Era tudo branco. Branco demais. Ela não gostaria disso, não imagino uma pessoa como ela, sempre tão ativa e usando sua constante blusa azul, querendo um quarto tão branco como aquele. Mas ela não poderia contestar nada, não agora. Passava a maior parte de seu tempo dormindo, estava tão fraca que mal podia se manter de pé sozinha.

Fionna estava velha, beirando seus 95 anos, o tempo a consumia devagar e dolorosamente. Todas as suas aventuras hoje eram apenas memórias. Memórias que faziam a dor amenizar nos dias acordadas. E que se tornavam sonhos em seus momentos adormecida.

Fionna. Como eu a odiava.

Vampiros não envelhecem. Não morrem facilmente. E conseguem melhor que ninguém disfarçar o quanto sofrem com isso. Eu odiava Fionna por ter feito isso comigo. Por ter me levado junto em suas aventuras. Por ter se tornado minha amiga. Por ter me deixado e ensinado a viver. Eu me odiava por amá-la.

– Senhor Lee?

Alguém me encarava da porta. Esperava minha resposta. Eu não queria responder, sabia o que aquilo significava. Ele tinha más noticias, noticias que eu não estava preparado. Eu jamais estaria.

– Senhor Lee ? — novamente ele me chamava, porém desta vez sabia que não me viraria e apenas disse — 2 dias, senhor Lee.

Não respondi, não me movi, não fiz nada e ele apenas saiu depois de dar um longo suspiro. Talvez aquele fosse seu jeito de dizer que sentia muito. Eu sabia. Fionna estava morrendo. E daqui a dois dias, ela seria igual a suas aventuras. Apenas uma memória.

Porém memórias não seriam o suficiente. Eu tenho o suficiente delas para dizer isso.

Sempre me lembraria de tudo. De quando nos conhecemos, das vezes que minha vida fora salva por ela, e eu salvei a dela. Dos dias sombrios e dos dias felizes. Das aventuras e dos tédios. Das brigas e das reconciliações.

Eu a vi crescer. Eu a vi evoluir. Eu sempre estava lá, talvez ela não soubesse como doía estar lá. Doía vê-la crescer, envelhecer, e depois de um tempo. Morrer.

Ela nunca havia me deixado transformá-la. Nunca cogitou tal ideia. Queria se manter o que era desde o inicio. Talvez a única de sua espécie. Ela queria envelhecer com seus amigos, não queria ver ninguém ir antes dela, não queria viver mais que os outros. Aquilo não seria justo.

Mas será que ela não via como não era justo para mim?

Todos se foram devagar e dolorosamente para mim. E agora ela estava indo também. Vampiros têm sentimentos, droga. Ela não tinha o direito de fazer isso comigo. Não ela. Estou cansado de perder pessoas.

Eu sabia. Sempre chegava a esse momento. Eu via as pessoas crescerem, viverem, envelhecerem e em certo momento, morrerem.

Quer saber de uma coisa? Já estou cansado. Será que um dia eu poderei fazer o que pessoas normais fazem quando estão tristes? Quero dizer, deitar e chorar. Talvez agora seja um bom momento, ninguém para me julgar. Eu estaria chorando ao leito da mulher que amo.

Segurei a mão de fionna. Ainda estava um pouco quente. Apoiei meu rosto nas costas de sua mão, de forma que minha testa a tocasse. E ao sentir o calor que emanava, chorei. Chorei como uma criança, um bebê, tanto faz. Apenas chorei.

Eu poderia ter adormecido ali. Chorando por ela e pedindo para que não fosse verdade. Implorando para que acordasse bem de novo. Porém sua mão mexeu. Saiu de meu domínio e tomou meu rosto, alisou minhas bochechas e secou minhas lágrimas.

– Fionna... — olhei para a senhora deitada a minha frente.

– Marshall — ela sorriu — por que está chorando? — falou fraca.

– Fionna, por favor — tentei segurar as lágrimas — não se faça de idiota.

Ela riu fraca.

– Não estou me fazendo querido — levantou meu rosto — mas quem deveria estar chorando aqui sou eu, esqueceu? — riu novamente.

Como ela conseguia sorrir num momento desses?

– Como você consegue? — ela pareceu confusa — rir num momento desses, você está morrendo fionna — segurei forte sua mão.

– Marshall... — ela pareceu perceber algo — você me ama?

– O que? Você sabe que sim meu amor, sempre vou te amar — agora já depositava um beijo em sua mão.

– Então está tudo bem — sorriu.

– Como pode estar? Você se vai, e eu vou ficar, não esta bem, nada esta bem.

– Marshall... Eu não vou a lugar nenhum — ela sorriu — eu sempre vou estar com você.

E então fionna juntou as forças que ainda tinha, e levou minha mão a seu peito. Senti seu coração bater fraco. Porém batia.

– E você sempre vai estar comigo — e nesse momento seus olhos brilhavam — por que eu te amo.

– Fionna...

Ela agora chorava. Seu habitual sorriso estampado em sua face, enquanto lágrimas molhavam seu rosto e o lençol da cama. Alisei sua bochecha, secando algumas lágrimas e dei-lhe um último beijo.

– Que horas são marshall ? — perguntou ainda sorridente e com as lágrimas embaçando sua visão.

– Hora de aventura... Meu amor.

Fionna deu um último sorriso para mim. E logo após sua mão jazia sem vida na minha. E ela sorria alegremente. Fionna se fora.