Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 15
Perdoe-me o excesso de açúcar




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Pouco a pouco, todas as suas melhores lembranças foram empacotadas e tudo o que podia fazer era esperar. O processo de arrumar as malas foi extremamente difícil. Pois em cada objeto guardado era uma nova lembrança que ressurgia em sua mente. Como aquele boneco de Ron que comprara em uma lojinha junto de Marcos semanas atrás, os porta-retratos com fotos dele e de Elena e até a beca vermelha que usaria na formatura, ele a achava brega e que não combinaria em nada com o seu cabelo azul.

Ah, a formatura. Era realmente uma pena que ele não estaria ali para ir. Seria um momento de celebração para todas as dificuldades que passara para conseguir se formar.

Já tinha ligado para o pai no Brasil para avisar que estava de viagem. Fazia quase um ano que não se falavam e Theo ainda assim ficou abalado ao notar que o pai ainda não havia se recuperado da morte da esposa, ainda tinha aquela melancólica amargura na voz. Apesar disso, Theo não sentia pena dele. Compaixão talvez, mas não pena. Ainda sentia mágoa pelas humilhações que sofrera do pai depois que se assumiu, fato que de certa forma contribuíra para a rapidez que o câncer fez sua mãe definhar, as brigas frequentes em casa não foram nada saudáveis. Desconfiava que seu pai sentia culpa por isso, e era esse o motivo de ainda sustentar Theo ali em Buenos Aires — ou talvez só quisesse mesmo garantir que ele ficasse bem longe, deixando-o livre da “vergonha” que era par ele ter um filho gay.

Theo não dava a mínima para isso. Na verdade, estava até alegre em receber sua tão cobiçada poupança que seu pai o tinha prometido para depois que se formasse. Era bom tirar algo agradável de suas desgraças do passado.

Deitou-se em sua cama e olhou para o teto, que no escuro ficava iluminado pelas estrelas que ele pintara com tinta fluorescente. Ligou uma música no celular para escapar aquele silêncio. Aquele silêncio era como o som de diamantes cortando vidro, impossível de suportar.

Era domingo à noite e nenhum sinal de Marcos. Theo sentia um misto de mágoa, preocupação e desespero. Mágoa porque Marcos, em vez de estar ali com ele aproveitando seus últimos momentos juntos estava em só-Deus-sabe-onde. Preocupação porque o tempo já estava acabando, suas passagens já estavam compradas, e o nada do Marcos aparecer ali com a sua prometida solução maravilhosa. E desespero porque, bem, havia uma enorme chance de tudo dar imensamente errado.

Seu celular fez um som de notificação. Era Elena.

Vadia louca: ele já apareceu

Theo: não L

Vadia louca: estou começando a ficar preocupada

Theo: imagine eu então...

Vadia louca: tenha esperança, vai ficar tudo bem... Dê-me notícias... E não se esqueça de me ligar antes de ir para o aeroporto. OK?

Theo: OK, bjs.

Theo desligou o celular, pensando no que poderia fazer para espantar seu tédio.

Então teve uma ideia.

Foi até sua escrivaninha, abriu a segunda gaveta e vasculhou a bagunça dentro dela até achar o envelope para cartas. Pegou uma caneta de tinta preta e voltou para a cama.

Começou a escrever a carta.

Escreveu nela agradecimentos à Marcos. Agradeceu por... Tudo. Relembrou por tudo o que passaram juntos, em tão pouco tempo. Disse que o esperaria por um ano, e talvez até uma vida inteira se precisasse. Pois muitas vezes que os relacionamentos acabam, as pessoas se confortam de que não era mesmo para dar certo e que ainda procurariam a sua alma gêmea. Mas aquele não era o caso dele. Theo já tinha achado sua alma gêmea. Ele sentia isso, em cada célula de seu pequeno corpo.

Não chorou enquanto escrevia. Apenas sorriu. Cartas não mereciam ser escritas com tinta diluída em lágrimas.

Pensou em um lugar para deixar a carta para que Marcos a encontrasse. Levantou-se e foi até o apartamento ao lado. Como imaginara, não havia ninguém lá. Pegou sua chave que Marcos tinha lhe dado e entrou. Colocou a carta no meio de um livro. P preferido de Marcos: Os Miseráveis, de Vitor Hugo.

Theo conseguia imaginá-lo ali, lendo aquela carta.

Respirou fundo para impedir-se chorar.

Fez um tour pelo apartamento com aquele olhar que uma pessoa dá que sempre guarda para as despedidas. Seu coração vacilou um pouco mais quando foi até o box do banheiro, o lugar onde haviam se beijo. Aquilo parecia outra vida.

Decidiu ir embora dali logo. Era triste demais.

Saiu sem olhar para trás e ao fechar a porta teve uma maravilhosa surpresa.

Marcos.

Ele estava ali, parado. Olhando-o. Sorrindo.

Theo teve um déjà vu do momento em que se viram ali pela primeira vez. Tinha uma mesma sensação de surpresa, daquela vez a surpresa foi pela constatação de que algo improvável — de que o carinha bonito que ele conhecera era, na verdade, seu vizinho. Mas agora, era uma surpresa que veio carregada de alívio.

— Oi — disse Marcos.

— Oi.

— Tudo bem?

— Ah... Na verdade não.

— Que pena. Acho que tenho notícias que te deixarão melhores.

Ai meu deus.

— Sério?

— Sim. Vamos entrar? Está frio aqui.

— Claro.

Theo abriu a porta do seu apartamento e foi direto para a cozinha. Suas mãos tremiam. Precisava de uma xícara de chá verde para se acalmar.

— Quer uma xícara de chá? — perguntou.

— Sim, Dona Florinda! Eu adoraria. — Marcos gritou lá da sala.

Theo revirou os olhos e deu uma risada baixinha.

Quando voltou para a sala com a bandeja de chá e cookies — aqueles comprados prontos, fazer uns ultrapassava suas limitadas habilidades culinárias — encontrou Marcos deitado só sofá, mexendo no celular. Ele parecia muito à vontade, isso era um bom sinal.

Colocou a bandeja na mesinha de centro e sentou-se no outro sofá.

— Perdoe-me o excesso açúcar no chá.

Marcos sorriu-lhe e se sentou.

— Eu gosto de chá doce.

Beberam o chá em silêncio. Theo estava quase desfalecendo de ansiedade e aquela tranquilidade de Marcos era perturbadora, considerando as condições atuais.

— E então? O que você iria me dizer.

— Ah! — Marcos tirou um papel do bolso da jaqueta e lhe entregou.

Era um panfleto que anunciava o show de uma banda que se chamava As Zebras de Paletó — que diabos de nome era aquele? Bem, tinha foto de cinco pessoas de terno usando uma cabeça gigante de zebra. Mas... O que isso tinha a ver com Theo?

— O que é isso?

— Uma banda indie falida. Eles possuem talento, mas são muito desorganizados. Mas eu consegui um contrato para uma gravadora para eles e me candidatei para a vaga de violinista que eles tinham. Eu tive que comprar a gravadora para isso. Sou meio que o empresário deles agora.

Theo não conseguiu disfarçar a decepção em sua voz quando falou:

— Bem... Fico feliz que você conseguiu algo para se ocupar.

Marcos se levantou e ajoelhou na frente dele.

— Theo.

— Sim?

— A gravadora fica em Vancouver.

...

...

...

Puta. Que. Pariu.

— O quê?

Tinha realmente ouvido aquilo?

— Isso mesmo. Vou conseguir um visto para ir ao Canadá por isso, como administrador da gravadora. Eu vou ter que ficar frequentemente viajando para Vancouver, mas, estarei com você em Toronto na maioria do...

Ele não conseguiu terminar de falar. Theo se jogou em cima dele. O abraçou com uma força que nem sabia possuir. Ele simplesmente não podia acreditar naquilo. Era... Surreal.

— Eu retiro o que eu disse ontem, você é sim um super-herói.

— Mas super-heróis também precisam respirar — disse Marcos, com a voz abafada pelo braço de Theo — Levanta, ainda tenho outra coisa.

O que era agora? Theo não achava que seu coração aguentaria mais tantos sentimentos turbulentos, dia desses ele iria pedir demissão e fugir.

Ele se levantou, olhando para Marcos com expectativa.

— Marcos... Eu nem ousaria descrever a felicidade que estou sentindo agora. Só que não sei se posso permitir que você largue tudo aqui por minha causa — as emoções que se manifestavam ao mesmo tempo o deixavam com dificuldades de falar.

— Largar tudo o que? Você é tudo que eu tenho Theo, se você for embora sem mim, vou ficar sem nada. Vou me tornar uma sombra de mim mesmo. E o que eu tinha de falar é que você vai ter que cancelar seu voo para Toronto, vamos dar uma passadinha em Las Vegas antes.

— O que? Como assim?

— Você disse que se casaria comigo se eu cumprisse os três desafios e eu consegui...

Theo estava de boca aberta. Não acreditava que há meia hora estava afundado em tristeza por se despedir de Marcos e agora eles estava ali... falando sobre casamento.

E então...

... Theo assistiu uma cena que ele achava que nunca aconteceria em sua vida. Ele se lembraria disso pelo resto de sua vida.

Marcos tirou uma caixinha de veludo azul do bolso e a abriu.

Era o anel mais lindo que The já havia visto em sua vida: era prateado e encrustado de minúsculos pedaços de diamantes, que mesmo pequenos, brilhavam como a chama de uma vela no breu.

— Marcos! Isso deve ter custado uma fortuna.

— Não custou nenhum centavo a mais do que você merece.

Marcos pegou o anel na caixinha e fez um sinal para que Theo lhe estendesse a mão.

— Querido Theodoro Martins, príncipe do reino apartamento 609, é com imenso prazer que declaro que consegui vencer todas as tarefas perigosas que impediam seu coração de ser eu. E agora reclamo o eu prêmio, mas com o seu total consentimento, é claro. E então, você quer se casar comigo?

Era incrível como uma única palavra podia trazer consigo tantos significados e possibilidades. Pensou em alguma piada inteligente para dizer, mas percebeu que apenas uma palavra iria bastar.

Limpou as lágrimas em seu rosto e, em uma mistura de risada e soluço, falou:

Sim.


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