Debaixo de uma árvore, dentro de um caixão, sobre o manto da terra. Abaixo de uma flor, sobre os olhares de pessoas, jazia o alguém. Não era alguém, era o alguém. Ninguém ousava perguntar quem era, mas tinham a certeza dele estar morto. Resto de vida, completamente sem alma. Por qual motivo ele se foi? Merecia, todos os inúteis mereciam isso.
Entre tantas pessoas estava uma menina. É, uma jovem, como as outras,mas algo a diferenciava. Será que eram os coturno pretos? Ou seu vestido rosa brilhante? Talvez, fosse sua maquiagem azul, coisa que não deveria usar naquela idade.
As pessoas, falsas, se lamentando pela morte dele. Mas a garota, a única que tinha o direito de chorar por ele, não chorou. Ela dançou sob o túmulo dele, rindo e pulando. As pessoas tão assustadas taparam a boca com as mãos e cochicharam entre si, mas a pobre garota nada percebeu e muito menos se importou.
Quem era ela? Apenas como você, ninguém muito importante para os outros. Um pouco maluca, sárcastica? É. Seus olhos tão vazios, tão magra, tão jovem.
Mas ela tinha um sonho, queria dançar. Sempre quis isso, ser uma grande dançarina de ballet. Não tinha origem russa, não tinha ninguém na família que tivesse esse dom mas era o seu sonho, era sua escolha.
Então, certo dia, ela chorou. Imundou o mundo com suas lágrimas, mas ninguém quis dizer um "vai ficar tudo bem", porque ninguém se importava. Ela implorou, e quando já estava cheia de marcas, ela sorriu e decidiu que não dependeria dos outros para ser feliz.
Mas naquele outono, ela teve lembranças de o alguém. A jovem sabia que ele estava dentro de um caixão, sendo devorado pelos vermes. Sentiu-se mal por não ter chorado quando perdeu ele ou quando descobriu sua morte. Um pontinho foi o que ela sentiu no coração, era dor.
Mas naquele outono ela descobriu o que estava dentro de si e chorou novamente, chorou até seus olhos inchar e a cabeça doer. A garotinha, com medo do que aconteceria foi até ele e pediu que tirasse o que estava dentro de si, coitada. Sentiu-se tão mal, estava impedindo alguém de viver.
Toda a sua vida ela não sabia como agir porque estava perdida, perdida dentro de si mesma ou será que ela se perdeu em meio aquela multidão? Acho que era isso, ela foi tomar um banho de mar e os seus pedaços se perderam em meio a água salgada.
No colegial ela era única. Não tinha ninguém para contar seus segredos, ninguém nunca quis visitar ela. Então, novamente, ela chorou. Porque nenhuma garota queria ser sua amiga e os garotos não a amavam.
Passou uma vida de mentiras, dores e falsidades. Ela tinha overdoses em suas próprias palavras.
Ela disse para si mesma que não iria desistir, levantou-se e sorriu. Com passos firmes e precisos, ela demonstrou como se sentia com o mundo.
Todas as vezes que seu coração era corrompido, ela se levantava com passos de dança e sorria.
Então, ela o conheceu e nada a mudou tanto quanto ele.