Dizem que quando você está prestes a morrer um curta-metragem da sua vida passa diante de seus olhos.

Bom, isso não é verdade.

Um tiro foi o princípio do caos. Uma sinfonia de gritos ao meu redor. Um carro cantou pneu na avenida principal.

A ideia da morte preencheu meu subconsciente e eu não consegui me lembrar de qualquer evento significativo da minha vida. Só tinha aquela ideia irrefutável de que eu morreria daqui alguns minutos.

Doeu. Doeu muito. Era uma ardência absurda, uma queimação sem igual. Um buraco fora cavado na minha barriga, separando carne, músculos, talvez órgãos. Os médicos saberiam, eu não. Uma sensação tão insignificante quanto a formação de uma lágrima passaria despercebida diante de tantas outras sensações, mas ainda assim eu senti os olhos lacrimejarem.

Meu corpo oscilou antes de tombar para trás. Soltei a sacola que estava segurando. O conteúdo, algumas frutas e verduras, rolaram para a calçada. Eu senti perfeitamente o impacto contra o concreto escaldante, mas a dor da queda não era nada se comparada a agonia em meu diafragma.

Percebo que eu deveria ter prestado mais atenção as aulas de biologia porque me espanto com toda a ligação do nosso corpo. De alguma forma, tem sangue na minha boca e eu estou me afogando com ele.

Cuspo.

Engasgo.

Tremo no chão e sinto espasmos.

Há pessoas me rodeando, pessoas que eu não conheço.

De todas as formas de morrer, nunca pensei que eu seria vítima de uma bala perdida. A gente nunca pensa que vai acontecer uma coisa dessas na nossa vida, apesar de ser tão corriqueiro no nosso país.

Minha visão está embaçada e eu sinto frio. Verão, sol de rachar no Rio de Janeiro, e eu sinto frio.

Suspiro audivelmente e gemo de dor, tentando tocar o machucado. Minha mão trêmula e insensível fica molhada com meu sangue quente, mas eu já não noto direito o que se passa.

Acho que minha respiração está ficando acelerada.

Acho que meu coração está trabalhando dobrado, como se quisesse gastar toda a energia que não utilizarei no que seria o restante da minha vida.

Acho que tem um carinha do meu lado fazendo um vídeo. Será que vai colocar no YouTube? No WhatsApp? Vou ficar famoso depois de morto?

Minha visão escurece de repente. O som de uma sirene se aproximando atingiu o meu ouvido, mas eu não acho que ela vai chegar a