Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 5
Sorvete de pesadelo




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Tudo era leve: as luzes, a brisa, as nuvens, as borboletas que sugavam o mel das flores. Olhando pela janela, ele compreendia que a vida era leve, as pessoas que eram pesadas, que carregavam nas costas uma carga enorme de amargura, de sonhos não realizados, de saudade, de segredos. Cabia aos sábios descobrirem o momento de largar a carga pesada no caminho, para poderem abraçar a leveza da vida.

Buenos Aires no inverno tinha uma aparência melancólica, pintada em tons de azul e de branco e decorada com um exército de edifícios. Ali de cima dava para enxergar a Ponte da Mulher, por onde Theo passava quase todos os dias para ir para a universidade.

Bocejou. Havia acordado tarde mas ainda sentia sono. Despertara em um lugar incomum, num colchão no meio de uma sala diferente. Demorara entender que aquele era o apartamento de Marcos, onde havia adormecido na noite passada. Sentia um pequeno calor no coração com a lembrança dos braços de Marcos ao seu redor, nunca havia se sentido tão protegido e... amado. E havia a lembrança do beijo também, e das muitas promessas que dele haviam nascido.

Promessas. Lentidão. Ele não tinha pressa, pois todas as coisas boas nascem devagar. A semente na terra espera sol e chuva para germinar, criança, no ventre da mãe, demora mais que uma flor para desabrochar. Do mesmo modo, ele queria que seu amor fosse lento, leve como a vida. Perfeito em seu próprio ritmo.

Queria ter tido isso para Marcos de manhã, mas ele já tinha saído quando Theo acordou. Deixou sobre a mesa um bilhete escrito em um papel amarelo, dizendo que tinha ido para a loja e que voltava às seis, e que não era para Theo ir embora, ele tinha que receber um beijo como prêmio por ter cumprido a sua promessa e sido um bom menino durante a noite.

Theo viajava naquela paisagem pela janela quando ouviu um bater na porta.

Foi atender meio sem jeito. Quem seria? Que explicação daria por estar ali e Marcos não? Afinal, ele não conhecia nenhum amigo de Marcos, e muito menos se eles sabiam sobre o seu lado... diferente.

Olhou pelo vidro de visão de peixe. Era uma mulher.

Abriu a porta.

A mulher o olhou confusa.

— O Marcos mora aqui? — perguntou em espanhol.

— Sim.

— E ele está?

— Não.

A decepção no rosto dela incomodou Theo. Estava claro que ela queria encontrar Marcos ali, sozinho.

— Posso entrar para tomar uma água? Subir essas escadas cansam mesmo.

Ele deu passagem para ela, que seguiu direito para a cozinha, como morasse ali. Theo ficou incomodado por isso também.

Ela era bonita, era alta e tinha o cabelo preto cortado em um corte estiloso e moderno. Tinha o rosto quadrado e olhos azuis claros. Theo ficou incomodado por isso também. De repente ele se deu conta de como ele estava parecendo ridículo naquele pijama, e com o cabelo todo bagunçado. Por que as visitas só aparecia quando estamos em nossa pior aparência? E a visita nem diabos era para ele.

— Qual o seu nome?

Ele odiou o tom presunçoso na voz dela.

— Theo.

— Eu não sabia que o Marcos tinha um colega de apartamento.

— E não tem, sou só um amigo, não moro aqui.

— Amigos que dormem juntos?

Merda. Ele devia ter tirado os colchões da sala antes de abrir a porta. Agora não sabia como responder àquela insinuação, queria mandar ela ir se foder logo e ir embora dali.

— Meu nome é Júlia, sou uma velha amiga do Marcos. Tive um trabalhão para chegar nesse buraco aqui, Marcos sabe se esconder quando quer.

Júlia? Mas ela não tinha ido para Pariz? Não tinha ido embora e deixado Marcos sozinho.

Theo queria avançar nela e sacudi-la para perguntar como ela havia conseguido deixar Marcos, um cara incrível, por causa de um qualquer.

Apesar de sua fúria interior, fez o máximo para parecer impassível.

Ela tomou a água e finalmente foi em direção à saída.

— Você tem o endereço de onde ele trabalha?

— Não — e não sabia mesmo, era estranho ele não saber quase nada sobre Marcos. Era estranho que não se conheciam há tão pouco tempo e já houvessem feito tanta coisa.

— Então diga a ele que eu estive aqui — ela mexeu na bolsa e lhe entregou um pedaço de papel — Esse é o meu número, fala pra ele me ligar. Diz pra ele que é importante.

Importante?

Então ela foi embora, sem nem lhe agradecer.

Theo resistiu ao impulso de rasgar aquele maldito pedaço de insegurança em forma de papel. Sim, sentia-se inseguro perto dela. Sua auto estima caiu como uma gota de chuva. Como Marcos lhe escolheria se tivesse aquela mulher linda como opção?

Depois disso ele decidiu ir para o seu próprio apartamento, voltar para a realidade de um universitário em final de curso. Antes de ir embora ele deixou um recado para Marcos dizendo que uma mulher havia lhe visitado, aproveitou para deixar o número de Júlia ao lado.

* * *

Já eram oito da noite quando Marcos bateu em sua porta, acordando Theo de seu cochilo, ele tinha deitado no sofá com a intenção de assistir um novo episódio de sua série favorita, mas o cansaço havia sido maior.

Ele andou apreensivo até, algo lhe dizia que não ia gostar do iria ver.

O que viu foi um olhar de tristeza nos olhos de Marcos. Antes de dizer qualquer coisa, Theo lhe abraçou. E percebeu que Marcos estava cheirando álcool — com certeza ele estava bêbado. Marcos praticamente desabou em cima de Theo em seguida, que usou toda a sua força para não deixá-lo cair. Foi com grande dificuldade que conseguiu

O levou para a sala, usando o próprio peso como apoi e o ajudou a se sentar.

Theo se ajoelhou na sua frente e perguntou:

— Você está bem?

Então Marcos começou a chorar. Cada soluço uma sacudida de ombros. Um choro feito de tanta tristeza que assustou Theo, que ficou sem saber o que fazer. Segurou cada face do rosto do Marcos com as mãos para força-lo olhar em seus olhos.

— Ei? O que aconteceu? Por que você está assim?

Marcos parou de chorar, se levantou e correu. A princípio parecia que estava indo embora, mas ele entrou no banheiro. Theo correu também e o encontrou agachado em frente ao vazo sanitário. Estava vomitando, Theo ajoelhou-se perto dele, segurou sua cabeca e ficou repetindo "vai ficar tudo bem" no ouvido dele.

Quando Marcos terminou, Theo o ajudou a ir até o quarto.

— Senta aí na cama que eu vou buscar alguma coisa doce pra tu comer, senão vai acordar um lixo amanhã.

Foi para a cozinha e pegou o pote de sorvete. Era o seu sorvete de pesadelo — quando ele tinha um sonho ruim, ia até a cozinha tomar um pouco de sorvete, deixando que a doçura levasse os pensamentos ruins para longe. Agora seria um sorvete para evitar a ressaca.

Quando voltou para o quarto, viu que Marcos já tinha apagado.

Teve que virar a cabeça dele para o lado, para o caso dele vomitar novamente. Tirou a camiseta dele, dizendo para si mesmo que aquela não era a situação para ficar admirando corpos alheios — mas aquele corpo em especial era magnífico, Marcos tinha músculos o suficiente para ser forte mas não para ser considerado "bombado", tinha pelos ralos no peito e uma marca de nascença super charmosa no quadril esquerdo, bem perto da linha conhecida como "caminho da felicidade". Tirou os sapatos e as calças dele também, ficando feliz por Marcos estar usando uma cueca.

Depois, ele mesmo se despiu para vestir seu pijama. E subiu na cama também.

Abraçou Marcos e deitou a cabeça no peito dele. Não havia nada de sexual naquela cena, apenas carinho e compaixão. Theo fechou os olhos, desejando cair logo da terra dos sonho. Dormir o prepararia melhor para as notícias ruins quem certamente viriam no dia seguinte.


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