Amora escrita por Transeunte Insolente


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Já vou avisando que essa foi a coisa mais estranha que eu já escrevi até hoje. Mas como muita coisa estranha já deu certo, não custa nada tentar fazer essa coisa estranha dar certo. O conto é narrado pela Rapunzel, sempre foi minha prin favorita.



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Morar numa torre não é assim tão terrível quanto dizem. É claro que a presença de uma bruxa torna desagradável um palácio ou uma caverna. Tanto faz. É por isso que acidentalmente ela tropeçou no meu cabelo e caiu da janela. Nem preciso dizer o que aconteceu com ela.

Depois disso eu pude me casar com o Príncipe em paz, mas decidimos morar na torre por enquanto, até que nosso bebê nasça. E se você está se perguntando como eu subo na torre estando grávida, a resposta é simples: escadas. Já se foi o tempo de subir pelo meu cabelo, além do mais, essa pratica me causou muitas pontas duplas. É um método totalmente não recomendável pra subir numa torre.

Hoje meu príncipe teve de ir ao palácio resolver problemas com os pais. Eu não me importo com problemas de palácio, muito menos com meus sogros. Se eu serei obrigada a assumir o trono daqui a alguns anos, que eu não me torne uma velha chata como eles. Mas enquanto meu título se resume a “princesa”, eu prefiro ficar bem longe das responsabilidades de governar um reino.

Desejo de comer amoras.

Foi isso que me levou para fora da torre essa manhã. Só espero que a mesma história não se repita: a mulher grávida com desejo de comer as amoras da vizinha bruxa acaba amaldiçoando a própria filha. Mas o caso dela seria ainda pior que o meu, já que se chamaria Amora. Então é bom eu evitar quintais vizinhos suspeitos. Mas não se preocupe, as amoras são do meu próprio quintal.

O dia está especialmente lindo no dia de hoje. Nuvens branquinhas no céu dançam conforme o vento bate nelas, hora cobrindo o sol, hora abrindo caminho para os seus raios quentes. Chego até a amoreira do quintal e começo a catar as frutinhas do chão com cuidado, jogando-as numa cesta. Meu cabelo denuncia o caminho que andei e a ponta ainda deve estar em algum degrau da escada dentro da torre.

Cantarolando baixinho percebo algo que não estava ali antes. Não sei bem o que é, mas sei que está ali perto. Deve ser coisa de grávida, ou estou ficando paranóica. Dou de ombros e começo a fazer o caminho de volta para a torre.

Psiu.

Ahn? Alguém disse “psiu” pra mim? Encaro minha barriga saliente.

– Foi você que disse isso? – Eu sei que bebês não falam, muito menos quando ainda estão na barriga, mas nunca se sabe.

Psiu.

Viro-me abruptamente. O som veio das moitas, tenho certeza. Ando até lá, receosa e abro caminho entre as folhas. Pelo visto me aproximei devagar demais, porque a pessoa que estava ali agora está correndo a campo aberto em direção á estrada de terra, onde está estacionada uma carruagem. É uma moça vestida de amarelo, cabelos castanhos ondulados batendo na altura dos ombros. Muito familiar pra você? Pra mim ainda mais. Quem você conhece por Bela, eu conheço por minha melhor amiga. Ela faz gracinhas enquanto corre quando percebe que eu a vi e acena antes de entrar na carruagem.

– O que você aprontou dessa vez, Bela? – Pergunto desejando que ela ainda estivesse aqui pra me responder.

A ultima vez em que nos vimos foi há algumas semanas, quando eu fui até o castelo da Fera visitar o bebê deles. Parece que os bebês combinam a época em que vão nascer, porque foi no dia do chá de bebê da Bela que eu percebi que o próximo seria o meu.

Já ia me virando novamente quando ouvi um som de... bebê?

– Agora foi você, só pode – Passei a mão na barriga, coisa que as grávidas fazem com a mesma freqüência com que têm desejos. Mas nada me chutou, nem me empurrou as costelas.

Agora um choro. Olhei para o chão procurando algo que não queria encontrar. Queria estar delirando, mas conhecendo a Bela do jeito que eu conheço, suspeitei que não, aquilo não era um delírio. Voltei até as moitas, vasculhei o chão do jardim e encontrei uma cesta, facilmente confundível com a que está nas minhas mãos, cheia de amoras.

– Por favor, sejam mais amoras... Amoras que choram...

Abro a cesta.

Não tem nenhuma amora.

– Bela, você se superou – Novamente desejei que ela estivesse ali pra me dar uma explicação sobre esse bebê dentro da cesta. Sendo mais específica: o bebê dela.

Abaixo-me para pegá-lo, mas com uma barriga de seis meses essa tarefa não é assim tão simples.

– Ei Christian, que mãe você foi arrumar, ein?

Christian me responde com um sorriso babado de bebê. E com o coração mole de mulher e futura mãe que tenho, não vejo mais motivos para deixá-lo aqui sozinho nessa cesta.

...

Ótimo, a Bela acha que dizer “larguei meu bebê numa cesta, no jardim da minha melhor amiga, mas eu posso explicar” é completamente aceitável quando se deixa um bilhete junto com o bebê.

Querida Zel,

Faz tanto tempo que não recebemos sua visita no castelo, que senti que o pequeno Christian estava com saudades da titia, ele até pediu: “me leva na casa da tia zezel” em bebezeis.

Mentira. Na verdade só agora surgiu a oportunidade de eu e a Fera viajarmos em lua de mel. Eu sabia que você não gostaria da idéia de ser babá, então... surpresa! Você acaba de receber o cargo de babá do Christian por três dias! A verdade é que eu não confiaria em mais ninguém pra cuidar dele além de você.

Mentira de novo. É que você está apta a dar de mamá, então ele não vai sentir muito minha falta. Boa sorte.

Com amor, Bela.

P.s: Não deixe a (-------)berta, ele pode querer (------------)durante a noite e isso é um problema.

Nesses espaços vazios da carta devia haver letras, mas o que tinha mesmo era baba. Espero que não seja um “p.s” tão importante assim.

– Muito bem Christian – Peguei-o no colo e o levei até o quarto. O jeito com que as perninhas dele se encaixam perfeitamente na minha barriga me agrada, por algum motivo. – Vamos ver se tem algum leite pra você aqui.

Sentei-me na cama e o coloquei pra mamar, torcendo pra não levar uma mordida ou desencadear um acesso de choro se ele percebesse que essa não era a mãe dele. Mas, magicamente, ele começou a mamar e logo estava dormindo no meu colo. Passei o resto da tarde observando-o dormir, ansiosa mais do que nunca pela chegada do meu próprio bebê. Provavelmente eles serão tão amigos quanto eu e Bela. Foi pensando nesse futuro próximo que acabei adormecendo junto com Christian.

Acho que dormi demais. Provavelmente tem um presente lindo pra mim na frauda do Christian agora. Abro os olhos, mas é como se não os tivesse aberto. O quarto está escuro.

– Meu Deus, já é de noite! – Passo o braço pela cama, mas só sinto os lençóis sobre ela, então me levando num pulo e quase tropeço no meu cabelo. Ás vezes isso acontece.

Agora meus olhos já se adaptaram ao escuro e vejo que a cama está mesmo vazia. Olho em volta, no chão.

Nada.

– E eu chamando a Bela de irresponsável. Como se chama um bebê? – Assoviei – Não, bebês não respondem assovios – É, estou muito encrencada.

Vago pela casa á procura de Christian. Já procurei em todos os lugares e nada. Pego o bilhete dentro da cesta e tento ler de novo. Ainda não faz sentido. “Não deixe a ... berta, ele pode querer ... durante a noite e isso é um problema”. Ótimo. Já está de noite e seja o que for que o Christian decidiu fazer, isso é um problema. Mas o que um bebê com meses de idade faria? Eu realmente pensei que eles só dormiam, comiam e recheavam as fraudas. Eu tinha que procurar ele lá fora. Só não podia me esquecer que grávidas não devem brincar de caça ao bebê muito intensamente. Por isso desci as escadas lentamente até adentrar a noite. O orvalho da grama gelou meus pés descalços, mas continuei andando.

– Christian? – saí chamando por ele envolta da torre.

Nenhum sinal de Christian.

Nenhum sinal de Christian, mas todos eles indicavam que havia lobos por perto essa noite. Isso significa que eu precisava encontrá-lo antes de ele virar jantar de lobo.

Um uivo muito próximo me fez congelar. Senti meus batimentos acelerarem e mais tarde isso faria o meu bebê se agitar e usar minha barriga como trampolim. Algo se mexeu na moita. Sempre é a moita. Prendi a respiração e aguardei um animal terrível sair de lá e me engolir, mas o que apareceu foi uma miniatura disso. Um filhote de lobo se aproximou de mim, desajeitado, e se deitou nos meus pés de barriga pra cima pedindo carinho.

– Um filhote de lobo domesticado? Impossível – Foi aí que eu notei pequenas semelhanças do lobinho com... – Christian?!

O lobinho se colocou em pé nas patas traseiras e pulou nas minhas pernas, abanando o rabinho curto, depois ele perdeu o equilíbrio e caiu para trás. De alguma maneira o jeitinho do lobo se assemelhava ao de Christian. Afaguei as orelhinhas dele e o peguei no colo. Bebês lobos são mais pesados que bebês humanos.

– Acho que a sua mãe se esqueceu de me contar um pequeno fato sobre você, Chris – Ganhei uma lambida no rosto e satisfeita por tê-lo encontrado, levei-o de volta para a torre.

...

As noites seguintes foram mais tranqüilas, sem surpresas. Durante o dia, Christian era um bebê humano, como a mãe, e eu podia amamentá-lo. Durante a noite era um bebê animal, como o pai, e pobrezinho, passava a noite com fome.

Passei essas três noites sozinha com Christian. Os problemas no palácio deviam estar bem sérios. Pela manhã do quarto dia, minha querida amiga voltou da lua de mel para buscar seu bebê-lobinho.

– Como foi, Zel? – Bela perguntou, pegando Christian do meu colo.

– Tudo normal, sabe como é... Bebês que viram lobos... essas coisas. – Ironizei.

– Descuuulpa Zel – Bela falou com aquele jeito que ela usa quando quer consertar um erro.

Eu cruzei os braços e fingi estar zangada, mas não era verdade. Não consigo ficar zangada com a Bela, mesmo quando ela esconde as coisas de mim.

– Se tiver algo mais pra me contar, conte agora. Por acaso o nome do seu bebê é Jacob e não Christian?

– Claro que não – Ela sorriu e me deu um tapinha no ombro. Mas reconsiderou – Se vier outro bebê-lobo, quem sabe...

...

Três meses depois, finalmente o meu bebê estava pronto para nascer. Uma menina, e outra de brinde. Sim, agora eu sou mãe de duas menininhas. E quem vai me ajudar a cuidar delas? A Bela, é claro, já que ela me deve um favor.

Mas amigas são assim mesmo. Uma sempre acaba precisando da outra.


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Notas finais do capítulo

JUROO que o nome Christian não tem nenhuma ligação com aquele outro livro que vocês sabem... Isso foi uma PURA coincidência. A unica coisa que eu relacionei foi o bebê-lobo e a Bela, que eu também só percebi no final. Bem, foi bem estranho, mas é isso ae. Foi divertidoBeijinhos Brotos *3*



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