Evolution: Parte 2 escrita por Hairo


Capítulo 10
Etton


Notas iniciais do capítulo

Segundo ginásio, galera! Um pouco diferente do primeiro...

Espero que gostem!



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A chuva caia torrencialmente do lado de fora do prédio onde Dave se encontrava e vinha acompanhada pelo irritante e persistente som das velozes gotas d’água se chocando com a cobertura de metal, como se fossem pequenos pedaços sólidos de pedra. O barulho servia apenas de plano de fundo para a tensão que reinava naquele ambiente, enquanto o treinador e seu Pokémon ficavam no lugar onde eles se sentiam mais desconfortáveis: sentados na arquibancada assistindo uma batalha.

Ao seu lado, Jake roia as unhas nervosamente enquanto observava os Pokemons combatentes se postarem para a luta. Mindy iria lutar com sua Nidoran fêmea, enquanto Dumont, o líder do ginásio de Etton, escolhera batalhar com um Dodrio. O jovem aspirante a pesquisador sabia bem que se não fosse sua habilidade de falar incansavelmente, o líder não teria concordado em lutar com pelo menos um dos visitantes aquele dia. “Já tive três desafiantes diferentes só hoje e ainda não é nem a hora do almoço. Meus Pokemons precisam descansar” dizia ele. Mas no final, ouvir ao longo e insistente discurso do garotinho de Auburn acabou sendo mais cansativo do que qualquer outra coisa, de modo que ele concordou em realizar apenas mais uma batalha aquele dia, simplesmente para que o menino parasse de falar.

Enquanto observava o juiz ditando as regras de um contra um sem limites de tempo, Dave ainda se remoia por não ter escolhido coroa. Ele a sua amiga haviam decidido na moeda quem enfrentaria o líder aquele dia e quem teria que esperar até o dia seguinte. O garoto estava decidido a escolher coroa. Escolheu cara. Agora sentava com Eevee em seu colo na arquibancada ao lado da arena, esperando pelos primeiros movimentos daquela disputa.

Mindy começou impetuosa como sempre, comandando um ataque de investida que serviria apenas para confirmar a velocidade do Pokémon multipolar que a encarava do outro lado do campo. Se o ambiente não estivesse tão denso e cercado de um clima decisivo, a cena poderia ser considerada cômica por quem visse a pequena Nidoran correr em direção a ave que tinha várias vezes o seu tamanho. Mas a treinadora não se intimidou pelo tamanho. De fato, escolhera aquela pequena Pokémon exatamente pela maior mobilidade que ela lhe proporcionaria frente ao forte e rápido Dodrio.

Estou acostumada a lutar com o Doduo dos Rockets, esse Dodrio vai ser só uma questão de adaptação. Pensava ela, enquanto ordenava mais um ataque investida contra o Pokémon adversário, que simplesmente se desviava e ganhava distância pulando para o lado. A menina encarou desafiadoramente Dumont no outro extremo do campo de batalha, tentando ler na mente do calmo treinador de óculos o que ele pensava, mas a aparência intelectual do jovem líder apenas disfarçava uma forte reputação que ele possuía na cidade e Mindy decidiu que não esperaria para vê-la aflorar. Ela iria forçá-lo a agir.

– Nidoran, investida mais uma vez!

A Pokémon venenosa obedeceu e mais uma vez o movimento de defesa foi o mesmo, mas dessa vez Mindy quebrou a rotina das duas tentativas anteriores. Enquanto Dodrio ainda estava no ar pulando para longe, ela ordenou mais um ataque.

– Espinhos venenosos, agora!

O ataque feito à distância conseguiu atingir o alvo, que sentiu o impacto do golpe, mas resistiu como se nada o tivesse atingido.

– Boa jogada – disse Dumont, ajeitando os óculos redondos em seus profundos olhos cavados. – Acho que não vou precisar pegar leve com você.

Um sorriso surgiu na boca da menina enquanto absorvia aquelas palavras. Nem ouse pegar leve comigo...

– Dodrio, por que não começamos com o ataque rápido?

Mal seu treinador acabara de ordenar o ataque e a Nidoran de Mindy já sofria o impacto de um dos três bicos da ave Pokémon, enquanto uma passava pela outra em alta velocidade. Mindy se assustou com a incrível rapidez de seu oponente. Se ela pensara em mobilidade, tinha pensado nisso a toa.

Enquanto perdia alguns segundos assustada, pensando no que fazer, Nidoran foi atingida mais uma vez, o que forçou sua treinadora a, com medo de ver sua batalha ser jogada para o alto, fazer a primeira coisa que lhe veio à cabeça.

– Ataque rápido também Nidoran, para longe de Dodrio!

Dave sorriu na arquibancada e pensou ter visto a amiga lhe lançar um olhar de canto de olho, mesmo que por menos de um segundo. Ela utilizara a tradicional estratégia do menino de usar a velocidade ofensiva como arma de defesa. Vindo de Mindy, isso era tanto um elogio quanto um mau sinal. Enquanto ela admitia gostar da idéia do rapaz, também admitia que não conseguia pensar em uma saída para sua situação sozinha.

A estratégia funcionou bem e nas duas vezes seguintes que Dodrio ameaçou se aproximar com um ataque rápido, Nidoran conseguiu se desviar com sucesso. Sem perder a pose e o olhar de confiança, Dumont mudou de estratégia com uma só palavra.

– Prendá-o!

O único capaz de compreender a ordem do líder do ginásio parecia ser seu Pokémon, que tinha(m) a(s) única(s) cara(s) de compreensão para o comando, enquanto todos (inclusive a treinadora desafiante) estavam ansiosos para ver o que aquilo significava. A criatura de três cabeças não mudou seu ataque, continuando a executar ataques rápidos de um canto a outro, sempre forçando Nidoran a se afastar rapidamente, mas o que a maioria ainda demorou para perceber era que agora os movimentos eram coordenados e seguiam uma regra. Ele sempre escolhia passar pelo lado direito do seu alvo, forçando-o a saltar para a esquerda. Assim, em alguns ataques, a área disponível para que Nidoran evadisse sem riscos de ser atingido em cheio estava reduzida a alguns poucos metros.

Vendo que estava presa em uma armadilha, Mindy percebeu que teria que fazer alguma coisa para mudar o andamento da luta, caso pretendesse ter qualquer chance de vitória. Observando sua Pokémon presa no que agora era apenas pouco mais de um metro quadrado, ela percebeu que tinha se deixado ficar em encrencas.

Dodrio, não podendo dar espaços para Nidoran, mudou sua movimento ofensivo passando a usar algo que Dave teve que checar sua pokedex para reconhecer. Ela dizia “ataque de depenar: Um ataque tipicamente de Pokemons voadores. Eles usam seus bicos para atacar e puxar a pele do seu oponente como se fossem beliscões. O poder de corte de algumas aves, porém, pode causar sérios cortes em seus alvos”.

–Evasiva! – gritava Mindy da área designada para os treinadores. Agora sim sua escolha estava lhe rendendo frutos. A mobilidade de Nidoran combinada a sua baixa estatura forçava Dodrio a abaixar muito os pescoços para atingi-lo, facilitando o movimento defensivo.

O problema era que uma das cabeças continuava a lhe bloquear o caminho toda vez que a Pokémon tentava passar por baixo das pernas do atacante, obrigando-a a ficar preso em um pequeno espaço. Foi por isso que a menina teve de recorrer ao seu treinamento nos últimos dias.

– Nidoran, lembre-se do que treinamos. Use o Tóxico!

A Pokémon azul, encurralada em um pequeno espaço de campo, liberou um gás por entre os poros venenosos de seus espinhos que rapidamente foi inalado pela ave Pokémon, por estar muito próxima tentando desferir seus ataques. Foi difícil para Dumont esconder a expressão de surpresa com o movimento da garota que há um momento não tinha nem esperanças de vencer.

– Muito bem, agora use o ataque de chifres!

Obedecendo as ordens da treinadora Nidoran avançou contra seu adversário e o atingiu com seu pequeno, porém rígido chifre. O grande Pokémon deu alguns passos para trás e desabou no chão pela primeira vez com o impacto do ataque. Mindy, Jake e Dave pensaram por um momento que a batalha tinha acabado, mas Dodrio logo voltou a ficar de pé, e quem demonstrou espanto dessa voz foi Mindy. Surpresa por ainda ter que lutar, a menina foi mais uma vez imprudente, ordenando que o ataque continuasse. Ele sofreu o impacto dos meus ataques e a essa altura já deve estar bem envenenado...

– Continue com o ataque de chifres!

Mas Dumont tinha outros planos em mente. Ele nunca era atingido pela mesma estratégia por duas vezes seguidas. Em sua voz calma e serena, o líder deu sua próxima ordem.

– Dodrio espere ela se aproximar e use o Impacto Gigante.

Mais uma vez pega desprevenida, a menina se viu desesperada assim que a adrenalina que corria em suas veias lhe avisou que não restava tempo para mandar seu Pokémon se desviar, enquanto ela observava Dodrio caindo com seu pesado corpo por cima da pequena e cansada Nidoran. Impedindo a garota de raciocinar, toda essa adrenalina a fez repassar todo o trabalho que tivera se preparando para essa batalha, todas as horas de treino noturno durante aquela semana. Tudo por água abaixo. O treino! É isso! O mesmo hormônio que a atrapalhara milésimos de segundos antes, agora a ajudou a se lembrar do ultimo ataque que ela estava tentando ensinar para seus Pokemons. Nidoran não havia aperfeiçoado o movimento, mas agora não existia outra saída. A apreensão e nervosismo fizeram com que a menina berrasse alto seu próximo comando.

– CHOQUE VENENOSO!

Dumont parou estático enquanto observava a Pokémon adversária se encolher em seu próprio corpo, já exatamente abaixo da barriga pesada de sua ave, e liberar um tipo de eletricidade estática combinada com a substancia tóxica característica daquela espécie e atingir o alvo em cheio, sem pena. Dodrio soltou uma alta exclamação e despencou por cima de Nidoran, finalmente inconsciente. O ataque tinha sido executado com sucesso.

De qualquer maneira, o alvo caíra por cima de Nidoran e ela havia sofrido o impacto do golpe.

Dumont ainda tentou chamar seu Pokémon de volta o mais rápido que a surpresa e seus reflexos lhe permitiram, mas isso não ajudou a pequena criatura azul a se livrar do ataque. Quando finalmente foi liberada do peso pelo raio vermelho da Pokebola, Nidoran já estava fora de combate.

Todos no ginásio, da arquibancada ao juiz estavam estáticos, com exceção, é claro, de Dumont, que com seus cabelos morenos repartidos para o lado, caminhou em direção a sua desafiante com um breve sorriso no rosto. Tudo ocorrera tão rápido que os poucos espectadores não conseguiram ver quem havia perdido primeiro. Ao passar pelo juiz, o líder disse bem claramente:

– Considere essa um empate.

Sem saber o que fazer, o homem concordou e levantou as duas bandeiras, indicando um empate técnico entre os dois lutadores. Dave e Jake ficaram sem entender, mas Dumont teve a decência de parabenizar sua oponente.

– Você venceu – disse ele em voz baixa, enquanto mexia no bolso procurando uma de suas insígnias da pluma.

– Venci? – A menina estava estarrecida com o final inconclusivo de seu desafio.

– Venceu. – O sorriso de meia boca ainda brincava na ponta de seus lábios - Sua Nidoran conseguiu atingir meu Dodrio antes de ele cair por cima dela. Ele ficou fora de combate primeiro, logo, você venceu.

– Mas... Você acabou de dizer pro juiz...

Dessa vez ainda mais baixo, o jovem que não aparentava ter mais de 20 anos de idade se aproximou de Mindy e lhe explicou ao pé do ouvido.

– O pessoal aqui não costuma tratar bem quem me vence, então eu preferi te dar essa vantagem e os deixar pensar que foi um empate. Gostei de você.

A menina corou.

O... Obrigada – disse sem jeito.

– Você mereceu, parabéns – e com um largo sorriso no rosto, o moreno de óclinhos redondos lhe botou na mão uma insígnia que tinha um circulo com duas asas de metal se fechando sobre ele.

Da arquibancada, de pé, Dave observou tudo com um olhar de confusão e desaprovação. Queria estar lutando em vez de assistindo, não entendia por que Dumont considerara a luta um empate e mesmo assim entregara a insígnia, mas, principalmente, não entendia o porquê de aquele rapaz necessitar dizer qualquer coisa tão próximo ao rosto da amiga. O que é que ele pensa que está falando para ela? Segredos? O rapaz nunca esteve tão decidido a vencê-lo no dia seguinte.

Ao seu lado, Jake mantinha a mesma expressão, sem, porém poder dizer que estava incomodado com a batalha, afinal ele não era um treinador. Para ele pouco importava quem vencesse desde que seus amigos levassem a insígnia. Mas aquele jovem e inteligente líder de ginásio, que lhe inspirara até certa admiração durante a luta, caíra no conceito do menino assim que ele postou seu rosto a menos de trinta centímetros do rosto de Mindy. Jake não entendia o porquê, e até se assustara com o fato, mas não podia negar que agora sentia uma forte repulsão pelo justo líder do Ginásio de Etton.

***

Depois do almoço aquele dia Dave resolveu sair sozinho, apenas com Eevee em seu ombro, sem alertar nem chamar a atenção dos outros amigos. O menino estava preocupado com a luta que o esperava no dia seguinte, mas não entendia exatamente por que. Já estivera em uma batalha de ginásio antes e naquela ocasião se saíra extremamente bem. Não só ganhou sua insígnia, mas também obrigou com que a líder, humilhada em frente a seus próprios estudantes, entregasse a Mindy a insígnia que a menina ganhara de modo justo e honesto e até mesmo impressionara Jake o suficiente para que o garoto quisesse largar o ginásio e seguir com eles.

Tentando se lembrar de como se sentira aquele dia, o rapaz percebeu que era difícil. Na ocasião a confusão com o Pidgey havia servido não só como distração, mas também como válvula de escape para o stress. Ele apenas se lembrou do ginásio na hora em que correu para enfrentá-lo. Logo em seguida tudo parecia um borrão que misturava a beleza estonteante de Apis e a profunda irritação que a mulher lhe causara ao se recusar a premiar sua amiga. Ele pouco tivera tempo para pensar no que estava realmente fazendo.

Mas agora era diferente. O menino teria toda tarde para remoer unicamente as infinitas possibilidades de sucesso e fracasso que as próximas vinte e quatro horas lhe trariam. Em menos de vinte e quatro horas a batalha já vai ter acontecido, pensava repetidamente, mesmo tentando afastar o pensamento da cabeça.

O dia estava nublado e o chão da cidade estava molhado e sujo. Auburn até aquele momento tinha sido a maior cidade em que Dave já estivera, mas Etton parecia ser a metrópole daquela região do continente. Ao chegar, aquela manhã, os três amigos tinham passado por paisagens estranhas para o menino da área rural de uma cidade pequena do interior. Seguidas dos terrenos de plantação, a área urbana tomou conta de todo o ambiente da periferia com seus cheiros suados e calor queimado. O ginásio em particular ficava em uma área um pouco mais central da cidade, com prédios enormes e largas calçadas, mas poucas residências. O centro Pokémon em que o grupo se instalara era o maior em que já tinham entrado, mas não era o único da cidade, fato este que trouxe um grande estranhamento ao menino.

Temos centenas de milhares de habitantes. Um só centro Pokémon não daria conta da cidade inteira” lhe explicou a enfermeira Joy, quando eles chegaram.

A idéia de tanta gente morando ali impressionava o rapaz, mas Eevee parecia acomodado em seu colo e isso lhe confortava. Tinha ali um pedacinho de casa com ele, um amigo dos bosques de Grené e um companheiro para a vida toda, não importando se venceria ou não a Liga Pokémon.

O que eu vou fazer nesse ginásio? Pensava o menino, enquanto caminhava pelas primeiras gotículas do que aparentava ser o inicio de outra chuva. Ele não se importou e continuou andando, refletindo sobre as possíveis estratégias contra os Pokemons que Dumont poderia utilizar para vencê-lo. Passou por diversos prédios e construções incríveis, que pareciam obras de arte como ele nunca havia visto em sua vida, mas sua cabeça só conseguia elaborar planos diferentes e mirabolantes enquanto fantasiava com as mais diversas e improváveis possibilidades que o dia seguinte lhe guardava.

Até que o menino passou por um alambrado onde um campo de terra tinha duas arquibancadas cimentadas postadas, uma de cada lado. No meio de todos aqueles gigantes imponentes de ferro e concreto, ali estava um pequeno reduto que fez com os olhos do menino brilhassem. Uma área retangular, com uma linha que a separava em duas metades simétricas e com um círculo bem no centro. Um campo de batalhas Pokémon. Enquanto passava pelo pequeno portão, que jazia aberto, o rapaz imaginava quantas das centenas de milhares de crianças daquela cidade utilizavam aquele espaço diariamente em suas batalhas amistosas, reais ou imaginarias, e quantos campeões já haviam saído dali.

A água caía mais pesada do céu fazendo com que a terra exalasse um maravilhoso cheiro de chuva que Dave bem conhecia, mas que era difícil de encontrar em meio ao asfalto. Ele inspirou fundo enquanto Eevee pulava de seus ombros e se balançava, soltando água para todos os lados. Não se importou. Já estava molhado mesmo. Enfim, ele achara o que vinha procurando, conscientemente ou não. O menino se postou nas bordas do campo de batalha, chamou por Eevee e sacou mais uma Pokebola. Estava na hora de treinar.

O tempo chuvoso não aconselhava que Dave tirasse seu Sandslash da Pokebola, o que era uma pena, uma vez que ele seria uma arma importante na estratégia de Dave. O treinador ordenou que Eevee se postasse de um lado do campo, enquanto liberava seu Pidgey para servir de companheiro.

– Vai Pidgey!

O pássaro saiu e em pouco tempo estava ensopado, com suas penas pingando grossas gotas de chuva e com dificuldade de se movimentar com a velocidade costumeira. Ele bateu as asas algumas vezes pelo campo, tentando se acostumar às condições adversas, enquanto observava Eevee que também tinha sua pelugem encharcada.

Seu treinador, limpando a água que lhe caía sobre os olhos, começou o treinamento com um leve aquecimento.

– Circulem em volta do campo por uns cinco minutos, para se acostumar com o peso da água e com a visibilidade ruim. – Assim que falou isso, percebeu que isso não seria um problema para Pidgey, que tinha uma ótima capacidade visual. – Depois, quando já estiverem se sentindo mais confortáveis, a gente começa.

Os Pokemons obedeceram e logo estavam correndo pelas poças ou voando pelas pesadas gotas que caiam dos céus. Levou um pouco mais de cinco minutos para que Pidgey se acostumasse com o peso extra da chuva, uma vez que as aves têm uma estrutura mais leve exatamente para facilitar o vôo. Assim que Eevee estava pronto, Dave ordenou que ele aumentasse a velocidade e seguisse exatamente em cima da linha que delimitava o campo, desviando de todas as poças no caminho.

Enquanto isso, Pidgey, já mais confiante com o tempo, passou a desviar de pedras que o treinador lhe lançava aleatoriamente, com força, sem aviso prévio. Ele foi atingido algumas vezes, o que deixou Dave não só decepcionado, como também com o coração na mão por estar apedrejando seu amigo, mas Pidgey parecia gostar do desafio e quando o menino se demorava a lançar a próxima pedra, reclamava veementemente.

Depois de vinte minutos dessa atividade, o rapaz resolveu passar para um trabalho mais técnico, que aprimorasse os ataques dos seus Pokemons. Para tornar aquilo mais interessante, ele decidiu apimentar um pouco o treinamento.

– Vamos fazer o seguinte. – começou – Um pequeno torneio de habilidades ofensivas e defensivas. Serão atividades onde vocês dois se enfrentarão por pontos. Aquele que vencer no final terá um lugar garantido na batalha de amanhã, de acordo?

Ele estava arriscando não colocar Sandslash, caso a batalha fosse de um contra um, mas achou que seria justo com os dois Pokemons que treinavam exaustivamente naquele tempo horroroso. Os dois, competitivos como seu treinador, abriram largos sorrisos e concordaram animados.

– Uee!

– Pidge!

– Ótimo! Primeiro quero que façam uma batalha de ataques de areia. Quem conseguir acertar o outro com um jato de areia três vezes vencerá a rodada. Melhor de três. Quem vencer ganha um ponto na contagem geral. Comecem!

Eevee e Pidgey se encararam longamente até que o pássaro bateu as asas levantando uma grande quantidade de areia. Dave cobriu os olhos e logo esclareceu as regras.

– Pidgey, eu disse uma rajada de areia. Levantar poeira simplesmente não conta!

Mas Pidgey já esperava essa reação de seu treinador. O conhecia o suficiente para saber que as coisas não seriam assim tão fáceis. Ele não esperava que o movimento lhe rendesse ponto diretamente. Tudo aquilo era uma distração, que parecia ter funcionado muito bem.

Dave observou por entre as frestas dos dedos que cobriam seu rosto o pássaro acertar três rajadas de areia seguidas no pequeno Eevee, pego se surpresa, ainda perdido dentro da confusão de areia que o cercava.

O menino sorriu. Muito inteligente. Se pudesse, eu dava mais de um ponto por essa jogada.

–Um a zero Pidgey.

A batalha de rajadas de areia prosseguiu interessante. Dave não permitira que Pidgey usasse o mesmo truque nas rodadas seguintes, mas mesmo assim, aproveitando a vantagem de poder voar para se desviar dos ataques de Eevee, Pidgey venceu aquela disputa por duas rodadas a um.

Na ultima rajada da ultima rodada, particularmente, o pássaro dera um show. Começando pousado no chão, ele se desviou de dois ataques seguidos de Eevee e levantou vôo, ficando, ainda assim, a uma altura em que poderia ser atingido. Eevee caiu na armadilha e lançou o seu ataque, mas o Pokémon voador bateu fortes as suas asas, revertendo a rajada em uma chuva de areia de volta para Eevee, que ficara confuso e tossia areia. Aquilo não caracterizava uma rajada em si, mas foi tão sutil e inteligente que Dave não resistiu e declarou Pidgey vencedor.

Em compensação, no próximo desafio, Eevee deu um banho no já encharcado Pidgey.

–Um de vocês tem que seguir essa linha reta de uma ponta a outra do campo em um ataque rápido – explicou, apontando para a linha lateral que limitava o espaço para batalhas – o outro não apenas terá que acompanhar, mas também terá que tentar cruzar essa linha passando na frente do primeiro pelo menos uma vez nesse percurso, podendo usar o mesmo ataque. Mas tem um detalhe. Uma vez que alguém passe a frente e cruze a linha, terá voltar a ficar cabeça com cabeça com o corredor, antes de poder cruzar de novo. Quem cruzar mais vezes, leva o ponto.

Como havia vencido a ultima, Pidgey escolheu começar correndo, ou, no caso, voando de uma ponta a outra do campo, tendo que impedir que Eevee lhe passasse a frente e cruzasse a linha. Dave ordenou que ele ficasse a uma altura de no máximo um metro, para tornar a competição mais fácil de ser julgada. Quando deu a largada, Pidgey partiu em alta velocidade, mas, retardado pela chuva, foi acompanhado lado a lado por Eevee, que nem ao menos se esforçava muito. Ele é muito rápido pensou Dave, observando.

Eevee cortou a rota de Pidgey não apenas uma, mas três vezes durante o percurso de aproximadamente 10 metros, que foi feito em aproximadamente 45 segundos. Foi até difícil para Dave contar, e ele teve que confiar na honestidade de seus Pokemons para determinar a quantidade de vezes que Eevee conseguira atingir o objetivo do jogo. Para sua sorte, ambos concordaram no numero três, sem discutir.

Quando foi a vez de Eevee, o percurso foi feito em menos de 40 segundos, e Pidgey comeria a poeira que Eevee levantaria, caso não estivesse chovendo tanto.

– Um a Um – disse Dave, sorrindo e agradecendo o momento em que teve aquela idéia. Poucas vezes se divertira tanto em um treinamento.

– O próximo desafio definirá o vencedor. Cada um de vocês só poderá usar um movimento ofensivo para tentar atingir o outro, e só poderá usá-lo uma vez. Não tem espaço para erro. Se os dois errarem, eu zero a contagem e começamos de novo até termos um vencedor. Boa sorte.

Eevee e Pidgey se encararam longamente, estudando o movimento um do outro. Eles se movimentavam de lado a lado, tentando enxergar uma brecha, um momento sequer de distração do adversário onde eles poderiam desferir um golpe sem se expor. Ambos estavam demasiadamente cautelosos, temerosos de serem os primeiros a usar o único movimento permitido. Pidgey, impetuoso, foi o primeiro a cansar de esperar. Sem aviso nem mudança no olhar, ele ganhara velocidade rapidamente, mergulhando do alto com as asas fechadas e desferira um ataque rápido. Lento de mais, a chuva definitivamente não está ajudado ele pensou Dave, vendo seu Eevee pular para o lado habilmente, sem muita dificuldade.

Agora o pássaro estava mais apreensivo. Se ele quisesse vencer aquela disputa pessoal, teria que desviar do próximo ataque de Eevee. Só então poderia pensar em atacar de novo. Eevee rodeava o pássaro apreciando aquele momento, enquanto Pidgey ficava parado, concentrado, voando a alguns centímetros de altura, esperando o bote de seu oponente. Ele veio muito rápido. Mas não o suficiente. Eevee deixou uma de suas patas traseiras escorregar em uma poça e perdera parte da velocidade do ataque rápido, errando o alvo.

– Muito bom, temos um empate. Comecem novamente. Podem mudar os ataques se quiserem.

Dessa vez foi Eevee que atacou primeiro, contando no elemento da surpresa. Assim que Dave terminou de falar ele disparou no ataque rápido mais veloz que conseguiu. O Pokémon literalmente voou pelos centímetros de campo que existiam entre ele e seu oponente, mas, para sua grande surpresa, o esperto pássaro parecia ter previsto aquilo e ganhara altura assim que Dave dera a ordem de recomeçar. Eevee passou por baixo dele, e agora estava desguarnecido.

Mais uma vez Pidgey mergulhou, mas dessa vez ele não vinha como as asas fechadas. Aproximou-se impetuosa e decididamente do alvo, que ainda se recompunha do ataque errado. Ágil como sempre, Eevee conseguiu dar um passo para o lado, mas esse movimento foi insuficiente uma vez que o pássaro não vinha em um ataque rápido. Com uma das asas abertas, ele acertou seu adversário com o que Dave reconheceu ser um Ataque de Asas.

– Incrível! – disse o treinador, animado – Eu não sabia que você podia dar esse ataque.

Ele se aproximou de Pidgey, pousado no chão e fez um breve carinho com a ponta do dedo em baixo do bico do amigo, como os pássaros normalmente gostam. Eevee já se levantara e vinha derrotado, cumprimentar o amigo.

Dave estava prestes a dar os parabéns para o Pokémon perdedor e consolá-lo quando reparou a presença de um automóvel preto, não muito luxuoso, estacionado na rua em frente à entrada do campo de batalha urbano. O menino não sabia há quanto tempo o carro estava ali, mas não poderia ser muito mais do que alguns minutos. Observou enquanto o motorista desligava os motores e abria a porta do carro. Ele não acreditou.

Um jovem de não mais de vinte anos abriu o guarda chuva e se encaminhou na sua direção. Usava um par de óculos redondos e miúdos perto de seus olhos um pouco afundados e usava seus cabelos negros repartidos para os lados. Era Dumont, o líder do Ginásio. Mais do que isso, era o motivo de o menino estar ali, debaixo de chuva, treinando. Mas, acima de tudo, sem a menor explicação, o pensamento que fez com que Dave fechasse a cara para o rapaz que caminhava em sua direção com seu ar intelectual e seu sorriso de meia boca, era a imagem dele sussurrando coisas ao ouvido de Mindy, enquanto botava carinhosamente uma insígnia nas mãos da menina.

De baixo do guarda chuva, Dumont cumprimentou o treinador – Olá. Você é o Dave não é? O amigo da menina que me venceu hoje mais cedo, Mindy.

– Sim, sou eu – os lábios de Dave se contorceram com a menção da amiga.

– Está treinando com esse tempo para a luta de amanhã?!

– É o que parece, não?

Dumont olhou para o garoto de poucas palavras com um olhar examinador, como se estivesse analisando cada centímetro da expressão molhada e determinada do menino a sua frente. O sorriso de sua boca pareceu aumentar por um instante, antes de desaparecer por completo. O que quer que o líder do ginásio resolvera fazer quando saiu do carro, ele desistiu. Virou-se de costas para Dave e começou a voltar para seu carro. Antes de sair pelo portão de arame, porém o homem voltou a falar.

– Cuidado para não ficar doente, rapaz. Ninguém batalha bem doente.

– Com você, eu batalho nem que seja de cadeira de rodas. – rangeu Dave, entre dentes.

O homem deu uma risada de poucas silabas se despedindo do desafiante com um aceno da mão que não foi retribuído, e partiu.

***

O dia seguinte chegou e Dave não esperou ninguém acordar. Eram cinco para as sete da manhã e ele já estava perambulando de um lado para o outro em frente à porta do ginásio da cidade, acompanhando por Eevee. Em cinco minutos pontuais a porta se abriria e Dumont o estaria esperando lá dentro. Longos foram aqueles cinco minutos, onde o menino sentiu todo a ansiosidade que ele pensava ser capaz de sentir, apenas para descobrir que ele estivera errado antes. De fato, era possível se sentir ainda mais ansioso.

No ultimo minuto especificamente, ele começou a sentir certo arrependimento pelo treinamento inusitado do dia anterior. Não havia previsto que Eevee perderia para Pidgey, de modo que, caso a luta fosse um contra um, ele ficaria obrigado a lutar com seu Pokémon mais fraco.

Eu não posso pensar assim do Pidgey! Dizia ele para si mesmo, tentando se acalmar. Ele é perfeitamente capaz de vencer. Venceu o Eevee debaixo de chuva ontem... Isso tem que contar para alguma coisa. E de fato contava. O problema era que Dumont se especializava em Pokemons voadores, e um Pidgey era o estado menos evoluído possível dentro daquele tipo de Pokemons. Não seria a melhor escolha para a batalha em questão.

Finalmente o guarda que mexia nos computadores da recepção deu o comando para que as portas de vidro automáticas se abrissem, e Dave entrou afobado com Eevee em seu ombro.

– Sétimo andar – Disse o recepcionista, inutilmente. O menino já sabia muito bem para onde ir.

Entrou no elevador, apertou o botão e começou a subir. Era incrível como os segundos que se interpunham entre o numero de um andar e o próximo no indicador eletrônico pareciam ser uma eternidade naquela situação. A melodia suave e levemente atrevida que saia das caixas de sons era quase uma afronta aos ouvidos do menino, que em vez de procurar se acalmar queria mesmo era tirar vantagem da adrenalina que corria em suas veias. Se eu quisesse ficar parado, esse elevador subiria a jato pensou Dave irritado.

O sinal de chegada ao destino soou dentro da caixa de metal que levava o treinador ao sétimo e ultimo andar da torre do ginásio. Quando a porta se abriu, ele viu exatamente o que esperava. A arena de batalha pronta para uso, o teto retrátil aberto aproveitando os poucos raios de sol que conseguiam passar pelas nuvens que cobriam o céu nublado e Dumont, parado do lado oposto da arena, com seu meio sorriso estampado no rosto.

Ele ajeitou os óculos, ensaiou uma risada silenciosa e cumprimentou seu esperado desafiante.

– Algo me dizia que você chegaria aqui antes de mim, Dave.

O menino de Grené não sorriu.

– Como sabe a que horas cheguei? Por acaso tinha alguém me vigiando?

– Não, não tinha. Fique tranqüilo, só possuo câmeras nas portas do ginásio, onde você passou no mínimo a última meia hora – explicou o líder – Mas não foi assim que te vi. Quando cheguei, voando nas costas do meu Pidgeot, você estava andando de um lado para o outro lá em baixo.

A paciência de Dave estava chegando ao limite com Dumont. Como se não bastasse tudo, ele ainda tinha que se gabar por treinar um Pidgeot? Um misto de tentação e medo tomou conta do menino. Por um lado, estava morrendo de vontade de acabar com a raça de Dumont e seu Pokémon evoluído, mas de outro, sabia que com um Pidgey, essa missão seria no mínimo complicada. Cansado de falar, o menino decidiu cortar o papo.

– Olha só eu não quero saber como você chega e sai do seu ginásio – disse ríspido - Só quero, e vou, sair daqui com uma de suas insígnias.

– Confiante então... – concluiu Dumont – Vamos ver do que você é capaz.

O líder também estava confiante, mas aquele menino o intrigava. Ele não conseguia entender o motivo para que o garoto guardasse tanto rancor contra ele, mas, mesmo assim, gostava da coragem do rapaz, da dedicação de treinar debaixo de chuva e da segurança que a voz dele passava, mesmo quando estava visivelmente nervoso. De certo modo ele admirava o seu desafiante. E nenhuma vitória é tão gostosa quanto sobre alguém que admiramos.

O juiz se posicionou no centro da arena e disse em voz alta.

– A batalha será de dois contra dois, sem limite de tempo!

Dave sorriu. Conseguira o que queria. Pidgey não seria sua única esperança. O único ponto fraco de seu plano não fora explorado. Não havia a possibilidade de derrota.

– Vai Pidgey! – ordenou

Dumont riu – Vamos começar com você Farfetch’d.

Não foi possível para o menino esconder a surpresa com a escolha do líder do Ginásio. De todos os fortes Pokemons voadores, aquele pato Pokémon fora a única opção que ele não considerara lutar. Imediatamente ele sacou sua Pokedex, enquanto Dumont o observava, esperando. Se quisesse poderia atacar o Pidgey aproveitando o momento de distração de seu treinador, mas aquilo não condizia com a sua índole. Ele era, ao máximo que conseguia, um líder justo.

A Pokedex se pronunciou: “Farfetch´d, um Pokémon voador. Por causa de seu conhecido valor nutritivo, esse Pokémon foi muito caçado e hoje corre sérios riscos de extinção. Com asas bem desenvolvidas que podem desempenhar funções semelhantes aos dedos, ele consegue segurar consigo um bastão, de cebolinha ou de alho-poró. Por algum motivo desconhecido, não conseguem viver sem seu bastão.”

– Nesse caso, o bastão é de talo de alho-poró – disse Dumont, sorrindo. – E então Dave, pronto para batalha?

Envergonhado pela sua falta de conhecimento sobre o Pokémon, o rapaz se surpreendeu com o comentário de seu adversário. Sem pensar duas vezes, ele resolveu que as ações falam mais alto que as palavras, e não se importou em responder a pergunta que lhe foi dirigida. Em vez disso, ordenou.

– Ataque rápido Pidgey!

O passarinho mergulhou no ar em alta velocidade, com suas asas retraídas parecendo um projétil, mas ágil como era, Farfetch´d nem precisou de um comando para saltar para o lado. O desafiante resolver continuar testando a velocidade do oponente enquanto observava também a velocidade que seu próprio Pokémon estava conseguindo alcançar. Pelo jeito aquele treinamento na chuva fez bem ao Pidgey.

– Vamos garoto, você pode fazer mais do que isso.

Dave nem olhou para Dumont quando ele lhe disse isso. Mais uma vez, resolveu responder no campo de batalha. Ele via que as chances de Farfetch´d ser atingido pelo ataque rápido sem que nada o atrapalhasse eram pequenas. Resolveu mudar de estratégia.

– Pidgey, agora use sua rajada de vento.

O Pokémon obedeceu e rapidamente uma forte corrente de vento começou a ser lançada a partir de seu forte bater de asas. Dessa vez, pular para o lado não adiantaria e Farfetch´d demonstrava dificuldades em se não ser lançado longe pelo vento. Depois de alguns segundos, ele não resistiu e capotou no chão algumas vezes.

– Agora está melhor! – Comentou Dumont, observando seu Pokémon se levantar e recuperar a postura – mas chegou a minha vez. Use a dança das espadas!

– O que? – Disse Dave surpreso. Ele conhecia esse ataque. Apis o usara contra ele, mas não sabia que outros Pokemons além do Scyther podiam usá-lo.

Farfetch´d começou a girar em incrível velocidade e as suas asas começaram a brilhar no movimento, fazendo dele algo parecido com um pequeno peão brilhante. Logo em seguida parou, cheio de energia, e partiu para cima do pequeno Pidgey.

– Rasgar! – Comandou o líder, forçando Pidgey a se desviar rapidamente do forte ataque desferido pelo adversário com o bastão. Ele não parou.

– Continue na combinação de sempre Farfetch´d!

Dave ficou surpreso com a agilidade com que seu oponente desferia diferentes ataques com o bastão. Parecia que ele havia sido treinado por um lutador de espadas e agora atacava um oponente que, sem escudos, tinha que se esforçar para desviar-se de suas laminas. Bem, ainda bem que não é uma espada, pensou Dave. A pokedex estava aberta em suas mãos e narrava cada ataque diferente que era utilizado, segundo após segundo. “Rasgar, Corte Noturno, Cortar, Retaliar” e a combinação começava de novo.

Pidgey tentava se afastar, mas era impossível. Toda sua agilidade estava empregada em desviar dos constantes e incessantes ataques do adversário. Não havia escapatória, mas mesmo assim o passarinho resistia bravamente. A seqüência de ataques foi reiniciada três vezes até que ele fosse atingido pelo ataque Cortar e caísse no chão.

– Pidgey, não! – Ele estava machucado, mas ainda assim se levantou com coragem para enfrentar seu adversário. Ele é mesmo duro na queda admitiu Dave, orgulhoso.

Nesse momento um forte estrondo pode ser ouvido vindo do céu nublado, assustando os combatentes. O trovão anunciava que a chuva estava prestes a começar e algumas gotas começavam a cair do céu cinzento. Dumont olhou para o céu apreensivo, virou-se para um de seus funcionários que monitoravam a batalha e mandou que se fechasse a cobertura do ginásio. Era um fenômeno impressionante ver aquela cobertura se colocar sobre a arena, na forma de duas grandes asas de metal se fechando, mas Dave já a havia presenciado o evento no dia anterior e tinha outra idéia em mente.

– Não feche! – o rapaz tinha um olhar decidido e quase iluminado no rosto – Vamos lutar na chuva!

O líder olhou curioso para o rapaz – O que é que você tem com chuva em? Não estava planejando me molhar entende... – Mas assim que ele viu a expressão do menino, entendeu que aquilo não fora um pedido e sim um desafio. E ele odiava negar desafios.

– Tudo bem – concordou – Não é permitido mudar o ambiente da batalha uma vez que ela tenha sido iniciada.

Dave sorriu. O único a não concordar com a decisão fora o juiz da batalha, que realmente queria evitar uma gripe, mas nada podia fazer. Nunca um juiz ficara tão desgostoso com o fiel cumprimento das regras de batalha Pokémon.

Quando se decidiram, as gotas já caiam mais fortes, e Pidgey havia conseguido respirar e se recompor do ataque sofrido. Golpe de sorte pensou Dave. Agora tenho que aproveitar a vantagem.

– Pidgey, ataque rápido e não pare!

– Ah não, isso de novo não – disse Dumont, botando a mão na cabeça. Não estava nem um pouco disposto a mais uma seção de ataques inúteis que eram facilmente evitados. Ele olhou entediado para a arena, enquanto via seu Pokémon desviar da mesma maneira de sempre. O desafiante, entretanto, tinha uma idéia diferente.

Pidgey fazia movimentos em dois círculos que se assemelhavam ao formato do número oito, atacando, errando e mantendo a velocidade, fazendo uma curva aberta que não o obrigava a parar e recomeçar o ataque. Dessa maneira ele conseguiria manter a velocidade sem muito esforço. Enquanto isso, Farfetch´d desviava com cada vez mais dificuldade à medida que a chuva ia apertando.

Quando Dumont percebeu o problema, já era tarde de mais. Seu Pokémon não conseguia manter o nível de agilidade com o peso da água em seu corpo, enquanto Pidgey cortava o véu de chuva com facilidade, aproveitando-se da velocidade adquirida anteriormente. Antes que algo pudesse ser feito, o ataque finalmente atingiu o alvo, lançando o adversário alguns metros na direção de seu treinador. Dave não descansou nem comemorou, mas deu seqüência a batalha.

– Agora ataque de asas!

– Pidge! – O Pokémon fez a curva de seu percurso anterior ainda em alta velocidade, se voltando para o alvo e mergulhando firme com as asas preparadas. A chuva não era um problema, graças ao treinamento do dia anterior, e não foi difícil atingir Farfetch´d, que ainda se levantava. Foram dois golpes ao mesmo tempo, um com cada asa, e o pato Pokémon ficara tonto e incapacitado de continuar.

– Farfetch´d está fora de combate! – julgou o gordo homem molhado, levantando uma de suas bandeiras.

– Impressionante! Confesso que não pensei no fator da chuva como um freio na agilidade de Farfetch´d – admitiu Dumont – Sabia que você se provaria um bom treinador.

Dave não queria ouvir aqueles elogios, principalmente vindos de Dumont. Estava feliz, com certeza, por ter vencido o primeiro rodada, mas só estaria realmente satisfeito quando ganhasse a insígnia. Ou assim ele pensava. Olhando para frente, pronto para parabenizar Pidgey pela suada vitória, algo que ele não esperava aconteceu. Seu Pokémon estava brilhando.

Estava ficando maior, seu bico crescia e sua pequena cauda ganhava mais cor enquanto, lentamente, ele se transformava em um Pidgeotto. Dumont sorriu ao ver a cara estarrecida e surpresa de Dave. Ele correu para abraçar seu Pokémon que retribuiu o carinho, esquecendo-se que estava no meio de uma batalha. La estava, de novo, aquela sensação inexplicável de felicidade que não tinha fim. Ele evoluiu! Evoluiu! Era a única coisa que passava pela sua cabeça até o juiz da batalha o trazer de volta a terra.

– Parabéns rapaz, mas você na devia sair da área dos treinadores. – dizia o homem, irritado. De seu bigode pingavam grossas gotas de água da chuva.

– Ah sim – respondeu o menino, voltando correndo para seu lugar – Desculpe.

– Parabéns – disse o sorridente Dumont do outro lado – Agora as coisas ficam bem mais interessantes!

– Valeu! – agradeceu Dave, igualmente sorridente, esquecendo-se por um momento de seu ódio sem motivos para com o líder de ginásio. Para ele, até a chuva parecia ter ficado mais colorida, tamanho era sua alegria.

– Então, vamos continuar a batalha. Imagino que você não vai trocar de Pokémon certo?

O rapaz balançou a cabeça negativamente

– Então eu vou escolher o meu Pidgeot! – Disse ele, lançando sua Pokebola no ar, e liberando o imenso pássaro no ar. Não iria facilitar as coisas para aquele talentoso desafiante. O rapaz teria que suar para se provar merecedor da vitória. Naquele momento, Dave voltou a odiá-lo instantaneamente.

Ele tinha que acabar com o meu momento pensou fechando a cara. Estava tudo muito bom para ser verdade.

O juiz deu inicio a partida o trainador logo atacou.

– Ataque de asas, Pidgeotto!

– Vamos acabar com isso agora Pidgeot! Furacão.

Dave arregalou os olhos. O bater de asas do grande pássaro fez com que um forte furacão se formasse no chão, subindo até o teto de nuvens e obrigando o treinador de Grené a abandonar a área de treinadores para se segurar, com Eevee no colo, em um dos corrimãos de metal que margeavam as arquibancadas ao lado da arena. Dumont, inexplicável e surpreendentemente, parecia não se incomodar com o vento, se limitando a simplesmente segurar seu par de óculos. Pidgeotto, porém, foi sugado instantaneamente pelo furacão. Dave o viu sumir no misto de vento, poeira e chuva e se desesperou.

– Pidgeotto, não!

– Já chega! – disse o líder e o furacão sumiu da mesma maneira que se levantara, revelando o pássaro do desafiante desacordado no chão.

Dave estava atônito. Nunca havia enfrentado um ataque daquela magnitude e, por um instante, temeu até mesmo pela própria vida e a de seu Pokémon recém evoluído. Ele o recolheu na Pokebola imediatamente e ficou olhando para ela por um longo período de tempo. Não havia espaço para ódio, raiva ou felicidade no coração do rapaz. Estava em choque, com medo e desnorteado. Não queria continuar. Não podia submeter Eevee a enfrentar algo desse tipo, nem, principalmente, Sandslash, que estaria em desvantagem simplesmente por estar na chuva. O menino estava prestes a desistir, quando dois fatos o impulsionaram a continuar.

O primeiro foi causado pelas palavras de Dumont, que foram a provocação necessária para trazê-lo de volta a realidade.

– Vamos, ainda falta uma batalha para acabar. Não está com medo, não é? – ele dissera.

O segundo foi causado pelo elevador, que emitiu atrás dele um alto som informando que alguém havia chegado. De lá, sem explicação, saíram Jake e Mindy juntos.

– Pois é Dave, não está com medo está? – Disse a menina, sorrindo. Aparentemente conseguira escutar o líder há poucos segundos.

Ela e o garoto caminharam para fora do elevador com um guarda chuvas na mão, e foram até o amigo.

– Não desista Dave – Animava Jake, apreensivo

– Eu que sou a menina, não fiquei assim. – A provocação da garota, juntamente com seu sorriso, serviu mais para estimular o menino do que para irritá-lo. Ele entendeu que aquele era o jeito dela de dizer que sabia que ele podia continuar. Nos segundos em que seus olhos se encontraram, eles trocaram várias palavras não ditas, e o garoto foi obrigado a consentir com a cabeça e sorrir de volta. Naquele momento, ele entendeu o poder que a confiança de um amigo tinha dentro de uma pessoa. Ainda preso nos olhos da garota, ele disse

– Eevee, eu escolho você.

O Pokémon pulou do colo de Dave e se postou na arena de modo desafiador, enquanto Mindy apenas dizia.

– Foi o que eu pensei – E se sentou na arquibancada, ao lado de Jake, que comemorava.

Dumont sorriu para a menina, que retribuiu o sorriso, e tudo estava de volta ao normal, como se o furacão não tivesse ocorrido. Reanimado, Dave se voltou para Eevee e ordenou o primeiro movimento.

– Eevee, use a Cauda de Ferro!

O Pokémon saltou com velocidade e girou o corpo na direção do imenso pássaro que estava pousado a sua frente. Mas foi inútil. O alvo levantou vôo e desviou-se do movimento sem esforço.

– Repentinamente impetuoso – comentou Dumont, entre uma risada – Você me surpreendeu da ultima vez Dave. Não pretendo deixar que isso aconteça de novo. Pidgeot, Furacão!

Dave não teve tempo de responder. Apenas conseguiu gritar um ultimo comando para Eevee, enquanto corria para a barra de ferro da arquibancada mais uma vez. Um movimento, a única chance que tinha de continuar vivo na briga pela insígnia de pluma. Talvez a única chance que Eevee tinha de sobreviver à batalha.

– Eevee, cavar!

O pequeno Pokémon rapidamente se enfiou no subsolo do enlameado campo de batalha e desapareceu de vista, executando perfeitamente o ataque que aprendera com Sandslash. Dave não sabia se a terra naquele campo artificial seria profunda o suficiente, mas o movimento deu certo e o furacão passou sem atingir o alvo. Dumont não conseguiu fingir a surpresa, e o menino não pode segurar a provocação.

– Como foi que disse? Não ia mais se surpreender?

Dessa vez foi Dumont que não teve tempo de responder.

– Rápido Eevee, mordida!

Eevee saiu do chão pro trás de Pidgeot e pulou a uma altura inacreditável, mordendo a longa crina que saia da cabeça do enorme pássaro, que sentiu o ataque e soltou um alto piado de dor.

–Pidgooott!

Ainda com os olhos arregalados, Dumont ordenou

– Voe em círculos para soltá-lo daí!

– Segure-se Eevee!

Obedecendo as ordens do líder, o grande Pokémon começou um vôo em círculos enquanto Eevee segurava seu maxilar travado com a maior força que podia. Ele conseguiu se segurar por um longo período de tempo e logo o jovem com aparência intelectual começou a soltar sinais de desespero. Ele mudou de estratégia.

– Pidgeot, use a derrubada!

Rapidamente Eevee se viu mergulhando em alta velocidade em direção ao chão, ainda preso a crina de seu adversário. Aparentemente ele seria esmagado, mesmo que isso significasse uma quantia substancial de dano para o pássaro, que também sofreria o impacto. Dave deveria estar preocupado, mas não estava. Em vez disso, feliz, ele ordenou.

– Eevee, cave mais uma vez!

Seu amigo obedeceu e tomou impulso no corpo do oponente, chegando ao chão e cavando o mais rápido que pôde. Já era muito tarde para o grande e pesado pássaro desviar a rota de seu ataque, e tudo dependeria se Eevee conseguiria sumir antes de o pássaro atingir o chão.

O impacto foi forte e fez com que o chão tremesse. Pidgeot se levantou abalado, mas aliviado por ter sua pluma livre novamente, enquanto Dave, Mindy, Dumont e o juiz procuravam sinais de que Eevee estivesse ali esmagado entre o chão e o Pokémon voador.

Não estava.

– Rápido, use o cauda de ferro! – O menino já parecia ter a próxima ordem engatilhada e a soltou assim que percebeu que seu Pokémon estava bem.

Agora surgindo do lado direito de seu adversário, Eevee executou seu ataque atingindo o rosto de seu alvo com força e precisão. Ele não fora jogado longe, na verdade nem sequer se moveu graças ao seu grande tamanho, mas com certeza sentiu a violência do golpe que o atingiu. Sua crina ainda doía e tinha as marcas das presas de seu oponente marcadas, e o impacto da derrubada fora severo para ele. A forte pancada que levou no rosto foi somente uma das gotas d’águas que o atingiam naquele dia de chuva.

Justamente a gota que fez o copo transbordar.

Tonto, Pidgeot se desmontou no chão.

Dumont estava boquiaberto, não se preocupando mais em manter a pose de líder. Não acreditava no que via. Poucas foram as vezes que alguém tinha mostrado algum desafio decente ao seu mais forte Pokémon e nunca esse alguém tinha sido qualquer coisa parecida com um Eevee. Também sem reação, o juiz titubeou, mas não pode decretar outra coisa se não a vitória de Dave.

Dave ria histericamente, ajoelhado na área de treinadores. A tensão e a adrenalina ainda estavam muito vivas em suas veias e precisavam ser extravasadas. Eevee correu para seu colo e o encheu de lambidas no rosto já molhado pela chuva, e os dois se abraçaram com força.

– Batalha perfeita, Eevee! Você foi perfeito!

–Uee, ueeveee!

Mindy sorria observando do alto da arquibancada enquanto o menino e seu Pokémon trocavam caricias e se emocionavam depois do maior desafio que já haviam enfrentado até o momento. Do outro lado, Dumont se recompunha e chamava de volta seu Pokémon. Ele olhou para a menina no alto da arquibancada e voltou a sorrir. Ela achava incrível a habilidade daquele jovem de sorrir e não sabia quando acreditar que aquilo realmente demonstrava felicidade.

O líder se aproximou de Dave e estendeu-lhe a mão para que ele voltasse a ficar de pé. A chuva continuava a cair e os dois estavam encharcados, mas se encararam frente a frente.

– Não tenho palavras para te parabenizar o suficiente. Confesso que estava ansioso para lutar com você, mas não acreditava que poderia derrotar meu Pidgeot.

– Nem eu – admitiu Dave – mas não importa o que a gente acha não é?

– Como assim? – perguntou Dumont, como se não entendesse o que ele quis dizer.

Antes de responder, o menino olhou para os amigos na arquibancada. Jake descia correndo para comemorar com seu amigo, esquecendo que segurava o único guarda chuvas na mão. Mindy ensaiara correr atrás do garoto, mas já era tarde de mais. Estava toda molhada. Ela encontrou os olhos de seu melhor amigo na arena e caiu na gargalhada com a situação. Ele apenas sorriu de volta e tentou gravar aquela imagem na memória para sempre, da morena encharcada, que se deliciava com uma risada para ele. Se voltando finalmente para o confuso líder, explicou:

– A partir do momento em que desistimos de lutar simplesmente por que a derrota nos parece inevitável, nós somos derrotados por nós mesmos. – disse Dave – E honestamente, eu prefiro perder para você ou para qualquer outro, do que me derrotar desse jeito.

Dumont ajeitou os óculos nos olhos, limpou as gotículas de água de suas lentes, e entregou a insígnia de pluma nas mãos do treinador.

– Rapaz, só por esse tipo de atitude, você já merecia um lugar na Liga Pokémon.

E com isso, Dave conseguiu sua segunda insígnia vencendo o melhor adversário que já enfrentara até ali e deu mais um importante passo no caminho de seus sonhos. Com Eevee nos ombros, ele apertou a mão da única pessoa de quem ele não gostava sem saber explicar porque e se virou para o elevador de saída, enquanto a chuva continuava a cair sobre seu corpo.

Nunca a chuva o tinha feito se sentir tão bem.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Esse capítulo tem um tom bem diferente do nosso primeiro ginásio, e o desafio foi bem maior dessa vez, não acham?

Gostaram do nosso líder?

Espero vocês nos comentários.



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