Branco e Vermelho escrita por Jamie PineTree


Capítulo 1
Branco e Vermelho




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Duas cores distintas que representam talvez lados opostos, o branco mostrando a pureza, parece ser imponentes, mas também tem suas fraquezas. O vermelho, a cor da violência, sedento por poder e que pretende não medir esforços para conseguir.

Sabem o que está certo ou o que está errado mesmo quando não admitem. Uma união em listras decidindo uma vida que sentia a liberdade mesmo estando presa, sonhando acordada e ainda sim não saber o que era sonho ou realidade.

Era assim que ela se sentia. Separada do mundo.

A cortina de concreto e ferro onde entrou sem poder sair mais. Cheio de pessoas felizes e pessoas que pensam que são felizes. Pessoas tristes que não sabem o motivo e procuram por uma saída da terra maravilhosa de cogumelos e jogos de xadrez.

Uma vez ali dentro, era para sempre. Apenas esperando pelo temor do sorriso noturno, delirante, maldoso e também um invisível amigo mágico.

Um amigo que queria provar que seu mundo era real. Provar que a garota loira poderia ser a verdadeira. Ela precisava de ajuda, não uma ajuda médica pois isso ela tinha de sobra. Uma ajuda do seu lar de verdade, da sua família. Voltar para a sua mãe.

É um mundo mágico, a vontade de entrar naquele labirinto disforme era alta, mas ninguém aparentemente não queria estar ali, o destino da garota estava escrito assim desde sempre. Foi para isso que o Coelho lhe buscou. A dor de ser tirada de sua mãe era a causa tudo.

Mas nem a própria garota entendia o que acontecia, os remédios eram fortes demais. Ou ela era muito fraca para suportar aquela vida. Uma garota inocente acusada de loucura, uma simples adolescente sonhadora.

Uma garota chamada Alice.

Caminhar pelo corredor do asilo, vendo os outros rostos atrás das grades de cada um dos quartos. Presos como animais. Gritos histéricos ecoavam, palavras desconexas e batidas no metal das grades.

Olhares de pena, ódio, felicidade. Difícil para a pequena Alice identificar. Ela chegou até o jardim do sanatório, um lugar era tombado de sentimentos ruins e a incerteza que jamais atravessaria aqueles muros.

Seria a mesma monotonia de sempre, daquelas que ela aturou desde de que foi colocada ali, mas um anão fantasiado de coelho, com olhos assustadoramente vermelhos, o chapéu disputando espaço com as orelhas pontudas que se mexiam como um radar a cada som, o tremor da boca e as patas que sempre pegavam o relógio de corda no bolso do casaco.

- Estamos atrasados, estamos atrasados. - Repetia olhando para o relógio.

- Você é um coelho de verdade?

- Lógico que sou de verdade. Agora se apresse, não temos tempo. Não temos tempo!

Não era um anão, o pelo lustroso colado com a pele naquele frágil corpo magro lhe dizia isso.

- Para onde vamos?

- Para casa, o lugar que você chamou de "País das Maravilhas".

Ela gostava de jardins, mas não dos jardins sem vida fora do sanatório, ela ainda conseguia se lembrar do cheiro doce, sentia falta das cores. De como era a vida perfeita no País das Maravilhas. O Coelho disparou a correr, não se importando se ela o seguia ou não.

- Espere por mim. - Ela disse.

O Coelho ficava mais distante, Alice corria para alcançá-lo, mas ele se distanciava a cada passo que ela dava, deixando-a na escuridão. Não ia desistir tão fácil de encontrar as respostas. Um sorriso voava entre os corredores até chegar na relva, Alice se surpreendeu com a luz forte e caiu sobre as plumas rosas.

O Gato apareceu caminhando em sua direção, o sorriso era nítido, suas vestes eram finas, a força que os aproximava era forte. O Gato olhou para ela e desapareceu no ar, mas seu sorriso continuava.

- Procure o Chapeleiro. - O ronronar da voz indicava que era o Gato. - Só assim encontrarás o que procura. Aquilo que te foi tirado.

Era ótimo sentir-se naquele mundo, ela não sabia se estava dormindo ou acordada, mas se fosse um sonho, ela desejava nunca acordar.

- Onde eu o encontro? Onde estás esse Chapeleiro que falas.

O Gato rodopiava como fumaça, a garota olhava para todos os lugares e avistou a enorme mesa repleta de cadeiras de todos os tamanhos, xícaras e vários bules de chá, doces e pães pulavam eram lançados e pousavam espirrando geleia em cada prato.

Em uma das cadeiras estava o Gato, lambendo um bolinho.

- Bem-vinda à Festa do Chá. - Disse ele. - Sente-se.

Alice procurou pela mais normal das cadeiras e ali ficou, uma senhora gorda se aproximou e lhe serviu o chá. O olhar sofrido no rosto daquela mulher de avental era triste, havia uma bola de ferro presa em seu pé e ela fazia esforço para caminhar.

Na ponta da mesa, um olhar triste estava fixo na loira. O enorme chapéu escondia parte de seu rosto, sentado em uma poltrona de madeira, Alice saiu do seu lugar e sentou-se do lado dele, ela não sentia medo, a senhora serviu-lhe o chá novamente, mas nenhum dos dois prestou atenção.

- Você deve ser o Chapeleiro.

- Acho que é óbvio que ele seja o Chapeleiro. - Uma voz baixa chegou até ela e pulou em cima da mesa. - E eu sou a Lebre.

- Você é de verdade?

- Lógico que ela é de verdade. - O Chapeleiro pegou a Lebre no colo. - E você? É a Alice de verdade?

- Todos perguntam isso desde que cheguei.

- Então todos merecem saber a resposta. - O Gato surgiu ao lado de Alice afagando o braço da garota.

- As pessoas desse mundo são loucas. - A loira respondeu ríspida.

- Todos nós somos loucos, é por isso que estamos aqui.

- Eu não sou louca! Sei que vocês são reais, mas não entendo como.

- Talvez seja sim, louca é você, loucos somos todos nós. Você foi separada daquela que mais te amou, e isso vai transformá-la em pessoas como todos daqui. É assim que funciona, a loucura é só mais um estágio do abandono, abrace isso.

Alice começava a ficar irritada, as palavras do Chapeleiro confundia sua cabeça já deturpada. Ela precisava se acalmar e pegou a xícara de chá, quando ia colocá-la na boca, viu algo se esgueirar dentro do líquido viscoso e fumegante.

Uma lagarta azul, que soltava fumaça em formato de anéis, ela nadava dentro do chá como se fosse uma piscina.

- Deveria pegar outra xícara. - Disse. - Essa aqui já está ocupada.

Alice colocou a xícara de volta na mesa, depois olhou para o Chapeleiro que mantinha um sorriso sádico no rosto, assim como o Gato.

- Eu quero ir embora. Voltar para a minha deturpada vida, ter todos os meus pedaços de volta!

- Vês como és louca? - Perguntou o Chapeleiro. - Esse é o seu lar, o mundo das maravilhas é onde estarás para sempre. O que seria de nós sem você aqui? O que seria de você sem nós?

Ela queria revidar, mas o som de trombetas ressoou pela relva, todos os ocupantes da festa do chá se esconderam embaixo da mesa. Inclusive a lagarta. O arrependimento veio, não deveria ter seguido o coelho, sua vida no sanatório era difícil, mas era normal.

Vários soldados a cercaram naquele momento, vestidos de branco e vermelho, cada um com um símbolo diferente. Atrás deles, veio uma pessoa que ela sabia que conhecia, mas não recordava de onde. A Rainha de Copas a olhou com rigor, depois a analisou com cuidado, como se estivesse estudando aquele ser tão diferente.

A mulher tinha um corpo desproporcional, como um quebra-cabeça mal montado, bochechas coradas que contrastavam com seu rosto pálido. O cabelo em chamas vivas que se comportavam aos estímulos de sua dona e um vestido ornamentado com pedras e corações vermelhos.

O cérebro de Alice tentava organizar a bagunça mental que se instalara, sentimentos e pensamentos misturados sobre o que fazer. Ou não fazer.

- Eu não conheço essa plebeia. - Disse. - Cortem-lhe a cabeça!

- O que eu fiz?

Alice ficou mais vermelha do que a Rainha, os soldados se preparam e ela tenta recuar. Quando se vira, uma outra pessoa surge.

- Não irá fazer mal para ela. Eu não deixarei. - O Chapeleiro, a lebre e a lagarta saíram de debaixo da mesa e o Gato passou a flutuar sobre a cabeça da Rainha de Copas.

- Ela é minha propriedade. - Falou a Rainha de Copas. - Todos desse reino devem me servir.

- O que está acontecendo? - Alice perguntou.

- É ela quem está a prendendo aqui, Alice. - Disse o Chapeleiro. - Se quiser sair daqui e ter sua liberdade, precisa da chave.

Foi aí que Alice viu uma chave, pendurada no pescoço da Rainha. Uma agonia subia sobre seu corpo, ela sentia que odiava aquela mulher, mesmo sem entender o motivo.

- É por isso que estão aqui, ninguém gosta de loucos. - A Rainha deu uma longa gargalhada depois da frase. - Corra Alice! Corra!

Foi isso o que ela fez, começou a correr como nunca fizera na vida, deixando os outros para trás, sendo seguida apenas pelo sorriso do Gato.

- Você perderá essa luta. - O Gato ronronou perto de seus ouvidos. - Mas é para o seu bem, a melhor decisão para ser livre é se render.

Ela procurava por um esconderijo, qualquer coisa que pudesse salvá-la do olhar sedento de sangue da Rainha. Seu corpo foi parado de repente, um muro invisível não a deixava prosseguir mais, um porta estava desenhada sobre ele, a mesma porta que pertencia ao seu quarto, que era trancada depois das visitas torturantes da diretora do sanatório.

- A chave!

A Rainha de Copas se aproximou com seus soldados atrás. Mas antes que ela ou alguém pudesse fazer algo, Alice pulou sobre a soberana, era isso o que ela precisava.

Enfrentar seu medo.

Os soldados paralisaram e se desfizeram como pó, a Rainha ficava mais vermelha e se debatia sobre a grama peluda. Alice pegou o chave e tentou puxá-la, mas ela ainda estava presa na colar da Rainha. O Chapeleiro e os outros assistiam a cena com orgulho.

Alice não tinha noção de quanta força estava usando, a Rainha estava sendo enforcada por ela, mas a garota não se importava, tudo o que ela mais queria era a chave. E finalmente o arrancou.

O sangue emergiu doce da boca da Rainha de Copas, a colar cortou o pescoço da soberana e a cabeça dela rolou para longe do corpo. Alice sentiu-se enojada e tonta, mas satisfeita. Ela colocou a chave no buraco da fechadura e a girou. Sua visão escureceu assim que fez isso, sentiu como se estivesse em queda livre quando atravessou a porta, mas um par de mãos a segurou.

Alice sorriu aliviada, depois olhou para aquele que a resgatara, uma mulher vestida de branco e cercada por uma aura de bondade e brilho. A separação chegara ao fim.

A Rainha Branca. Sua mãe.

- Alice, acorda! Está na hora de irmos para casa.


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