Daryl se levanta e se livra das luvas, jogando em cima do cadáver aberto, elas não seriam mais uteis. Ele olha para Rick.

– Esse sangue na sua blusa vai assustar a galera

– To mais preocupado com o fato de voltarmos sem ela - ele respira fundo com as mãos na cintura - Pelo menos sabemos.

– É… pelo menos sabemos.

Carol não percebe, mas move o joelho e roe as unhas, já anoitece e Rick e Daryl ainda não voltaram, Drake, Ana e Marie também não… nem Sophia. Ela está parada no muro onde mais cedo sua filha fugiu, sua mente cria alucinações da filha aparecendo ali, com sua boneca no colo, assustada, correndo para a mãe, salva.

As folhas farfalham, Daryl sai primeiro, Rick em seguida. Ela suspira cansada, segurando o choro. Glenn se junta a ela e os dois que acabaram de passar por cima do muro de cimento.

– Isso é… Isso é sangue? - pergunta a mulher a olhar a camiseta branca que Rick usa.

– Achamos um errante… - ele diz, ela começa a chorar - Mas não tinha sinal dela.

– Como sabem?

Rick Grimes olha para Daryl, ele aperta a corda da besta no ombro e diz - Abrimos o desgraçado pra ter certeza.

– Meu Deus… - ela se senta no capo do carro - Como pôde? Ela é só uma menininha. Como pôde deixar ela lá? Porque não continuam?

– Ei, calma ai - diz Daryl, sereno - Vamos continuar amanhã…

– Amanhã?!

– Não seriamos uteis a noite, ficaríamos por ai, batendo um no outro.

– Ela só tem doze anos!

Carol se afasta. Daryl olha para Glenn e suspira cansado.

– E a Marie continuou? - o asiático pergunta

– Marie?!

– É… ela, Ana e o Drake saíram, disseram que iriam fazer o caminho contrário, até encontrarem vocês.

– Mas é teimosa! Aposto que a ideia foi dela, não foi?

– Não sei. Mas eles saíram armados.

– Puta merda, por que não dá pra ficar todo mundo junto, porra? - ele se vira para o muro no exato segundo que Ana sai das árvores - Olha aí! - estica a mão e a ajuda subir no muro, ela pula no asfalto com um suspiro animado - Cade a Marie?

– Tá vindo - ela olha pra trás e depois para Rick - E então? Nada né?

– É… - ele murmura - mas vamos continuar amanhã assim que amanhecer - ele também olha para trás e vê Drake e Marie saindo. Eles passam por cima do muro e sentam no mesmo.

– A gente achou um errante só - conta Drake - mas não tinha sinal dela… de ninguém, aliás.

– Também encontramos um, nada.

Marie olha para o trailer - A Carol tá lá?

Glenn maneia a cabeça que sim. Ela se levanta e dá um passo a frente, Daryl segura seu braço. Eles trocam um olhar, ambos perguntam “Você está bem?”, ambos respondem “Estou”. Ele a solta e ela segue para o carro.

– Ela deve estar arrasada… Eu estaria - diz Ana perdida em pensamentos, olhando o chão.

Todos olham para ela, ela nem percebe, nem percebe que falou isso também, pensou alto. Drake franze a testa e balança a cabeça de leve.

Doida.

***************

Daryl desce os dois degraus do trailer e olha em volta, lá pra trás está o jipe troller, apagado, quem tá lá já dorme. E a frente do trailer, tem uma pessoa que ele reconhece pelo coque grande e volumoso no alto da cabeça, com muitos fios caídos que dançam no vento, Marie. Ele caminha até lá e senta no capô do carro, ao lado dela, colocando a besta no teto junto com a espingarda.

– E ai? - ela diz virando o rosto para ele;

– E ai? - ele olha ela - Como é que foi lá?

– Lá onde?

– Quando vocês foram procurar a Sophia.

– Ah, é.

Eu travei. ela pensa. Não consigo fazer isso sem a July, preciso dela pra me falar qual esquina virar. Ela saberia o que fazer, já teria encontrado a Sophia, não sou nada sem ela.

– Foi bem. - mente

– Você não parece bem.

– Eu… Eu só to triste pela Carol. Queria poder ajudar.

– Você ajudou. Fez o possível.

Ela volta a olhar para a frente, passando as mãos nas pernas - Eu não consegui fazer nada. Apareceu aquele errante e eu travei, Drake teve que matar, Ana teve que mexer nele e eu fiquei parada. Eu não consigo fazer isso, eu não fui feita pra essas situações - a voz embarga, ela ergue o rosto para as lágrimas não caírem - Eu só queria saber o que a July faria. Ela não me ensinou tudo, ela morreu cedo, ela morreu errado, ela… era um pessoa muito perfeita pra morrer daquele jeito - ela respira fundo e não adianta, começa a chorar - Ela devia ficar bem velhinha e ter filhos e netos e morrer dormindo, quando já tivesse ensinado tudo… Meu Deus, eu sinto tanta, tanta, falta dela…

Daryl continua quieto, não sabe agir nessas situações, talvez ela precise de um abraço, ou talvez só precise que alguém a escute…

– … Estaria morta logo no primeiro dia se ela não viesse e me salvasse. Foi assim desde que nascemos! Porra, crescemos juntas e ela me salvava! Eu não socializava nas aulas, quem arranjava amigos era ela, e a Marie vinha no pacote. Até a Ana e o Drake eu só conheci por que ela me arranjou aquele emprego. Eu só sei atirar, por que ela me convenceu a ir com ela e meu tio, dirigir… foi ela. Meu primeiro namorado… - ela solta uma risada, secando as lágrimas - Tudo foi ela - ela olha para ele e diz irônica - E olha a novidade! Naquele primeiro dia, ela te salvou também. Merle teria acabado com você se ela não o segurasse. Ela que fazia as fogueiras, ela que tinha a vara de pesca… Se fosse pra nomear alguém líder…

– Eu também votaria nela - ele diz

– Ai… Eu só não consigo entender, não aceito que ela tenha morrido. Ás vezes parece que ela vai descer do carro, com aquela cara de brava e as botas sujas e dizer - ela arregala um pouco os olhos e imita a voz da prima - “Porra, Marie! Perdi minha arma de novo!”... Até na noite do acampamento ela me salvou, ela me empurrou pra eu sair primeiro e dai… Era pra ser eu e não ela… Ela seria útil.

Daryl enruga a testa, tão forte que até dói - Isso com certeza não seria uma coisa que ela concordaria, ou que ela falaria! Como você tem coragem de falar isso?! Eu tenho certeza, que se fosse ao contrário a July não estaria assim, não estou dizendo que ela não ficaria mal, caralho, ela iria ficar muito mal, estou dizendo que ela estaria ajudando o grupo com o que desse e não chorando como uma idiota!

Marie tem a cara assustada, ela se levanta e puxa a espingarda, jogando no ombro - Tem razão - diz baixinho - Eu vou parar com isso.

Ela se vira e começa a andar em direção ao jipe, Daryl se levanta e a segue, segurando seu braço.

– Espera! Espera, espera - ela olha para ele - Desculpa, não devia ter dito isso.

– Não, você tá certo. July me odiava ver chorando, quando dava, ela me batia pra eu parar, gostava de me ver em ação. Amanhã serei outra Marie..

– Não precisa mudar.

– Não se preocupe, eu vou mudar pra algo melhor.

Um passo a mais e Daryl está bem em frente a ela, os corpos colados, ele aperta os braços dela forçando os ombros a ficarem erguidos… enquanto envolve os lábios dela com os seus e Marie relaxa, fechando os olhos. Ela move a boca sobre a dele, ele retribui e quando está abrindo a boca, Marie se afasta.

– Não mude, eu gosto dessa Marie - diz por fim.

– Boa noite, Daryl - ela vira as costas e vai embora.

Só quando não a tem mais em suas mãos é que percebe o quanto a quer. Ele apanha a besta no alto do carro e volta para o trailer, Dale está lá no teto, olhando pra ele. Daryl mostra o dedo para ele.

– Que é? Vai cuidar da sua vida, intrometido! - entra no trailer recebendo um olhar esquisito da Andrea e senta na frente dela, ela volta os olhos para o livro.

Marie fecha a porta do carro e deita ao lado da amiga, se encolhendo virada para ela, Ana está de costas e respira levemente.

– Ana? - sussurra.

Nada.

– Amanhã eu conto…

Ela desliga a luz do teto e fecha os olhos.