“Pessoas diretas e honestas tendem até um charme misterioso, que vai além da beleza”

– VOCÊS VIRAM aquilo? – Hella iniciou a conversa enquanto penteava os cabelos de sua boneca de porcelana.

– O quê? – Jo perguntou.

– Ora – Hella disse como se fosse algo óbvio – papai fez a barba!

– Tá, e o que tem isso?

Hella revirou os olhos.

– Será possível que você não percebeu?

Jo encarou Fenny.

– Fenny...

Fenny, que analisava os irmãos de forma calma, riu minimamente tomando o diálogo.

– Jo, o que Hella está tentado dizer é que papai tirou a barba por causa da Sigyn.

Jo franziu as sobrancelhas pensativo.

– Será? Eu não sei, vai ver ele enjoou dela - o menino comentou.

– Eu acho que ele fez isso para impressionar a Sig – Hella tinha uma ponta de brilho no olhar.

– Tenha calma irmãzinha – Fenny fez um afago nos cabelos da irmã – é meio cedo pra achar isso. Mas, o fato de papai ter tirado a barba é algo bem intrigante, afinal ele usa ela desde quando nossa mãe partiu. Mas eu reparei que a Sig estava estranha durante o café, e principalmente depois que ele chegou a mesa. Ela parecia incomodada com alguma coisa... E tem mais...

Jo e Hella se aproximaram do irmão, que com um gesto cumplice de quem estava prestes a revelar um segredo.

– Por esses dias – o mais velho continuou – eu ouvi uma conversa do papai com o Sr. Trymm, eu não sou de ouvir conversas, mas foi justamente quando eu passei por perto e ouvi algo – Fenny parou para uma pausa dramática – e ouvi o Sr. Trymm falar algo sobre o papai casar com alguém como a Sigyn.

– Nossa! – Jo e Hella arregalaram os olhos.

– Shhhhh! Falem baixo. Papai não pode saber disso.

Os mais novos anuíram concordando.

– Temos que juntar esses dois – Hella disse sonhadora.

– Mas como vamos fazer isso? Se bem ia ser muito legal se ela pudesse ficar com a gente pra sempre – Jo começou a se empolgar.

– Sim, mas temos que ir com calma – disse Fenny – dá pra ver que tem alguma coisa entre eles, mas... eu acho que eles vão precisar de empurrão....

*

Sigyn resolveu dar uma volta pela propriedade após o café. Ela evitou Sir Loki durante o resto do café. Teve que arranjar um esforço hercúleo para que seu rosto não se ruborizasse tanto. Enquanto caminhava a jovem tinha um tempo para pensar no que estava acontecendo.

Sigyn não esperava que tantas coisas fossem acontecer com ela após ter aceito aquela estranha proposta de trabalho em um país tão recluso. Não espera que fosse criar laços fortes com aquelas três crianças tão solitárias, ou que quase fosse morrer afogada e muito menos, que fosse criar sentimentos por seu patrão.

Sim, ela sentia alguma coisa por ele. Disso ela sabia. Algo que beirava ao fascínio, a curiosidade e agora, algo mais. Seria um profundo respeito e admiração? Também. Principalmente depois que ele a salvara do afogamento, mas não só isso, o modo como tratava os filhos, havia um homem sensível por trás daquela fachada de gelo. Como era correto, discreto e charmoso. E para completar, ele ficava muito melhor sem aquela barba, não que fosse feio antes, mas a barba tinha algo inicialmente hostil, algo assim.

Mas, então houve aquele beijo. E quando Sigyn pensava nisso, mas confusa se sentia.

– Oh, céus! O que faço numa situação dessas?

Para a garota, era errado sentir tal coisa por Sir Loki. Ele era seu patrão. Não era devido, e as crianças? O que elas pensariam (mal sabe Sigyn, o que elas não fariam para juntar ela e seu patrão)? Não era lá algo tão simples, angustiada, Sigyn sentou em uma pedra e suspirou.

Mas um barulho ao longe chamou sua atenção, um som de galope, e então constatou surpresa que havia alguém nas redondezas cavalgando, ou melhor, Sir Loki, seu patrão.

Assim que a viu cavalgou em direção a ela. O sol da tarde iluminava seu rosto, deixando o ainda mais branco, e consequentemente, mais atraente.

– Srta. Lindgren! Não imaginei que fosse encontra-la por aqui.

– Eu estava dando uma volta – ela fez um gesto desengonçado com um dos braços.

– Já montou antes? – ele perguntou.

– Eh – ela riu – nunquinha.

– Então hoje é o seu dia de sorte – ele desceu do animal – que tal dar uma volta nela?

– Nela?

– Sim – Loki sorriu para o animal, fazendo-lhe um carinho no focinho – Gunilla é bem gentil.

– Gorila?

Loki riu.

– Gunilla – ele falou pausadamente – você é realmente engraçada.

Sigyn ficou envergonhada e pediu desculpas a égua.

– Tem certeza de que é uma boa ideia? – ela disse receosa – É que eu fico com um pouco de medo sabe?

– Confie em mim – ele disse suavemente – eu ficarei ao seu lado. Jamais deixaria você montar nela sozinha – disse dando um sorriso discreto.

– Então eu vou – Sigyn disse um pouco confiante.

Loki a ajudou subir. A primeira sensação foi de uma tenção inicial, Sigyn achou que cairia de lado mais ao ver o olhar de Loki lhe inspirando uma certa segurança, respirou fundo. Os dois deram uma volta, ela montada em Gunilla e Loki ao lado caminhado. Conversaram um pouco até que a jovem pediu para descer.

– O quadril dói um pouco nê? – ela falou enquanto se esticava.

– É uma questão de hábito, é normal que dê algum incomodo no começo.

Houve um momento de silêncio, que para Sigyn, foi um pouco constrangedor.

– Srta. Lindgren – Loki tornou a falar – sobre o que aconteceu ontem...

Sigyn sentiu o coração socar suas costelas. Loki coçou a nuca, finalmente revelando que ela não era a única que estava confusa por ali.

– Eu ia lhe perguntar algo – ela falou rápida – Queria saber por que fez aquilo? Fiquei muito confusa, sabe... ou melhor ainda estou, tipo, agora – ela encerrou com as bochechas rubras.

– Me desculpe – Loki olhou para o chão e depois para ela – pode parecer ridículo, mas fazia algum tempo que eu estava querendo beijar você.

– Oh, deuses... – Sigyn tapou a boca com as mãos.

– Se por acaso eu a ofendi, peço desculpas.

– Não! – ele a olhou confuso, e Sigyn tratou de corrigir – Quero dizer, é que não me ofendeu não. Para ser honesta, eu não esperava algo assim do senhor. Bem, o senhor é o meu patrão... e bem, isso não seria muito certo. Certo?

Loki deu um meio sorriso, e ficou um pouco próximo dela.

– Poderia até ser. Mas quando olho para você agora não vejo mais apenas a preceptora estrangeira que cuida de meus filhos, e sim com a mulher a qual tenho me sentido atraído.

Sigyn piscou os olhos. Ele disse que estava atraído por ela?

– Está falando sério? – foi o que sua mente conseguiu formular.

– Estou falando sério, Srta. Lindgren – ele segurou sua mão – Não me sentia assim há anos, desde que enviuvei – ele riu sem graça – desculpe se eu estiver assustando.

– Já me assustou! – ela falou um pouco nervosa, mas não de jeito alterado – E... e ainda por cima, eu o vi assim tão bonito sem aquela barba... ops!

Loki deu uma risada rouca e a fitou com certo charme.

– Então me achou bonito sem ela – falou com certo convencimento.

Sigyn tentou ficar séria, tentou...

– O senhor está dando em cima mim?

Loki franziu as sobrancelhas.

– Dando em cima? Não, estou apenas lhe cortejando, Srta. Lindgren. O que é “dando em cima”?

Sigyn queria rir.

– É uma gíria de Midgard. É quase a mesma coisa que cortejar. Se bem que – ela riu timidamente – cortejar é mais bonito...

Como um ato inesperado Sigyn puxou Loki pelo pescoço e tascou-lhe um beijo rápido, e ainda próxima dele disse.

– Este foi pelo de ontem – e então ficou alguns milímetros próximos ao rosto dele - e esse... – ela o beijou de novo, mas de forma mais demorada, ele inicialmente surpreso correspondeu puxando-a para mais perto de si. Só se separaram por falta de ar.

– Esse era o que você deveria ter me dado ontem – ela sorriu sapeca para ele – a gente pode beijar quando se corteja?

– Depende – ele disse olhando os lábios rosados – não sei nada a respeito - então sorriu divertido – mas acho que pode sim.

Ela se afastou um pouco e então disse envergonhada.

– Eu também sou muito direta, quero dizer... eh, não quero que pense que sou uma moça enxerida.

Ambos acabaram dando uma gargalhada.

Alguns minutos depois o casal se aproximava da casa.

– Como ficam as coisas agora?

– O quê?

– Quer que eu diga realmente? – Sigyn alfinetou.

– Não se preocupe – Loki sorriu displicente – até mesmo meus filhos adorariam a ideia.

– Como pode ter tanta certeza?

Loki parou e ela também.

– Eu sei – ele sorriu misterioso – e, acho que por enquanto, seria divertido fazer um suspense com eles não acha?

Sigyn estreitou os olhos, mas logo depois riu, mas então ficou séria de novo.

– O senhor tem certeza?

Ele lhe deu um selinho, e a olhou com intensidade.

– Tenho. E só mais uma coisa, me chame de Loki. Não sou um velho, certo Sigyn?

Ouvir seu nome nos lábios dele fez com um sorriso bobo se desenhasse em seus lábios.

– Certo, Loki.