O País dos Generais escrita por Redbird


Capítulo 18
Noites em fuga


Notas iniciais do capítulo

Olaaaaaaaa
Olha quem ressuscitou? Sim, eu!!!! Voltei porque amo vocês. Eu quero agradecer de todo o meu coração e corpinho ao Engenho das Letras pela recomendação fodástica. Você não sabe como amei, sério. Esse capitulo é para você, ou como os gaúchos dizem, para ti ♥ .
Espero realmente que gostem. Lembre-se você são tudo e a opinião de vocês é ouro.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/603614/chapter/18

 "Blackbird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
You were only waiting for this moment to be free.

Blackbird fly Blackbird fly
Into the light of the dark black night"

 

Segundos, minutos e horas podem ser coisas totalmente aleatórias e sem sentido. Aquela noite foi prova disso.  Eu segurava Katniss o mais forte e gentilmente que podia, sentia suas lágrimas escorrendo por minha camisa e uma vaga sensação de dor no local onde ela havia arranhado meus braços tentando se desvencilhar.  Esperamos o que pareceu séculos, escondidos no fundo do palco improvisado no porão.

Nunca fui um homem particularmente muito forte, Cato era três vezes mais forte do que eu e na infância não passava um dia sem que não me lembrasse desse fato. Eu odiava ter que ser salvo por Melanie. Ela sempre era repreendida pelo meu pai por não deixar eu me tornar homem suficiente para lutar minhas próprias batalhas. Eu sabia que Katniss tinha força o suficiente para se desvencilhar, só que eu estava desesperado, mantê-la segura era uma prioridade.

 

Depois de alguns minutos ela parou de lutar, as lágrimas ainda corriam mas ela já não era mesma. Estava quebrada. Senti que ela tremia e com cada tremor a dor dava lugar a algo ainda mais perigoso. Fúria. Eu conhecia bem essa sensação, mesmo que as lembranças ainda fossem um pouco borradas e o tempo tivesse diminuído a dor daquele dia com os anos.

Depois que o silêncio se tornou completo, esperei um pouco para ter certeza de que não havia  perigo e fiz o possível para carregar Katniss para fora daquele lugar.

A garota estava em transe.  E ela tremia. Deus, como ela tremia. Era como se todo o calor do corpo dela tivesse sido drenado e levado junto com Gale.

 Eu meio que a carregava e empurrava pelo campo, até o local onde tinha deixado escondido um dos carros em que viemos. Senti um alivio ao ver que ele não fora descoberto. O ritmo do meu coração se acalmou um pouco quando percebi que o outro carro em que nossos amigos vieram não estava mais ali.  Com sorte, alguns deles tinham conseguido escapar.

Coloquei Katniss dentro do carro e pus minha jaqueta em cima dela. Ela ainda não tinha parado de chorar, apesar de estar completamente quieta.

—Por favor-  A voz dela parecia ser levada com o vento, se dissipando a cada esforço- Não quero ir para casa. Não agora.

Assenti, sabendo que era o mais seguro apesar de tudo. Dei a partida e começamos a andar com os faróis desligados pela cidade.

Porto Alegre estava deserta. Com o toque de recolher não existia mais nenhuma alma viva na rua. Era como se estivéssemos em um limbo, uma realidade alternativa. Me perguntei se as pessoas dormindo tranquilamente nos prédios e casas pelos quais passávamos tinham alguma ideia do pesadelo que estávamos vivendo.

Andei devagar, embora eu estivesse sendo cuidadoso sabia que não havia perigo de ser pego nessa região que era praticamente mato. Andamos por cerca de duas horas, em um silencio quase sepulcral. Quando a gasolina estava em um nível quase crítico, estacionei no parque da redenção tomando cuidado para deixar o carro bem escondido.  

 Não havia ninguém ali àquela hora. E os pobres internos do Colégio militar dormiam o sono dos justos sem se preocupar com um jovem casal rebelde e desesperado. Nós dois saímos e sem dizer uma palavra seguimos até uma zona afastada do parque.   Senti aquele lugar fora de orbita, tão calmo em meio ao caos, até mesmo os animais da redenção dormiam.

 Sentamos em um banco e sem querer percebi o quanto Katniss estava gelada. Eu também estava congelando, no entanto duvidava que nosso frio tivesse algo a ver com o vento de uma madrugada de agosto.

Eu queria que ela falasse algo, mas ela parecia em estado de choque. Pensei em algum comentário, algo mordaz mas eu não consegui. Não conseguia mais fingir com Katniss. Ela parecia ainda menor embrulhada no meu casaco. Todos os meus instintos me diziam para abraça-la, mas me contive. Não seria bom. Não agora.

—Como eles nos descobriram? - perguntou ela depois de algum tempo.

Não respondi. Os olhos de Katniss me diziam que ela já sabia a resposta.  Alguém denunciara a festa, alguém delatara os próprios amigos. Tentei não ficar com raiva. Talvez, a pessoa tivesse sido torturada. Talvez mal tivesse saído da adolescência e tivesse tido que lidar com horrores que ninguém deveria.

 Talvez... mas só de lembrar da menina caída no chão enquanto todos tentavam fugir, esquecida como um animal enquanto tentava se levantar, o desespero de Katniss e os barulhos terríveis, os gritos das pessoas sendo presas...perdoar não era uma opção.

Tentei dizer que deveríamos voltar para casa, mas por algum motivo não consegui. Quando voltássemos teríamos que lidar com tudo. Talvez mais amigos tivessem sido presos, talvez alguém estivesse indo até a casa de Johanna naquele momento. Minhas mãos pegaram um graveto e ele se partiu ao meio.

— Eu tenho que encontrá-lo. Tenho que procurar Gale. Não posso ir embora agora.. .E...- Katniss se levantou e começou a andar para lá e para cá. As folhas indo e vindo com seus passos. Ela encarou uma delas como se tivesse reconhecido algo. Talvez ela tivesse.  Ela estava à deriva como aquelas folhas.

Não me aguentei, levantei e a segurei pelo ombro. Ela parecia totalmente atordoada.

— Katniss-  Minha voz me surpreendeu com calma ela saiu- Katniss olhe para mim.

Ela não fez isso, mas parou de andar, olhando fixamente a árvore na frente dela como se fosse algo de outro mundo e ela não conseguisse muito bem compreender. A segurei pelos ombros.

—Você vai ficar bem. Você sabe que tem que ficar bem. O que quer que tenham feito com Gale....onde quer que ele esteja, você tem a obrigação de ficar bem por causa dele.

Larguei os ombros dela e sentei na grama. Ela se virou e me olhou pelo que pareceu a primeira vez em muito tempo. Para minha surpresa ela veio até a mim e recostou a cabeça no meu peito.

Nas últimas horas toda aquela estranheza entre nós, aquela costumeira desconfiança mutua havia desaparecido e a vulnerabilidade dela só fazia com que os muros entre nós caíssem mais rápido.  Katniss brincava com a pulseira com hamsá. A mesma que eu vira no pulso de Prim na festa do Tiradentes.

— Se você não tivesse me segurado... Talvez eu também estivesse nas mãos deles agora. 

Tentei evitar o pensamento. Era algo terrível demais só de imaginar. Então, para não pensar nisso a segurei mais forte.

—Temos que ir para casa – Falei me concentrando na grama balançando, no vento da madrugada... em qualquer coisa menos em Katniss. Senti, antes de ouvir o suspiro que ela deu, sua cabeça ainda enterrada no meu peito.

Levantei um pouco o queixo dela, para que ela olhasse para mim. Por algum motivo, a memória de um sorriso e um cabelo loiro invadiram a minha mente.  As palavras que seguiram já não eram mais minhas, eram da minha irmã.

—Katniss, vai ficar tudo bem. Você sabe disso, não sabe? Eles podem matar, torturar, prender. É isso que eles fazem.  Eles odeiam, nós resistimos. Com tudo o que temos e com tudo o que somos. Sobrevivemos, por mais que eles não queiram, por mais que eles continuem dizendo não.   E sobrevivemos por que somos algo que eles não podem matar.

De repente era como se eu pudesse ver tudo mais claro, meu coração havia dobrado a velocidade de sua batida.  Estávamos experimentado algo crucial, éramos testemunhas de um segredo do universo, um segredo que só nós dois conhecíamos. Tudo o que importava era o fato de que tínhamos sobrevivido, de que ela estava aqui comigo, tão perto que eu podia sentir o cheiro de morango do seu cabelo.

—Eles odeiam- tentei continuar falando mas era como se minha voz fosse sumindo, eu não conseguia mais pensar, apenas sentir.

—Nós amamos- respondeu Katniss, como se soubesse o que eu estava pensando todo o tempo. 

E foi então que eu soube que não havia mais volta.  Já estávamos dançando em um compasso diferente do resto, caminhando por uma estrada, esburacada e perigosa. Com um destino que eu não sabia qual era, mas que eu tinha certeza que era onde eu precisava estar. Beijar Katniss era como renascer aos poucos e morrer de uma maneira pacifica e tranquila. Cada pedaço de dor acumulado com os anos caindo aos pedaços como se fosse feito de areia.  Era como se todas as dúvidas tivessem sido desfeitas e enterradas em um lugar muito distante no meu cérebro.

Não sei por quanto tempo ficamos ali, só sabia que eu praticamente esquecera que tínhamos que voltar. O barulho de um quero-quero fez com que nós dois saíssemos do transe em que estávamos.  Caminhamos de volta para o carro, em silêncio, as mãos dadas.  Katniss parou de repente na frente do carro, e olhou para o parque atrás dela.

— Vamos- encorajei.   Ela assentiu e entrou no carro, ainda tentando catar os pedacinhos do que sobrara aquela noite, minha mão permaneceu na dela enquanto eu dirigia porque eu sabia que ela iria precisar de algo ao que se segurar quando chegasse em casa.

Quando chegamos a rua da Johanna já eram quase 3h da manhã. Katniss olhou para mim e respirou fundo antes de tocar o interfone do prédio. O medo dela emanava em ondas e apertei sua mão em apoio.

 A porta abriu e quando chegamos a mãe de Katniss a puxou para um abraço desesperado. 

—Onde estão os outros? Onde está Johanna?- Katniss mal deu tempo para a mãe se recuperar, Prim a encarava com os olhos assustados.  Seu pai parecia ter envelhecido 10 anos, sentado na mesa e  encarando a filha como se estivesse vendo uma aparição.

A mãe dela mordeu o lábio e acenou em direção ao quatro.  Katniss e eu fomos correndo até lá e a encontramos, Johanna estava sentada na cama, calmamente, como se tivesse esperando por nós o tempo todo.

—Deus!- não consegui me conter e fui até ela, verificando os machucados ela estava com o rosto cheio de hematomas roxos. Verifiquei a pulsação, felizmente estava ok.

— O que aconteceu? -  A voz de Katniss estava estranhamento calma, Johanna e ela se entreolhavam como que partilhando um segredo.

— Era uma emboscada. Os outros estão a salvo. Foram...- ela baixou a cabeça, mordendo o lábio e sacudindo violentamente os cabelos. Parecia querer se comunicar com Katniss por pensamento- Avisar alguns amigos.

Katniss anuiu como se a resposta de Johanna fizesse algum sentido.  Fui até a cozinha pegar gelo e quando voltei as duas estavam na mesma posição

—Você vai ficar ok- disse, enquanto entregava para ela o pacote- Mas pelo amor de Deus, pare de me dar sustos assim.

Johanna me olhou como se só agora se desse conta de quem eu era e de que estava ali. Provavelmente, ela estava lembrando da última vez que eu tivera que cuidar dela assim.  Deixei um pouco da água do pano molhar ao cama ao lembrar do modo como meu pai agiu quando reclamei dos militares na UFRGS. “Oras,Peeta. É por isso que mulheres decentes não andam atiçando soldados. São homens, homens agem assim”

—Fui salva porque o rapaz que estava comigo disse que eu era prostituta- Riu Johanna, o que fez com que todo seu rosto se contorcesse em uma careta- Isso é para escolher melhor meus clientes. O milico disse que da próxima vez não vai ser tão bondoso. Onde... onde está Gale?

Katniss sacudiu a cabeça violentamente, como se para evitar as lágrimas novamente.  Ela foi até a janela. Só de olhar para ela eu já sabia, as lágrimas haviam acabado.

Agora todos estavam no pequeno quarto. E eu nunca senti tanta necessidade de sair correndo, de ar puro. A mãe foi até ela, como se tentando consolá-la, mas ela a evitou.

—Eu sabia que essa festa não era uma boa ideia- Falou ela.

Katniss não falou nada por um tempo e continuou olhando para rua. Depois de um tempo se virou para Johanna.  Mais uma vez pude sentir a ligação entre as duas como algo palpável.

—Já está na hora. Está na hora de irmos embora.

Johanna assentiu.

E enquanto eles se preparavam e Johanna os ajudava a descerem as malas percebi que mais uma vez um pedaço da minha alma estava indo embora junto com alguém.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gente, vou tentar escrever mais rápido e atualizar mais vezes ao mês. Não prometo nada porque o fim do ano tá chegando e já viu né? Gente eu quero saber o que estão achando. Críticas, xingamentos, o que for... vocês mandam e eu amo ouvir. Ah sim... a música do capitulo é Blackbird dos Beatles. Sei lá achei válido por motivos de amo beatles e pássaros ahahhaha
Até mais gente



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O País dos Generais" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.