Primavera no Sertão escrita por Didilicia


Capítulo 4
Capitulo 4




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Herculano não estava com vontade de voltar imediatamente para o acampamento. Havia saído para esfriar a cabeça e inspecionar o local. A noite já estava escura quando ele retornou. A serenidade da fogueira e o cheiro de café fresco não o atraíam. Preferia a brisa cortante açoitando seu nariz e seus pulmões, ao calor das chamas douradas. Isso lhe deixava desperto e atento.

E o isolamento era melhor do que as vozes e o ambiente de camaradagem do acampamento, aninhado junto a um quebra vento de árvores. As acomodações dessa noite eram toscas em comparação ao que estariam ao seu dispor no próximo acampamento, quando se instalariam definitivamente para uma próxima temporada. Alguém preparava a comida deles no fogo aberto. Somente três tendas haviam sido armadas. Uma grande, que acomodava a maior parte do bando e outras duas menores: uma para Dona Cândida e as poucas mulheres do bando e outra para o Capitão e a Duquesa.

Herculano viu-a carregar alguns cobertores para dentro da pequena tenda, onde mal havia lugar para se ficar de pé.

Era atraído para ela, com a mesma força irresistível que atrai a mariposa para a chama. Era uma fraqueza perturbadora, mas quando fora capaz de resistir-lhe, desde que a conhecera?

Pouco antes, quando esteve com ela em seus braços, cavalgando, sentira-se bem por dentro. Gostava da sensação de tê-la ao seu lado, partilhando a vida que ele escolhera. Admirava que ela tivesse largado toda a sua vida para viver a dele e isso o fazia se esforçar todo o dia para deixá-la feliz. A amava e seria capaz de tudo para vê-la bem. Era assim que queria estar com ela.

Apanhando outra manta, Herculano dirigiu-se para a pequena barraca. Uma das abas estava presa, deixando ver Úrsula lá dentro, de quatro, ajeitando as cobertas num colchão improvisado. O Capitão abaixou-se e entrou na tenda de lona, agachando-se para depositar o cobertor que trazia na “cama” que ela havia feito. Ela se sentou sobre os calcanhares, e seu ar de concentração foi substituído por um sorriso radioso, que deu um nó nas entranhas dele.

–Capitão! – a voz dela estava ligeiramente ofegante, com uma rouquidão que acariciava o ouvido como o ronronar de um gato – estava tentando ajeitar nossa cama. Por onde você andou?

–Só “vamo” passar uma noite aqui. “Num” carece todo esse trabalho.

O comentário dele pareceu confundi-la. Ela parou um pouco o que estava fazendo e ficou sem jeito, inspecionando o local com os olhos. Herculano sentiu necessidade de disfarçar sua vulnerabilidade diante dela.

–Eu sei. – admitiu a duquesa. – Mas isso não é confortável... Depois de um certo tempo deitada, o peso do corpo achata isto e a gente começa a sentir o chão. E o capitão não respondeu onde estava esse tempo todo.

Herculano tentava esconder seu nervosismo. Ela o perturbava tanto quanto ele a ela. Seu olhar a sondava e ele permanecia calado. A duquesa já havia ocupado seu lugar na cama improvisada e se cobria toda, seu corpo estava escondido dele. A única parte dela que não estava coberta era a delicadeza clássica de seu rosto. O capitão quase se ressentia daquela beleza fresca e imaculada das feições dela, desanuviadas e lisas, adultas e não falsamente inocentes. Como se estivesse ciente de que ele a fitava, Úrsula olhou para ele.

Ele viu que tinha que dizer alguma coisa.

–Tu vai dormir toda coberta assim?

–Deve haver algo de errado com os seus olhos capitão. – com uma risada, ela descobriu da manta, revelando o corpo quase nu. As chamas da fogueira lá fora dançavam na cortina que cobria a tenda.

A expressão dela ficou sóbria ante o olhar apertado dele. Herculano tinha vontade de se afogar nas profundezas escuras dos olhos dela, para não mais voltar à tona e enfrentar a realidade.

–O capitão não vem deitar?

Depois de mais um segundo de hesitação, o olhar dele tocou o chão junto às roupas dela espalhadas por lá e com uma franqueza imperturbável fitou os olhos dela. – É claro que vou, minha branca.

Quando Úrsula oscilou para junto dele, Herculano a encontrou a meio caminho. Segurando-lhe a nuca, apertou-lhe a boca. Queria esmagar aqueles lábios macios, mas a coisa não funcionou assim. A reação rápida dela ao seu beijo brutal revitalizou a emoção profundamente enraizada. Interrompeu o beijo antes que seus desejos explodissem, descontrolados.

Lembrando-se do que aquela noite de amor poderia implicar, ela hesitou. Vestiu uma blusa dele por cima das roupas de baixo e, sem uma palavra, saiu da barraca indo sentar próximo à fogueira. Os poucos homens que estavam ali já dormiam há muito em suas redes. Herculano, sozinho na tenda, tentava entender a atitude da duquesa. Seus desejos eram primitivos e incontroláveis. Úrsula era sua mulher, e ele a possuiria...fisicamente, se não a pudesse possuir de outro modo também.

Enfiando-se novamente pela abertura da tenda, Úrsula jogou-se na cama ao lado dele. O Capitão notou a tentativa da duquesa de ocultar uma súbita onda de sensibilidade vulnerável.

–O que deu em ti, diaba? Vem toda se achegando pro meu lado e quando vou lhe beijar tu escapole feito quiabo!

–Ai Herculano... Eu não quero discutir com você outra vez!

–E quem aqui tá discutindo? Eu ia te beijar e fazer mais outras coisas se tu não tivesse chispado daqui feito um raio. Tu tá me evitando? É isso?

–Não se trata disso.

–Então venha. E pode parar com isso que tu tá fazendo...não precisa ajeitar tanto essa cama que vou passar a maior parte do tempo do lado que tu tá “mermu”.

A duquesa deitou na cama improvisada sobre o chão duro do acampamento. Trançou os dedos na nuca para imitar um travesseiro e ficou a olhar o teto da tenda na escuridão. Uma chuva começara a cair de repente, ecoando seus pingos na lona. Um trovão pareceu estourar acima de sua cabeça, e ressoou agourentamente, fazendo vibrar o solo debaixo do seu corpo.

–Diacho!! – dissera o capitão um pouco antes de deixar a tenda para verificar os mantimentos que haviam sido deixados expostos ao ar livre e, que agora, pegavam chuva.

A duquesa tremeu trazendo os braços para junto do corpo. Onde estaria o capitão? Seu coração batia forte, enquanto ela se esforçava para ouvir o ruído dos passos dele do lado de fora da barraca, acima das batidas irregulares da chuva e do estrondo dos trovões. A chuva no sertão era coisa rara e quando vinha parecia coisa do outro mundo.

Úrsula começava a estranhar sua ansiedade em ver Herculano. Ao mesmo tempo que o rejeitava, não conseguia ficar um segundo longe dele. Era como se todo o seu mundo girasse em torno daquele que agora era o seu homem. Não sabia mais discernir o certo do errado. Mas como podia ser errado, quando estar com ele fazia com que se sentisse tão bem, tão certa?

A aba da tenda foi levantada e o capitão entrou. A duquesa viu a silhueta dele. O ar agitava a lona e Úrsula estremeceu quando uma rachada de vento tocou seu rosto.

Herculano não perdeu tempo e tirou as roupas molhadas, ficando apenas de roupa de baixo, e enfiou-se a seguir debaixo das cobertas. Estendeu as mãos para ela, e Úrsula aconchegou-se em seus braços enquanto lá fora a chuva teimava em cair no solo seco do sertão. Ela sentiu a hesitação das carícias dele, quando sua mão entrou em contato com o material áspero da roupa de baixo dela. O calor do hálito dele estava perto dos seus lábios, misturando-se ao dela.

–O que tu ainda tá fazendo vestida com a minha camisa? – murmurou Herculano, bem juntinho à boca dela.

–O mesmo que você... – retrucou Úrsula, baixinho – aquecendo-me.

A boca do capitão baixou com força para entreabrir-lhe os lábios num beijo inesperado.

–Sei de um jeito melhor, visse... – falou, de encontro aos dentes dela, e enfiou uma mão fria sob a roupa de baixo dela, para aquecê-la ao calor de sua pele macia. Úrsula estremeceu de desejo quando a mão dele lhe envolveu o seio. Um fogo correu-lhe pelas veias, a despeito do vento frio que entrava na tenda, um fogo tão quente e brilhante quanto a fogueira que instantes antes queimara lá fora.

–Eu também – concordou.

No sertão o céu chorava suas bênçãos, trazendo a água tão desejada e ali dentro dois amantes se desfaziam das farpas e espinhos de outrora e entregavam-se ao amor.

(...)

As mãos dele pareciam não conseguir satisfazer-se por completo. A chuva já havia diminuído do lado de fora da tenda frágil, mas mesmo agora, depois de ter satisfeito sua luxúria e a dela, as mãos dele continuavam a percorrer-lhe o corpo, acariciando-lhe preguiçosamente os quadris, os seios e os ombros. O barulho dos últimos pingos de chuva pareciam aguçar suas necessidades. Ela estava deitada dentro do círculo dos braços dele, a cabeça apoiada no seu ombro, os cabelos ruivos perto do seu queixo. Os braços dela envolviam-lhe o estomago, e um de seus joelhos estava dobrado sobre as pernas dele. Ele queimava com um anseio que não se satisfazia com a pose física.

–Diga – Herculano puxou as palavras para extravasar um pouco do que estava sentindo – Tu não vai mais me evitar como da outra vez, né “mermu”? Eu não consigo ficar muito tempo apartado de tu, do teu cheiro, do teu corpo, dos teus beijos.

Úrsula esfregava o rosto no peito dele, numa carícia felina.

–Não meu capitão... mesmo que você não escute quando lhe falo as coisas que se passam dentro do meu peito... eu... - Mas Herculano a cortou no meio da frase, calando-a com um chiado. Ela inclinou a cabeça pra trás, mas a escuridão completa escondia-lhe o rosto.

O dedo dele traçou o contorno macio do seu maxilar. A lembrança de tudo que viveram juntos, todos os percalços e momentos de alegria lhe vieram à mente. Ele não queria perder a duquesa e também ele estava disposto a abdicar de suas vontades somente para vê-la feliz. Ele estava seguro de que havia despertado nela sentimentos que nenhum outro homem conseguira despertar.

–Não diga mais nada. Eu não vou forçar a duquesa a fazer o que não quer. Eu e tu não precisamos mais brigar por conta disso.

A duquesa ficou em silencio ouvindo o capitão respirar tranqüilo, já quase pegando no sono. Ela, no entanto, demorou em adormecer com mil pensamentos na cabeça.

(continua....)


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