A menina e o Lobo escrita por Bonnie Only


Capítulo 4
Um lobo ferido




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Às cinco em ponto da tarde, ainda sentada no chão da cabana, com vários cobertores ao meu redor, sentindo o cheiro de sangue fresco dos lobos que estavam dividindo a cabana comigo, observo papai saindo com suas armas e tranqüilizantes.

Um enorme aperto bateu em meu coração. Eu ainda estava com a cena dos lobos correndo desesperados, gravada em minha mente. Me lembro do lobo que me vigiava, sendo atingido por um tiro que papai dera. Era tanta crueldade, eu achei que já estivesse acostumada com isso, mas nunca fui obrigada a dormir com animais mortos, ou presenciar papai os matando ao vivo.

Com uma tremenda ansiedade em meu peito, me levanto dos cobertores. Com passos inseguros, me deparo com os seis lobos mortos. Eles pareciam frios. Resolvi tocar em um deles. Estavam duros, pareciam até uma pedra de gelo, dura e gelada. Suspirando profundamente, decido me afastar deles, vê-los mortos me dava agonia.

Eu não podia ficar parada ali, enquanto meu pai e seus amigos matavam animais que nem sequer fizeram nada para eles. Ainda me relembrando da cena do lobo-branco que me vigiava, caindo e gritando, resolvi que eu tinha que fazer alguma coisa. Ver meu pai e seus amigos matando, sem ao menos poder ajudar, me tornava uma cúmplice.

Com os olhos alertas, esquiando pra lá e pra cá, resolvo calçar as minhas botas, ergo a touca da minha blusa e decido tentar ajudar os lobos.

Correndo discretamente pela neve, tento me recordar do caminho onde estava a alcatéia. Usando minha memória, dou passos rápidas enquanto olhava para trás, para ter a certeza de que papai não me veria.

Começo a correr muito, muito mesmo. Até quase cair no chão e dar de cara com um lobo, caído no mesmo lugar do qual me lembro. Era o lobo que me vigiava! Eu tinha certeza, deveria estar morto, ficou muito tempo exposto ali, com um tiro no peito. Mas o que importa, era ele!

Com minhas luvas grossas e pretas, levanto o pescoço do lobo. E lá estava ele, abrindo seu olho lentamente, enquanto seu peito ainda estava ferido por causa da bala.

— Calma, está tudo bem. — Eu sorri, enquanto sussurrava em seu ouvido para acalmá-lo.

Ele queria me morder eu aposto, mas sem suas forças e com a dor que deve estar sentindo, provavelmente não irá me atacar, aumentando a minha vontade de querer ajudá-lo.

— Por que você e seus amigos não me mataram? — Comecei a conversar com ele, mesmo sabendo que não me responderia. — Eu agradeço muito por não me matarem, eu acho que está na minha vez de te ajudar. Me desculpe, papai matou seis dos seus amigos. O restante fugiu, algo me diz que eles não irão voltar pra te buscar. — Continuei conversando com ele, enquanto a neve caía e o seu olhar de dor tentava me dizer alguma coisa. Ele continuou deitado na neve, com o olhos semi-fechados. Assim como eu, ele era um lobo forte. Nascemos para viver na neve, pensei comigo mesma.

Com cuidado e sem me importar com o tamanho daquele lobo, experimentei tentar carregá-lo em meu colo. Enfiando minhas duas mãos por debaixo de seu corpo ferido, experimentei levantá-lo uma vez. Mas não consegui. Na segunda vez, quase consegui erguê-lo, mas não tive sucesso, então, desesperada, sou obrigada a arrastá-lo.

Aquilo era uma conquista para mim, eu sentia que estava fazendo algo bom. A única coisa ruim nessa história toda era levá-lo para minha cabana. Papai iria querê-lo para mais um lobo morto de sua coleção. Quando eu estava poucos metros de minha cabana, larguei o lobo debaixo de alguns enormes pinheiros cobertos com neve. As folhas dos pinheiros quase esbarravam no chão, era uma ótima camuflagem. Quase perdendo todas as minhas forças por ter arrastado um lobo quase do meu tamanho, o coloquei debaixo dos pinheiros.

Com um pouco de felicidade brotando em mim, corri até a cabana. Achei que essa seria apenas mais uma viagem como as outras, mas estava se tornando diferente. Já cheguei a achar que quando eu crescesse seria uma caçadora, assim como o papai. Mas tudo mudou, ao ver aqueles lobos correndo e suplicando por ajuda, eu pude sentir a dor deles. Vendo aquilo a olho nu, pude mudar toda a minha vida. É tão doloroso.

Chegando dentro da cabana, papai ainda não havia voltado. Agarrei o primeiro cobertor que encontrei jogado no chão, corri de volta até o pinheiro no qual o lobo estava escondido debaixo, e então, resolvi estender o cobertor em volta do lobo. Sei que lobos da neve estão acostumados com o frio, mas sei que ele precisava de um cobertor naquele momento.

Preocupada, com medo de que ele morresse, comecei a orar. Aquilo era tão preocupante.

— Por sua sorte, papai não o trouxe pra cá. Ou você acabaria como os outros. — Falei, sorrindo.

— E eles caíram feito idiotas! — Os amigos caçadores do meu pai, riam. Rapidamente me levantei e saí correndo, tentando entrar na cabana sem que eles me vissem.

— Melody? — Meu pai me viu.

— O-oi! — Dei um sorriso sem graça e acenei.

— Filha, está muito frio! Você ainda está se recuperando! Volte para dentro e se cubra! — Ele arrastava um animal, junto com seus colegas, o qual eu não consegui identificar. Parecia um outro lobo.

Corri até dentro da cabana, fiz como meu pai ordenou e me enrolei em uma coberta.

— Filha, achei que estava mal. O que fazia lá fora? — Meu pai entrou depois de alguns minutos, vindo até mim.

— Eu já estou bem melhor. — Sorri.

Os amigos do meu pai entraram na cabana, estavam manchados com sangue, provavelmente de algum animal.

— Papai, o senhor trouxe um quite de socorro? — Mudei o assunto.

— Sim, está na bolsa. Por que? Se machucou?

— N-Não, eu só achei que você não trouxe... Esquece. — Dei de ombros.

[...]

Anoiteceu. Eu abria um dos alimentos empacotados no meio da cabana. Estávamos usando algumas lanternas para clarear o local depois que a lareira se apagou. Papai dormia profundamente, enquanto soltava roncos que incomodavam. Seus amigos haviam acabado de pegar no sono e eu estava torcendo por isso.

Após me certificar de que todos estavam dormindo, apanhei uma das lanternas, tirei debaixo do cobertor um sanduíche de atum, embrulhado em um saco plástico transparente, o qual eu havia escondido, para levar até o lobo. Isso se ele estivesse vivo, já que papai passou o resto do dia dentro da cabana, impedindo minhas possibilidades de sair dali e tentar melhorar o estado daquele pobre lobo-branco.

No frio da calada da noite, apenas com uma lanterna me guiando, um quite de socorro e com um sanduíche de atum no bolso, abri a porta da cabana. Um frio tremendo soprou em meu rosto, me querendo fazer voltar pra dentro da cabana. Mas resolvi enfrentar aquilo.

Apontando a lanterna para um lado e para o outro, tentei me recordar de qual era o pinheiro no qual deixei o lobo.

Ouvi um fraco uivo. Havia um lobo uivando ali. Logo senti medo, ficar sozinha no meio da neve, no escuro, não era muito seguro.

Estranhei o uivo vir debaixo de uma árvore. Era bem ali aonde estava o lobo-branco. Ao me ver, ele não pareceu gostar de eu ter colocado a luz da lanterna bem em seu rosto, ele me parecia melhor, mesmo não tendo se recuperado por completo.

— Você deve estar com fome. — Falei sorrindo, enquanto desembrulhava o sanduíche do saco e desviava a luz da lanterna de seu rosto.

Lentamente joguei o sanduíche para ele, que primeiramente o cheirou e logo depois abocanhou, como se o sanduíche fosse uma de suas vítimas. Deu até medo de ver aquele lobo dos dentes medonhos estraçalhar um pobre sanduíche de atum.

Após o mesmo comer tudo e em seguida fechar seus olhos, abri o quite de socorro, procurando por um pouco de curativo e algum remédio que pudesse aliviar a dor.
Após eu conseguir limpar um pouco da ferida e preparar o curativo, lentamente aproximei minha mão em seu pelo branco, então o grudei no local do ferimento, dizendo um “Yes” bem baixinho comigo mesma. Eu estava certa, que amanhã, ele amanheceria melhor.


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