Queima de Arquivo escrita por Caderno Azul


Capítulo 2
Encurralada


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Dave irrompeu pelo quarto com violência, o som da porta se fechando me provocou um susto tão grande que o brinco que tentara colocar sem sucesso caiu em sob meus pés.

Eu nunca havia visto meu marido tão transtornado. Tinha uma mão repousada nas têmporas e a outra se fechava em torno do celular. Admirei que o aparelho continuava intacto.

Como uma cobra traiçoeira, o medo subiu por meus poros e me vi prestes a perguntar algo que não queria a resposta. Quando se está envolvida na Máfia Inglesa, aprendemos a detectar o aroma de notícias ruins há quilômetros de distância.

É o que fazemos. É o que odeio.

É complicado.

–O que houve? - demando virando-me do espelho e abandonando seu reflexo para encarar sua imagem real.

–Minha mãe está morta - ele replicou com uma voz muito baixa se comparada ao soco que acaba de lançar à parede.

Avancei em sua direção para acalmá-lo como eu fui treinada para fazer. Esse era meu papel, minha função. Ele estava em estado de choque.

E se afastou do meu enlace.

–Agora não, Claire - Dave se negou voltando-se para a sala.

Se ele realmente olhava a paisagem do terreno da casa ou apenas não queria que eu visse sua expressão, jamais saberia.

Resolvi manter sua cabeça ocupada com o pequeno interrogatório que tinha preparado.

–Foi um acidente ou... - arrisquei com a voz incerta.

–Assassinato. - Dave declarou num esgar, a voz severa como aço. - E aos seus pés a marca deles.

Eles. Os Hoolis. A Máfia inimiga. Há anos que as duas disputam para o lugar da oficial da Inglaterra. Uma guerra de pólvora e sangue.

Engoli em seco, temerosa. Eu sabia que o que aquilo significava. Um arrepio em minha espinha me alertou que algo muito pior caminhava no horizonte em nossa direção.

Mais uma vez ali estava, o prenuncio de más notícias.

Daria de tudo para estar errada dessa vez.

Observei Dave quando ganhei um pouco de coragem. Todo seu corpo tremia, os olhos se transformaram em fendas, podia ver pelo reflexo da janela de vidro. O jovem carinhoso que eu conhecia foi substituído por um clone de Alexander, seu perturbador primo e líder da Máfia Lancaster. Foi perturbador assistir a metamorfose acontecer diante de mim.

E ele não chorou. Agora me ocorre que nunca o vi chorar.

–Claire, terei que quebrar a promessa que fiz a você - anunciou de cabeça baixa.

Tais palavras foram suficientes para que eu envolvesse meu corpo com os braços. Ele sujaria as mãos, eu devia ter imaginado que não poderia detê-lo para sempre. Nesse ofício não há perdão.

E eu sabia que Dave não fora criado para perdoar. Redenção não fazia parte de seu vocabulário.

Aquelas palavras me alarmaram ainda mais e sem saber o que fazer, eu abracei suas costas.

–Sua cabeça está quente... - comecei a tentar convencê-lo.

Ele se afastou balançando a cabeça.

–Está enganada, nunca falei tão sério - ele ressaltou duramente. -Eu vou até o fim do mundo para cobrar essa dívida.

Eu tentei abraçá-lo de novo, mas ele se desviou caminhando em direção à porta.

–Há um lugar que eu preciso ir, não espere por mim - avisou sem parar de andar nem por um segundo.

Não havia como impedi-lo, eu falhei na minha tarefa de controlá-lo. Fizera sua escolha e partiu tão violentamente como entrou.

Eu queria correr atrás dele e dizer que ia ficar tudo bem, que íamos superar aquilo sozinho.

Mas eu não mentiria.

Astoria era praticamente a única ligação que Dave tinha com o mundo real, que o impedia de ser frio como o primo. Que o impedia de se entregar aos fantasmas e a obscuridade que seu sobrenome carrega. Ela era sua fonte de sanidade, o seu porto seguro, chame do que quiser.

Mas foi a partir daquele dia que tudo começou a desandar e como uma bola de neve os problemas foram se acumulando até a catástrofe a que estou presa.

Lembro de ter sentido medo naquele dia. Medo de não ser o suficiente para reerguer Dave. Medo de perder o marido que eu conhecera. Medo do futuro.

Eu nem podia imaginar o quanto meu medo estava certo.


–Claire, estamos atrasados!

A voz de Dave fez com que eu abotoasse o meu sobretudo mais rapidamente e me precipitasse escada abaixo. Com exceção de Astoria, a família de meu marido era, no melhor dos cenários, desafiadora. E como filha, eu assisti meu pai ausente se afundar cada vez mais por causa do submundo das Máfias.

Como esposa tinha uma missão. Aplacar o ódio no meu marido impedindo que sua sede por sangue continuasse.

Eu falhei.

–Tinha esquecido do casaco - me desculpei, mas isso não pareceu importar a ele que sacudiu os ombros e entrou no carro assumindo a direção.

Toda essa indiferença estava começando a me incomodar, contudo preferi relevar. Suspirando derrotada, eu o segui prevendo que aquela seria uma longa tarde.

Eu não tinha ideia o quanto minha vida mudaria depois dela.

Quando chegamos ao local do velório que era à Mansão Lancaster, um considerável volume de pessoas nos recepcionaram. Alguém havia se certificado de investir pesado na segurança. Eu podia ver pelo menos três atiradores escondidos no terraço da majestosa construção.

Melchior Lancaster, meu sogro e mais frio que de costume abraçava Dave. Alexander observava a cena com as mãos no sobretudo negro que usava. Ele era apenas alguns anos mais velho que Dave, mas aqueles olhos guardavam o lado obscuro que apenas anos no ofício de tortura podiam fornecer.

Eu nunca me pus no caminho de Alexander, e também nunca fui muito amigável. Era o tipo de pessoa que simplesmente não me despertava confiança. A discrição me caía bem nessas situações. Graciosa, mas invisível.

Engoli em seco quando acabei invadindo seu campo de visão, busquei o olhar de Dave e senti aliviada sua mão puxando a minha.

–Claire - Alexander me cumprimentou e fiz um imenso esforço para encará-lo como se só tivesse me dado conta de sua presença naquele momento.

–Alexander - assenti num tom de voz que julguei ser neutro.

O homem se adiantou e abraçou Dave com alguns tapinhas em suas costas e falou algo em seu ouvido. Do seu contato meu marido não fugiu, anotei mentalmente porque gostava de me torturar com esses pensamentos.

Reprimi o meu impulso infantil de cruzar os braços e exigir saber o que estava acontecendo. Qualquer plano que Alexander planejava para Dave não me soava bem.

Eles finalmente se separaram e Dave me levou para ver pela última vez o corpo de Astoria. Ela seria cremada e em seguida deixada na propriedade dos Lancaster, de onde nunca quis partir.

Dave ficou observando a mãe preso naquela expressão confusa, o semblante de uma pessoa quando está diante de algo fora do seu alcance de compreensão.

Percebendo que ele precisava de espaço, lancei um último olhar para minha sogra e observei o resto do salão sombrio. Algumas mulheres permaneciam sentadas, a de Alexander me lançou um olhar depreciativo que não entendi e tampouco retribuí. A discrição e o bom senso eram minha prioridade.

Havia poucos homens no salão, fato que estranhei. Segui para o banheiro onde pretendia passar uma água no rosto e colocar meus pensamentos em ordem. Eu não conhecia muito bem a Mansão Lancaster, mas deduzi que não deveria ser muito difícil encontrá-lo sozinha.

Comecei a me arrepender depois de infrutíferas tentativas de achar o banheiro e passei a procurar algum rosto familiar a quem pudesse recorrer.

Passei por uma porta fechada e ouvi vozes. Respirando fundo levei a minha mão para a maçaneta e antes de girá-la ouvi uma frase que mudou a minha intenção.

–...Dave não pode saber...

Quem falava era Alexander e curiosa, encostei a orelha na porta naquele corredor vazio da Mansão.

–Ele nem tem ideia? - uma outra voz duvidou, em tom cético.

–Já disse que não, Stone - sibilou Alexander impaciente - E imagine se ele descobrisse que fui eu quem matou sua mãe..

Minhas mãos cobriram minha boca com a surpresa. O tom de voz saiu leve e claramente sem arrependimento pelo que fez. Aquele definitivamente era Alexandre.

–Mas se você contasse o motivo, talvez Dave entendesse, Alex - opinou uma terceira voz, não consegui decifrar seu dono.

Uma risada seca e sem vida soou no salão e me senti arrepiar de medo. Mafiosos sem alma produzem esse efeito em mim.

–Não se iluda, meu sobrinho seria contra - Alexander advertiu os presentes.

Contra o quê? Perguntava-me naquele silêncio angustiante.

–Ele não teria escolhas -O bastardo do Stonen argumentou.

–É verdade - Alexander cogitou a ideia para descartá-la em seguida. - Ainda assim, essa informação é perigosa demais para se saber. Quem descobre, corre perigo de vida. Veja o exemplo de Astoria, se ela tivesse sangue Lancaster correndo em suas veias nada disso teria acontecido.

Eu podia sair correndo, mas escutar o resto da conversa se mostrava essencial à minha existência. Eu precisava saber. Não conseguiria virar as costas e não me torturar a cada dia pelo que deixara de saber.

Alexander estaria falando de um Pacto de Sangue?

–Então por que não estou morto? - perguntou Stonen curioso.

–Ora, por que matar um parceiro tão útil? - comentou Malfoy num tom que deixava muito claro que assim que acabasse a utilidade de Stonen, também acabaria sua existência.

–Se Dave desconfiar de algo,o que fará? - Stonen questionou buscando mudar de assunto.

Garoto esperto.

–Ele não vai desconfiar - a incomoda terceira voz desconhecida se pronunciou novamente. - Pensa que foi o Hoolis que fez isso por vingança pela zona 37.

Arregalei os olhos em silêncio. Aquela era a desculpa perfeita. Zona 37 era o local mais cobiçado para a prostituição. Normalmente era propriedade dos Hoolis, mas os Lancaster compraram os policiais certos.

Contudo, isso não parecia do feitio do líder dos Hoolis.

–Deixe-me recapitular: Dave pensa que Régulo Hoolis, o grande amante da paz e valores matou Astoria para se vingar da zona 37. Ele realmente acreditou nisso?

Agora quem falava era Finn Parkinson, outro suposto amigo de Dave.

Alexander soltou outra risada fria que fez meu cabelo se arrepiar.

–Para você ver como meu sobrinho é ingênuo, não sei como não saiu um maldito mafioso. Se ele soubesse, se ao menos desconfiasse sobre a volta do Doutor Ward..

O QUÊ?! Esse só podia ser enigmático doutor de que todos falavam...mas aquilo seria impossível. Régulo havia destruído todas as chances que ele tinha de sobreviver com aquela bomba no carro anos atrás. Aquilo foi antes do nosso casamento. Eu mesma pesquisei toda a sua trajetória, podia não ir com a cara do líder Hoolis, mas tinha que admitir que ele não deixou nenhum detalhe passar.

Concentrei-me na voz de Alexander.

–...mas não, Dave está planejando sua vingança contra Régulo. O que só torna tudo mais fácil para todos nós - concluiu suspirando.

–E quanto Claire? - Parkinson perguntou em tom de desagrado.

Ninguém da família Parkinson ia com a minha cara e eu sabia que era porque Lola, a primogênita do clâ, queria ocupar o meu lugar, ou seja, a cama de Draco.

–Ela não sabe de nada, pedi para que Dave mantesse tudo em segredo - explicou o bastardo.

–Boa ideia, Alexander - Stonen elogiou.

Eu estava tão absorta na conversa que só percebi a maçaneta se mover quando já era tarde demais. Lancei-me para o lado da porta que cobriu meu corpo quando foi aberta, mas o deixou sem proteção ao se fechar.

Petrificada, observei as costas de Alexander dar alguns passos na minha direção contrária até parar e lentamente se virar para mim.

–Escutando atrás da porta, Claire?


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Notas finais do capítulo

Gente, capítulo maior!

A fic ainda está no início ainda, sem grandes tramas revolucionárias. Por enquanto. Muito será explicado no próximo!

Quem é o Doutor Ward? Por que ele voltou? Como é Régulos Hollis e por que "amante da paz"?

Mas esse é apenas o começo. Hehe

Estou de férias então sei que postarei em menos de uma semana!

Brigadinha a todos :)

Fui, até a próxima!