Hold On escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 3
Capítulo Três - Sozinhos


Notas iniciais do capítulo

Oi!!!
Desculpem pela demora, estamos muito ocupadas ultimamente.
Agora a história começa a ganhar um foco, esperamos que gostem do que está por vir.
Muito obrigada pelos comentários!
Boa leitura!



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– Corre!

O grito dele bastou para que mais uma vez ela começasse a andar depressa em direção à mata fechada. Já havia perdido a conta de quantas vezes tinha escutado aquela mesma ordem nos últimos dias, e foram longos e exaustivos dias, tanto que ela tinha parado de contar depois do sexto. O fato era que já havia semanas que Beth Greene corria sem parar pelos arredores da capital da Georgia. Os motivos eram os mais diversos possíveis, desde manadas gigantescas, oriundas do centro, até policiais do hospital e animais selvagens que estavam próximos demais da cidade.

O primeiro dia fora o pior de todos, sem sombra de dúvidas. Sem armas e mantimentos notáveis, Noah e Beth saíram o mais rápido possível da cidade, antes que qualquer um pudesse dar falta dela ou que o policial inconsciente acordasse, se acordasse. Parar estivera fora de questão desde então, exceto nos casos especiais que Noah havia estabelecido, todos aparentemente criados para benefício da loira, para que ela tivesse tempo de descanso ou que encontrassem algo que servisse de alimento para ela. Isso não a agradava nem um pouco, o afro-americano parecia tratá-la como se fosse uma pequena criança que carecia de cuidados e observação vinte quatro horas por dia, e por mais tantas horas que aqueles dias intermináveis perdurassem. Mesmo um tanto indignada com essa condição e sem poder reclamar do tratamento, ela não tinha tanta raiva dele, estava preocupada demais com Noah para isso.

Sua perna esquerda estava ruim desde que ele caíra do fosso do elevador, e parecia estar pior a cada dia que se passava. A parte mais incômoda de tudo era que nenhum deles sabia como tratar a ferida interna, nem tinha recursos para isso. A cada passada Noah parecia mais e mais cansado e manco, embora se recusasse a parar, como um velho pertinaz que demoraria muito para assumir que precisava de um descanso. Todos eles necessitavam.

Mesmo que ambos estivessem mais do que exaustos, Greene sabia que parar seria muito arriscado. Principalmente naquele instante, quando uma manada perto da rodovia rumava em direção à floresta densa. Sem noção nenhuma de espaço, ela apenas adentrava em meio às raízes grossas que convidavam os sobreviventes desatentos a um tropeço e à terra compacta, na esperança de que o grande número de mordedores se dispersasse no labirinto que eram aquelas árvores. Era incerto, mas era a única saída viável no momento.

Seu corpo fatigado apresentava uma pequena melhora em relação ao dia anterior, assim como o inchaço da bochecha desaparecera e os pontos dos dois cortes começaram a cair. Naquela noite, sentados na base de uma árvore úmida e repleta de insetos, Noah sugerira que Beth retirasse o gesso da mão direita para facilitar na locomoção e tirar aquele peso, mesmo que não soubessem o estado da fratura. A loira tinha suposto que deveria ter se passado um mês desde que o gesso fora introduzido ao redor de sua mão, uma vez que não sabia quanto tempo havia passado desacordada. Com a ajuda de bastante água e uma faca que fora encontrada três dias antes dentro de um carro velho sem pneus, o ato fora concretizado, o que trouxera à jovem uma sensação boa. Apesar da dormência incômoda da mão, aquilo tinha dado a ela mais liberdade e agilidade na corrida, sem deixar de tomar os cuidados necessários em relação à fragilidade dos ossos.

A garota se obrigou a parar por alguns segundos para respirar, apoiando as mãos nos joelhos enquanto forçava o ar a entrar em seus pulmões pela boca. Seus olhos azuis se depararam com o céu alaranjado e meio rosa, pintado pelo pôr do Sol. Era um luxo esquecido havia muito tempo. Estranhamente, aquilo reviveu suas memórias de casa e das pessoas com quem compartilhara aquele espaço. Não era tão estranho assim, já que, naquela época, Beth sempre pudera admirar o fim da tarde sem preocupações, o que a surpreendeu foi o fato de associar a prisão à sua casa. Tinha passado tanto tempo atrás daquelas cercas que se habituara ao local. Sentia falta de sua cela e, sobretudo, das pessoas com quem convivera em uma época que parecia tão distante como fragmentos de recordações da infância.

Greene não teve muito tempo de distração, logo os gemidos se tornaram mais próximos, indicando o avizinhamento dos andarilhos. Ela se escondeu atrás da árvore menos distante e mais larga, puxando a faca do bolso para matar os que se aproximavam, caso se tratasse de uma quantidade razoável. Olhando para a mão esquerda armada, a jovem percebeu como se sentia preparada. Sabia que faria o que fosse necessário... Mas o que era o necessário? Beth sabia que existia um limite que não ultrapassaria, contudo ainda não sabia onde era isso, e nem pretendia ter que descobrir.

Foi pensando nisso que se lembrou do policial que atacara dias antes para salvar Noah. Estaria ele morto? Era algo que a loira estava certa de que nunca descobriria, embora tal ideia frequentasse e assombrasse sua mente constantemente. Uma obra indiscutível para ela era o assassinato de Gorman, se aquilo poderia mesmo ser chamado de assassinato. O cadáver de Joan não tinha culpa, portanto era efetivo que a causadora, direta ou indireta, era da filha mais nova de Hershel. Além disso, havia o paciente que Stevens a induzira a matar; talvez aquele não pudesse ser considerado. Para esquivar-se de conflitos internos consigo mesma, Beth evitava pensar naquilo. No final das contas, Noah e ela estavam vivos, isso era o importante.

Por alguns instantes, ela simplesmente desejou não estar mais ali, voltar para sua casa e pedir um conselho ao seu pai, ou até mesmo a Maggie. Ela certamente saberia o que fazer, saberia como agir, já havia passado por situações no mínimo semelhantes em relação a matar pessoas e era sua irmã mais velha, aquela com quem sempre poderia contar caso quisesse tratar de um assunto íntimo de mais para abordar com o velho Hershel Greene... Todavia, Maggie não estava mais ali. Nem mesmo sua mãe ou o padre que sempre fora tão caloroso para com ela nas muitas vezes em que tinham se encontrado na igreja próxima ao colégio, sempre aos domingos. No fim de tudo, não tinha mais ninguém com quem contar, estava por conta dela mesma. Não haveria mais ninguém para responder suas dúvidas, nem mesmo aquela que a deixava tão aflita. No final das contas, estar viva justificava tanta matança?

Contudo, ela não estava sozinha. Tenho que me lembrar de Noah, ele precisa de mim, precisa de alguém que o lembre de que ele é importante e que não pode viver apenas para me manter a salvo... e eu também preciso dele. Seus pensamentos foram povoados pela imagem de seu amigo afro-americano, que havia sumido até então. Teria ocorrido algo com ele? A loira pensou em gritar, porém não era a saída mais sensata, além de ser um chamado em vão poderia atrair a atenção dos inúmeros seres que se esgueiravam pelas sombras, prontos para apanhar suas presas, aguardando apenas um deslize vindo delas.

Saiu de seu falho esconderijo e andou calmante na direção do som que ouvira minutos antes, com os ouvidos a postos e preparados para escutar o mais baixo dos sons, tal como seu amigo caçador havia lhe ensinado. Os passos calculados, a faca em posição de ataque, os movimentos silenciosos e a respiração compassada eram as únicas coisas que lhe restaram de Daryl Dixon, só seus ensinamentos poderiam trazê-lo de volta à memória. Sem saber o porquê, Beth tinha a certeza de que ele estava vivo.

Ela deu mais alguns passos, os vultos claudicantes estavam cada vez mais próximos e claros. E nada de Noah. Eram aproximadamente trinta errantes, talvez menos se a sua mente estivesse apavorada de mais para enxergar direito. O Sol também a abandonara, sem deixar um resquício de luz para ajudá-la. A jovem estava sozinha, sozinha e assustada. Sentiu a faca deslizando de sua mão esquerda devido ao suor, então a agarrou com mais força, se perguntando sobre a utilidade do objeto cortante perto de dezenas de mandíbulas descontroladas que não tinham nada a perder. A mão direita ainda fazia movimentos grosseiros e desajeitados pelo tempo de desuso, por isso optara por continuar com a canhota, à qual estava mais habituada. Podia ouvir claramente a canção desafinada entoada pelos caminhantes, acompanhada pelas passadas desajeitadas que pisoteavam a terra macia. Não ventava, estava quente e úmido, ou talvez ela só estivesse cansada depois da corrida. A loira havia sido completamente consumida pela sobrevivência, e naquele momento, chegou a se perguntar se havia passado por tantas provações em vão.

Forte como Maggie, ela pensou enquanto agarrava a faca com mais força ainda, determinada a lutar. Sensata como Rick. Sábia como papai. Fria como Daryl. Astuta como Carol. Corajosa como Carl. Furtiva como Glenn. Feroz como Michonne. Pensando nesse mantra, Greene começou a se aproximar da horda, determinada a acabar com todas aquelas aberrações e encontrar Noah. Ela já havia crescido, não era mais uma garotinha indefesa, estava na hora de se virar sozinha, sem seu pai, Maggie, os moradores da prisão, Daryl ou Noah para assisti-la e lhe dar conselhos. Eu consigo.

Seguiu rapidamente para o flanco direito, já com um plano em mente. Ela pretendia abater um a um pacientemente, a fim de ir reduzindo o número deles. Se os vivos tinham uma vantagem sobre os mortos, essa vantagem era o cérebro. Os primeiros foram os mais difíceis, de perto a manada era mais assustadora, se movimentando como uma massa viva, barulhenta e estabanada. Conforme os dez primeiros caíram, a tarefa se tornou mais repetitiva que complicada. Vez ou outra precisava recuar para aumentar a distância entra ela e eles, e usava as árvores como escudo repetidas vezes. Outro fator positivo eram os próprios mortos que não estavam vivos, a jovem andava em círculos pela região, como se estivesse em uma arena, e não raros eram os momentos em que errantes tropeçavam nos restos mortais de outros, criando um pequeno efeito dominó.

Porém, com o passar do tempo, o braço da loira se cansava mais, dificultando o ato de arrancar a lâmina dos crânios perfurados. Beth não se lembrava quanto tempo havia se passado, nem quantos passos havia dado desde então, só sabia que se sentia bem fazendo aquilo. Sempre que ouvia um corpo caindo no chão, aumentava a sensação de que era capaz. E ela era mais forte do que nunca, como se fogo queimasse dentro dela. A garota parou para observar a pavorosa cena de morte que lhe dava uma estranha sensação de prazer, tudo por conta de sua pequena vitória, insignificante aos olhos de um sobrevivente apto, no entanto poderosa para ela. Não se dera conta de como havia feito aquilo, só sabia que tinha feito.

– Beth! – escutou Noah exclamar, sem fôlego, antes mesmo de vê-lo surgir em meio à mata. Estava terrivelmente cansado, com olheiras notáveis em volta dos olhos escuros, indicando várias noites mal dormidas, se é que ele tem dormindo mesmo depois disso tudo. Sua pele negra brilhava na escuridão, repleta de suor, e suas roupas estavam grudadas junto ao corpo, como se tivesse acabado de fugir de uma chuva de verão. Ela não ficava atrás nesse quesito, podia sentir o suor escorrer nas laterais de sua face e o sangue podre impregnado em seu corpo. – Estamos...

– Sozinhos – Beth completou, já que seu amigo acabou por perder o fôlego. Até que enfim estamos sós. – Onde você esteve?

– E onde diabos você se meteu, Greene? – ele soou bastante revoltado, e Beth até teria achado aquela preocupação cômica, se não tivesse acabado de provar para si mesma que era perfeitamente capaz.

– Eu corri, foi isso que você me mandou fazer.

– Sim, eu mandei você correr, só não mandei que sumisse mata adentro! Já pensou no que poderia ter acontecido? Eu pensei que você...

– Eu sei me defender, sei muito bem como matar um errante e sei como me virar. Não preciso de uma babá! – a última fala havia saído sem pensar, a loira só notou o que tinha dito quando viu a expressão de preocupação e raiva sumir do rosto de Noah, dando lugar ao desapontamento. Ela se sentiu um tanto ingrata e mal-agradecida, portanto decidiu reiniciar a conversa amigavelmente para tentar esquecer aquelas palavras. – E você? Também tem que tomar cuidado. Eu sei que você está cansado, Noah. Só quero dizer que não precisa sair por aí atraindo manadas, buscando comida e me vigiando enquanto durmo. Quando você vai começar a tomar cuidado e se proteger?

– Eu estava desviando a horda. Estou te protegendo, é isso que eu faço!

– Noah, eu sei disso. Sou muito grata por ter você por perto. O que seria de mim se você não tivesse vindo ao hospital? – ela foi até ele, deu alguns passos em direção ao norte até ficar frente a frente com o amigo. – Só quero que também pense em você, na sua perna. Estamos todos cansados. Se eu preciso de descanso, imagine você! Só quero que pare de me colocar em primeiro lugar. Se eu viver, você também vive, certo?

O silêncio tomou conta do lugar, e Noah se limitou a concordar com a cabeça e depois mantê-la abaixada. Quando Beth notou que sua mão estava no ombro dele, não sabia mais quanto tempo ficara ali, nem quando a colocara, mas não a tirou de lá. De certa forma, aquele braço de apoio era muito mais que um conforto ou uma tentativa de se manter firme depois da corrida e de toda aquela matança, aquilo simbolizava a aliança que havia se lapidado depois de tantas semanas juntos. Um dava sustento ao outro, um fazia com que o outro continuasse e não jogasse a toalha. Noah era a rocha em que Greene se sustentava, e Beth era a rocha que sustentava o afro-americano.

– Vamos sair daqui! Esse cheiro está de matar!

A loira atendeu a seu pedido depois de dar uma leve risada, que tecnicamente confirmava o que o colega havia dito. Os dois caminharam lado a lado, sem uma direção específica. A jovem teve a impressão de que estavam indo para o mesmo local onde parara para admirar o pôr do Sol. Não importava, era impossível ter certeza, já que, para ela, aquela floresta estava repleta de árvores totalmente idênticas.

A dupla se estabeleceu em uma pequena elevação, que não deveria estar mais de meio metro acima do restante da floresta, dando a eles um campo de visão minimamente maior que no resto do ambiente. O jovem a deixou ficar com a primeira vigia, mostrando que ouvira as palavras dela e concordara.

– Então... Eu acho que não consigo dormir – Noah disse por fim com o olhar fixo no céu sem estrelas, e ao mesmo tempo um tanto distante. Ele estava deitado com a cabeça apoiada na mochila, mas com certeza não era a mesma coisa que um travesseiro.

– Tente dormir – Beth sugeriu, quando na verdade queria ter ordenado.

– Acha que não estou tentando? – ele deu uma risada fraca, exaltando toda a sua exaustão.

Mais do que cansado, morto de cansado, se é que isso é possível. Mesmo com todos os músculos clamando por um descanso, o corpo simplesmente não desligava, continuava funcionando a todo o vapor. Ao mesmo tempo, tinha certeza de que, se não conseguisse dormir pelo menos aquela noite, seu organismo apagaria por pelo menos três dias. Não queria ser um problema e mesmo assim estava sendo, Beth tinha lhe dado o ultimato naquele início de noite. Sua perna doía, suas pálpebras ardiam clamando para serem fechadas e seu estômago parecia revirar com o pouco alimento que havia recebido. E, tentando contornar tudo isso, ele havia se mantido de pé, para ajudar e proteger Beth, e acima de tudo, não ser um inválido.

– Bem, acho que não. Feche os olhos e relaxe.

Estou numa colônia de férias no Taiti e acabei de conhecer a garota da minha vida, Noah debochou mentalmente, tentando se imaginar daquela maneira enquanto voltava o olhar para a sua amiga. Em tempos duros como aqueles, um homem precisava ter um pouco de humor. Ela estava sentada com seus braços apoiando todo o peso do corpo, inclinando-o para trás, mas parecia confortável na posição. Os orbes azuis estavam fixos nas árvores à frente e sua mente parecia estar preparada para receber qualquer sinal de movimentação externa.

– Ainda tem que me contar com aprendeu todas essas técnicas de sobrevivência na floresta. Parece uma profissional.

– Um amigo me ensinou – ela respondeu sem olhá-lo. Pareceu-lhe um tanto perdida em seus próprios pensamentos, a simples menção a esse amigo poderia ter feito com que diversas lembranças surgissem na mente dela, tal como ele pensava em seu pai morto ou no restante de sua família em Richmond.

– Foi com seu amigo que ganhou essa cicatriz? – o afro-americano indagou tentando puxar assunto e descobrir algo sobre a marca que atiçara a sua curiosidade no momento em que a vira, dias antes. Obviamente, aquilo apenas matou a conversa, pois o olhar da loira foi para o pulso esquerdo e, logo em seguida, se desviou nervosamente para a floresta.

– Não – ela se limitou a responder, deixando bem claro que não estava disposta a falar mais. Sua voz fora fria e, ao mesmo tempo, denotara desconforto. O jovem pensou em se desculpar ou algo do tipo, contudo percebeu que deveria ficar calado. Embora aquilo o tivesse deixado mais curioso em relação à origem da cicatriz, ele percebeu o quanto fora tolo por ter dito aquilo. Deveria ser algo muito pessoal para ela, uma lembrança difícil. Algo que a machucou muito.

Seu estúpido. Pensou por fim, antes de virar de costas para a amiga cada vez mais perdida em seus pensamentos e tentar dormir mais uma vez.

– Por aqui – Beth anunciou apontando para uma direção qualquer, sem nada de especial. Noah pensou em perguntar como ela sabia que estava, entretanto desistiu. Obviamente a loira também aprendera aquilo com o amigo mencionado na noite anterior.

A jovem continuava sendo canhota, e ele pensou que isso poderia torná-la ambidestra no futuro, quando sua mão direita estivesse recuperada. Greene andava rapidamente, com os olhos fitos no chão e atenta a qualquer som que escutava. Em momento algum ela voltara atrás no caminho que seguia, o que dava a ele certo otimismo. Apesar disso, os dois estiveram fazendo aquilo havia horas, e até então não obtiveram resultado algum.

A caçada tinha começado quando Noah vira, de relance, um cervo a metros de onde passaram a noite. Era um animal bonito, pardo, de patas longas e rabo curto. O quadrúpede tímido havia fugido assim que seus olhos negros encontraram os dois. A possibilidade de uma refeição farta como aquela animara a dupla, por isso resolveram ir atrás do veado. Beth havia se mostrado muito habilidosa na caça, seguindo cautelosamente rastros do animal que eram invisíveis para ele. A maneira como abateriam a presa, porém, permanecia um mistério. Só possuíam uma faca e muita fome, por isso o otimismo falava mais alto e os dois não quiseram pensar nisso.

Noah a seguiu sem questionar, coxeando enquanto tentava acompanhá-la. Eles não haviam conversado muito, Beth dissera que o silêncio os ajudaria a ouvir os sons do veado. Inicialmente, o afro-americano pensara que a garota estava tentando ignorá-lo, ideia que tinha desaparecido fazia muito tempo. O sorriso que ela lhe dera fazia mais de uma hora tinha mostrado que ela havia esquecido ou perdoado o que acontecera na noite anterior.

Eles não puderam deixar de se animar quando viram o veado, imponente e desatento, mirando a paisagem sem se dar conta da presença humana a alguns metros. Cuidadosamente, Beth começou a se aproximar. Seus passos eram inaudíveis e ela prendia a respiração, com medo de ser escutada. A faca estava discretamente erguida, tudo o que a loira precisava fazer era se aproximar mais um pouco e dar o bote. Noah optou por ficar parado, ele sabia que não era tão hábil quanto a companheira. Greene estava a dois passos do seu objetivo quando o cervo virou a cabeça abruptamente, encarando a jovem por uma fração de segundo antes de sair em disparada.

A paciência da garota se esgotou naquele momento, e ela começou a correr atrás do animal. O afro-americano não teve opção a não ser segui-la, sentindo agulhas espetarem seu tornozelo a cada passo. Não tardou muito até que a presa sumisse do campo de visão de Beth, fazendo com que ela parasse a perseguição para respirar frustrada com a falha. Noah fez o mesmo assim que a alcançou, mas não se demorou muito.

Havia um caminho de terra batida rodeado por cascalhos, que serpenteava no meio das árvores até sumir de vista. Todo caminho leva a algum lugar. Com esse pensamento em mente, o jovem se recompôs e começou a caminhar pela trilha, pensando a que fim ela levaria. O veado tinha sumido, mas aquela pequena passagem tinha o levado a uma casa simplória de dois andares, quase que imperceptível no meio da mata, exceto pelos convidativos raios solares que a iluminavam, como se chamassem a dupla para entrar na residência.

Noah a olhou animadamente indicando a habitação com a cabeça. Parecia muito esperançoso com a possibilidade de um lugar para se deitar e até mesmo encontrar água e comida. A construção tinha uma pesada porta de uma madeira que a loira não conseguiu identificar, porém tinha um aspecto sólido e macróbio, as paredes eram cinzentas e cheias de ramos verdes crescendo em direção ao telhado marrom escuro, se assemelhando a veias.

– Acha que vale a pena?

– Vamos dar uma olhada – Beth disse por fim. Não se deu conta de que as posições haviam se invertendo, ela estava no comando.

Só foi preciso um giro rápido na maçaneta um tanto enferrujada para notar que ela estava trancada. Isso poderia significar várias coisas, no entanto para Greene era a certeza de que quem quer que tivesse morado naquela casa já havia ido embora fazia muito tempo, a residência estava abandonada em meio à mata fechada. Por sorte, ou descuido dos antigos moradores, a janela fechada não estava travada, assim era possível abri-la pelo lado de fora.

Vamos lá. Pensou enquanto empurrava a moldura de madeira ao redor dos vidros para cima, percebendo que era mais pesada do que parecia. Ela passou o corpo pela abertura com certa dificuldade, saindo exatamente encima de um sofá de couro escuro. Não reparou muito no cômodo, apenas saiu do sofá e ficou ao lado da mesinha de centro, esperando por seu amigo que possuía mais dificuldades para superar seu obstáculo. A perna de Noah necessitava de cuidados urgentes.

– Podemos passar o dia aqui até resolvermos o que fazer. Fique aqui enquanto eu... – Greene foi interrompida pelo som que o couro fez ao ser atingido pelo corpo do afro-americano. Ele caíra no momento em que tinha conseguido passar a perna deficiente pelo buraco, e o barulho havia sido alto o suficiente para ser escutado em qualquer local da casa.

Inicialmente, ambos ficaram parados. Caso houvesse errantes no ambiente, eles viriam até a sala de estar e Beth poderia abatê-los facilmente, dependendo da quantidade. O que fez seus corpos congelarem, na verdade, foi outro ruído. Era claro que uma chave acabara de ser girada, seguida por uma maçaneta rodando e uma porta se abrindo.

Mordedores não faziam aquilo.

Uma figura surgiu no topo da escadaria, com passos arrastados e um olhar sonolento. Seus cabelos com nós noturnos estavam completamente despenteados, com fios loiros arruivados apontando para todas as direções. Suas vestimentas eram compostas por uma blusa longa de manga comprida com tom rosa extremamente claro que praticamente cobria o short preto curto, deixando suas pernas quase que totalmente à mostra. A estampa da blusa mostrava um gato cinza de listras negras com um chifre espiral na testa, seguido pelos dizeres “Eu sou um unicórnio”. O jovem teria rido daquilo se não estivesse tão assustado com a presença da mulher, que deveria ter pouco mais de vinte anos.

Seus olhos azuis passaram de Beth para Noah, e de Noah para Beth, sem demonstrar emoção alguma além do sono. Então ela olhou para baixo, se dando conta da sua aparência, e pareceu envergonhada.

– Isso é realmente constrangedor...


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Notas finais do capítulo

O que vocês acharam? Deixem suas opiniões, sugestões, palpites ou críticas!
Por mais que o grupo de Rick não esteja presente, eles sempre estarão nos pensamento da Beth, e isso influenciará na jornada da personagem.
Caso alguém tenha ficado curioso sobre a aparência dessa nova personagem, que será conhecida no próximo, aqui está: http://33.media.tumblr.com/64d6381675ec86cc3b5e17261f699e14/tumblr_nd0y90ME3a1rotqbvo1_250.gif
Até o próximo! Tentaremos postar o mais rápido possível!