Entre Nós escrita por Aline Herondale


Capítulo 7
Já se Sentiu Amaldioçado?


Notas iniciais do capítulo

Primeiro preciso explicar que se não fosse por uma alma muito simpático eu, de fato, teria abandona a fic.♥ Porque depois que você perde o emprego, muda de faculdade, está tirando a carteira, descobre que tem um TCC e está estudando para concurso, não sobra muito tempo livre além das poucas horas de sono, os minutos para o banho e os intervalos de exatos cinco minutos entre uma matéria e outra. E olha que 2016 ainda nem começou.
Bom aqui está mais um capítulo.
Sim, também acho que não posso abandonar a fic, até porque já me apeguei aos personagens, a história, tudo. E quero terminá-la, mas falta-me tempo. Acho que tirando uma hora por dia do meu sono, todo dia, eu conseguirei postar alguma coisa que valha a pena para vocês.
Obrigado por tudo, boas festas todo mundo e obrigada - você - que me mandou aquela MP. Preciso de mais pessoas que puxem minha orelha todo dia♥. Esqueci seu nome mas quero que saiba que foi pela sua mensagem que retornei. Nossa, agora fiquei sentimental kkk
Espero que gostem!
Escutava: https://www.youtube.com/watch?v=ZU31HQML_8M



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“A dor latente no peito

não passa de uma ferida aberta.

Dor que nunca sara,

ferida que nunca fecha,

sangra dois dias,

cura um dia.

Falta o ar pra respirar

tento escrever

pra tentar curar

dói mais.”





— Pensei que sua mãe não gostasse da gente. - Theo concluiu, esticando o pescoço para enxergar o que tinha dentro da cesta que Ange tinha nos braços.

Ange arregalou os olhos assustada e deu uma forte cotovelada nas suas costelas. Ele soltou um guincho e contraiu levemente o corpo. Como poderia ser tão mal educado? Ange não sabia, e olhou para a amiga, sorrindo envergonhada e pedindo desculpas pelo olhar.

Nicola sorriu e balançou a cabeça para Ange; dizendo que não ligava. Os três sabiam dos sentimentos dos pais de Nicola para com os gêmeos. Mas isso não os impediu de manterem a amizade e o convívio. E apesar da mãe Nicola ter ficado sabendo da gradives de Corine na mesma semana, apenas mandou uma enorme travessa de lasanha, através de Dona Eva, junto com o número de um médico considerado ótimo, por ela. Desde então nunca mais ligara e nem comparecera nos últimos quatro aniversários dos Heavenly que fora convidada.

Nicola, Ange e Theo não se importavam com a falta da amizade entre suas mães. Desde que não afetassem a deles.

— Ela se sente culpada pelos outros anos em que não deu nada. Sei lá. Ai hoje ela colocou isso no meu colo e disse “entregue aos Heavenly”, e fechou a porta na minha casa. É doida.

— Obrigado Nila. Agradeça sua mãe. E diz que a minha adorou. - Sorrindo Ange colocou a cesta nas mãos do irmãos, que quase se desequilibrou, e se virou, partindo. Nicola saciu as mãos e os observou sumir, ao dobrar a esquina, antes de abrir o celular e ligar para o pai.

— Pode vim me pegar?

— Filha, você vai ter que esperar um pouco. Tem problema? Eu e sua mãe ainda estamos preso na agência. Tudo bem você pedir uma carona?

Agência.

— Claro, beleza. Eu peço. - E fechou o celular, inspirando alto e apertou os olhos. Já faziam quase dois meses e ela ainda não tinha conseguido fazer os pais mudarem de ideia e nem encontrado coragem para dizer ao Heavenly o que vinha acontecendo. Ela tinha certeza de que, num primeiro momento, Ange entenderia. Poderia até ficar feliz. Se abraçariam e Theo desejaria boa sorte. Mas também tinha certeza de que, quando chegassem em casa, Ange se trancaria no quarto para chorar no colo de Theo. E Nicola não queria isso. Mas também não podia deixar de contar para os seus dois melhores amigos que estava se mudando. Que iria embora.

O passaporte dos seus pais haviam expirado e não havia nada que eles pudessem fazer. Não por agora. Então eles precisavam voltar para a Itália e, quem sabe, no futuro retornar. Mas Nicola não queria nem precisar sair, e ficar aqui sozinha não era uma opção.

— Ught! - Ela esfregou o rosto com raiva e depois bufou.

Não havia mais quase ninguém na porta da escola, e o céu começara a escurecer, ameaçando chover. Nicola puxou o zíper até sua garganta, fechando completamente o casaco de educação física da escola e enfiou as mãos nos bolsos.

Ele suspirou fundo antes de virar o corpo e pegar a direção para a sua casa. E mesmo que seus pais sempre avisassem sobre como era perigoso as ruas do bairro em que moravam, eles não também precisavam saber que, toda vez que Nicola dizia ter conseguido carona de “uma amiga” até em casa, ela na verdade havia caminhado todo o caminho.










— Você não é minha mãe! - Ammon gritou, jogando os talheres no chão. Era meio dia e os irmãos estavam reunidos na mesa, almoçando.

Ao menos tentavam.

Ange estava ao lado do irmão mais novo, oferecendo a comer ervilha junto com um pedaço de carne e quando ele recusou ela tentou forçá-lo. Theo interviu e acabou ganhando um soco no braço, que atiçou a indignação da irmã e começou a bater boca com Ammon. Apesar de ser tranquila e transmitir paz, Ammon era uma das pouquíssimas pessoas que conseguia fazer Ange perder a calma. E Theo, que quase nunca percebia o que acontecia à sua volta e sempre fazia questão de não se meter, nem mesmo quando era convidado, contornou a mesa e tentou acalmar ambos. Mas só serviu para jogar mais lenha na fogueira e logo Ammon estava ameaçando Ange com o garfo.

Apesar de Ange e Theo nunca tiverem tido problemas com a comida feita pela mãe ou por Dona Eva, muito menos quanto aos ingredientes usados nos pratos, Ammon se mostrava bastante seletivo. Desde sempre empurrava para o lado tudo que era vermelho, verde ou laranja, só comendo arroz e carne - carne, não frango. E agora havia decidido não comer nada que fosse verde. Até mesmo o feijão era algo com o qual implicava, mas era onde Corrine conseguia mais vitórias comparado aos vegetais.

E se existia alguém que o conseguia fazer comer tudo era ela.

Porém Corrine havia saído para fazer a entrega de roupas consertadas de algumas clientes - sendo costureira mais um serviço incluído numa lista já extensa que ela se submetia para ganhar um dinheiro extra. Havia levado Mouse - o mais novo membro da famíia - para acompanhá-la. E apesar de ele só ter um aninho, sabia que o deixando em casa sobrecarregaria seus dois primogênitos. Mesmo aos dez anos, Ange e Theo a ajudavam muito.

O esforço vali a pena, pois Corrine reconhecia o gênio forte que Ammon tinha. E, infelizmente, enxergava que só Graydon conseguia acalmá-lo. Por esse motivo ele havia estendido sua estadia na cidade e estava em casa almoçando com as crianças.

— Ei, ei ei! O que está aconteceu aqui?! - Graydon adentrou furioso na cozinha, carregando seu prato de comida e uma lata de cerveja. Sempre comia no sofá, assistindo aos jogos de rugby que tanto gostava.

— Ange me machucou! Enfiou o garfo na minha boca, quase furou minha garganta. Ta sangrando! - Ammon foi o primeiro a se pronunciar.

— Quanto drama seu mulherzinha. E que mentira! Eu nem coloquei o garfo na sua boca, seu mentiroso! - Ange tentou se aproximar do caçula mas Theo se meteu no meio, a mantendo no lugar.

— Ei, não fale assim do seu irmão, mocinha! - Graydon apontou um dos dedos da mão que segurava a cerveja e deu um passo em direção a filha. - Quero respeito. Ele é homem sim. Ele é o homem dessa casa depois de mim.

Theo estava de costas para o pai e preferiu se manter assim. Não queria virar o rosto. Por isso não viu o olhar de desdem que recebeu pelas costas. Graydon se virou para Ammon e agachou ao seu lado.

— Eu não vou comer. - Ammon logo anunciou antes de Graydon falar qualquer coisa, cruzando os braços e fazendo um bico.

— Mas ele tem que comer. A mamãe mandou. - A menina aumentou a voz.

— Ange, calma. - Theo pediu, a firmando pelos ombros. Só conseguiu receber um olhar irritado.

Graydon os ignorou.

— O que você não quer comer, filho?

— Isso, papai. É nojento. - Ammon apontou para as bolinhas verdes que tinha no prato. - A Gegê me enganou, colocou no meio da carne pra’ eu comer sem ver.

— A mamãe que mandou. - A menina falou do outro lado da mesa.

— Ange cala a boca! - Graydon gritou, torcendo o corpo para a menina. - Se você abrir a boca mais uma vez vou te levar para o banheiro!

E mesmo com Graydon olhando nos olhos da menina ela não diminuiu o semblante sério mas calou. Theo temeu pela irmã e sabia que ela não iria parar.

Ange nunca fora assim, antigamente se mostrava uma pessoa mais calma e de tom tranquilo. Nas pouquíssimas vezes que se irritava não transmitia mais do que indignação e nunca, nunca, fez nada para Graydon se enfurecer com ela. Mas desde os últimos anos ela vinha se tornando alguém de pavio curto e bastante falante, exigindo tudo. Fora de casa se mantinha a mesma Ange calma de antigamente, mas bastava pisar dentro de casa que se tornava mais desafiadora. Ela lembrava Theo do gatinho assustado que tinham na escola, quando mexiam com ele o gatinho arranhava a todos mas quando deixado de lado parecia o bichano dos mais fofos.

Ange era tão fofa quando o gatinho mas mudava completamente quando Ammon queria desobedecer a mãe. E o pior, passou a enfrentar o pai. Algo não muito sábio. Theo acreditava que, na verdade, ela não pensava nas consequências de seus atos, se deixando ser movida pela emoção do momento e acabou se tornando alguém bastante petulante. Coisa que Graydon desaprovava.

O pai já a havia ameaçado levá-la ao banheiro outras duas vezes, mas Corrine sempre intercedia, acalmando tanto a filha quanto o marido. Porém, infelizmente, hoje ela não estava lá e Theo não sabia se conseguiria fazer com que Ange se acalmasse. Ela conseguia ser bastante teimosa quando queria. Theo temia pela irmã, seja lá o que pai pretendia fazer com ela, trancada no banheiro. Só tinha certeza de que coisa boa não era.

— Ange, Ange, por favor. Fica quieta. Ange, para! - Ele a balançou pelos braços, a fim de capturar sua atenção.

— Não, Theo. A mamãe mandou, mas que saco. Porque ele pode ficar sem comer? - Ange tentava fazer o irmão soltá-la enquanto o questionava com os olhos marejados. Mesmo com toda a sua fachada de rebelde continuava sendo a pessoa delicada no interior. - Cadê a mamãe?

— Ela saiu com o Mouse, esqueceu? - Theo lembrou-a, depois de um longo suspiro. Vendo-os de perto, e sob a fina camada de água, os olhos da sua irmã se tornaram duas moedas de ouro de tão brilhantes e ele sentiu seu coração apertar. Não gostava nunca de ver Ange chorar.

Ambos sabiam que não podiam contar com o apoio do pai para nada, e desde o momento do nascimento de Ammon perceberam que ele era o favorito do pai, assim com seu protegido. Eram bastante parecidos quanto à personalidade e por conta disso batia de frente com os gêmeos à todo momento. Talvez por esse motivo, Ange tenha se tornado bastante avessa ao irmão mais novo e constantemente se metia numa discussão com ele.

— Separa e deixa no prato. Você não precisa comer. - Só conseguiram escutar o final da frase.

E segundos antes de Ange levantar a voz Theo sabia o que ela ia fazer e tentou levar a mão à sua boca, falhando, pois ela se desviou.

— O quê?! Isso não pode, pai! Ele tem que comer! - Ela gritou à todos pulmões, enfatizando a palavras.

Só houve tempo para Theo virar o rosto e ver o pai se colocando de pé, depositando o prato e a latinha de cerveja sobre a mesa, pois quando deu por sí ele já dava um passo em direção à ambos. Sua perna mecânica lhe deu um impulso maior do que uma perna normal conseguiria alcançar, e num piscar de olhos Graydon estava parado em frente à eles. Seu rosto estava contorcido de raiva e sua careca totalmente vermelha. Ele levou uma das mãos até um dos braços de Ange e foi quando Theo, sem pensar, puxou-a para o lado, se colocando na frente da irmã.

Graydon tomou um susto e levantou o olhar na direção do menino. Por dois segundos ficou surpreso e até orgulhoso pela coragem da criança mas logo a raiva o consumiu e sem pensar bateu a mão num dos lados do rosto de Theo. Ele voou longe e se chocou contra os móveis da cozinha, caindo no chão, meio tonto.

Ange soltou um grito e Ammon se encolheu sobre a cadeira.

Sem tempo para acudir o irmão, ela se pôs a gritar pelo seu nome, enquanto era arrastada em direção ao banheiro, pelo pai. Theo via estrelas e tudo a sua volta girava, enquanto Ange só conseguia enxergar Theo caído no chão. Ela continuou gritando chamando seu nome, desesperado para ir até onde ele estava e conferir se não tinha se ferido. Puxava o pulso com toda a força que tinha, mas o aperto de seu pai era como ferro e a medida que as lágrimas se formavam, ela enxergava com menos clareza seu irmão. Theo podia estar sangrando ou qualquer outra coisa grave, e ela não se perdoaria caso não conseguisse cuidar dele a tempo.

Ange só se deu conta de para onde estava indo quando viraram no corredor e Graydon abriu a porta do banheiro. Nesse momento ela se esqueceu completamente do motivo pelo qual estava tão nervosa e do porque brigava. Nesse momento ela sentiu de fato medo. O sentimento no seu estado mais cru. Quando seu sangue deixa de correr nas veias e tudo congela, um arrepio percorre sua espinha e tudo que você consegue fazer é observar, estagnada. Quando sua mente fica vazia e nenhum pensamento de esperança passa pela sua cabeça, porque, naquele momento você entendeu que vai passar por algo horrível. E não há como evitar.

Que você vai morrer. Não no sentido literal da palavra, mas sim de que depois daquela situação, algo em você vai mudar, que parte de você vai morrer. Porque não tem como continuar sendo a mesma pessoa depois do que virá, uma parte sua - aquela inocente e bela - vai ser morta. E mesmo você não querendo isso, não tem como evitar, e então você chora. Pela parte sua que vai embora. Por ser a parte mais bela.

Ideias e suposições se amontoaram ao monte nos míseros segundos que antecedeu o ato. Ange começou a temer pela vida, por não saber o que poderia vir a acontecer, do que aquela pessoa que a puxa era capaz de fazer com ela. Até onde Graydon chegaria? Ela não sabia de nada. Naqueles segundos em que olhou para o pai e depois para o banheiro, e descobriu não o conhecer, entendeu que ele poderia fazer qualquer coisa e de tudo com ela. Ange não queria que ele fizesse de tudo e qualquer coisa com ela. Ela só queria Theo e sua mãe.

Mas pedir não foi o suficiente. Chorar penosamente não foi suficiente e nem suplicar de joelhos e de mãos entrelaçadas. Os gritos de Ange também não foram suficientes para fazê-lo parar e quando Theo recobrou - um pouco - a consciência e entendeu o que acontecia correu para o banheiro. Se jogou contra os móveis e a parede porque tudo ainda girava e estrelas cobriam parte da sua visão.

Mas já era tarde. Graydon já havia se trancado lá dentro com a irmã.

E nem os gritos e súplicas de Theo foram suficientes para parar Graydon de fazer o que quer que estivesse causando todo aquele sofrimento em Ange - que ela expressava em seus gritos e pedidos de cessar. Theo chorava tanto quanto a irmã e mesmo com a visão turva pelas lágrimas que escorriam incessantemente de seus olhinhos castanhos, ele esmurrava a porta à esmo, de punhos cerrados na maior força que conseguia. Arranhava a madeira e chegou a tentar arrancar as dobradiças, mas quebrou todas as unhas e ficou com os dedos deslizando por conta do sangue. Deixou uma grande mancha vermelha na porta e respingos de sangue pintavam o chão.

Mesmo depois de um tempo Theo ainda escutava o som dos choramingos de Ange.











No final da tarde Dona Eva bateu na porta da casa dos Heavenly e foi recebida por um menino de cabelos castanhos cor de madeira, com os fios espetados para cima como se os tivesse puxados à fim de arrancá-los. Seus olhinhos estavam tão vermelhos que quase não era possível distinguir o tom castanho dourado e ele tremia levemente.

Imediatamente Dona Eva colocou sobre a primeira superfície lisa que encontrou a travessa de torta que tinha em mãos e puxou Theo para si. Ela o afagou e tentou limpar suas lágrimas, mas Theo se desvencilhou do seu abraço e a puxou por uma das mãos. Dona Eva foi conduzida até o banheiro que ficava no corredor.

Primeiro se assustou com o sangue no chão e mais ainda com a enorme mancha que estava na porta, mas não perguntou nada. Demorou um segundo para identificar o som abafado que vinha de trás da cortina da banheira, um fungar delicado e sensível.

Franzindo a sobrancelha Dona Eva puxou a cortina para o lado e instantaneamente seus joelhos fraquejaram. Ange estava encolhida no canto, abraçando o próprio corpo. Seus cabelos estavam revoltos, mas de uma forma que entregava que algo havia os deixado assim, algo nada delicado e natural. Como uma luta ou uma corrida alucinada. Seus braços e joelhos tremiam compulsivamente, com os ossinhos proeminentes batendo um contra o outro, fazendo um som terrível. Assim como os de seu irmão, os olhinhos de Ange estavam tão absurdamente vermelhos quanto fica uma pele em carne viva e Dona Eva identificou alguns arranhões nos braços e pernas da menina. Mas algo lhe dizia que aquilo não era o pior.

Demorou alguns longos minutos até conseguir tirar Ange de lá, e quando Dona Eva notou as mãos de Theo cobertas de sangue seco também o levou para sua casa. Não perguntou por Graydon e nem se deu o trabalho de se preocupar com ele. Havia passado dos limites. Não o perdoaria por aquilo. Eram seus próprios filhos! Crianças!

Após limpar as feridas de Theo, tentou cuidar de Ange. Dona Eva nem cogitou colocar Theo para dormir com Ange ainda faltando se lavar. Ela também sabia que o menino não sairia de perto da irmã.

E só com a ajuda dele conseguiu fazer Ange caminhar até o banheiro da Dona Eva - que ela só entrou porque com nada se assemelhava com o que tinha na sua casa - e entrar de baixo do chuveiro ainda vestida. Theo esperou ao lado da porta - que ficou aberta -, segurando a toalha que secaria a irmã.

Ele ainda derramou algumas lágrimas enquanto esfregava a cabeleira rosa alaranjada da irmã, e rapidamente as limpou antes que ela visse. Mas Ange não tirava os olhos do chão e mesmo só quando Theo tirou a toalha a sua cabeça e a ficou encarando ela não se mexeu. Um pouco trêmulo e sem saber direito como fazer, Theo levou uma mão ao rostinho da irmã e passou a ponta dos dedos na bochecha que não tinha sido arranhada.

Ele viu a irmã tremer sutilmente e então Ange piscou. Foi como se tivesse acordado de um transe. Ela levantou os olhos vagarosamente e olhou para o irmão. De início não viu nada, era como se estivesse muito distante, mas ao pouco reconhceu os contornos delicados e familiares. As sobrancelhas finas. A pinta em baixo do olhos esquerdo e os olhos. Estavam enormes e brilhavam, mais douradas do que castanho, e ela sentiu um alívio. Era enxergou Theo.

E quando Dona Eva voltou para o banheiro, segurando um prato com biscoitos, parou na curva para a entrada do banheiro. Ange encarava Theo como se ele fosse a única coisa que via, e depois de levantar sutilmente os cantos da boca, encostou sua testa num dos ombros do irmão. Theo soltou a toalha que havia usado para enxugar os cabelos da menina e havia colocado uma das mãos na bochecha ilesa da irmã. Ele a abraçou e apoiou a cabeça na da irmã, suspirando alto e apertando-a contra si. Mesmo dali Dona Eva via as mãos do menino sofrendo alguns espasmos.

Para dormirem foi preciso de um calmante. Dona Eva pegou quatro pílulas e as colocou sobre a mesa. Agora, tinha apenas duas, uma para ela e outra que daria a Corrine. Ela sabia que sua amiga precisaria.










Nicola era uma boa amiga, e amava ter a amizade dos gêmeos, em especial a de Ange. Motivo pelo qual não entendeu a ordem do pai quando ele disse que ela deveria se afastar dos irmãos Heavenly, sob a ameaça de que a mudaria de escola caso não viesse a obedecer.

Primeiro ela logo pensou na noite em que vira os pais de Ange brigarem e ela chegar em casa com um machucado na cabeça. Dona Eva havia contado uma boa história sobre uma brincadeira em que os gêmeos perderam o controle e Nicola acabou batendo a cabeça no canto da mesa. Seus pais franziram as sobrancelhas de forma intensa, mas concordaram e se despediram.

O pai xingou aquela família todo o caminho de casa e a mãe a proibiu de continuar tendo a amizade deles. Nem mesmo a greve de fome e silêncio que Nicola fez naquela noite o fizeram mudar de ideia no dia seguinte. Ainda bem não foi preciso nada mais drástico, porque logo a poeira abaixou e Ange, Theo e Nicola continuaram próximos.

Ela acompanhou a alegria dos gêmeso quando estes ganharam Ammon. A decepção de ambos ao descobrirem como o irmão caçula se assemelhava cada vez mais ao pai, e como este demonstrava abertamente que Ammon era seu favorito. Nicola viu Ange derramar algumas lágrimas por problemas em casa, e antes que conseguisse levantar a mão, Theo já estava limpando seu rosto delicadamente. Nicola acompanhou o cuidado que Theo sempre teve para com Ange. Acompanhou ele crescer e espichar, aumentando os centímetros de diferença dele com ela e Ange. Também viu Ange amadurecer, se tornar mais bonita, alta, os contornos perder a inocência e a infância, deixando-a cada vez mais bela. Observou os meninos virarem os pescoços para vê-la passar e flagrou Theo, tantas vezes, balançar a cabeça para meninas que o pegavam desprevenido.

Descobriu que, na verdade, Ange era mais falante e até meio selvagem. Que Theo era a calma em pessoa e sua voz era rouca e tranquila. Que Ange expressava suas emoções e feições abertamente e nos dias em que ela estava empolgada, quase era possível esquecer que Theo estava por perto, porque não havia espaço para mais ninguém a não ser ela.

Nicola percebeu muitas coisas. Coisas que titubeava quando estava sozinha porque não havia como dividir com outra pessoa. Porque não havia e porque ninguém entenderia como ela. Era preciso dos anos e das experiências que ela passou e vivenciou para que qualquer outra pessoa começar a imaginar algo. E ainda assim não seria suficiente.

Foram muitos anos juntos e ela não queria perder aquilo.

Mas no dia que decidiu ir conversar sobre isso com os gêmeos eles faltaram. E também no dia seguinte e no dia posterior a esse. Passou o final de semana sem notícia dos dois e quando a segunda feira chegou também não os viu. Quase uma semana depois eles retornaram para a escola porém algo havia acontecido. Logo que colocou seus olhos castanhos sobre eles percebeu.

Ange tinha o cabelo na altura das orelhas - havia cortado -, mantinha os olhos baixos e os ombros encolhidos. Theo que naturalmente sempre fora mais calado havia se tornado praticamente um mudo e mal olhava para os lados. Passaram a sentar lado a lado e Nicola via que ele segurava a mão de Ange por debaixo da mesa durante todas as aulas. O choque pela ausência do cabelo de Ange foi grande mas tudo foi superado quando ela os viu.

Ela os conhecia. Haviam tido um problema de família, e apesar de Ange nunca dizer exatamente qual era o problema, Nicola entendia quão sério era pelas caras que os gêmeos faziam toda vez que explicavam o motivo.

Nicola detestava vê-los daquela maneira. E todo o discurso que havia decorado, contando sobre o retorno que precisaria fazer para a Itália foi esquecido.


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Notas finais do capítulo

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XO