Menina escrita por Lalye


Capítulo 2
Capítulo 2




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Perder o chão, a fala, as ações, a mente. O gosto por tudo que se faz. Experimentei muito disso quando voltei para a China.

Desolada demais para lembrar de qualquer problema do passado que fosse menor que esse - ou seja, todos. Syaoran, Sakura, os problemas londrinos não eram nada que pudesse ocupar espaço no meu cérebro, porque agora eu estava realmente triste, por baixo. E então vi o que havia perdido do meu tempo, da minha vida, chorando por poças enquanto havia um oceano, chamado família, que eu havia deixado para trás, por coisas menores, coisas que agora pareciam não ter significado nenhum.

Levou um bom tempo para que eu me recuperasse parcialmente, para poder perceber que esse arrependimento não poderia mais coexistir comigo. As coisas tinham sido como deveriam ter sido, tomei as melhores escolhas que julguei poder ter tomado na época em que deixei meu país. A evolução que tive longe de casa, vivendo por mim mesma, foi imensa, tanto para a Meiling Li em si como pessoa quanto para a Li em questões de futuro, carreira, estudos. Mas o período entre a minha partida e a minha volta havia se tornado uma lacuna vazia quando lembrava-me de minha mãe. A dor era imensa e superava qualquer outra que havia sentido antes. Ver Syaoran e Sakura, agora casados, não produziu qualquer efeito em mim naquelas circunstâncias. A dor de cabeça diária não me incomodava nem um pouco. Toda vez que lembrava do corpo... O vazio me fazia encolher. Passei dois anos na China, nesse estado, Só respirando, comendo e caminhando dentro dos muros da mansão. Me levaram no médico algumas vezes e com isso conseguiram provar para a empresa em Londres para qual trabalhava que não tinha condições de retornar por algum tempo - somente depois de tratamento intensivo eu consegui pensar em voltar.

Como da outra vez, sabia que aquela casa não me fazia bem. Resolvi voltar de vez para a Inglaterra depois de quase três anos. E posso dizer que fui muito bem recebida por meus amigos e colegas de lá - o que me deixou muito surpresa! A vida que eu levava lá era bastante social, mas nunca pensei que eu faria falta, pois ninguém ali fazia falta para mim. Pensando nisso, me surpreendi com o que eu fazia com as pessoas - assim como o que eu fazia com a minha mãe quando estava na Europa pela primeira vez - atendia telefonemas quase emburrada e sempre era indiferente com os outros, só aparentando uma simpatia conveniente. Até mesmo com Syaoran. Não pense que me tornei ruim, seca. Me importava com quem estava a minha volta, enquanto estavam lá. Voltando para Londres notei que não tinha sentido falta de ninguém da Europa. Assim como não sentia falta de quase ninguém da minha família, tirando minha mãe e cerca de cinco pessoas com quem tinha mais ligação.

A vida havia me tornado desapegada para mim. E pior, incapaz de apegar. Reparei que todos de quem realmente gostava, me importava e sentia falta, faziam parte de um passado muito remoto, ainda do tempo em que minhas lágrimas eram de garotinha. Então depois de tantas pequenas histórias que aconteceram na minha vida e a morte de minha mãe, eu mesma ainda vivia sem saber os traumas da menina. A menina que nadava desesperadamente contra a correnteza, por não saber que era fraca demais sozinha contra o destino e o sentimento alheio.

Minha rotina já não era mais tão noturna, não agitada. Por recomendações médicas, passei a me preocupar com o sono, portanto saía de noite apenas algumas vezes por semana. Tinha alguns encontros, com alguns caras legais, mas nunca senti nada de mais por eles, e chegava a sentir uma certa pena, deles e de mim. Eu era uma caricatura da vivacidade que eu tive outrora. Subi de cargo, ganhei muito dinheiro, eu estava por cima mas dentro de um poço profundo. Eu não sabia o que fazer com aquilo, e isso passou a ser visível para todo mundo. Alguns amigos de lá me tiravam frequentemente de casa, nos finais de semana. Era agradável estar entre pessoas, mas era angustiante notar o abismo entre elas e eu. Meu abismo de indiferença acabaria por me engolir, eu percebia isso.

E nesse período Syaoran também me ligava, agora já com o celular. Ele insistia em manter um contato no qual eu não via muito sentido. Mas reconhecia que ele era a pessoa que mais se preocupava comigo, depois de minha mãe. Ele era um bom amigo, mas a minha relação com ele nunca havia sido tranquila. Veja só, quando eu o amava, eu falava, ele me ouvia. E agora que eu era incapaz de dizer o que sentia por qualquer pessoa, ele falava, e eu escutava. Eu respondia, quase com relutância, tantas coisas. E eu não queria saber da maioria das coisas que ele me contava. Eu não queria saber tanto assim da China, nem tanto assim dos filhos dele. Eu não queria saber muito sobre nada, queria descansar minha cabeça e ele se tornava muitas vezes um incômodo na minha cabeça por me trazer tantas coisas que eu não queria. Mas eu não era capaz de encerrar o contato com ele. Eu, apesar de todos aqueles anos, não era capaz ainda de dizer um não a Syaoran Li.

E o vento bateu, eu já tinha trinta e tantos anos. E o que fora feito da minha vida?


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