A Esperança - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 35
Capítulo 35




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Não ouso abrir meus olhos. Sinto meus braços amarrados, e um calor estranhamente gostoso. Minha cabeça dói, e aos poucos vou me lembrando de tudo o que aconteceu. O desespero só aumenta, e só então abro os olhos e grito o nome de Katniss.
– Cento e trinta e seis – uma voz feminina fora do meu campo de visão, diz tranquilamente. Está escuro ao meu redor, apenas as chamas de uma lareira quase se apagando, crepitam, deixando tudo ainda mais sinistro.
– O que? – pergunto, e me levanto de uma espécie de sofá, o que me deixa tonto.
– Você disse o nome de Katniss cento e trinta e seis vezes, enquanto estava desacordado – a mulher diz novamente, então me recordo que essa é a voz da mulher que me interceptou.
– Quem é você? – questiono, desviando a atenção do fato de ela ter contado quantas vezes disse o nome de Katniss. Mas, cento e trinta e seis vezes... Isso parece muito, até para mim, que estou acostumado a coisas absurdas.
Uma forma vai se aproximando, e enfim, ela fica num ponto onde eu possa vê-la. Minha captora, é uma mulher baixa. Muito baixa. E agora desconfio que ela seja uma criança, aliás, pois seu rosto exibe traços tão angelicais, e os olhos mais azuis que eu já vi. Ela sorri para mim, exibindo dentes perfeitamente brancos, em contraste com sua cabeleira negra e cacheada. Ela veste roupas aparentemente pesadas, na verdade quase iguais as roupas que uso por debaixo do meu sobretudo. Será que...
– Desculpe nosso encontro ter sido daquela maneira... Mas Plutarch me avisou sobre você estar meio instável... – ela diz, interrompendo meus pensamentos, e parece estar sem jeito por tocar nesse assunto das minhas condições mentais. – Ah, e meu nome é Carolynn, e sim, estou do lado da causa rebelde.
Fico sem resposta. Não sei se devo confiar nela. Tudo o que eu quero no momento é sair daqui, e achar Katniss. Cogito fugir, afinal devo ter muito mais força que essa frágil figura a minha frente. Porém agora que minha visão se ajeitou melhor na escuridão, vejo outras sombras ao meu redor.
– Certo – Carolynn diz, e acaba com a distância entre nós, coloca suas mãos em meu peito e me empurra de volta para o sofá, me deixando atônito. – Você merece mais explicações. Então vou dar uma resumida, e você decide se confia ou não em nós. Na verdade, você não tem muita escolha – ela diz, e ri, levando a mão a boca, enquanto covinhas aparecem em suas bochechas. Céus, ela é tão... fofa.
– Onde está Katniss? – digo, soando brusco, o que a assusta. Mas não tenho tempo para conversa fiada.
– Escute primeiro – ela retruca, seus olhos ainda arregalados. – Nós somos a resistência na Capital. Não atuamos em conflitos diretos, mas estamos sempre passando informações para o distrito 13, tentando resgatar rebeldes feridos, antes que as pessoas da Capital os peguem. Espere, nós também somos da Capital, isso ficou confuso. Você conseguiu me entender?
Ela bufa, e coça a testa.
– Enfim, queremos ajudar Peeta. Katniss está de fato, aqui? – ela pergunta, esperançosa.
Pondero entre contar a ela, ou não. Agora, rostos famintos se aproximam mais de nós, da lareira. São todos homens, empunhando armas, olhos brilhando, e vazios ao mesmo tempo. Eles querem apenas uma resposta.
– Sim, da ultima vez que a vi, ela estava rumo a cidade circular, a mansão de Snow – murmuro.
– Isso – ela grita, e todos os homens soltam murmúrios de alívio e aprovação.
– Se você quer mesmo ajudar, me solte, preciso ir atrás dela – digo, ainda sem entender qual é o sentido dessa resistência rebelde na capital.
– Nós vamos com você, é claro – ela diz, parecendo ofendida.
– O que vocês ganham com isso? – explodo. - Vocês viviam aqui, nessa vidinha ótima, sem sofrimento, fome, dor, frio, sem jogos... Isso é uma espécie de diversão nova, já que o massacre não acabou como vocês queriam?
O silencio preenche o espaço entre nós. Até que uma fungada, de cortar o coração, traz a minha sanidade de volta. Carolynn enxuga uma lágrima, levanta a cabeça, e se aproxima de mim. Mesmo sendo tão baixa, ela se empertiga a ponto de seus olhos ficarem rentes aos meus. Ela respira calmamente, enquanto mais lágrimas afloram em seus olhos.
– Não somos todos assim, nojentos, como vocês pensam – ela começa, falando lentamente. – Vocês, dos distritos, generalizam as pessoas da capital. Mas aqui, há pessoas que sempre lutaram pelo fim desse sistema. Que sempre foram silenciadas, de maneiras absurdas. Meu pai, desapareceu quando eu tinha oito anos. Ele fazia reuniões semanais, afim de bolar algum plano, para a libertação dos distritos. Certo dia, após não voltar para casa, minha mãe ligou para todos os membros das suas reuniões, para saber dele. Ninguém sabia dizer onde ele estava. Pedimos ajuda aos pacificadores, mas eles se mostraram mais interessados, em tirar poeira de suas botas. Por fim, minha mãe resolveu se reunir com o grupo, para tentar começar uma investigação eles mesmos. A campainha tocou quando todos estavam reunidos, minha mãe foi até a porta, e lá havia apenas uma caixa. Quando ela abriu, havia uma língua lá dentro, e o anel de casamento do meu pai, ainda em seu dedo anelar.
Fico atordoado demais com isso. Não sei se Carolynn percebe, mas ela para de falar.
– Sinto muito – digo. – Mas isso é algo muito maior que vingança. Deixe-me ir, apenas isso.
Porém, ela parece não me dar ouvidos, ainda olhando fixamente em meus olhos.
– Agora, além do meu pai, meu noivo também está morto, em nome dessa causa, e eu não vou deixar que a morte dele seja em vão. O que me consola, é saber que uma parte dele ainda estará viva, enquanto Katniss vestir seu traje, e ser o tordo, que guiará os distritos até a liberdade.
Sinto que estou prestes a vomitar. Não pode ser... Eu entendi direito? Com as costas da minha mão, enxugo o suor em minha testa, e paro de sustentar seu olhar.
– Carolynn – consigo por fim formular as palavras. – Quem era seu noivo?
Não quero que ela diga esse nome, mas antes mesmo de ela responder, só de ver o contorno dos seus lábios para fazer a pronuncia, eu sei que ela irá dizer.
– Cinna.
Pensar nos últimos dias de Cinna é sempre doloroso demais para mim. Pensar no que ele foi, e no que ele se tornou, uma figura raquítica, a vida sendo sugada dele, por surras, fome, torturas. Devo compartilhar essas coisas com Carolynn? Não. Não posso fazer isso com ela. Qualquer que seja a ideia que ela tenha sobre a morte dele, aposto que não chega nem a metade do sofrimento e dor que ele realmente passou.
– Vamos logo com isso, então – digo, e ela assente limpando uma lágrima. Sua aparência de frágil engana, pois de repente a órfã e viúva, se transforma em uma líder, dando ordens, a um bando de homens, ordenando que tais fiquem e cuidem dos feridos, e o restante parta conosco. Ela desamarra meus pulsos e me entrega uma arma.
– Você acha que é seguro? – pergunto, incerto sobre meu nível de controle.
– É necessário – ela responde enquanto esconde mais três armas sob um pesado sobretudo. – Não quero que você tome a pílula de veneno no primeiro sustinho que levar. Isso é apenas em último caso.
Os homens ao redor também estão carregando muitas armas.
– Isso é porque vocês não entram em conflitos diretos – murmuro.
Ela dá de ombros.
– Mas é melhor estarmos preparados.
E antes que eu possa perceber, estamos numa rua deserta.
– Para onde devemos ir? – ela pergunta. Fico paralisado pois achei que ela fosse me dar as ordens.
– Bom – começo, gaguejando – acho que deveríamos ir para onde você me capturou, e partir dali.
Então, seguimos por caminho sinuosos, corredores apertados, vielas, até que encontramos o mar de gente morta. Tenho que me segurar para não vomitar mais uma vez.
– Os rebeldes estão indo longe demais – diz um homem de pele morena clara, e longos cílios azuis enquanto se aproxima de Carolynn.
– Tenho que concordar com você Bruce – ela diz, paralisada com o choque, como todos. É uma mistura nauseante de corpos. É possível distinguir os pacificadores em seus uniformes antes brancos, agora tingidos de vermelho, de sangue. Os moradores da capital, com suas roupas espalhafatosas, ficando ainda mais ridículas enterradas em sangue e neve. E há também alguns rebeldes mortos, em suas roupas escuras, demonstrando dignidade por serem os únicos a não parecer sangrar, devido as roupas grossas e pretas. Com minha visão periférica, vejo um movimento próximo ao nosso grupo, e num instinto selvagem e desconhecido, atiro no que só depois, percebo ser um pacificador ferido, o matando de uma vez. Conforme avançamos, em completo silencio, vemos a devastação das armadilhas e do combate. O resultado? São corpos. Para todos os lados que se olhe. Passamos por um bando de pessoas que parecem terem sido cozinhadas vivas, encontramos pessoas sangrando por todos os orifícios. Alguém do nosso grupo vomita. E eu tento manter minhas pernas firmes, com o único propósito de encontrar Katniss. Vamos seguindo o rastro de morte, sabendo que é mais seguro, pois os pacificadores não devem estar por aqui. Uma grande cratera com odor fétido interrompe nosso caminho, então seguimos Carolynn numa rota alternativa, até a mansão de Snow. É nesse momento quando entramos em mais um dos becos da capital, que eu escuto um grito.
– Vocês ouviram? – sussurro. Todos assentem.
Um homem de lábios amarelos aponta para dentro de um apartamento, de onde provavelmente vem os gritos. Deveríamos apenas seguir em frente, mas outro grito tira minha determinação.
– Você quer ver o que tem lá? – Carolynn murmura.
– Eu não sei. Isso pode nos meter em confusão. Mas, e se for um dos meus lá dentro?
Ninguém opina, então eu decido prosseguir. Mas é algo muito ruim, saber que alguém está sofrendo, e não fazer nada para impedir.
Quando me viro para voltar, Carolynn me lança um sorriso.
– Por um momento achei que você não ia voltar, e isso estava me assustando.
– Eu ainda tenho um pouco de humanidade – brinco, com uma dose amargura.
– Aposto que você ainda tem mais isso, do que nós todos – ela retruca.
O brutamontes de nosso pequeno grupo de 5 pessoas decide ir na frente. Não quero prestar muita atenção em minha nova esquadra, para não sofrer demais quando houver perdas. Então nem seu nome eu fiz questão de saber. Os gritos vêm de fato daqui, deste apartamento, e estão bem perto agora. Faço sinal para a porta do banheiro, onde é possível ouvir as vozes.
– Onde ela está? Nos diga ou você morre! – um homem grita.
– Eu nunca lhes direi – alguém responde, e outro grito preenche o ambiente.
Droga. Eu reconheço essa voz. Droga, Gale.
– No três – sussurro.
– Um, dois – Carolynn começa.
– Três – digo, e adentramos o banheiro numa explosão de adrenalina e tiros. Atiro aleatoriamente tomando apenas o cuidado de atirar nas pessoas de branco. Atiro, sem parar até que uma mão toca meu ombro.
– Está acabado, Peeta – Carolynn sussurra. – Está tudo bem.
Não entendo porque tanta preocupação, até que percebo que estou tremendo. Olho ao redor, e quatro corpos jazem no chão. Três, vestidos de branco. Um, vestido com um sobretudo azulado. Não olho muito para os cadáveres, e muito menos, para Carolynn enquanto ela lamenta sua perda. Este era Bruce. Eu sabia seu nome. Gale está encostado junto a parede, ofegante e ensanguentado. Eu o ajudo a levantar. E mesmo em estado deplorável, ele percebe o tremor em meu corpo. Não posso perder o controle. Não agora. Cerro os dentes, e avanço com ele para fora do apartamento. Seguido pelo restante da minha nova esquadra.
– Era pra você estar com Katniss – digo, sentindo a familiar raiva crescer. – Você mesmo disse que teria Katniss, caso fosse pego.
– Mudança de planos – ele responde, e cospe uma bola de sangue no chão.
– Ótimo e onde ela está agora? – grito, num misto de raiva e frustração.
– Qual nosso destino? – Carolynn pergunta, assim que sai do apartamento, seus olhos arregalados demais na intenção de não chorar.
– Katniss – Gale começa, com dificuldades para falar. Eu o sento encostado na parede, e espero pacientemente ele tomar folego. – Katniss foi para a mansão.
– Disso nós já desconfiávamos – Carolynn esbraveja, nada compadecida com a situação de Gale. Seu modo líder está de volta.
– Você não pode seguir com a gente Gale – me pego dizendo. De onde estamos, é possível ver o contorno da mansão. E eu preciso chegar lá o mais rápido possível. Gale teimosamente se põe de pé.
– Quem são esses, aliás? – ele pergunta, lançando um olhar nada amistoso para Carolynn.
– Longa história, mas são confiáveis. Acho – respondo.
– Acho? – Carolynn grita. – Pelo amor Peeta, você quer mais provas?
– Ok, me desculpe, mas estamos perdemos tempo – respondo, na defensiva.
– Certo. Tenho uma ideia, nos dividimos em dois grupos, cada grupo vai por um lado da cidade circular afim de vasculhar cada lado do pátio da mansão – Gale propõe.
– Mas você está muito machucado – protesto.
– Eu sei os meus limites – ele diz, ríspido.
Ficamos nesse impasse, por alguns minutos, até que eu decido aceitar. Não antes de colocar a pílula da morte de volta em seu bolso.
– Você parece precisar disso, mais do que eu – digo, e relutante ele não a devolve.
Com os grupos divididos, nos separamos e marchamos na velocidade mais rápida possível. Fiquei com Carolynn, claro, e um homem alto, e esquelético, em meu grupo. Logo, alcançamos civis que também estão indo para a mansão de Snow em busca de abrigo, então fica fácil de se misturar. Apesar de eu estar sem minha peruca, o capuz do sobretudo cobre meu rosto parcialmente, o que não gera desconfiança pois pode ser justificado pelo frio cortante. Há pacificadores por toda a parte guiando as pessoas de uma maneira nada gentil. Meu coração está descompassado. Eu sinto que tenho que avançar mais rápido. Um aerodeslizador com a insígnia da capital passa num voo baixo sobre nós.
– Isso não pode ser bom – Carolynn murmura.
Avanço mais rápido, e tenho que me controlar para não gritar Katniss, ou para não arrancar meus cabelos. Procuro um sobretudo vermelho, o que ela estava usando, mas não vejo em nenhum lugar. Torço para que Gale tenha mais sorte. Chego a cidade circular, que cheira desalento e morte. Agora é questão de pouquíssimo tempo até chegar a mansão. Posso até ouvir um tique-taque na minha cabeça. É então que ouço um terrível barulho de explosão, e sei de onde vem. Institivamente faço a única coisa que vem a minha mente. Corro.


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