois pontos luminosos azuis. E ele estava translúcido como Vitsas estivera.

– Quem você pensa que é?

– Calado, Arthur. – E com essa frase, o deus atravessou o ladrão com sua espada. – Então, Trevor Locke, você foi capaz de roubar o meu manto. Impressionante, devo dizer. Ainda mais impressionante é sua coragem em se revelar perante a mim. – Vitsas riu, claramente se divertindo. – Você me deixa orgulhoso. Ser capaz de fugir da masmorra de Porto-Capital sem derramar sangue, como um verdadeiro ladrão. E para completar, decidiu demonstrar sua habilidade como ladino para seu próprio deus o roubando. Fascinante. Você é um verdadeiro ladrão. Permitirei que fique com o manto, mas não posso deixar que você saia impune por me roubar. Então você terá um pequeno problema: Seu nome e seu rosto nunca serão lembrados facilmente. Apenas quem o conhecer bastante poderá lembrar-se. – Acrescentou, com um sorriso divertido. – Sei que isso parece mais ajuda-lo que atrapalhá-lo, mas lembre-se: sou o deus dos ladrões. Como não poderia aprovar alguém que se manteve tão fiel aos princípios que criei? Também lhe torno agora mestre da Guilda, sob o título de Guaxinim Rubro. Vá! Saqueie riquezas em meu nome!

E assim, Trevor Locke se tornou o Guaxinim Rubro. E assim, um ladrão se tornou uma lenda.”


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