All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 41
Schrödinger’s Cat


Notas iniciais do capítulo

Hei!

Olá galerita! Como estão?

Sim, sim, eu sei que demorei. Tive alguns problemas com o meu notebook, e bom, já devem imaginar... O importante é que estou de volta para mais uma atualização em AOW!

Quero agradecer as leitoras Menta e Maritafan, sempre presente e deixando comentários espetaculares em cada capítulo! Agradecimentos também a Sami que ainda segue em sua saga de leitura de All Out War! Obrigado meninas, vocês já sabem o quanto me deixam felizes a cada comentário escrito por aqui!

O capítulo de hoje foge um pouco do cenário conspiratório e tenso que envolve a guerra, mas ainda assim é muito, muito importante para o decorrer da história! Teremos um inédito POV da Imperatriz! Sim, vocês conhecerão um pouco mais sobre a história de Eloise McIntyre, e algumas pontas soltas ganharão respostas nesse capítulo. Para finalizar, teremos um POV de Vincent, e... Ah, não adiantarei mais nada! Hehehe...

Espero que curtam... Boa leitura!



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— Por violar diversos direitos individuais dentro da comunidade, por incitar a violência, provocando um caos quase incontrolável... E por matar três pessoas a sangue frio... Eu a condeno a morte pela forca!

Eloise dera as costas, caminhando na direção contrária onde à multidão se aglomerava. Tocando o ombro de Hanso, a Imperatriz sinalizara de forma positiva, fechando os olhos sem interromper os passos. Ela sabia que a decisão que tomara era derradeira. Não haveria mais como voltar atrás após trilhar esse caminho.

— Deixem cair!

O velho Hanso exclamara, erguendo o braço direito para que o carrasco finalizasse o seu trabalho. Com os olhos cheios de lágrimas, Eloise apenas ouvira o barulho do corpo pendulando, de um lado a outro, buscando fôlego em meio à corda que lhe laçava o pescoço. Não durara muito. Em menos de um minuto, a condenada já se encontrava sem vida.

A Imperatriz praticamente arrombara a porta de sua choupana, trancando-se na escuridão de sua moradia. Lá, em meio ao silêncio do imóvel vazio, ela poderia chorar todas as lágrimas que prendera durante os últimos tempos. Recostando-se a uma das paredes, Eloise McIntyre abraçara os próprios joelhos, soluçando enquanto uma verdadeira cachoeira escorria por seus lacrimais.

Os olhos vermelhos, inchados, e o cabelo outrora tão belo, agora totalmente ressecado e despenteado. Fora um golpe muito grande, tão potente que ela não sabia mais se haveria como continuar.

Ela não era mais Eloise, não era mais a mulher que um dia fora, a mulher que tivera uma família, sonhos e esperanças. Ela deixara tudo após se tornar a Imperatriz, e o preço que precisara pagar por conta disso, as consequências que tanta pressão lhe trouxera, a fazia cada vez mais afastar-se de si mesma.

Caminhando até o banheiro, olhara-se no espelho uma última vez. Uma mulher de quase quarenta anos, corpo esbelto, olhos claros e pele límpida. Abrira uma gaveta abaixo da pia e tomara em mãos uma pequena máquina depiladora. Olhara então para os cabelos, e fora inevitável não se recordar dela... Tão parecidas, e no fim tão diferentes.

Lentamente começara a raspar os cabelos, os fios loiros sendo eliminados pouco a pouco. Após alguns minutos, admirara a cabeça careca, sem nenhum resquício de sua antiga imagem. Uma sombra negra, do pouco que restara de seu antigo estojo, fora transpassada ao redor dos olhos, tentando esconder outra característica que a ligava a ela... A sua pequena.

Olhara então para o antebraço defeituoso, fruto de uma má formação congênita ainda no útero de sua mãe. Ela daria um jeito, encontraria uma solução para aquilo também.

Após tantas mudanças, abrira o espelho novamente, admirando-se pela primeira vez. Admirando a faceta que escolhera seguir. O Garden precisava da Imperatriz, e se isso significava que a velha Eloise teria de morrer, então a nova versão da mandatária a enterraria, juntamente a seus medos e lembranças de uma vida que não mais retornaria.

A Imperatriz então respirara fundo, prometendo a si mesma que jamais voltaria a derramar uma só lágrima.

...

Eloise despertara. O mesmo sonho a acompanhava desde dois mil e cinco, e coincidentemente, o fatídico evento estava completando aniversário naquele exato dia. A manhã mal chegara quando ela erguera-se da cama. Olhando para os lados, notara os resquícios da pequena confraternização. Guimbas espalhadas pelo solo do quarto, sobras dos baseados que aproveitara juntamente ao álcool e ao sexo.

Estava sem roupas, completamente desnuda sob os lençóis, as peças íntimas espalhadas pelo cômodo. Tateando o colchão, sentira uma garrafa de vidro, próximo as suas pernas. O recipiente encontrava-se vazio, e outrora carregara o líquido de uma vodka vagabunda. Sua cabeça doía um pouco, mas nada que ela já não estivesse habituada.

Ao seu lado, dormindo de boca aberta, descoberto e completamente nu, Matthew Stoll, um de seus guardas de confiança, ainda aproveitava o sono após a movimentada madrugada. Stoll de fato era o seu preferido no momento, já que Saul e Dylan haviam morrido. Os braços fortes e o físico definido do rapaz, um ex-cantor de rap falido de vinte e cinco anos, costumava fazer com que a Imperatriz comumente o escolhesse.

As transas costumavam ser prazerosas, e as doses paliativas de orgasmo ajudava Eloise a encarar a pressão do dia a dia. Ser a mandatária do Garden nunca fora uma tarefa fácil, e já estava mais do que provado que o ônus era infinitamente superior ao bônus. Mas aquele era um trabalho que alguém precisava fazer. E Eloise era a única preparada e disposta a fazê-lo.

Olhando para o homem estirado a seu lado, McIntyre meneara a cabeça, franzindo o cenho em seguida.

— Acorda Stoll... Acorda... – Surrara, enquanto dera alguns tapas de leve no rosto do rapaz, que seguia inerte – Acorda! Matthew! – Bradara, desferindo um golpe mais potente, que fizera o homem despertar de imediato.

Erguendo-se rapidamente, os olhos esbugalhados fitando o rosto de sua Imperatriz, Matthew Stoll começara a juntar suas roupas rapidamente, mais do que habituado ao protocolo. Sem olhá-la nos olhos, o guarda vestira-se velozmente, cumprimentando Eloise com um curto gesto de cabeça, e deixando o quarto na ponta dos pés, praticamente sem fazer barulho. Ele sabia que não poderia chamar a atenção dos demais. Tudo o que ali ocorria, morria ali mesmo.

Eloise agora estava sozinha. Outra vez.

...

— O “Gato de Schrödinger” nada mais é do que um experimento imaginário proposto por Erwin Schrödinger em 1937, para ilustrar as diferenças entre interação e medida no campo da mecânica quântica...

Em uma sala de aula lotada de alunos, a professora caminhava entre as cadeiras enfileiradas, sendo observada atentamente por dezenas de olhos curiosos, fixos em suas explanações.

— Imaginemos um gato aprisionado dentro de uma caixa que contém um curioso, mas perigoso dispositivo – Ela fizera uma breve pausa, prosseguindo de forma tranquila – Esse dispositivo consiste em uma ampola de vidro muito frágil, que contém um veneno muito volátil, e um martelo suspenso sobre essa ampola que, caso caia, irá quebrá-la, liberando o veneno e matando o gato.

— O martelo está conectado a um dispositivo que detecta partículas alfa... – Alguns dos alunos passaram a realizar anotações – Caso uma partícula alcance esse sensor, o martelo será liberado, a ampola irá se partir, o veneno escapará e o gato morrerá...

A sala encontrava-se em silêncio total. Além da voz da serena mestra, apenas seus passos podiam ser ouvidos, os saltos reverberando sobre o solo.

— Do contrário, se nenhuma partícula chegar ao sensor, nada ocorrerá e o gato seguirá vivo... – Uma nova pausa, dando mais uma dose de drama ao clima da aula – Assim que o dispositivo estiver preparado, o experimento é iniciado. Ao lado do sensor, colocamos um átomo radioativo que apresente a seguinte característica...

Ela pusera o indicador direito em riste.

— Ele tem cinquenta por cento de probabilidade de emitir uma partícula alfa a cada hora. Evidentemente, ao final de uma hora só terá ocorrido um dos casos possíveis; o átomo emitiu uma partícula alfa, ou não a emitiu. A probabilidade que ocorra um ou outro evento é a mesma.

— Como resultado da interação, no interior da caixa o gato estará vivo ou estará morto. Porém, não teremos como afirmar isso, ao menos que a caixa seja aberta... Se tentarmos descrever o que ocorreu no interior da caixa, utilizando as leis da mecânica quântica, chegaríamos a uma conclusão bastante estranha...

A professora levara a mão ao queixo.

— O gato viria descrito por uma função de onda extremamente complexa, combinando cinquenta por cento de “gato vivo” e cinquenta por cento de “gato morto”. Ou seja, aplicando-se o formalismo quântico, o gato estaria vivo e morto, correspondente a dois estados indistinguíveis!

— A única forma de se averiguar o que realmente ocorreu com o gato, seria abrindo a caixa e olhando em seu interior. Em alguns casos encontraríamos o gato vivo e em outros o gato morto. – Novos olhares abismados, um misto de admiração com confusão total – Mas se fizéssemos isso, estaríamos interagindo com o sistema e alterando o resultado.

— O senso comum nos diz que o gato não pode estar vivo e morto – Ela agora gesticula com sua mão, interrompendo os passos a frente de toda a classe – Mas a mecânica quântica afirma que, se ninguém olhar no interior da caixa, o gato se encontrará em uma superposição de dois estados possíveis. Vivo e morto.

Ela abrira um sorriso, dando um tempo para que as mentes juvenis tentassem fixar a complicada explanação.

— Essa superposição de estados é uma consequência da natureza ondulatória da matéria, e sua aplicação à descrição mecânico-quântico dos sistemas físicos é que permite explicar o comportamento das partículas elementares e dos átomos... A aplicação disso aos sistemas macroscópicos, como o gato, nos levaria ao paradoxo proposto por Schrödinger.

...

A mestra agora se encontrava sentada, recostada confortavelmente em sua cadeira enquanto revisava um emaranhado de papeis. Provas, relatórios, cálculos de experimentos em laboratório. Estava concentrada o bastante para não notar a aproximação de uma das suas alunas, uma acanhada e promissora jovem, o maior destaque em sua turma.

— Olá...

A professora erguera os olhos, sorrindo e retornando sua atenção aos papeis. A garota, um tanto nervosa, retomara a interação.

— Confesso que já esperava a complexidade desse assunto, mas... Mecânica Quântica irá exigir bastante de nossas mentes! – A complementação saíra quase como um desabafo.

— Você não imagina o quanto – A professora não parecia dar muita atenção as frases vazias de sua pupila – Como disse Feymann, “quem não ficar pasmo com a física quântica, é porque não a entendeu”!

Um leve sorriso preenchera o rosto da aluna.

— Eu só queria agradecê-la por tudo... – O tom de voz da jovem ficara mais meigo – Desde que tudo aquilo aconteceu – Ela chegara a hesitar, mas prosseguira – a Física foi a única coisa que conseguiu me manter longe... E nesse caso, longe é bom.

A professora erguera os olhos, colocando os escritos de forma organizada sobre sua mesa.

— Sabe que não precisa me agradecer, eu só...

— Preciso sim. – Interrompera – Não consigo mensurar em palavras o quanto o seu apoio representou... Você sempre acreditou em mim, e nunca irei me esquecer disso! Obrigado, professora. Obrigado, Eloise!

...

McIntyre saíra do banho, demorara um pouco mais que o habitual. O dia que acabara de se iniciar pedia uma preparação diferenciada. Ela seguia o mesmo ritual do ano anterior, repetindo os próprios passos, pensando a todo instante em tudo o que ocorrera. Eloise sempre fora de se cobrar, e agora, tal sentimento só se ampliava.

A pintura ao redor dos olhos fora renovada. Os cabelos curtos, um pouco mais crescidos do que comumente utilizados, tiveram tal excesso retirado à navalha, deixando sua cabeça praticamente sem pelos. Os fios loiros ralos eram quase imperceptíveis. Vestira em seguida sua prótese engenhada, esticando os braços e abrindo e fechando os ganchos do lado esquerdo em seu rotineiro teste.

Com um casaco negro sobre o jeans comum e a blusa surrada que escolhera, caminhara até sua sala, vazia e totalmente silenciosa. Puxara uma cadeira, sentando-se e tomando fôlego, cerrando os olhos como se preparasse para um momento decisivo. Não era por menos, reencontrar demônios do passado não deixava de ser algo que sempre mexia com a Imperatriz.

Ela então aguardara, de pernas cruzadas e o cotovelo sobre a mesa de madeira, enquanto aproveitava para regular o tato de sua prótese, retirando um vaso com precisão assustadora, para depois recolocá-lo com destreza em seu lugar.

Não passara sequer um minuto para que as primeiras batidas na porta de sua choupana fossem ouvidas. Hanso já sabia o que fazer, e provavelmente estava lá para lhe entregar o pacote, discretamente como sempre. Não havia motivos para que o restante do Garden soubesse o que Eloise faria naquele dia.

— Senhora...

Mas não era Hanso o homem parado em frente a sua porta. Agitado e claramente incomodado com algo, Bill Flood segurava o chapéu de boiadeiro contra o próprio peito, os olhos baixos, aguardando que sua Imperatriz lhe dissesse algo.

— Não tenho tempo Flood. – Eloise o olhara com firmeza, abrindo a porta até a metade, sem permitir sua entrada – Já estou de saída, nos falamos outra hora.

Surpreendentemente, antes que pudesse deixar o imóvel, quando já girava o corpo para tomar o caminho da saída, Bill segurara a porta, em um ousado e inédito ato de enfrentamento. Erguendo os olhos e fitando McIntyre, o caipira dissera com um estranho tom emergencial em sua voz.

— Precisamos conversar... Acredite em mim, é importante.

O duelo de olhares não durara muito. Eloise abrira a porta e simplesmente saíra, deixando o caipira totalmente no vácuo. Assustado, o homem acompanhara os seus passos, seguindo-a como um cão sem dono, o rabo entre as pernas. Parecia buscar espaço para voltar a falar, ele sabia que havia irritado-a.

Eloise sempre conseguira impor respeito. Sua liderança não fora adquirida por meio da força, mas sim por sua coragem. Coragem em tomar as decisões que ninguém gostaria de tomar, de fazer as escolhas que mais ninguém conseguia. Ela vendera a própria alma ao diabo e jamais recebera um vintém por isso. Era comum ela se perguntar se tudo o que fizera valera realmente a pena. Às vezes nada daquilo parecia fazer sentido.

Precisava encontrar Hanso, ele já deveria ter voltado. O velho lenhador jamais se atrasava de nenhuma de suas tarefas e nunca faltara em nenhum dos pedidos da Imperatriz. Uma ponta de preocupação saltara de leve em seu interior. Ele era a única pessoa com quem podia conversar francamente. Ele não a temia e a respeitava plenamente. E isso também era recíproco.

Os dois haviam perdido, em circunstâncias diferentes, as pessoas mais importantes das suas vidas. Ambas de forma igualmente cruel. Talvez fosse por isso que tivessem se aproximado, firmando uma parceria que parecia eterna.

— Senhora, me escute, por favor...

Flood praticamente implorara. Eloise parara de andar após uns duzentos metros, quando já estava próxima ao celeiro, ao lado de um dos poços d’água. O homem respirara profundamente, retirando o chapéu outra vez e manifestando-se de forma totalmente receosa.

Era melhor ouvi-lo, saber o que o caçador tinha a lhe dizer. Bill sempre fora de confiança, outro que realizava o seu trabalho e seguia sua vida sem questionar. Entendera o funcionamento do novo mundo e se adaptara a ele. Talvez tivesse se adaptado bem até demais. Eloise sabia que o caso que ele mantinha com Patricia poderia trazer problemas a boa convivência dos moradores na comunidade.

Preferira deixar as coisas acontecerem, sem interferir. Lawrence, que agora encontrava-se doente, era pacato demais para tentar algo contra Flood ou sua própria esposa. O melhor então era fechar os olhos e fingir que nada estava acontecendo, como todos ali.

— Estou realmente preocupado com algumas coisas que vem acontecendo por aqui... – O potente sotaque sulista parecia evidenciar-se ainda mais quando o caipira encontrava-se nervoso – Não sei como lhe dizer isso, mas... Estamos todos preocupados com o que vem ocorrendo nos últimos dias na cabana do doutorzinho.

A mulher seguia intimidando-o com o olhar. Era difícil encarar Eloise nos olhos quando ela se mostrava decidida a algo. E ela sabia que possuía tal poder.

— Eu sei que a senhora confia nele, mas... Eles estão lá há dias e ele não nos dá uma resposta! O velho Hudson e a Dona Rose, o moleque Miles, o Lawrence, a Annie... Não pode ser algo tão grave assim... Eles estavam apenas com uma gripe quando procuraram o doutor!

Eloise sabia para onde Flood estava levando a conversa. Ainda assim, é sempre bom confirmar qualquer desconfiança diretamente na fonte.

— O que está querendo dizer, senhor Flood?

Bill modificara o olhar, mais parecia que todos os seus receios haviam simplesmente desaparecido. Ele nunca a fitara daquela forma. Parecia decidido, sem temores.

— Eu estou querendo dizer que não podemos confiar naquele homem, e você sabe muito bem o porquê! – McIntyre franzira o cenho, não esperava ser arrostada diretamente – Já vimos isso acontecer uma vez e tenho certeza que todas aquelas imagens estão gravadas em sua cabeça – O homem ainda insistira – Eu acho que o Doutor Desmond, ou seja lá qual for o nome dele, está fazendo o mesmo que John Kenny nos fez anos atrás... Matando, corrompendo e destruindo! E você sabe que precisa fazer alguma coisa! Sabe disso, pois errou da outra vez e não vai querer mais sangue em sua mão!

O homem parecia desabafar algo que estava preso há muito.

— Não dá para confiar em um estranho assim. Ele nos entregou quando fomos à comunidade do xerife! Estaríamos mortos se não tivéssemos firmado aquele acordo, e ainda assim nossos níveis de suprimentos estão muito baixos! No fim das contas seguimos zerados... O melhor para o Garden é tê-lo fora daqui, antes que mais coisas ruins ocorram! – Bill inspirara profundamente, deixando um suspiro escapar – Eu sei que hoje era aniversário da Bonnie... Você já parou para pensar que ele também pode ter sido infectado, assim como ela...

As últimas palavras pareceram ser o dedo no gatilho que disparara toda a ira de Eloise. Se havia um ponto fraco na Imperatriz, este era a pedra no sapato que seria para sempre o seu passado. O que ela fizera ou deixara de fazer, influenciara na trajetória de todos os moradores, mas principalmente na dela mesma. Há manchas que não podem ser limpas, por mais que nos esforcemos.

Com os ganchos de sua prótese, McIntyre saltara no pescoço de Bill, pressionando com toda a força que conseguira impetrar no metal. O homem tentara livrar-se, mas era praticamente impossível lutar contra o braço engenhado da Imperatriz.

— Nunca mais toque no nome dela! – A mulher aproximara o rosto do caipira, esperando que ele confirmasse de alguma forma. Suas bochechas estavam vermelhas, o rosto todo em um uníssono tom rubro – Eu sei o que é melhor para o Garden! A minha decisão é lei! É assim que vivemos, senhor Flood, já deveria ter se acostumado! – Ela então o liberara. Bill caíra sentado, buscando preencher os pulmões com ar de forma sôfrega – Guarde suas teorias da conspiração para você mesmo. Eu tenho uma comunidade para cuidar.

Bill ficara sentado, tentando buscar forças para se recuperar. Com os olhos praticamente saltando das órbitas, ele nada fizera, apenas assistira sua líder dar as costas, enquanto seguia o seu caminho a passos largos.

...

— Não consegue dormir?

A jovem jornalista de vinte e oito anos, cabelos loiros compridos amarrados em um rabo de cavalo e vestindo um de seus típicos moletons cor de rosa com capuz, aproximara-se lentamente, as mãos nos bolsos de seu casaco.

Fazia frio naquela noite de novembro. Todos ainda estavam assustados após as duas mortes que haviam ocorrido na última semana, o que os deixara totalmente em desesperança em relação à missão dos batedores que já durava três dias. Na época, três dias sem notícias provavelmente significaria que algo de muito ruim havia ocorrido.

A regência dos mortos ainda não havia completado um ano. Tudo ainda era muito novo, por conseguinte muito complicado. Erros básicos levavam a perda de vidas, e perda de vidas fazia com que o grupo fosse pouco a pouco perdendo as esperanças de que ainda pudessem encontrar um lugar para eles nessa nova realidade.

Eloise sentava-se a frente da fogueira, aquecendo a mão e escondendo os cabelos igualmente loiros em um gorro. Com a gola alta do casaco, protegia o pescoço do frio, enquanto tentava evitar que pensamentos pessimistas lhe retirasse o pouco do ânimo que ainda restara.

O comboio decidira acampar a beira da estrada, bem próximo a entrada de Kennett. Um grupo menor decidira avançar na cidade, buscando encontrar qualquer coisa que fosse útil, principalmente combustível e água. Não seria possível seguir viagem com os quatros veículos que possuíam se não fosse encontrada logo uma solução para a escassez de gasolina.

Podemos dizer que as coisas não andavam muito bem para Eloise McIntyre.

— Eu lhe faço a mesma pergunta... – Eloise sorrira em resposta, afastando-se um pouco para que a mais jovem pudesse sentar ao seu lado – Pelo que sei as pirralhas já deveriam estar na cama – Troçara.

— Palhaça. – Ainda sorridente a jornalista se acomodara, esticando as mãos à chama da fogueira, buscando aquecer-se com o calor que dela brotava – Mas falando sério... Você tá bem? Parece bastante tensa...

O riso de Eloise começara a se esvair. Não havia nada que ela pudesse esconder de sua pequena.

— Anthony insistiu para que eu ficasse – Ela se mostrava altamente frustrada – Ele sabia, aquele filho da mãe sabia que eu ia querer participar do grupo de buscas. E mesmo assim ele me deixou de fora! Não consigo ficar esperando tanto tempo... – Ela jogara um graveto sobre o fogo – Já se passaram três dias Bonnie, eu nem sei se eles ainda estão vivos...

Bonnie retirara o capuz, sentindo o ar gelado lhe arrepiar os pelos do corpo. Ela voltara o olhar para o céu, tocando de leve a mão direita de Eloise.

— Todo mundo queria que você ficasse... – McIntyre a olhara, intrigada – Estamos com muito medo... Eu estou com muito medo. Pedi ao Anthony que não deixasse você partir – Bonnie então voltara os olhos para o solo, rabiscando a grama queimada com uma pedra – Eu conheço esse seu jeito e sabia que você iria se voluntariar na mesma hora. Não dá para perder mais gente, não posso perder você, Eloise.

A mais velha voltara a sorrir.

— Você é dengosa desde criança... – Eloise a puxara para próximo de si, recostando a cabeça de Bonnie em seu ombro – Sabe que eu vou sempre cuidar de você, irmãzinha... Não importa o que aconteça, eu prometi isso a nosso pai e vou cumprir. – Seu tom exalava segurança.

A mais nova então passara a observar as estrelas, achegada a sua irmã de forma confortável.

— Você já sabe o que fazer... Caso eles não retornem?

Eloise McIntyre respirara profundamente.

— Antes de sair, Anthony me chamou de Imperatriz... O que já se torna um apelido muito melhor do que General ou Coronel, como ele costumava me chamar. – As duas riram – Ele disse que as pessoas confiam em mim e que provavelmente me seguiriam em qualquer decisão que eu tomasse... – Ela fizera uma breve pausa – Isso é muito forte, entende? Tomar essas decisões, traçar estratégias, lidar com vidas...

Bonnie a interrompera.

— Você faz isso desde criança... Foi o que fez comigo praticamente a vida inteira! – Confessara – Eu lembro muito pouco da mamãe e menos ainda do papai... Mas eu me lembro de você se virando, pulando de emprego em emprego, sofrendo com aqueles malditos estágios, tendo que lecionar para moleques em escolas que ficavam a horas de distância da nossa casa! E ainda assim você conseguiu. Se eu estou viva hoje, é por sua causa.

Os dois pares de olhos claros se encontraram. Apesar da diferença de idade, as duas eram muito parecidas fisicamente.

— Esse comboio... Sei que você vai tirar de letra! – Prosseguira – É só replicar o que fez comigo, com todas essas pessoas! Acho que no fundo, é isso que você é. – Ela apertara a mão da irmã – Não acredito que vou dizer isso, mas, Anthony estava certo. Você é nossa Imperatriz! Você é nossa líder, maninha!

...

Certas frases reverberam por toda a eternidade.

Eloise saíra dos limites do Garden, caminhando pelo bosque, seguindo o já conhecido trajeto por uma trilha de pedras. A trilha fora feita justamente para que esse caminho jamais caísse no esquecimento. Praticamente como uma ponte, a Imperatriz seguira por trezentos metros em meio à mata ainda virgem.

Por determinação dela, apenas a parte oeste do bosque poderia ser explorada pelos lenhadores. Fora assim que conseguiram construir os muros e as casas, e ainda assim manter o pequeno paraíso habitado escondido em meio às árvores. Seria mais seguro se não fossem notados.

Avançara até certo ponto, onde uma grande clareira se abrira, formando um círculo no interior do bosque. Lá, recostadas sobre a grama, diversas pedras representavam os moradores da comunidade que ali foram enterrados. Dezenas delas, formando um cemitério grande o bastante para espantar qualquer um que ali chegasse.

Foram muitas perdas, principalmente no começo, quando todos ainda eram inexperientes e os muros ainda não haviam sido construídos. Era fácil se perder na floresta, e também era fácil ser atacado por errantes, quando mal se sabia de onde eles vinham. Depois disso, é claro, vieram os Salvadores, e novas perdas se deram pelas mãos dos milicianos.

Nascidos para sofrer. Outra frase que hora ou outra era pronunciada dentro da comunidade.

Algumas lápides continham nomes escritos na pedra, enquanto outras pareciam abandonadas, o mato já crescendo e escondendo a representação do que um dia fora um ser humano. Algumas recebiam flores constantemente, já outras haviam caído totalmente no esquecimento. Ninguém gostava muito de ir até lá, parecia que as pessoas estavam querendo esquecer-se de sua dor, e quanto mais se distanciavam, melhor ficava.

Mas não para Eloise. Jamais seria fácil para ela.

McIntyre caminhara em direção a um túmulo específico. Pedras brancas enfileiradas formavam uma cruz sobre a grama. Um ramalhete de flores já mortas havia sido depositado sobre a cova há algum tempo. Ela aguardara que Hanso lhe trouxesse flores novas, mas até o momento o seu homem de confiança ainda não havia retornado de sua investida contra as árvores.

Retirando o buquê esquecido e jogando-o para o lado, Eloise ajoelhara-se, exatamente defronte a tumba em forma de cruz.

— Eu pedi que Hanso trouxesse as rosas, mas não sei o que houve, até agora ele não retornou... – A Imperatriz retirara a prótese, recostando a mão direita sobre a coxa, enquanto colocava o suporte engenhado no chão – Ele me prometeu que dessa vez tentaria encontrar as brancas... As suas preferidas.

Além da voz de McIntyre, apenas o som de alguns pássaros podiam ser detectados. Aparentemente ela estava sozinha ali.

— Bom... – Ela seguira – Acho que é meu dever te deixar a par dos últimos acontecimentos... Ainda se lembra do Negan, não é? – Ela fizera uma pausa, como se aguardasse uma resposta – Então, acho que finalmente vamos poder derrubar aquele bastardo filho de uma puta! Ezekiel, como sempre se utilizando do seu dom diplomático – Ela abrira um breve sorriso – Conseguiu firmar uma aliança com quatro comunidades... Quatro, Bonnie. – Enfatizara – Eu finalmente sinto que as coisas irão melhorar, encontrar o rumo certo...

— É claro que ainda estamos com muitos problemas – A mandatária seguia discursando solitariamente, voltando sempre o olhar para o túmulo – Perdemos todos os porcos por conta de uma doença, e nossa última busca por suprimentos foi um fracasso total. Perdi dois homens, e por muito pouco a garota Cheever e a Ucraniana também não morreram... Não vai demorar muito para que as pessoas comecem a passar fome, e depois...

Eloise olhara para os céus, os raios solares começavam a se ampliar.

— Eu sei que se derrubarmos os Salvadores, noventa por cento dos nossos problemas estarão resolvidos. Mas a grande questão é o entremeio. Vamos precisar sobreviver para ver esse dia chegar, e para falar a verdade, ainda não sei como faremos isso...

— Sempre me lembro do que você me disse naquela noite, quando estávamos aguardando o Anthony retornar da busca por comida... Bom, no fim das contas o grupo dele nunca voltou e foi a partir dali que eu precisei tomar as rédeas de tudo. Você sabe que eu sempre tive uma queda por responsabilidades, e também sempre fui um tantinho autoritária – Ela sorrira outra vez – Mas nunca, em hipótese alguma realmente acreditei que poderíamos chegar tão longe.

A Imperatriz passara a mão sobre a cabeça.

— Naquela época você ainda não havia sido infectada... Ainda pensava por si própria. Você me disse que era aquilo o que eu era, uma líder. Disse para agir da mesma forma que eu agi com você, e que assim tudo daria certo. Mas sabe qual é o grande paradoxo de tudo, Bonnie? Eu só conduzi essas pessoas até aqui, e só mantive essa comunidade de pé por tanto tempo, justamente por agir com eles da forma contrária que eu agi com você...

— Acho que se eu tivesse sido dura o bastante com você, talvez ainda estivesse aqui... – A mulher suspirara, pondo-se de pé outra vez, recolocando sua prótese no antebraço esquerdo. Antes de partir, ela finalizara – Ainda sinto a sua falta, pirralha.

Ela então tomara o caminho de volta, seguindo a ponte de pedras que a faria retornar ao Garden.

 

*****

 

Vincent estava perdido. Literalmente.

Não havia saído muitas vezes da comunidade, e caminhara pouco pelo bosque. Era imenso, maior do que havia mensurado. Com sua nova perna de pau, presente de J.J., que pedira a Ramón, um velho marceneiro que vivia sozinho na comunidade, o médico manqueteava, tentando encontrar o caminho de volta.

Sabia que não podia demorar. Lawrence havia piorado, sua hemorragia alcançara um grau até então inimaginável. O marido de Patricia estava literalmente suando sangue, e isso era muito, muito ruim. Em sua experiência como médico, Hall só vira aquilo uma vez. Nos confins do Congo, e o final não fora nada agradável para os infectados.

Com uma bolsa de lado, que recebera de Lizzy, Vincent tentava encontrar um ponto de referência, algo familiar que pudesse guiá-lo ao caminho correto. Sentia-se totalmente estúpido por conseguir se perder, e mais ainda por se perder tendo tanto trabalho para fazer. Algo que apenas ele podia fazer.

Hall sabia do burburinho que corria. Sabia que ninguém confiava nele, e ficar com cinco doentes trancados por quase uma semana, sem dar uma notícia sequer aos demais moradores, não ajudava muito a moldar uma boa imagem a seu respeito. Mas ele não podia simplesmente contar a verdade. Até mesmo por ainda não ter certeza do tamanho do problema que estava lidando.

Vincent sentia-se cansado. Estava pálido e não conseguia mais dormir. Comera muito pouco e notara que seu apetite estava diminuindo cada vez mais. E ele também sabia as causas disso. Apesar de ainda não admitir formalmente. Deixaria para depois, mais um dos entraves que empurraria para debaixo do tapete. Pelo menos provisoriamente.

Lizzy Penn era outro deles. Ela seguia insistindo em ajudá-lo, dizendo que poderia ser útil, dando uma força ao estafado médico em sua labuta. Ter uma força, é claro, seria excelente. Ele poderia dormir, poderiam revezar os plantões e os cuidados emergenciais seriam realizados simultaneamente, dando mais atenção a cada um dos doentes. Mas era perigoso demais. Não valia a pena arriscar mais uma vida. E ele jamais faria isso com Lizzy.

Jamais a colocaria em perigo. Não depois de tudo o que ela fez por ele. E não depois de tudo o que ele fez com Leah.

A loirinha ainda seguia em sua cabeça. Não como antes, na forma de vozes fantasmagóricas, mas como uma lembrança boa de um marcante momento em sua vida. O remorso, é claro, jamais seria apagado, afinal, não havia como voltar no tempo e consertar o que já havia sido quebrado, mas Hall agora finalmente entendera que precisava se agarrar a algo para seguir em frente.

Só seria uma pena nunca mais poder vê-la.

Passara por detrás de uma árvore, uma que de alguma maneira lhe parecia familiar. Ou ele estava andando em círculos, o que seria bastante plausível vide toda a sua inabilidade com trilhas, ou por um acaso inacreditável estava seguindo o caminho certo. O médico nunca acreditara em intuições, mas como para tudo há uma primeira vez, ele resolvera seguir aquela sensação estranha que lhe aportara.

Caminhara então mais alguns metros, a perna de pau afundando na terra, quase fazendo com que caísse. Esbravejava mentalmente a cada passo em falso dado, insultando até a última geração do maldito errante que lhe arrancara a perna. O tempo de reclamar sobre sua deficiência já havia passado, mas ainda assim, era obvio que a amputação lhe trouxera inúmeras limitações.

Sua aventura solitária se encerrara quando notara a aproximação de algo, ou alguém. Puxara a Glock da cintura, tentando concentrar-se ao máximo para identificar de onde vinha aquele barulho. As folhas amassadas por passos, que pareciam cada vez mais próximos. Vincent girara de um lado a outro, preparando-se para disparar. O coração já chegara na garganta, o revólver já estava engatilhado.

— Senhor Wales?

A voz era familiar. Hall sentira-se aliviado, nenhuma das opções que lhe passara pela cabeça teria lhe proporcionado um encontro agradável. Eloise McIntyre saíra da penumbra e viera em sua direção.

Hall subira o lenço que se encontrava amarrado em seu pescoço, tratando de cobrir a boca e o nariz. Era melhor não arriscar. Guardara a arma no cinto, agradecendo mentalmente por não ter sido exposto a nenhuma situação de perigo.

— Sabe que meu nome é Vincent – Sua voz saíra abafada pelo tecido, mas ainda assim se fizera entender – Mas se insiste em ser sempre tão formal, pode me chamar de senhor Hall... – Ele parecera lembrar-se de algo muito importante – Senhora.

Vincent a saudara com um aceno de cabeça, fazendo um breve floreio com uma das mãos.

— O que está fazendo aqui? Não o vi sair da enfermaria esses dias.

De uma maneira estranha a Imperatriz parecia diferente. Hall preferira não ligar para suas suposições sem embasamento, respondendo rapidamente ao que lhe fora questionado.

— Estava perdido. – O médico abrira a bolsa que carregava ao lado do corpo, retirando de lá um arbusto e algumas folhas – Agrião e equinácia. Olga me disse que havia plantado algumas ervas no meio do bosque, em um local mais afastado... Foi fácil chegar até lá, mas acabei me enrolando no caminho de volta.

A mulher parecia intrigada.

— E essas folhas são exatamente para o quê?

Hall sorrira por debaixo do pano.

— O agrião será fervido, filtrado e depois recolocado em um recipiente com álcool. Posso usá-lo para passar nos locais em que meus pacientes mais reclamam de dores... Já da equinácia eu farei um chá, espero que ela me ajude a combater as infecções...

Vincent não conseguira esconder o seu abatimento. Como exímia observadora, Eloise achegara-se um pouco mais.

— O que está acontecendo, Hall? Em que pé estamos com essa doença?

— Não há mais nada que eu possa fazer, Imperatriz... – Tal confissão exigira muito do médico – A nossa amoxilina e ampicilina já acabaram, ontem eu usei as duas últimas ampolas de gentamicina... E, porra, todos esses são antibióticos! Estamos lidando com a droga de um vírus, e não dá para tratar um vírus com antibióticos! Um vírus é tratado com o caralho de um antiviral!

A mulher não modificara o seu olhar, parecia compreender o desabafo do médico.

— Tudo o que sobrou foram essas malditas plantas! Nada que possa salvá-los... Como eu disse, não há mais nada que eu possa fazer por eles.

Eloise meneara a cabeça positivamente.

— Ok. De qualquer forma estamos avançando... – Até mesmo aquela forma gratuita de positivismo soava estranha vinda da boca de Eloise – Você já sabe com o que estamos lidando?

Vincent se acalmara. Iria precisar de toda a sua racionalidade em pleno funcionamento para respondê-la.

— Todos os indícios indicam que seja um vírus. Vide os casos confirmados, eles vieram dos porcos, já que todos os contaminados tiveram contato direto com os animais e os mesmos também adoeceram e morreram... O ciclo da doença parece seguir a mesma escala – Vincent gesticulava com as mãos, enquanto era observado atentamente – Em oito dias aparecem os primeiros sintomas; febre, letargia, rinorreia... Tudo muito parecido com um milhão de outras doenças...

— Após mais dois dias vem a tosse, náusea e diarreia, tudo em um nível descomunal... Eles então começam a desidratar de forma assustadora! No quarto dia após as primeiras manifestações, eles entram na fase hemorrágica, e é isso que está causando as mortes... Diminuição da pressão arterial por conta da perda de sangue, insuficiência renal e hepática. Enfim, as causas são variadas.

O médico coçara a cabeça. Compartilhar tudo aquilo também era uma forma de diminuir o peso e, por conseguinte sua frustração.

— Hudson e Rose morreram ontem à noite... Miles não deve passar de hoje, mais tardar amanhã. Lawrence e Annie estão piorando, e já entraram na fase hemorrágica... Mas o pior de tudo, senhora, é que essa forma de manifestação e transmissão é bastante exclusiva, e eu só havia visto uma vez em toda a minha carreira. Em setenta e seis no Congo... Torço ferrenhamente para que seja Marburg e não Ebola.

— Acredito que não seja transmitido pelo ar – Hall tentara de alguma forma tranquilizá-la – Mas como o vírus segue os mesmos métodos do Ebola, por assim dizer, tenho certeza que ele pode pular de pessoa para pessoa através de qualquer contato com fluido corporal de um infectado. O que significa que não poderei deixar que ninguém além de mim entre em contato com aqueles cadáveres...

O cirurgião suspirara.

— Nosso grande desafio é não deixar que esse vírus se espalhe por todo o Garden, precisamos urgentemente realizar uma contenção. – O tom de voz de Hall ficara levemente mais dramático – Lawrence e Annie ainda estão vivos, mas já estão condenados... É quase como aquele maldito gato de Schrödinger... Vivo e morto.

— Espera... O que disse? – Indagara Eloise, claramente sobressaltada.

— É uma teoria física...

A mulher não permitira que ele prosseguisse.

— Acredite, eu já sei o bastante sobre Erwin Schrödinger... Em outra vida eu costumava ler sobre mecânica quântica e consistência ondulatória e corpuscular quase que diariamente. – A revelação pegara Hall totalmente de surpresa – Foi uma boa comparação. Inteligente, Vincent.

Aquela talvez fosse a primeira vez que Hall recebia um sincero elogio vindo da Imperatriz. Não restava mais dúvidas de que ela estava diferente. Ela parecia mais próxima, mais normal. Muito distante da imagem de líder intocável criada para ela. E é claro, fomentada pela própria Eloise.

— O que sugere, doutor? Estou inclinada a cooperar.

— Bom... – Vincent levara a mão direita até a nuca – Quero carta branca para cremar todos os corpos, sem funeral e sem cerimônias públicas. Quero que isole qualquer pessoa que apresentar um sintoma que seja nos próximos dias... Febre, dor de garganta, tosse... Se alguém espirrar nessa comunidade, quero que seja trazida até mim.

As exigências eram muitas e complicadas de serem atendidas, ainda assim Hall levara até o fim.

— Quero ajuda para mapear todos que tiveram contato com os cinco infectados. Lawrence é casado, então é possível que ele possa ter transmitido sexualmente para Patricia durante o período de incubação. Isso também vale para os outros, precisamos ser absurdamente cautelosos, ou então todos estarão correndo risco!

— Qualquer um que faça parte desse grupo de risco deve ser posto em quarentena... E se fosse possível, gostaria muito que toda essa conversa ficasse apenas entre nós. Uma pergunta só levará a outra, e não quero correr o risco de ter um bando de hipocondríacos batendo na minha porta... Além disso, ninguém aceitará o fato de não poder se despedir dos entes que faleceram...

— Por último, Imperatriz... – O médico tomara fôlego outra vez – Quero que me autorize a levar os doentes para longe da comunidade. Eu não sei por quanto tempo vou poder continuar fazendo isso, então acho melhor tratá-los em um local afastado, caso algo ocorra...

Eloise arqueara uma sobrancelha. Estava aparentemente preocupada.

— Do que está falando?

— Eu... – De todas as coisas que dissera, aquela com certeza era a mais difícil de admitir – Há uma grande possibilidade de que eu esteja com o vírus. Tive contato direto com o sangue do Lawrence, e antes de saber realmente com o que estava lidando, cuidei dos demais doentes sem as devidas precauções... Devo começar a apresentar os primeiros sintomas muito em breve... Depois, bom, será o mesmo ciclo que ocorre para todos. Talvez em uma semana, ou um pouco mais... – O médico parecera engolir as próprias palavras – Eu vou morrer, Imperatriz.

Eloise dera a entender que iria se manifestar, mas Vincent não permitira.

— Antes de tudo acabar, quero ter certeza que a comunidade ficará segura... Temos uma guerra para vencer e não conseguiremos derrubar Negan se a droga de uma epidemia se espalhar pelo Garden. Preciso que me garanta que tudo isso será feito.

Eloise meneara a cabeça positivamente, abrindo inclusive um leve sorriso.

— Tem a minha palavra, tudo será arranjado, não se preocupe. – Os olhos claros da Imperatriz o fitaram de maneira única – Acho que preciso retirar algumas coisas que disse a seu respeito... Você é mais forte do que imaginei, Vincent. É preciso coragem para abdicar de tanto assim... Você até me lembra uma certa pessoa.

Hall não sabia como reagir ante a inédita face da Imperatriz Eloise. Preferira apenas sorrir, agradecendo com um gesto semelhante ao que usara para cumprimentá-la.

— Bom, acho melhor irmos... – Vincent olhara para o pouco que podia enxergar do céu, escondido pelas copas das árvores – Logo vai cair uma tempestade.

A mulher concordara, passando a guiar os passos do médico perdido, levando-o de encontro ao caminho de pedras, onde poderiam retornar para a trilha correta.

— Posso perguntar uma coisa? – Vincent a seguia de perto. A mulher nada dissera, dando a entender então que a resposta era afirmativa – O que você estava fazendo aqui no meio do bosque?

Surpreendentemente Eloise lhe respondera.

— Estava visitando o túmulo da minha irmã... Bonnie. Hoje faz dois anos que ela morreu.

O médico arregalara os olhos.

— Eu sinto muito... – Hall não sabia ao certo como reagir – Os errantes levaram muito de todos...

A mulher interrompera os passos subitamente.

— Não foram os errantes que mataram Bonnie, e nem os Salvadores. – Ela virara a cabeça, olhando diretamente nos olhos do médico – Aconteceram muitas coisas depois que chegamos aqui... De certo modo, Bonnie se infectou, mas não foi por nenhum vírus dos que você está acostumado a lidar. Foi algo que a mudou de dentro para fora...

— Ela acabou cometendo muitos erros, e pagou por cada um deles... – Apesar de fitá-lo, os olhos de Eloise pareciam totalmente perdidos – Eu condenei Bonnie à morte pela forca.

Assim que a Imperatriz finalizara sua frase, uma forte chuva começara a cair sobre suas cabeças.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Tivemos um capítulo repleto de revelações, e talvez uma das mais importantes tenha a sido a que envolvera o Doutor Vincent Hall... Então, o que acham que irá acontecer com ele?

Gostaram da história da Imperatriz? Quero saber suas opiniões!

O capítulo de hoje foi focado no Garden, mas no próximo teremos mais ação, mais Reino, mais Alexandria, mais Hill Top, enfim... Aguardem!

Vejo vocês nos comentários...

Moi moi.

~~

Só quero fazer um adendo ao fato de que "Mad Max: Fury Road" faturou 6 Oscars na noite de ontem! Fiquei realmente muito feliz, pois além de ser um filmaço, Fury Road inspirou a personagem principal desse capítulo, justamente a nossa Imperatriz do Garden!



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