O Grande Palco da Vida escrita por Celso Innocente


Capítulo 4
O primeiro espetáculo.


Notas iniciais do capítulo

Será que Regis terá sua estréia?



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Naquela noite, acompanhado por papai, mamãe e Tony, que sabendo antecipadamente deste passeio, estava mais ansioso do que eu, para ir pela primeira vez de nossas vidas a um grande e belo circo.

Eles três, querendo assistir ao espetáculo, foram sentar-se nas cadeiras do picadeiro, junto ao público, enquanto eu, que também poderia muito bem estar com eles, preferi permanecer por traz das cortinas, de onde assistia a tudo.

O senhor Carlos Alberto, pai de Lucia, era o anfitrião. No início do espetáculo, ele, ricamente vestido em trajes nas cores vinho e branca, com milhares de minúsculas lantejoulas douradas, que refletiam bonitas à luz dos holofotes, anunciou com uma voz forte de estrangeiro, em dezenas de ecos:

— Respeitável público, boa noite. É com grande satisfação que a equipe de espetáculos do Gran Circus Real Americano, apresenta-se pela primeira vez em sua cidade, trazendo um mundo mágico e colorido, com os maiores artista do mundo. Palhaços, malabaristas, trapezistas, domadores de feras, cãezinhos adestrados, músicos, mágicos, o espetacular globo da morte... E para abrilhantar nosso espetáculo, começaremos trazendo muita alegria, com os amigos da criançada, os palhaços, Risadinha, Tristeza e Marroco.

Tropeçando para todo lado, entraram os três palhaços, cruzando o palco e sentando-se no meio do picadeiro, onde Marroco começou a narrar:

— Sabe amigos, no dia em que cheguei nesta bonita cidade, saí à procura de uma namorada e acabei por parar defronte ao cemitério; já era meia noite e então, de repente apareceu um fantasma horrível, mas corajoso do jeito que me conhecem, não tive nadica de medo, soltei um baita de um murraço na cara do bicho, que ele estrebuchou tudico caindo desmaiado…

Um vulto todo de branco, com máscara de morte apareceu de traz das cortinas e abraçou Marroco, acariciando-lhe o rosto; quando este o viu, levantou-se devagar, começou a tremer inteirinho e fazendo xixi pelas pernas abaixo, saiu correndo em disparada, tropeçando em tudo quanto era obstáculo e caindo algumas vezes até sair do picadeiro.

A seguir, tristeza continuou a narrativa:

— Issu num foi nada! Otro dia, fui cunvidado pra i jantá na casa de um amigo; ele é um menininhu simpáticu e tá aí hoji pra cantá pra nóis. A dispois cê pregunta preli pra vê si é verdadi. Eu aceitei i jantá na casa dele, mas achu que errei u caminhu e quandu cheguei à casa qui pensei se du meu amiguinhu, num incontrei ninguém, a num se uma baita di uma linda fantasma. Aquela cabeça di ossu brancu era rearmente uma belezura…

Enquanto tristeza narrava sua história, o vulto branco tornou a aparecer, sentou-se a seu lado e o abraçou, beijando-lhe o rosto e fazendo cafuné em sua cabeça. Assim que Tristeza o viu, saiu em disparada a mais de cem por hora. A seguir o vulto retornou e sentou-se ao lado de Risadinha, que já narrava sua história, abraçando-o:

— Isso não é nada! O pior foi comigo. Ainda ontem eu estava sentado na praça, bem em frente ao cemitério, então chegou um fantasma, sentou-se a meu lado, tirou meu boné e o atirou longe.

O vulto tirou o boné de Risadinha e o atirou longe. Este se levantou, apanhou o boné, colocou na cabeça e reclamou:

— Deixe meu boné em paz pra que eu consiga explicá. Então apanhei o boné, coloquei na cabeça e tornei a me sentar. O fantasma tornou a tirá-lo e jogá-lo longe…

O vulto repetiu a cena. Risadinha tornou a apanhar o boné, colocou na cabeça, sentou-se e disse:

— Deixem meu boné em paz, se não, não consigo contar minha aventura. Peguei o boné, coloquei na cabeça e me sentei, então olhei bem pra cara do fantasma…

Nessa hora Risadinha olhou bem na cara do vulto, levou aquele tremendo susto e saiu correndo para a plateia, tropeçando e caindo varias vezes nos degraus, até saírem do circo pela porta de entrada do público, com o vulto no seu encalço.

Enquanto o tal fantasma, que dando a volta por fora do circo, passara à meu lado e resolvera me abraçar, acariciando meu rosto, fazendo-me até mesmo a acreditar em sua terrível identidade, o senhor Carlos voltara ao picadeiro e anunciara:

— Respeitável público: agora vamos aplaudir o mais jovem grupo de trapezistas de toda a América. Os irmãos... Nijinsky!

Sua voz era linda, com sotaque americano e aquele som forte que era repetido em eco. O grupo de trapezistas apareceu e o senhor Carlos prosseguiu:

— Os trapezistas compostos por quatro membros, onde a idade está entre os dezesseis anos e regredindo para a mais jovem trapezista do mundo... Lucia Nijinsky, com apenas nove anos de idade.

O grupo de trapezistas luxuosamente uniformizado em lycra apareceu, subiu aos trapézios e todos os quatro juntos começaram a balançar, iniciando assim seu magnífico número. Lucia vestia apenas um minúsculo biquíni e sutiã verde, que também, repleto de pequenos brilhos prateados, brilhavam às diferentes tonalidades de cor dos holofotes direcionados a eles. Ela estava magnífica nas alturas e meus olhos vidrados não desgrudavam principalmente dela. Era realmente a menina mais bonita do mundo.

Embaixo havia uma gigantesca rede protetora e o número prosseguia com muita beleza, onde o público no escuro acompanhava a luz que reluzia ao brilho das lantejoulas prateadas, grudadas nos uniformes coloridos, também dos demais membros do grupo de irmãos.

Lucia era magnífica nos trapézios. Apesar de seus simples nove anos de idade, parecia ser uma adulta e acho que meu coraçãozinho de criança estava ficando apaixonado por aquela princesinha encantada.

Assim que terminou suas apresentações, muito aplaudidos se retiraram e o espetáculo prosseguiu; desta feita com o globo da morte, com duas motocicletas.

Por traz das cortinas corri ao encalço de Lucia:

— Puxa! Você foi excelente! — disse-lhe.

— Obrigado! — riu ela ajeitando um arquinho nos lindos cabelos curtos. — E você? Está preparado?

— Espero que sim!

— Está sim! Pode ficar tranquilo!

— Eu estou tranquilo!

— Nem um pouco nervoso?

— Não! — balancei os ombros. — Um pouco... Curioso.

— Curioso não! Ansioso! — corrigiu-me ela apontando o dedo indicador direito em meu peito.

— Acho que é isso! Por que seu pai falou aquele nome? Nirvin... — fiz até careta para tentar lembrar o nome.

— Nijinsky! — riu ela. — Estratégia de circo, usar nome russo!

— Por quê?

— O público dá mais valor! — Deu de ombros ela.

— Você fica muito bonita com essa roupa.

— Obrigado! Foi mamãe quem fez.

— Sem ela também!

— Toma vergonha na cara, moleque! — chamou-me a atenção Risadinha, que retornava preparado para se apresentar novamente. — Já quer ver a menina nua?

— Não senhor!... — embaracei-me. — Eu não quis dizer isso! Queria dizer... que ela é bonita com qualquer roupa!

— Eu entendi! — confirmou Lucia, rindo. — Não ligue pra ele se não você fica louco!

Os dois motoqueiros terminaram suas apresentação dentro do globo, as luzes do circo voltaram a se ascender, eles foram aplaudidos e se retiraram por trás das cortinas. Quando passaram por nós, lhes disse:

— Puxa! Vocês são bons nisso!

— Gostou? — Riu Charles, de vinte e um anos.

— Vocês são corajosos! — exclamei realmente admirado.

— Amanhã vou levar você comigo em minha garupa — alegou Renatinho, de vinte anos. — Topa?

— To fora! — neguei prontamente.

— Tem medo? — riu Charles. — Levamos Lucia também!

— Quero não! — neguei e Lucia riu.

Depois de longa espera, a segunda parte do espetáculo começou. Era à parte dos músicos, deixando-me ainda mais ansioso. Porém, garanto que apesar de estreia não estava nervoso.

Somente no final, depois de quase um século de espera, após quatro apresentações, é que o senhor Carlos, com sua voz forte, anunciou:

— E agora atenção... vem aí o mais jovem artista desta noite; o garotinho, com apenas oito anos de idade, Regis de Assis Moura.

Entrei com meu violãozinho em punho (era um pouco menor do que os violões tradicionais), cheguei até o centro do palco e o senhor Carlos me perguntou:

— Qual música você vai cantar?

— “O menino que falou com Deus” — do cantor mexicano Pedrito Fernandes, gravado no Brasil por Donizete.

E assim, após muito tempo aprendendo violão e música, cruzei tal instrumento mágico sobre o peito e pontilhando suas cordas, retirando dela linda canção, me apresentava pela primeira vez a uma plateia de aproximadamente mil pessoas, acompanhado também pelos músicos do circo:

A sua benção vim pedir Senhor Jesus,

Aos pés da sua cruz hoje eu vim pra Lhe contar,

Meu sacrifício por querer ser um bom menino,

Apesar de pequenino comecei a estudar

Por minha conta, pois não tive o privilegio,

De entrar em um colégio que era um grande sonho meu,

Mamãe deixou-me quando eu era bebezinho,

Eu completei seis aninhos quando meu papai morreu.

Eu não me queixo que o trabalho me maltrate,

Com a caixa de engraxate eu consigo me manter,

Mas Lhe prometo ser fiel aos mandamentos,

E aos Seus ensinamentos que na bíblia pude ler.

Infelizmente esse mundo é tão ingrato,

Está cheio de Pilatos de Judas e Barrabás,

Tem cada exemplo que me abala as esperanças,

Pois nem mesmo uma criança pode trabalhar em paz.

Por ser sozinho sem um lar, sem paradeiro,

Eu guardava meu dinheiro na caixinha de engraxar.

Ainda ontem os malvados trombadinhas

Roubaram minha caixinha e o dinheiro do jantar,

Mas não faz mal sinto fome é de justiça,

Com amor e sem preguiça vencerei Senhor meu Deus.

Eu só lhe peço, não castigue os trombadinhas,

São crianças pobrezinhas, tão carentes quanto eu.

Ao terminar aquela bela mensagem importada o México, fui muito bem aplaudido, fiz reverência ao público como todo bom artista faz e me retirei de volta às cortinas. Estava realmente mais do que orgulhoso de mim, exibido mesmo e ao encontrar Lucia, que me assistira, ela me elogiou:

— Muito bem, Regis, você é ótimo!

— Obrigado Lucia! — Meu coraçãozinho batia forte. — Estou feliz!

— Você será um grande artista!

— Eu sei! — ri convicto. — Hoje foi minha estreia. Pena que Willian não esteja aqui pra me ver!

— Quem é Willian?

— Meu amigo especial! É ele quem me ajuda na minha carreira.

— Todos os amigos são especiais! Eu acho! — Disse Lucia.

— Eu sei! Mas Willian é um amigo que está sempre comigo.

— Cadê ele?

— Está de férias na Telesp e viajou pra casa de seus pais, em Penápolis.

Pouco depois encontrei o senhor Carlos Alberto, que me elogiou:

— Garoto, você é fantástico! Quer cantar aqui todas as noites?

— Se meu pai deixar, eu quero!

— Onde ele está?

— Preferiu ficar na plateia, com minha mãe e meu irmão.

— Vá chamá-los, quero falar com eles.

Lucia já estava com sua roupa comum, então juntos fomos em busca de meus pais. Ao passarmos junto ao público, muitos me elogiavam, dizendo que eu havia me apresentado muito bem e que deveria voltar a cantar ainda naquela noite. Os mesmos elogios eram direcionados também à Lucia e chegamos a receber até dois ou três beijos de mulheres.

Poucos minutos depois, já estava com minha família, junto com Carlos, Sandra e Lucia.

— Gostaríamos que Regis se apresentasse em todos os espetáculos do circo — Insinuou Carlos.

— Não sei! É muito cansativo! — sentiu dúvidas papai.

— Muito cansativo!? Cantar uma música por noite?

— Não! Muito cansativo ele vir à escola, depois voltar ao circo à noite.

— Quanto a isso não há problema, eu vou buscá-lo e depois levá-lo de volta em sua casa todas as noites.

— E eu faço uma roupa de show muito bonita pra ele se apresentar — comprometeu-se dona Sandra.

— Além de que, pago uma pequena quantia pra ele em cada apresentação — Prometeu Carlos. — Ninguém é obrigado a trabalhar de graça. Até relógio cobra ônus.

— E aí senhor Pedro? — interferiu Lucia. — O senhor vai deixá-lo vir?

— Deixe papai! — pediu o pequenino Tony. — Quero vir com Regis!

— Você vai cantar com Regis? — Perguntou Sandra, irônica a Tony.

— Não, ou! — negou ele bravo. — Nem sei cantar!

— Você quer mesmo vir aqui, Regis? — Perguntou-me papai.

— Claro que sim! Meu sonho é ser artista! Lembra?

— Não vai se prejudicar na escola?

— Prometo que não!

— Se você promete, então pode; mas cuidado com suas apresentações.

Sendo assim, estava tudo certo e eu me apresentaria em todos os espetáculos daquele circo. Fui com Carlos, Sandra e Lucia, no reboque onde eles dormiam. Sandra, fazendo uso de uma fita métrica, própria de costureiras ou alfaiates, mediu todo meu corpo em vários ângulos, anotando tudo, depois afirmou:

— Amanhã após a escola, você passa aqui pra experimentar seu uniforme.


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Notas finais do capítulo

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