All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 22
Walkabout


Notas iniciais do capítulo

Hei!

Bom pessoal, o capítulo atrasou essa semana, mas não, não foi por conta de nenhum problema pessoal hehe... Eu simplesmente tive uma crise criativa, reescrevi o capítulo pelo menos quatro vezes por não estar satisfeito com o seu conteúdo... Entendam, a fic entrou na minha saga preferida nos quadrinhos, e obviamente eu quero fazer a partir de agora, algo minimamente digno com uma parte tão foda do material original! Venho aqui me desculpar pelo atraso, mas acreditem, foi por uma boa causa hehe...

Como eu disse, quero sempre escrever bem, e às vezes o meu lado ‘escritor maluco’ acaba sendo muito exigente e me atrapalhando. Não prometerei nada, apenas me esforçarei ao máximo para seguir melhorando, mas sem me atrasar tanto assim hehehe...

Bom, mas não temos apenas más notícias... All Out War recebeu a sua segunda recomendação! YEAH! Venho aqui agradecer profundamente a Amante Adorável, que me presenteou com suas brilhantes e adoráveis palavras! Muito, muito obrigado honey! Nem sei como agradecê-la... Se tiver alguma sugestão, entre em contato por Mp hehehehe... Falando sério, isso só me incentiva cada vez mais a prosseguir escrevendo e tentando melhorar. Kiitos baby!

Quero agradecer também a minha grande amiga Menta, que ainda não desistiu nem de mim e nem da minha fic! Gracias chica! Você sabe que eu adoro os seus comentários e que com todos os méritos você aparece como base de grande inspiração para esse singelo trabalho! Prepare-se que mais referências a sua magnânima obra Hunter’s Instinct ainda virão! Aguarde e confie! Hehehehe...

Não tenham medo de comentar, quero saber se estão gostando dos capítulos, e onde eu preciso melhorar! Receber o feedback dos leitores ajuda pra caceta o autor a evoluir como escritor, além de tornar sua história cada vez mais agradável de se ler... Portanto, comentem! Será uma honra respondê-los!

Esse capítulo trás três POV’s inéditos! Revelarei apenas um, os outros vocês só descobrirão lendo hehe... Hoje teremos em uma das partes, a visão (ou meia visão, já que ele perdeu um dos olhos hehehe) do fodastico filho do xerife, Carl Grimes! Eu gostei do capítulo, e modéstia a parte acho que vocês também gostarão... Ele mescla o drama com um marcante momento de ação, onde trago a adaptação de uma famosíssima cena dos quadrinhos...

Bom, sem mais...

Boa leitura!



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Os passos simples, curtos e tranquilos daquela que se dirigia até a porta de madeira em frente a grande casa que residia, denotavam sua vontade de espairecer em frente à varanda. A vista nada privilegiada, em frente ao grande paredão formado por espessas placas de metal, não atrapalhava em nada os devaneios da mulher que de forma serena, deslocava-se em silêncio até o lado de fora.

A areia colocada em frente às placas, pelo lado de dentro dos grandes muros, formavam uma elevação alta o bastante para que qualquer um pudesse acessar a parte de cima dos muros, ideal para uma extrema situação de perigo, algo que Alexandria não via desde a grande invasão de errantes há meses atrás.

O cenário de campo de batalha, sendo completado pelos sentinelas, que a todo momento caminhavam de um lado a outro com suas armas em punho, sempre atestando se o local estava realmente seguro, contrastava-se com o caminhar de um casal de idosos, além da costumeira partida de basquete em frente ao bosque principal da comunidade.

Todos já estavam devidamente habituados à rotina de Alexandria, aparentemente acostumados ao ritmo maluco que o novo mundo impusera a todos. O ser humano sempre fora conhecido por seu poder de adaptação, e a comunidade funcional, crescendo cada vez mais após dois anos de caos, comprovava o quanto essa teoria é realmente acertada.

Adaptação essa que também servia para a mulher que agora observava de perto todo o movimento da vida pulsante da comunidade, ainda tentando se reestabelecer após o choque que sofrera com mais uma perda. A notícia da trágica morte de Nicholas, somado ao acidente que envolvera Magna, deixara todos os moradores, de veteranos a novatos, com níveis altíssimos de tensão em seu interior. Todos ali fingiam que poderiam tocar a vida, que tudo se resolveria, mas no fundo, temiam mais do que qualquer coisa que o sonho utópico de Alexandria tivesse encontrado o seu fim.

A maioria ali não poderia sobreviver na estrada, não como ela sobrevivera, vendo a morte de perto, aprendendo a superar a dor para poder continuar respirando. Tendo de cuidar de duas vidas, zelando por uma pessoinha que ela amava mais do que tudo.

Susie viu o marido retornar dos mortos, modificado, readaptado, totalmente diferente do homem que conhecera, daquele que junto a ela, em um ato verdadeiro e puro de amor, produzira o maior de todos os seus bens, o pequeno Jacob.

A jovem mãe que outrora trabalhava no ramo de tecnologia, sonhava em realizar mil e uma especializações, subir de cargo na empresa, juntar um dinheiro, viajar... Susie nunca se imaginou sendo mãe antes dos trinta, principalmente vivendo em uma situação limite como a que vinha enfrentando.

O pequeno bebê que nem sequer completara um ano, ensinara bastante a agora professora de Alexandria. Valores fora uma das lições, assim como deixar para trás todo e qualquer resquício de futilidade e soberba de sua personalidade. A derradeira lição viera com toda a experiência da gravidez, que parecera lhe dar o dom da sensibilidade, algo que ela jamais acreditara sequer existir. Susie conseguia ler as pessoas, observar elementos a seu redor, traçar perfis e, principalmente, identificar uma mentira.

Goodwin escondia algo, algo bem mais grave do que a simpatia velada e fingida que distribuía por toda a comunidade, a qual Susie já percebera ser irreal. Tentar conjecturar qual seriam os motivos para toda a mudança de seu marido, deixava a jovem levemente perturbada, aterrada com o que poderia descobrir.

Mas ela sabia que algo muito errado estava ocorrendo, e se ela não fosse a única pessoa a desconfiar do marido, algo de muito ruim poderia ocorrer.

Sua mente mergulhava em um oceano de questionamentos, dúvidas que transbordavam por sua cabeça, tentando achar de todas as formas uma resposta plausível. E se Rick também desconfiar de James? E se Andrea não acreditar em sua versão a respeito do acidente envolvendo Magna? Ela já vira o xerife em ação antes, e já ouvira histórias escabrosas a respeito dos métodos de Grimes para lidar com problemas.

Não poderia perdê-lo de novo, não queria ter de se despedir mais uma vez...

Ao mesmo tempo em que, apesar de presente, o Goodwin que ali se encontrava, não era o homem pelo qual se apaixonou. Valeria prosseguir em uma relação tão conturbada assim?

Os olhos cintilantes de sua cria, encarando seus orbes com a pureza de uma criança que nada sabe a respeito dos males do mundo, fazia com que qualquer pensamento negativo se esvaísse da mente de Susie. Por seu bebê, qualquer sacrifício valeria a pena. Até mesmo seguir dormindo ao lado de um avatar, um corpo sem essência, um Goodwin sem alma.

— Preocupada?

Pelo visto, Susie não era a única inquieta internamente. Ao sair porta a fora, caminhando até a varanda em frente aos muros, a jovem mãe, com sua criança devidamente acomodada em seus braços, deparou-se com Leah Fisher, também encarando o horizonte, o olhar tão perdido quanto o dela. A menina que aparentava estar em transe, apoiava-se em um batente de madeira, dançando os delicados dedos ao redor da rija estrutura.

Com os loiros cabelos amarrados para trás, enormes olheiras aparentes, além de uma feição pálida e cansada, Leah parecia reunir todos os estereótipos possíveis de alguém que há muito não conseguia relaxar, dormir tranquilamente pelo menos uma noite inteira.

A mãe de Jacob sabia exatamente o que tirara o sono e a tranquilidade de Fisher, afinal de contas, todos em Alexandria foram pegos de surpresa com a notícia do desaparecimento do doutor Vincent Hall, em meio à madrugada, justamente no dia em que Magna fora gravemente ferida. A ligação entre os dois era óbvia, e ficara ainda mais quando um súbito rompimento da ‘amizade’ se dera logo após o cirurgião assumir um relacionamento com Rosita Espinoza.

O dom de observação que Susie adquirira, pudera ser posto em prática antes mesmo de seu filho nascer. Ela já havia notado um ar diferente envolvendo os dois quando ainda estavam na estrada, e digamos que Hall nunca fora estável o bastante para conseguir esconder algum tipo de sentimento.

Susie nunca tocara no assunto, muito mesmo realizara qualquer julgamento de caráter, apenas sentia um enorme receio de que a corda acabasse arrebentando do lado mais fraco nesse relacionamento que desde o início estava fadado ao fracasso. E ao ver como Leah ficara após tanto ocorrer, infelizmente Susie acabara atestando que fora exatamente isso o que ocorrera.

A adolescente virou o olhar assim que ouviu a voz vinda de suas costas. Com as feições fragilizadas, a menina encarou-a, e não precisou dizer uma só palavra. A jovem mãe conseguia compreender exatamente pelo quê ela estava passando.

— Eu também sinto falta dele...

A voz de Susie saíra de forma acolhedora, acompanhada por um discreto sorriso. Leah virou-se completamente, direcionando sua atenção para a mulher que lhe abordara. Não parecia querer falar, mas talvez precisasse ouvir.

— Se ele não estivesse conosco, eu não teria a chance de ter o meu filho... – Susie voltara o olhar para Jacob, que calmamente seguia observando o cenário a seu redor com os seus grandes olhos amendoados – Eu tive muita sorte por ter um obstetra no comboio...

Fisher tentava não demonstrar nenhuma emoção, sua respiração seguia lenta e controlada. Ela apenas seguia admirando Susie, que de forma segura, ninava o seu filho enquanto prosseguia com as aparentes palavras de conforto.

— Minha gravidez era de risco... Segundo ele próprio, o parto já seria complicado no mundo como era antes, com médicos e equipamentos hospitalares... – A mulher direcionou os olhos para o filho, tocando levemente o seu rosto – Ainda assim ele conseguiu... Eu não sei como, mas serei grata pelo resto da vida... Se não fosse por ele, eu não teria experimentado a sensação mais prazerosa da minha vida... Ser mãe!

Nenhuma modificação se deu no humor de Fisher, que parecia se controlar para não dizer nada. A garota parecia desligada do mundo, visivelmente transtornada e incomodada.

— Eu não sei quais os motivos para ele ter feito o que fez, principalmente com todos os problemas que estamos passando... – Susie prosseguiu – Mas sei que ele está bem! Quem resistiu até aqui é definitivamente um sobrevivente! O mundo não vai levá-lo assim tão fácil...

A adolescente respirou fundo, soltando lentamente a grande quantidade de ar que acumulara nos pulmões.

— Eu não estou pensando nele... E eu não sinto falta dele...

Susie viu os olhos de Leah queimarem. As palavras pronunciadas com repulsa saíram de forma eloquente dos lábios da menina. Ela parecia estar entrando em erupção, colocando para fora opiniões guardadas apenas para si.

— Eu quero esquecer ele... Assim como eu fiz com todos que perdi! Meus pais... – A voz de Leah embargou – O Mike, a Amanda... – A menina fez uma pausa, voltando a encarar as ruas de Alexandria – Ele fugiu Susie, ele não morreu... Vincent era apenas um covarde... Um covarde que não merece ser lembrado!

Era assustador perceber o quanto a menina havia endurecido. Apesar de estar conversando com uma garota de quatorze anos, Susie sentia-se como se fosse a caçula do diálogo, tamanha desenvoltura da menina em avaliar o mundo a seu redor. Mas ainda assim, todo o amadurecimento forçado pelo qual Fisher passara fizera com ela deixasse de enxergar diversos elementos a seu redor. Aparentemente o bom senso era um deles.

Susie sabia o quão sensível a menina se encontrava, por isso evitou parecer prepotente em suas palavras, queria passar o outro lado da vida para Leah, sem que a garota achasse que estava sendo julgada ou repreendida. No mundo atual, poucas pessoas se preocupam com o bem estar alheio, isso acabou se tornando algo pequeno frente à monstruosa luta diária pela sobrevivência.

— Ele não era... – A mãe corrigiu-se – Ele não é um covarde Leah... Vincent sempre esteve aqui, mas claramente ele nunca foi daqui! Todos nós fugimos de algo, todos têm um peso a carregar... É claro que é totalmente discutível a decisão que ele tomou, principalmente ao deixar Magna naquele estado...

Leah ainda não a encarava. Susie prosseguiu.

— Não podemos julgar ninguém aqui... Todo mundo carrega um demônio consigo... Todo mundo aqui precisou fazer algo horrível para sobreviver!

Fisher voltou-se para aquela que falara. Os claros olhos arregalaram-se, surpresos pelo que acabara de ser dito. A adolescente não parecia concordar com os pontos expostos por Susie, e aparentemente, ainda havia mais a ser jogado contra o ventilador.

— Eu não sou idiota! – O rosto pálido da garota parecera ficar ainda mais alvo – Eu sei muito bem o porquê de você estar dizendo tudo isso!

A garota deu dois passos em direção a jovem mãe, parecia querer encará-la.

— Você e a maioria dos babacas daqui vivem em uma grande e falsa zona de conforto! Se acham melhor do que os outros pelo simples fato de conseguirem levar uma vida tranquila dentro dessa casa de bonecas! – Apesar de falha, a voz da adolescente denotava todo o ódio intrínseco – O que você perdeu Susie? O que sabe a respeito da dor? O seu marido, que todos pensavam estar morto, retornou... São e salvo!

Susie já esperava por aquilo, de certo modo era bom, pelo menos a garota botaria para fora tudo o que a estava incomodando e a fazendo sofrer.

— Eu nunca vou me sentir a vontade com vocês... Eu não tenho mais nenhum laço que me prenda aqui... – A menina olhou para Jacob, que seguia acordado, admirando o teto enquanto aconchegava-se no colo de sua mãe – Ao que parece, os milagres só aconteceram com você!

A jovem sorriu para a adolescente, o que deixou Leah ainda mais transtornada. Nenhuma das frases proferidas ofenderam Susie. Ela relevara tudo por saber que aquilo era apenas um pico emocional pelo qual a garota estava passando. Era mais fácil tentar se isolar de todos, acreditar que o seu problema é superior aos dos demais, e que ninguém poderá ajudá-lo, do que propriamente encará-lo.

Só que Susie acreditava que poderia ajudá-la. Talvez ajudando Leah ela também ajudasse a si mesma.

— Eu perdi a minha mãe pouco tempo antes de tudo isso começar... Três anos e meio atrás... Câncer terminal... – A menina que a ouvia, baixou o olhar brevemente, em sinal de pesar – Sabe o que ela me falou quando estava internada? Ela me disse... A pior parte de estar em uma situação dessas, à beira da morte, não é o medo de morrer, é o medo de perder a própria dignidade...

Susie mantinha-se impávida enquanto falava, apesar de estar remoendo algo extremamente doloroso.

— Após dois meses de internação, ela não falava mais, não andava mais, não comia mais por via oral... Ela usava uma fralda e precisávamos limpar os dejetos todos os dias... – Olhando para o filho, Susie respirou fundo – Ela sempre foi tão vaidosa, tão cuidadosa consigo mesma... Acabou terminando de uma forma tão triste, exposta...

Fisher evitava encarar aquela que discursava, mas era inevitável, ela precisaria ouvir tudo até o fim.

— Eu também tinha duas irmãs, uma mais velha, casada e com filhos. A outra era a caçula, adotada de um casal que a abandonou no hospital onde minha mãe trabalhava... Era tão amada quanto qualquer outra Weaver... Talvez até mais, por ser a mais nova!

Um novo sorriso nasceu brevemente em seu rosto.

— Perdi totalmente o contato com Mary, a mais velha, um pouco depois de todo o caos ter se espalhado... Em uma das poucas ligações que consegui fazer para ela, quando os celulares ainda possuíam baterias, ela me disse que estavam indo para Montana, saindo de Salt Lake pela 84... Não havia nada lá, assim como não havia nada em lugar algum!

Seus olhos encheram-se de lágrimas.

— A mais nova, Zoe... Ela era tão linda, tinha traços indígenas, olhos marcantes... Um cabelo negro lisíssimo... – As duas se olhavam nos olhos, pareciam se compreender na dor – Ela não foi tão forte, ela não conseguiu... Eu prometi a nossa mãe que cuidaria dela, mas não pude cumprir minha promessa! – Uma breve pausa fora feita – Ela foi mordida, levamos ela até um dos postos hospitalares que ainda funcionavam... Obviamente ela nunca saiu de lá, assim como todos os outros pacientes...

As lágrimas desciam pelos lacrimais das duas. Fisher fechara brevemente os olhos, aparentemente digerindo tudo o que havia sido dito, todo o sofrimento que acabara de ser compartilhado. Susie ainda precisava finalizar, ainda havia mais a ser dito.

— Quanto ao meu marido... – Susie caçava as palavras, esse ponto em questão precisava ser explicado com cuidado – Eu realmente tive uma grande sorte de ter uma segunda chance, de poder reencontrá-lo... Mas sinceramente, não sei se não seria melhor tê-lo realmente perdido naquela tempestade...

Leah franziu as sobrancelhas, estava absorta.

— Não me entenda mal, não quero dizer que não estou grata por ele ter sobrevivido, eu o amo, mas... Ele não é a mesma pessoa, não o mesmo Goodwin que conviveu todo o tempo conosco quando estávamos no comboio... O período em que ele ficou sozinho parece ter mexido com sua cabeça, ou talvez...

A mãe de Jacob inspirara profundamente.

— O que quero dizer Leah, é que todos, todos sem exceção têm um peso para carregar... Ninguém chegou até aqui sem ter visto alguém que ama morrer! Eu não quero esquecer minha mãe, nem as minhas irmãs, muito menos o homem que amo... Eu quero que eles sempre estejam presentes na minha cabeça, para que eu possa martelar todos os dias, o quanto é importante que eu siga em frente, que aproveite o tempo que me foi dado!

Susie tocou levemente o queixo de Fisher, fazendo com ela a encarasse.

— Não precisa passar por tudo isso sozinha, não precisa esquecer... Só precisa deixar que os amigos se aproximem! Se formos o cajado uns dos outros, ninguém mais tropeçará!

A menina sorriu, deixando que uma lágrima escorresse pelo lacrimal esquerdo. As duas pareceram se entender, pareciam sentir-se mais próximas do nunca. O apocalipse levara muito e deixara poucos, e esses poucos que sobraram, precisariam aprender a lidar com diversos tipos de perdas, ou então seriam engolidos, tornando-se apenas outras vítimas do novo mundo. Susie já havia compreendido isso, e queria muito que a adolescente também entendesse.

— Obrigada Susie... Me desculpe por... – Leah fechou os olhos brevemente, parecia ser tomada por um mal súbito – Me desculpe por...

As pernas da garota bambearam, seus joelhos dobraram e ela quase foi ao chão, precisara se apoiar no batente para conseguir permanecer de pé. A coloração de seus lábios desaparecera quase que por completo, sua pele ficara ainda mais pálida.

— Deus... Leah, você está bem?

A menina espalmou uma das mãos, sinalizando que não havia nada demais. Porém, após levar a mesma palma até a boca, nitidamente tentando impedir uma ânsia de vômito, Susie atestara que a garota necessitava de atendimento médico.

— Vem comigo Leah, vamos até a Rosita, ela vai saber o que fazer...

Os olhos da garota arregalaram.

— Não, a Rosita não... Eu estou bem, eu...

Novamente Leah parecera impedir o regurgito.

— Leah, por favor, vamos até a Rosita... Ela é a responsável pela enfermaria agora!

Leah Fisher voltara o olhar para os céus, fechando os olhos e respirando profundamente, em uma tentativa de estabilizar os sintomas súbitos que a afetavam naquele momento. Após alguns segundos, em que ela se mostrara aparentemente mais tranquila, a garota finalmente manifestou-se em resposta.

— Me leve até a Maggie, por favor... Me leve à casa da Maggie...

*****

— Jogue este último aqui!

A ordem dada de forma assertiva por Andrea, fora logo atendida pelo homem que, sem rodeios, jogara mais um cadáver sobre a cova rasa próxima aos muros, um dos pontos onde os errantes tombados eram amontoados e queimados logo em seguida.

Ouvir uma frase naquele tom de voz acabara se tornando comum para ele nos últimos tempos, desde que o mundo resolvera inverter a ordem de tudo e destruir com mais da metade da vida humana na terra. Durante toda a sua saga pela sobrevivência, ele acatara ordens, algo que acabara se tornando um grande fardo, já que a essa altura, o homem nem mais se perguntava a razão de fazer tudo o que fez.

Seguir pessoas, estar em grupo, esquecer os princípios morais. Tudo se tornara habitual, comum para um homem que inacreditavelmente, apenas vivia uma vida pacata há pouco mais de dois anos.

Matar nunca passara por sua cabeça.

Hoje, isso não é mais um problema.

Isaiah-Matti nasceu em Kitee, uma pequena cidade ao sul da capital finlandesa, Helsinki. Membro de uma família de sobrenome forte em seu país, Isaiah tem em seu sangue enraizado uma história de conquista e lutas pela pátria. Seus antepassados batalharam contra o Reino da Suécia, ajudando os finlandeses a se libertarem de um domínio que durara séculos.

Muito sangue fora derramado sobre o frio solo naquele inverno. Mas nada se comparava ao que o último Matti tivera que enfrentar. Se ainda houvesse historiadores para registrar e passar adiante tudo o que ali ocorrera, provavelmente Isaiah seria muito mais lembrado no futuro do que seus heroicos familiares.

Seguindo um caminho oposto a sua família, que tradicionalmente geria fazendas de renas em Vantaa e Luopio, o jovem rapaz preferira rumar à capital, cursando Biologia, nutrindo ainda mais sua paixão pela natureza.

Ele sobrevivera até então a pior de todas as eras, e para isso, precisou abdicar de muitas coisas, inclusive de si mesmo, deixando para trás sua própria personalidade, adaptando-se... Sobrevivendo...

Carregar corpos sobre o fraco sol da manhã, sobre os rígidos e ríspidos olhares da mandatária de Alexandria, não assustava em nada o homem mudo. Isaiah perdera a capacidade de pensar no futuro, deixando-se consumir apenas pelos momentos presentes, como se aquele instante, aquela ação, pudesse ser a última que ele fosse realizar em sua vida.

Isso fizera com que ele tomasse diversas decisões erradas. Fardos que ele terá de carregar até o seu último suspiro. Decisões que também trouxeram consequências.

Matti já estivera em outra comunidade anteriormente, na verdade, fizera parte de uma milícia, um grupo armado grande o bastante para conseguir saquear e recrutar diversas pessoas em pequenos acampamentos próximos às estradas, quando ainda se acreditava que as forças governamentais pudessem agir. Ele inclusive fora um dos que acabara sendo recrutado contra a sua vontade, pegando em uma arma pela primeira vez. Literalmente um gatilho para todo o desmoronamento humano que se iniciou em sua vida a partir daí.

O grupo que tinha Wyoming County como sede, era pretensioso o bastante para acreditar que poderia reiniciar a raça humana, começando uma nova civilização do zero. Um pensamento totalmente narcisista e napoleônico, que não combinava em nada com a forma que Isaiah enxergava o mundo.

O biólogo tornara-se útil para o grupo armado, ajudando-os a caminhar longas distâncias dentro de florestas, a achar alimentos em lugares inóspitos e a preparar medicamentos caseiros para a cura de pequenos ferimentos. Contudo, com o passar do tempo, a exigência passou a aumentar cada vez mais.

Matti passou a sair em missões junto a pequenos grupos, e fora aí que se deparara pela primeira vez com o pior do ser humano. Assassinatos, estupros, mutilações. Nem as crianças eram poupadas da barbárie imposta pelos mais agressivos membros daquela milícia. O que ele assistiu naquelas missões, nunca mais será esquecido.

Mas assim como o ser humano detém o poder da adaptação, detém também o poder da repetição.

Não demorara para que o pacato biólogo encontrasse uma rotina de normalidade nos mesmo atos repugnantes que tanto condenara. O que ele fez naquelas missões, também ficará para sempre em sua mente.

Isaiah tornou-se outra pessoa, deixando sua história para trás, seus medos e seus sonhos. Ele se perdera em um caminho aparentemente sem volta, e fora justamente a partir daí, que sua história começou a se cruzar com Alexandria, ou melhor dizendo, com James Goodwin.

O grupo de milicianos poderia aparentar ser anárquico, mas havia rígidas regras que precisavam ser seguidas à risca. Um deslize, apenas um deslize seria o suficiente para uma severa punição. E fora justamente o que ocorrera com Isaiah-Matti.

Matar se tornara hábito, afinal de contas, isso era feito a cada missão impetrada, fosse ela contra mortos ou contra vivos. O ímpeto que o ex-biólogo passou a carregar consigo, acabara se transformando em seu grande algoz. Após um briga com um dos imediatos de seu grupo, Matti não hesitara em exterminá-lo na frente de todo o acampamento, cravando sua faca de caça no peito do homem.

Obviamente, houve consequências.

O homem fora espancado durante uma noite inteira, tivera parte da língua cortada, além de um enorme golpe na boca, estendendo-se até próximo ao zigomático. As cicatrizes que ele carrega consigo até os dias atuais, servem para lembrá-lo o alto preço que o novo mundo cobrou, e que talvez, mesmo que remotamente, o universo seja movido por algum tipo de lei punitiva.

Ele conseguira fugir, deixando em definitivo o grupo de loucos. Andando pelas florestas americanas durante meses, Matti sobrevivera à base de seus conhecimentos sobre a vida selvagem, adaptando-se facilmente a dormir sob o relento e a comer o que pudesse ser caçado ou colhido nas árvores.

Fora um longo tempo sozinho, e servira para que ele repensasse sobre si mesmo, sobre o seu papel no novo mundo, e sobre tudo o que fizera anteriormente. O novo homem já estava pronto para tocar sua vida em meio ao que mais gostava, vivendo de forma solitária e isolada, um justo castigo para todo o mal que causara.

O problema é que uma tempestade nos arredores de Washington mudaria o destino de Isaiah completamente. Após encontrar Goodwin a beira da morte, o biólogo lhe dera o suporte necessário para que ele pudesse sobreviver, acolhendo-o e tratando-o, apesar de ele próprio não entender o motivo de estar fazendo aquilo.

A parceria que nascera dali se estenderia até a chegada dos dois a Alexandria, a um novo porto seguro, talvez até, um novo recomeço.

— Acho que por hoje chega! – Exclamou Andrea novamente – Tocaremos fogo quando Heath e Abraham retornarem!

Alexandria não trouxera apenas mais momentos de submissão para o finlandês. A comunidade também revelara outra faceta de Goodwin, que apesar de inesperada, não foi em toda surpreendente para Matti. Ele já vira o mundo mudar as pessoas antes, isso inclusive acontecera com ele em um nível quase sem volta, e naquele momento o seu temor se dava por justamente ver o quanto era tênue a linha entre a sagacidade e a loucura nos olhos de James.

Ele não se apegara a ninguém na comunidade, apenas seguiu o curso, obedecendo o que lhe era proposto, fosse por Rick, Abraham, ou Goodwin. Executar Spencer, encobrir a morte de Nick... Terminar com a vida de Magna. Nada disso trazia qualquer sentimento de remorso ao homem, mas de certo modo, nas últimas semanas, voltar a fazer aquilo, repetindo os mesmo erros de tempos atrás, começou a parecer uma volta ao passado. Uma volta a uma terra que ele prometera nunca mais visitar.

Mais dia, menos dia, tudo ali ruiria. Não haveria salvação para ele e nem para Goodwin, Isaiah também já passara por aquilo, sabia muito bem o que Rick e Andrea poderiam fazer com os dois. Talvez fosse o que devesse ocorrer, talvez se seguisse os planos de Goodwin, tudo terminasse logo, e ele poderia enfim receber a punição merecida e definitiva.

Saindo da cova rasa e retirando as luvas de pano utilizadas para arrastar os cadáveres pútridos, Matti reparou na postura firme de Andrea, segurando o rifle sem demonstrar nenhuma hesitação. Ele sabia muito bem que a loira nutria desconfianças sobre ele e James, e que provavelmente estava tentando envolvê-los em algum tipo de joguete, para tentar competir com as elaboradas tramas de seu parceiro.

Tudo ia bem, mas matar Nicholas e atentar contra Magna, com toda a certeza fora um grande erro. Corrigi-lo seria ainda mais difícil, principalmente com todo o aparente ímpeto do casal de mandatários em desmascará-los.

— Vamos! É melhor voltarmos agora!

Andrea, ainda com a arma em posse, sinalizou para que Isaiah a seguisse, tendo o seu pedido atendido sem pestanejar. Caminhando ao redor das trincheiras e barreiras de carros, que acompanhavam toda a extensão dos muros, os dois seguiam lentamente, empapados de suor pelo trabalho braçal que executaram naquela manhã.

Prendendo as luvas no cós de sua calça, Matti arrumou o cinto onde guardava suas facas, além de posicionar melhor sua bolsa de pano, que sempre carregara consigo. Percebera que cada movimento era seguido de perto pela bela mulher loira, que parecia estar preparada para qualquer ato hostil que pudesse vir do homem mudo.

Mas Isaiah não queria atacá-la. Ele até poderia ter enlouquecido por conta do cruel novo mundo, mas não havia abandonado a sua inteligência. Talvez fosse até mais sensato que Goodwin, ou pelo menos gozava de uma percepção mais apurada. Sua intenção nunca fora colocar os pés pelas mãos, mas não havia mais motivações em seu interior que o impedisse de fazer o que fazia, mesmo sabendo se tratar de algo errado.

Seguindo ao lado de Andrea, o ex-biólogo fez a única coisa que poderia fazer naquele momento.

Pensar.

Perder o dom da fala aguçara os seus demais sentidos, mas também acabaram prendendo-o com sua própria consciência. Matti costumava falar bastante consigo mesmo mentalmente, analisar os próximos passos, conjecturar tudo o que poderia dar errado. Só o que essa voz interior não conseguia era encontrar um meio de acabar com sua submissão ante o mundo.

Era mais fácil seguir o caminho errado sem pesos na consciência, apenas acatando ordens alheias, seguindo recomendações, executando missões. Pensar por si próprio poderia lhe trazer remorso, e Isaiah não queria essa responsabilidade para si.

Disperso em seus próprios devaneios, algo tão inusitado quando inesperado, captara a atenção de Matti assim que seu olhar se encontrara com tal. Deslocando-se sobre o solo, próximo a bota de Andrea, uma pequena criatura movia-se rapidamente sobre o solo arenoso, quase passando despercebida pela dupla.

Agachando-se rapidamente, e obviamente chamando a atenção de sua parceira de caminhada, Isaiah tocou o chão com a sua mão direita, sentindo a areia ao redor de seus dedos, enquanto arrastava a palma na direção da pequena criatura. Em um veloz e preciso movimento, o homem mudo capturara o animal, segurando-o pelo pós-abdome, e trazendo até próximo de sua visão.

Um pequeno escorpião avermelhado, do Filo Onycophora, mexia-se de um lado a outro, tentando desvencilhar-se de Isaiah. O animal de não mais do que sete centímetros fazia parte da espécie Peripatus acacioi, e pelos conhecimentos de Matti, não deveria estar naquela região.

Observando os pares de patas, as garras afiadas e seu cefalotórax, Matti sentiu um grande aperto no peito. Parecia ter retornado a sua época de estudante, quando trabalhar com um animal desse era por demais prazeroso. Um tempo em que a pesquisa era o centro de seu universo, e passar horas dentro de um laboratório era o máximo de trabalho desgastante que precisava enfrentar.

Porque tudo isso se perdeu? Porque ele abandonou os seus próprios princípios? Seria possível encontrar redenção?

Talvez tivesse chegado a hora de repensar sobre sua trajetória, avaliar melhor os seus passos. Agir.

Levantando-se do solo, ainda observando o pequeno animal em sua posse, Isaiah-Matti fez algo que há muito tempo não experimentava. Um sorriso brotara em seu rosto, enquanto ele deixava o escorpião sobre a areia, permitindo que o ser sobrevivesse, seguisse o seu caminho.

Olhando para o céu, o homem mudo fechou os olhos, deixando-se ser tomado por diferentes sensações. Ele sabia que algo muito ruim iria ocorrer, e que provavelmente tudo iria ruir. Mas a partir daquele momento, encontrava-se muito mais aliviado e preparado para enfrentar qualquer coisa que viesse.

*****

O vento que entrava pela janela do furgão arrepiava de leve os desarrumados cabelos de Carl Grimes. Ele observava a estrada, deixando o olho esquerdo se perder nos escombros da antiga cidade de Washington. O grupo que deixara o Hill Top com caixas de suprimento o bastante para impedir que Alexandria entrasse em colapso, seguia rumo a sua comunidade, estafados da desgastante viagem.

Mas não era por esse motivo que o jovem Grimes estava tão quieto.

O menino que ainda sentia muitas dores de cabeça por conta da ausência de seu olho direito, e ainda acostumava-se a enxergar sem sua visão periférica do lado afetado, incomodava-se bastante com outro tipo de mazela. Uma dor que não podia ser medida, um sentimento que nem ele poderia explicar.

O vazio que agora fazia parte de seu interior, alimentado principalmente por conta das lembranças que ele não mais possuía, transformaram o garoto em alguém sem passado, sem história. E por isso mesmo ele sentia-se tão perdido naquela realidade, tão deslocado dos demais. Sua única âncora era o pai, o homem que ele seguia e que sentia orgulho. De Lori sobraram pouquíssimas lembranças, e de Judith, absolutamente nada.

— Você acha mesmo que poderemos chegar a um ponto em que os mortos não serão mais um problema?

A voz de Glenn, sentado ao lado de Rick, que dirigia o furgão, acabou chamando a atenção de Carl, que se voltou em direção ao interior do veículo.

— Acho, claro!

A resposta incisiva do pai demonstrara o quanto ele estava confiante, crente de que o Hill Top poderia representar um símbolo de mudança, o início de algo muito maior a partir dali. Carl não conseguia acompanhar a forma de pensar de seu pai, mas tinha ciência de que o que fora visto no Alto Morro era muito mais impressionante do que qualquer coisa com a qual se depararam nos últimos tempos.

Tudo por lá parecia funcionar muito bem, com exceção, é claro, de suas relações envolvendo o grupo autointitulado Salvadores.

— Esse é o ponto a partir de agora... – Rick prosseguiu falando – A ideia de criar uma rede entre as comunidades, com trocas constantes... É ótima! Precisamos ser proativos, por isso ofereci nossa ajuda para acabar com esse grupo de mercenários. Fiz isso porque sei que em um futuro próximo, poderemos colher bons frutos!

Carl tentou pensar no futuro, em como poderia ser sua vida nos próximos anos. Mas poderia alguém que não recordava do próprio passado, traçar qualquer plano de futuro? Como o garoto poderia esperar algo, se nem ao menos conhecia a si mesmo? As questões internas eram pesadas demais para um menino de onze anos, mas isso não significava que ele não tivesse que lidar com toda essa barra.

— Tem lógica... – Glenn sorriu de leve, retirando o tradicional boné – Acho que o seu otimismo tá até me contagiando! – Brincou.

— A mim não!

Michonne, que se encontrava ao lado do pequeno Grimes na parte de trás da van que outrora servira como cárcere para Jesus, ainda aparentava estar totalmente reticente quanto à proposta feita por Rick a Gregory, quando ainda estavam no Hill Top. Carl direcionou o olho esquerdo para a samurai e viu o quanto suas feições pareciam tensas.

A mulher olhava para o ambiente do lado de fora como se esperasse por algo, como se a todo momento uma situação de perigo pudesse vir a tona. Vendo como ela se comportava, o filho do xerife passou a pensar se ela também agia dessa maneira antes do mundo inteiro ruir, ou se isso acabara sendo mais um efeito colateral do caos mundial.

— Eu estou muito a fim de chegar logo em casa! – Exclamou Glenn enquanto arrumava a lombar cansada sob o assento – Maggie deve estar muito preocupada, e não quero que ela acabe passando mal ou algo do tipo... – Um sorriso mais largo fora aberto – Cada dia que passa eu fico mais ansioso! Fico imaginando como será o rosto do bebê, que traços ele puxará de mim...

O clima momentaneamente ficara mais ameno. Carl percebera que o seu pai também relaxara ao volante ao ouvir as palavras do amigo asiático. Talvez o assunto gravidez o lembrasse de momentos bons, em outra vida, quando tudo era muito mais fácil.

— Isso me lembra de uma história – O xerife pedira a palavra – Uma vez, quando Lori estava grávida do Carl, eu...

A história precisara ser interrompida quando um estranho som fora captado originado da estrada. O barulho de veículos motorizados fez com que todos ligassem o sinal de alerta. O som propagado que ficara cada vez melhor detectável, fora logo identificado por Rick. A frente do furgão, surgindo de alguma viela adjacente, um grupo de cinco motoqueiros passou a bloquear a via.

Aquele que guiava mais a frente, portando um megafone em uma das mãos, passou a gritar palavras de ordem direcionadas ao carro que levava o grupo de volta a Alexandria.

— Parem o veículo! Negan ordena! Será o aviso final!

Carl fitou imediatamente o pai que, olhando fixamente para frente, começava a lentamente diminuir a velocidade o carro. Fora automático levar a mão até a pistola em sua cintura, a arma que ganhara de presente de seu genitor, quando ainda nem havia aprendido a atirar. Essa era uma das poucas nítidas lembranças que o garoto mantinha viva em sua memória.

A van parara.

— Carl, Glenn, fiquem a postos, saiam lentamente pela traseira e me deem cobertura! – Ordenou o xerife, se preparando para abrir a porta do veículo – Michonne, tente se esgueirar e dar a volta, você pode ser o nosso elemento surpresa! – Completou.

As palavras calmas saídas da boca do ex-policial, enfatizavam o quanto ele estava preparado para lidar com situações adversas, e o quanto ele se mostrava decisivo e estrategista quando as vidas de quem prezava corriam algum tipo de risco.

Os três se dirigiram até a porta traseira, abrindo-a lentamente, tentando não fazer nenhum ruído que pudesse chamar a atenção. Glenn descera na frente, seguido por Michonne e Carl, que respirou fundo antes de por os pés na estrada, não sem antes arrumar o chapéu de cowboy sobre a cabeça.

A samurai logo esgueirou-se, agachando-se no chão e se deslocando rapidamente para o matagal ao lado do asfalto, sumindo em seguida. O asiático que já portava sua automática em posição de disparo, sinalizou para que Carl se deslocasse sorrateiramente na lateral no veículo, com o intuito de que o garoto conseguisse um melhor posicionamento para um possível revide.

O jovem Grimes utilizou o corpo pequeno para rapidamente caminhar com o tronco levemente dobrado, deslocando-se à margem direita da van, ampliando o campo de visão, e tendo três dos motoqueiros perfeitamente em sua mira.

Parcialmente agachado, Carl passou a observar atentamente tudo o que ocorria, segurando sem hesitar sua pistola, apoiando-a firmemente e preparado para qualquer tipo de ação. O garoto vira o pai sair lentamente do veículo, erguendo a mão em sinal de rendição, enquanto dera pelo menos quatro passos na direção dos motoqueiros.

— Coloque as armas no chão e deite no asfalto! – Exclamou aquele que portava o megafone – Resista e será morto! Seus pertences agora são propriedades de Negan!

Esticando levemente o pescoço, Carl conseguiu captar melhor o rosto daquele que os ameaçava. O homem que vestia um casaco de couro e calça jeans surrada, não devia ter mais que trinta e cinco anos, o rosto tomado por uma clara e rala barba que já se apossava de todo o seu queixo, carregava uma marca que o diferenciava totalmente dos demais comparsas.

A metade esquerda da face do mesmo sujeito que bradava a plenos pulmões encontrava-se totalmente queimada, marcada em formato piramidal. O ferimento parcialmente cicatrizado, ainda deixava escorrer algumas secreções, principalmente oriundas do olho esquerdo do homem. A pele devastada, um claro sinal de que a ulceração fora de terceiro grau, levando consigo camadas epiteliais e tecido nervoso, não deixava com que nenhum pêlo crescesse naquela região.

Metade de seu rosto não continha barba, bigode, cílios, sobrancelha e parte do cabelo. A bizarra imagem assustou brevemente o jovem Grimes, que por alguns segundos passou a conjecturar sobre o que poderia ter acontecido àquele homem. Porém, assim que percebeu todas as ameaçavas que o mesmo proferia, voltou-se imediatamente a sua posição de combate, atento apenas em cobrir o pai.

— Isso faz de você Negan? – Indagou Rick, não se mostrando intimidado – Explique para mim exatamente porque eu devo deixar vocês levarem todas as minhas coisas!

O homem do rosto marcado sorriu abertamente antes de responder.

— Todos nós somos Negan! – O motoqueiro abriu os braços – Ele fala por nosso intermédio, a nossa palavra é a palavra de Negan! Se você quer morrer, maneta, podemos providenciar isso agora mesmo!

O xerife não parecia nem um pouco intimidado com as ameaças do motoqueiro, permanecendo firme em sua postura. Carl dera mais um passo, ficando ainda mais próximo, mas ainda sem ser notado por nenhum dos malfeitores. Ao observar tudo ainda mais de perto, o jovem Grimes fora tomado por uma sensação estranha, como se de certo modo aquilo lhe fosse familiar. Olhando para o rosto queimado do comparsa de Negan, além de seus cabelos lisos levemente compridos, o filho do mandatário de Alexandria sentiu uma aguda dor de cabeça, sua mente parecia ser remexida.

— Achei que vocês só pegavam metade dos suprimentos do Hill Top.

Manifestou-se Rick novamente, ainda de forma tranquila.

— Você não é do Hill Top! O seu tributo será diferente, pagará com tudo!

O xerife abriu os braços, tombando a cabeça levemente para o lado.

— Tudo bem... Lhe darei tudo então!

Rick Grimes manteve-se no mesmo lugar, encarando de forma serena todos os algozes que se encontravam prontos para levar o que ele havia conseguido em seu acordo com o Alto do Morro. Obviamente, nada seria furtado sem luta. Após a frase pronunciada, o ex-policial assoviou alto, um curto jingle que já fora utilizado anteriormente em situações semelhantes.

Esse era o sinal que Carl estava aguardando, assim que ouvira o pai, o garoto posicionou sua arma, mirando e disparando logo em seguida. O primeiro tiro acertou em cheio a testa de um dos motoqueiros, que foi ao solo, instantaneamente sem vida. O segundo disparo atravessou o ombro de mais um, fazendo com que o homem urrasse de dor, erguendo sua arma e apontando para Rick, que encontrava-se desguarnecido logo a sua frente.

Antes que ele tivesse qualquer reação, Michonne surgira por detrás, girando sua katana no ar e golpeando-a fortemente contra o sujeito, decepando sua cabeça em um único movimento. Glenn, que posicionara-se do lado oposto a Carl, também disparara algumas vezes, acertando dois tiros no pescoço de um dos capangas e três contra o peito de outro.

Os homens tombaram para o lado, esvaindo-se no próprio sangue, exterminados em poucos segundos.

Sentado em sua moto, o homem da cicatriz balançava a cabeça negativamente enquanto encarava Grimes, que agora apontava sua arma para ele, firmemente segura por sua mão esquerda.

— Negan não vai gostar disso... – Sussurrou.

Rick caminhou até o sujeito, praticamente encostando o seu velho revolver contra a testa do último dos motoqueiros. Ele não parecia assustado, seguida sentado sobre a motocicleta, sem demonstrar qualquer pesar pelos parceiros que haviam acabado de ser brutalmente assassinados.

— Parece que o Negan vem coordenando um sistema de proteção baseado em extorsão... – Rick olhava assertivamente para o motoqueiro – Bom, acho que ficou claro que não precisamos de nenhuma proteção...

O homem fitava-o sem pestanejar.

— De agora em diante nós faremos a proteção do Hill Top – Prosseguiu Grimes – Vocês não pegarão mais nada, entendeu?

Obviamente a pergunta era retórica.

— Passe essa informação a Negan, e diga mais... – Os olhares pareciam produzir faíscas a cada encontro – Diga que eu estou oferecendo a ele o mesmo acordo que vocês realizaram com o Hill Top... Metade dos seus suprimentos, e nós protegemos vocês!

Carl observava tudo de longe, ainda encontrava-se esgueirado, caso houvesse algum tipo de ação temerária de uma das partes. Sua cabeça ainda rodava, o garoto sentia-se estranho, passando a ser tomado por diversos pensamentos conturbados.

— Diga isso a seu chefe... – O xerife fizera uma breve pausa, encarando o homem do rosto queimado por breves momentos – Vá... Agora!

O motoqueiro acelerou o seu veículo, dando meia volta e deixando rapidamente o local para trás, tomando uma via a esquerda e sumindo da vista em poucos segundos. Assim que ele se fora, Glenn e Carl puderam se revelar, caminhando na direção do xerife.

Retirando o chapéu de cowboy, Carl Grimes direcionou-se para próximo de seu pai, levemente tonto e bastante atordoado. Aqueles momentos de tensão pareceram servir de gatilho para a sua mente, que começou a despejar diversas memórias trazidas de seu subconsciente. O menino sentia-se estranho, ao mesmo tempo em que muita coisa passara a fazer sentido repentinamente.

— Eu me lembro agora... – O garoto manifestou-se, chamando a atenção de Rick – Já fomos atacados na estrada antes... O Abraham estava com a gente, mas...

Tudo ainda parecia muito confuso.

— Era noite e três homens nos acordaram, mas eles não queriam nos roubar... Eles queriam... Fazer coisas comigo...

Rick espantou-se, aproximando-se do filho no mesmo instante.

— Eu lembro de você machucando eles, mutilando eles... Sei que eles mereceram... Eles mereceram... – O pequeno Grimes encarou o pai, ainda tentando situar-se – Eu lembro de bastante coisa agora...


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Alguém reconheceu o motoqueiro? Quem leu as hq’s já deve ter sacado de quem se trata, alguém que será bastante importante no decorrer da saga...

O que acharam dos POV’s inéditos? Resolvi abordar um pouco mais esses personagens, que infelizmente haviam perdido espaço dentro da fic...

Bom, nos vemos nos comentários...

Kiitos!

Ah... Preparem-se, pois os dois próximos capítulos serão explosivos! Minha intenção é fazer vocês chorarem sangue! Hehehe... Ok, acho que não preciso exagerar dessa maneira! Hehe... E sim, o momento que todos esperam está ainda mais próximo de ocorrer... Bem, bem próximo de ocorrer



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