O silêncio era absoluto e quase mórbido no apartamento de Nagachika. Kaneki perdera a noção de tempo enquanto se encontrava ali, apenas aproveitando da falta de palavras trocadas com seu amigo. Mas, naquele momento, já começava a se incomodar com a situação.

– Hide...

– Shh – fez o outro garoto – Estou pensando.

O silêncio agora era quebrado apenas pelo tamborilar dos dedos de Hide sobre a mesa na qual este se encontrava de frente para o outro. Pensou por um tempo e então se levantou para dirigir-se até a cozinha e voltar segundos depois com uma chaleira na mão.

Kaneki variou o olhar entre o garoto e o que este segurava, sem entender muito bem.

– Cara, eu queria melhorar um pouco antes de servir alguma coisa – disse Hide. – Mas eu senti que não devia mais adiar isso.

O conteúdo da chaleira foi colocado com cuidado em uma xícara que já se encontrava no canto da mesa e então foi oferecida para o garoto de cabelos brancos. Este apenas observou por algum tempo a bebida escura que ainda soltava fumaça para então perguntar sem levantar os olhos:

– O que significa isso, Hide?

– O que poderia significar? Estou te servindo café. Não é a úncia coisa que vocês podem comer? Além de carne humana, é claro.

– Eu esperava outra recepção quando você disse que precisava ter uma conversa séria.

Nagachika observou o amigo por um certo instante. Depois serviu um pouco do café da chaleira em outra xícara e a levou aos lábios. Assim que deu o primeiro gole uma careta surgiu em sua face.

– Isso está horrível! Desculpe, ainda não sei fazer café direito. Você deve poder tomar um bem melhor na Anteiku.

– Hide, você está fugindo do assunto.

– Você é muito exigente, Kaneki – resmungou, coçando a nuca. – Mas eu não queria bem ter uma conversa séria, eu só queria voltar a te ver.

"Mas eu não queria que você me visse dessa forma" contestou Kaneki em seus pensamentos.

– Sei o que está pensando, mas eu realmente não me importo com a forma como está agora.

O meio-ghoul se surpreendeu de imediato com a forma como Hide adivinhou seus pensamentos. Mas se surpreendeu ainda mais quando ele estendeu o braço sobre a mesa para tocar uma mecha do seu cabeço branco.

– Você é o mesmo Kaneki pra mim. Tirando o seu cabelo é claro, mas acho que isso pode ser consertado com um pouco de tinta.

– Não, você não está mesmo entendendo. Eu sou um ghoul, um verdadeiro monstro.

– Um monstro não estaria no meu apartamento dessa forma tomando café sem me atacar. E você ainda não me atacou.

– Ainda! Mas e se for só questão de tempo?

Hide estalou a língua e, no segundo seguinte, estava debruçado sobre a mesa e com os braços ao redor dos ombros de Kaneki. O cheiro de café que exalava do garoto trouxe-lhe um sentimento de nostalgia, uma memória que parecia bem antiga. Quando tudo ainda era simples e sua única preocupação eram os trabalhos da faculdade e saber chamar uma garota para sair. Mas, em todas aquelas lembranças, Hide sempre estava presente. Exatamente por isso davam-lhe uma sensação tão boa.

Nenhum dos dois disse nada durante aquele contato que durou por apenas algum tempo antes de Hide voltar à sua posição normal na cadeira.

– Você se preocupa demais com o que os outros vão pensar de você, cara. Relaxe um pouco.

Ele sorriu abertamente da forma terna que sempre podia vislumbrar antigamente. Aquilo novamente lhe trouxe nostalgia e uma sensação morna no peito. Era quase como se o antigo Kaneki estivesse ali ao lado de seu amigo.

E talvez estivesse, mesmo que bem fundo em seu interior.

– Agora tome o seu café, não seja desrespeitoso com quem preparou, mesmo que seja seu amigo.

O garoto obedeceu. O gosto amargo pareceu descer por quilômetros em sua garganta.

– Está mesmo horrível – riu. – Mas não tem problema.

– Eu prometo que vou ficar bom nisso. Mas então não suma novamente, você vai precisar experimentar mais vezes.

– É bom que você comece a melhorar logo, não quero tomar café ruim por muito tempo. Já basta a comida normal ter um gosto horrível.

– Tudo bem, eu já entendi – retrucou Nagachika com um novo sorriso nos lábios.

Mas, apesar daquele café estar ruim para Kaneki, ainda lhe possuía um sabor especial. O sabor de voltar a ter seu amigo por perto, um sabor de estar em casa novamente. Afinal, Hide era seu lar, seu local seguro para onde sempre poderia voltar depois de tanto se machucar. Apenas isso lhe importava.