Meu nome é Jackson Frost, tenho 29 anos. Minha filha, Esther, tem quatro anos. A mãe dela não mora conosco. Sou presidente da empresa da família, assumi há oito anos, namoro Sophie, de quem Ther não gosta. Esther ama princesas e contos de fada, sua comida favorita é escondidinha de frango, e ela ama o bolo de chocolate que sua babá faz.

Continuei com os olhos fechados, respirando fundo por vários segundos. Os flashes continuavam a aparecer. O sorriso animado de Ther pelo retrovisor, o caminhão atingindo nosso carro, a ambulância levando Ther desacordada, com um corte profundo na testa, o coma, seu rosto adormecido por semanas.

Esse flash em especial prendeu-se nas minhas pálpebras. Por um mês, não vi o sorriso da minha menina. Ela parecia sonhar dormir dia após dia, semana após semana. Até que, um dia antes do meu aniversário, quando eu já tinha perdido as esperanças, suas mãozinhas seguraram a minha, mantendo-me no lugar. Por alguns segundos, pareceu apenas reflexo, até que, pesadamente, seus olhinhos azul-esverdeado se abriram.

Foi um dia de alegria. Toda a empresa (e infelizmente, isso incluía a mãe de Esther) foi convidada para uma festa na minha casa. Jurei que ela não aguentaria de tanta felicidade vendo a festa (com tema de princesas, claro) que Lilá e Maria prepararam. Naquela noite, foi difícil faze lá dormir. Depois de ler as histórias favoritas de Esther e ceder o direito de dormir com o urso novo, finalmente ela apagou na cama.

–Papai? – a voz infantil me tirou dos meus pensamentos. Abri meus olhos, sentando na cama. Esther estava na porta, apenas com a cabeça para dentro do quarto.

–Oi princesa, entre.

Ela entrou tímida. Ainda abraçada com o urso com o qual dormia, fechou a porta e andou até meu lado.

–Eu tive um pesadelo – ela falou.

–Ah querida – a peguei no colo – Quer contar pra mim?

–Eu sonhei que eu acordei lá no quarto branco... Mas você não tava lá pra me buscar. Eu saio do quarto e pedi pra moça onde você tava, e ela disse “O papai foi embora, ele não queria você. Você vai ficar com a sua mãe”. Eu falei pra ela que não queria, mas ela falou que eu não podia escolher, aí entrou umas pessoas e me levaram. Aí eu acordei – ela abraçou o urso mais forte – Isso não vai acontecer de verdade, vai?

–Claro que não, princesa. Eu te amo, e você ama seu papai não é? – ela assentiu rindo – Lembra o que eu falei quando você não queria dormir no dia da festa?

–Que vamos ser igual às princesas? E os príncipes? Juntos pra sempre?

–Isso aí. E quer saber? Acho que você precisa de uma história.

Automaticamente ela se animou. Sentou ao meu lado enquanto eu esticava o braço para pegar o livro que sempre ficava por ali. Entreguei para ela, que rapidamente achou sua história preferida.

–De novo Esther? – ri vendo o título.

–É a minha favorita! – ela declarou confiante – Lê logo papai!

–A Bela e a Fera

“Era uma vez um jovem príncipe que vivia no seu lindo castelo. Apesar de toda a sua riqueza ele era muito egoísta e não tinha amigos.
Numa noite chuvosa recebeu a visita de uma velhinha que lhe pediu abrigo só por aquela noite.
Com um enorme mau humor ele se recusou a ajudar à velhinha. Porém, o que ele não sabia é que aquela velhinha era uma bruxa disfarçada, que já ouvira diversas histórias sobre o egoísmo daquele jovem príncipe. Indignada com a sua atitude, ela lançou sobre ele um feitiço que o transformara numa fera horrível. Todos os seus criados haviam se transformado em objetos. O encanto só poderia ser desfeito se ele recebesse um beijo de amor.
Enquanto isso, numa vila distante dali, vivia um comerciante com sua filha chamada Bela. Eles eram pobres, mas muito felizes.
Bela adorava livros, histórias, vivia a contá-las para as crianças da vila. Seu pai, Maurício, era comerciante e viajava muito comprando e vendendo seus produtos diversos.
Um dia voltando de uma longa viagem, Maurício foi pego de surpresa por uma forte tempestade, passou em frente a um castelo que parecia abandonado e resolveu pedir acolhida. Bateu à porta, mas ninguém o atendeu. Como a porta do castelo estava aberta resolveu entrar se proteger da chuva. Acendeu a lareira e encontrou uma garrafa de vinho sobre a mesma. Após bebê-la acabou adormecendo. No dia seguinte uma Fera furiosa apareceu diante dele. Quis castigá-lo por invadir o seu castelo e assim, o fez prisioneiro.
A Fera decretou ao velho comerciante que este morreria por tal invasão. Aterrorizado, o pobre homem suplicou:
–Deixa que me despeça da minha filha.
A Fera concedeu-lhe o pedido. De volta a sua casa, contou o ocorrido a sua filha. Sem medo, ela decidiu voltar ao palácio com o pai.
Uma vez no palácio da Fera, Bela tomou coragem e fez uma proposta:
– Deixa meu pai ir embora. Eu ficarei no lugar dele.
A Fera concordou, e o pobre comerciante foi embora desolado.
A jovem permaneceu com a Fera no castelo, mas não era prisioneira, podia ficar em um quarto ou na biblioteca, local que muito a agradava.
Bela tinha medo de morrer, mas percebia que a Fera a tratava bem a cada dia que passava.

Com o passar do tempo o monstro e a Bela foram ficando mais amigos. Ele se encantava com a forma que a moça via o mundo, as pessoas a natureza. Sentia que ela o via de uma forma diferente, além da sua aparência.
A Fera enfim havia se apaixonado, de verdade. Numa noite, ao jantarem, pediu-a em casamento. Bela não aceitou, mas ofereceu sua amizade.
Apesar da tristeza, a Fera, aceitou o desejo da Bela.
Bela, por sua vez, passava dias muito agradáveis no castelo, sentia-se bem lá, porém com muitas saudades do seu pobre pai.
Certo dia, Bela pediu permissão à Fera para visitar o seu pai.
– Voltarei logo - prometeu.
A Fera, que nada lhe podia negar, a deixou partir. Bela passou muitos dias cuidando de seu pai, que estava doente, tinha envelhecido de tristeza pensando que tinha perdido a filha para sempre.
Quando Bela retornou ao palácio, encontrou a Fera no chão meio morta de saudade por sua ausência. Então Bela soube o quanto era amada.
Bela se desesperou, também sentia um algo forte pela Fera. Amizade, amor compaixão.
– Não morras, caso-me contigo - disse-lhe chorando.
Comovida, a Bela beijou a Fera... E nesse momento o monstro transformou-se num belo príncipe. Enfim, o encanto havia se desfeito. A Fera encontrou alguém que o amava de verdade, além da sua aparência grotesca.
Afinal, a verdadeira beleza está no coração. ”

Olhei para Esther e ela já dormia profundamente, abraçada ao seu urso. Pensei em levá-la até seu quarto, mas decidi deixá-la por perto, caso tivesse outro pesadelo. Ajeitei-a no meu lado, coloquei o livro em cima da mesinha e vi as horas. Ainda me restavam boas duas horas de sono. Deitei e adormeci observando seu rosto tranquilo.

^*^

Acordei com a luz batendo no meu rosto. Levantei alguns segundos antes do despertador tocar, desativei aquele negócio barulhento antes que acordasse Esther. Ela continuava dormindo profundamente. Sorri, levantei e fui para o banheiro, fiz minha higiene, me arrumei para trabalhar. Quando voltei para o quarto, fechei a cortina do quarto. Desci as escadas, seguindo direto para a cozinha.

–Bom dia! – falei quando vi Lilá.

–Bom dia senhor Jack – ela sorriu – Maria já chega.

–O que minha querida sobrinha está falando de mim? – Maria entrou sorrindo na cozinha.

–Nada que você não saiba tia! – Lilá falou rapidamente.

–Sei... – Maria riu – E a minha pequenina?

–Dormindo... Daqui a pouco vou acordá-la – falei tomando o café – Você pode preparar o leite dela?

–Claro! Agora mesmo.

–O que eu faria sem vocês? – pedi rindo. Subi as escadas em direção ao meu quarto. Abri a porta e Esther ainda dormia, subi na cama e a sacudi devagar.

–Esther? Vamos acordar! Maria está preparando o leite do jeito que você gosta.

–Papai... Eu tenho que ir mesmo? – ela pediu esfregando os olhos.

–Sim princesa, mas pensa positivo. Depois da escola você vai ao trabalho do papai e podemos sair pra tomar sorvete.

–Sorvete? – ela pediu um pouquinho mais acordada.

–Sim, do que você quiser.

–Pode ser de chocolate? – ela pediu sentando na cama.

–Pode! Mas agora você tem que se arrumar pra ir pra escola.

Levei-a até o quarto, onde a arrumei. No final ela parecia realmente uma princesa, se bem que sou meio suspeito pra falar disso. Descemos as escadas, ela tomou o café da manhã, escovou os dentes, pegou sua mochila e fomos para o carro.

–Até depois pequena – falei dando um beijo na sua testa antes dela sair correndo para dentro da sala. Voltei para o carro e dirigi até a empresa. Lá, tudo aconteceu normalmente, até que Bunny entrou revoltado na minha sala.

–O garoto, quero te dizer uma coisa.

–Deveria me respeitar senhor Bunny – falei sério – Ok, parei. O que quer?

–Aquela garota que você chama de secretária...

–Sophie.

–Essa mesma. Ela é meio avoada, do jeito que tá vai acabar marcando tudo errado e depois que se ferra é a empresa.

–Ok, o que você sugere?

–Sugiro que troque de secretária comigo.

–O que?

–Pois é! Elsa é uma menina muito dedicada, pé no chão e, sinceramente, bonita demais pro velho aqui. E também é boa com crianças, já foi babá, sei como isso é importante pra você.

–Ok, pode mandar ela pra cá amanhã. Vou ter que pensar em um jeito de falar para Sophie...

–Isso você pode pensar amanhã, agora, se não me engano, você tem uma garotinha para buscar.

Realmente, estava na hora de buscar Esther. Peguei-a na escola e como prometi saímos tomar sorvete, ficamos no parque até tarde, e lá pelas oito da noite, voltamos pra casa. Jantamos, e depois a ajudei com o trabalho que ela tinha trazido.

Quando fomos deitar, Esther implorou para eu ler outra história pra ela. Acabou escolhendo Branca de Neve, e logo na terceira página ela já tinha dormido. Cobri-a e fui para meu quarto, me preparei para dormir, deitei e apaguei.

Afinal, amanhã seria um longo dia.