A Porr* do Brasil escrita por Alice


Capítulo 1
Que país é esse?


Notas iniciais do capítulo

Começou como uma atividade de Redação, mas uma coisa leva à outra.



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a)

Eu preciso de água, o calor vai me matar.

Quando eu era jovem, esse era o pensamento predominante quando estava de macacão, andando sem parar pelas minas abafadas de carvão. (Água). Sempre parecia que eu estava morto, ou em transição entra lá e aqui, eu sei lá. O que diferenciava era apenas os murmúrios, as reclamações dos companheiros e o calor. (Água.)

(Por Deus, água).

Ah, eu lembro também daquele maldito rádio, que de alguma maneira, pendurado no grande caixote em que colocava o carvão, que tocava apenas músicas brasileiras do Chico Buarque e do Gilberto Gil, da época da Ditadura, ainda uns anos atrás. (ÁGUA)! Músicas com duplo sentido, contendo uma esperança que o povo brasileiro sempre teimou em ter.

Mas tem um momento que sempre se mete na minha mente, quando tenho tempo. Foi no dia em que tocou a primeira música da bandinha sensação, aquela Legião Urbana. Aquele vocalista ficava gritando a maldita pergunta.

Que país é esse? (naquele momento) FODA-SE O PAÍS. ÁGUA! (a vozinha na cabeça parando de gritar) Eu só preciso de água…

Hoje em dia eu penso diferente, com filhos que trabalham oito horas por dia por um salário mínimo, quase vinte anos depois, neste país com grande potencial e uma realidade broxante, eu respondo pra você:

É um país de escravos.

E sem água.

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b)

Rir, sorrir. Gargalhar. É tudo o que quero, ora pois, contratos milionários não aparecem de uma hora para outra. Bem, se queres saber, a gargalhada é feita de satisfação e o lucro de orgulho [e culpa].

A produção nas fábricas apenas cresce e os salários diminuem, assim como nas minas de carvão e na agricultura pecuária. E tudo por causa de contatos. Se queres ser rico, uma palavra: network. Se você tiver um amigo deputado, senador ou presidente, a sua carreira como diretora virá junto de um conta bancária recheada de moedas douradas [e culpa]. O contrato assinado na minha mesa mostra exatamente isso. Mas os negócios nunca param, ainda tenho um almoço com representantes de companhias estrangeiras. Eba, um conta com dólares e euros [e culpa].

(Os saltos começam a bater em direção ao elevador).

Também há a questão da imagem: o batom vermelho garante a auto-confiança e o cabelo castanho escuro a honestidade. Haha! E a pinta no lado direito da um toque de classe alta, sabe? Oras, talvez seja coisa feminina, ou apenas de gente que saiba o que é ter uma família cheia de dinheiro [e culpa].

(O salto bate impacientemente no piso. A música de elevador aumente de volume.). Epa! Eu adorava essa canção na adolescência, mesmo que a banda fosse, hm, “modinha” e que o vocalista fosse todo, hm, “picado”. Ah, eu gritava em plenos pulmões a resposta “É a porra do Brasil!”. Como as coisas mudam. (O elevador abre).

(Saltos batendo).

(Atravessa o loby e passa pela porta dupla).

(Para).

(Gargalha).

“A porra do Brasil?”, eu hein?! De jeito nenhum.

Que país é esse? (Outra gargalhada). É o país do dinheiro, do lucro. Da minha satisfação [e culpa].

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c)

Eu não sei a merda que iria dar. Uma merda imensa.

Eu não sei que, daqui à quarenta anos, eu vou ser uma merda de deputado estadual e corrupto pra cacete. Não sei que estarei me olhando no espelho do banheiro, alinhando o terno perfeito que cairá muito bem no meu corpo ainda preservado. Não sei que eu estaria chorando, as lágrimas caindo no carpete do apartamento mais perfeito e caro do Leblon.

Não sei que serei tudo o que sempre repudiei.

Porquê, no futuro, eu estarei assinando contratos falsos e fazendo projetos para lavagem de dinheiro, diminuindo os direitos humanos de vários trabalhadores para ganhar favores. E, mesmo assim, depois de fazer este tipo de coisa, quando deveria estar indo buscar minha filha na faculdade, estarei me olhando no espelho, me perguntando como me tornei aquela coisa que tanto odiei.

Como fui pego na minha própria mentira?, me perguntaria.

Eu não sei, mas o plano que eu haveria montado ao entrar na política, seria fingir ser um deles para depois me voltar contra eles e eliminar a corrupção em nome da pátria, sendo um bom X-9. Um agente duplo do bem. Acontece que eu não saberia como a ganância nos preenche e nos vicia em poder.

Eu me esqueceria de ser um X-9 e viraria um hipócrita com uma maleta cheia de milhões e mais milhões.

Eu não sei, mas depois de secar as lágrimas, lavar o resto e tentar esconder a mancha de água com um puf, eu estaria no carro 0 quilômetros novo em folha com minha filha e ela sintonizaria na Itapema, no momento em que a sua tão amada Legião Urbana começaria a tocar a minha música.

Eu tentaria esconder as lágrimas pensando na pergunta insistente, e conseguiria, assim como fiz com o meu orgulho.

Que país é esse?, sussurraria entre-soluços. Um país de arrependimento.

Meu e seu, seria o que responderia a vozinha na minha cabeça.

Mas eu não sei de nada disso. Apenas penso sobre isso.

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Você não?


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Notas finais do capítulo

Críticas?



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