Call Girl in Busapeste escrita por Isadora Nardes


Capítulo 1
Hostilidade




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Hostilidade

A névoa quase passava pelo vidro da casa de George.

Era uma névoa espessa, que cobria os pontos turísticos de Budapeste. A casa de George era ampla, com detalhes em madeira, e cheia de luzes amarelas. Atrás de Angel, um sofá marrom claro se estendia. Angel não se atrevia a sentar-se nele.

O lugar inteiro parecia não querer Angel ali. O sofá ia protestar se ela se sentasse, ela tinha certeza. As luzes pareciam se apagar quando ela passava. As paredes pareciam encolher.

Era paranoia.

Mas George era teimoso.

Angel tremeu. Podia ter a sensação de que a casa estava expulsando-a – e ela, não querendo sair de perto de George, se recusava a ir embora. Afinal, o que poderia fazer numa cidade que ela só sabia o nome?

–- Ei – Angel ouviu uma voz atrás de si. Sobressaltou-se, e se virou como num jato, dando de cara com George, ao lado do sofá, segurando uma xícara de chá. Angel arfou. Era uma capacidade sobrenatural de George, essa, de ser um fantasma quando bem entende. Ele continuou, sem ligar pra expressão dela: -- Senta.

Angel negou com a cabeça. George deixou a xícara fumegante na mesa de centro e passou um braço pelos ombros de Angel, que abaixou a cabeça. Ele se encurvou para olhá-la, mesmo assim. Angel se contorceu em protesto, mas por fim cedeu.

Afinal, não há ser humano existente que resista a um beijo na nuca, ou há?

Angel sentou-se muito devagar, como que com medo de ferir o sofá. Encolheu-se, com as mãos entrelaçadas no colo, e os olhos baixos. George estendeu a xícara pra ela, mas ela negou com a cabeça.

–- Você não bebeu nada no voo – George protestou. Angel negou com a cabeça novamente. George se inclinou para olhá-la no rosto novamente. Fitou-a, com aqueles olhos cinzentos.

Angel enrugou o nariz. Aquilo era chantagem emocional. Aquele cabelo loiro praticamente implorando para ser penteado...

–- Tá – Angel grunhiu. Estendeu a mão. Seus dedos tocaram a xícara quente, e ela os contraiu. Porém, George colocou sua mão sobre a dela e fechou seus dedos em torno da alça. Depois, soltou a mão de Angel.

Ela engoliu um gole. O líquido desceu por sua garganta, quente demais, e ela abriu a boca, deixando ar frio entrar. Porém, o líquido foi reconfortante. Era como se descesse pela sua garganta e, em algum ponto entre sua boca e seu estômago, ele parasse e corresse pelas suas veias, se espalhasse em todas as direções, aquecendo-a por dentro.

Não era George que estava fazendo aquilo?

–- Obrigada – Angel murmurou, engolindo mais um pouco. George sorriu, satisfeito.

–- Quer mais alguma coisa? – ele perguntou.

Aquela pergunta era o horror de Angel.

Sim, ela pensou, você.

Mas negou com a cabeça. George suspirou, e encostou as costas no sofá. Angel também não se atreveu a olhar pra ele, com medo de que sua expressão pudesse denunciá-la. Porém, ele estendeu o braço e puxou-a pra trás, e ela não tinha motivos pra resistir.

Observou enquanto George pegava o controle e ligava a TV. A primeira coisa que apareceu foi um seriado medieval. Nos únicos cinco segundos que a TV ficou naquele canal, Angel pôde ver três pessoas sendo decepadas. Angel tremeu, e George disse, rindo:

–- Game Of Thrones.

Angel franziu o cenho, arqueando as sobrancelhas junto, numa expressão confusa.

–- Não é a série que tem uma abertura longa demais? – perguntou. George riu ainda mais.

–- Essa mesma – ele concordou, mudando de canal.

–- Não ia acabar?

–- Espero que não.

Angel voltou os olhos pra TV novamente, onde James Bond beijava apaixonadamente uma garota de loura de cabelos curtos. George mudou o canal novamente, e um cervo macho corria atrás de uma fêmea. Angel deu um risinho.

–- O que foi? – George perguntou.

–- Nada. Me lembrou uma coisa – Angel disse.

–- Fala.

–- Um cara correndo atrás da minha amiga.

–- Literalmente?

–-Literalmente.

Foi a vez de George rir e mudar de canal. Ele rodou todos os canais várias e várias vezes, dando de cara com os mesmos seriados e documentários. Por fim, escolheu deixou na abertura do sétimo filme de Harry Potter.

–- Posso perguntar uma coisa? – Angel indagou.

–- Pode – George respondeu, distraído.

–- Você não assiste outra coisa?

–- Não muito.

–- Ah.

–- Você já leu?

–- Li os dois primeiros. Quando eu tinha onze anos.

–- Ah. E os filmes?

–- Vi um ou dois.

–- O que achou?

–- O Daniel é um anão?

George riu, e concordou com a cabeça. Angel se estendeu pra frente e deixou a xícara na mesa de centro, aproveitando pra ficar sentada na ponta do sofá.

–- Vem pra cá – George reclamou.

–- Eu to bem – Angel garantiu.

–- Mas eu não.

Angel ia responder, mas a campainha tocou, ecoando no cômodo inteiro. Angel se sobressaltou e lançou um olhar desesperado para George, que só deu de ombros e se levantou, indo até o hall de entrada.

Angel ficou tensa. Sentiu, novamente, que não deveria estar ali.

Ouviu a porta abrindo. Depois ouviu risos e cumprimentos. Tremeu. Virou o rosto para ver o que estava acontecendo. George estava parado, sorrindo, na frente de uma mulher loura de olhos azuis, de uns bons 60 anos. Ao lado da mulher, estava um homem poucos anos mais velho que ela, e tinha olhos cinzentos inexpressivos, e um sorriso aberto.

Angel sentiu a garganta entalar. Todo o seu corpo gelou.

Lentamente, George conduziu a mulher e o homem para dentro da sala. A mulher olhou para Angel com uma expressão gelada. O homem não exibiu nenhuma reação.

–- Essa é Angel? – a mulher perguntou, em um tom que exibia tanto desprezo que Angel pensou que fosse se jogar da janela.

Angel ficou olhando fixamente para a mulher. Havia algo de familiar nela. Fora o fato de que ela sabia seu nome. George concordou com a cabeça, e adicionou:

–- Eu tive muito, muito trabalho pra trazê-la aqui. Ela é teimosa.

Você, Angel retrucou, mentalmente, mas sua boca estava seca demais pra verbalizar. A mulher e o homem se sentaram ao seu lado no sofá, ainda com as mesmas expressões. Quando a almofada afundou, o primeiro pensamento de Angel foi sair correndo.

Mas suas pernas pareciam ter virado chumbo.

George foi se sentar do seu outro lado, e ela ficou olhando pra ele, embasbacada. Ele riu a expressão dela, acenando para o casal com a cabeça.

–- Meu pai, Ed, e minha mãe, Sam – ele disse.

–- Pra ela é Edward e Samantha – a mulher corrigiu.

Angel olhou de novo pra George, que abaixou os olhos, e tentou mudar a conversa.

–- A viagem foi tranquila? – ele perguntou.

–- Não – Samantha disse, rispidamente. – Foi horrível.

–- Ah – disse George, apenas.

Agora tudo conspirava para Angel ir embora. O ar parecia mover-se e empurrá-la pra fora. A hostilidade emanava daquele casal de idosos. O sofá parecia prestes a ejetar Angel. A janela parecia um ótimo lugar para pular. O chão parecia se levantar e o teto se abaixar.

Angel olhou desesperadamente para George, que olhava as próprias unhas, tão ausente do momento que Angel se perguntou se ele estaria vendo o que se passava na TV.

–- Eu lembrei que tenho que fazer uma coisa – Angel disse, de repente. Levantou-se e praticamente correu até a porta, voltando a pegar o casaco.

–- Que coisa? – George perguntou, saindo de seu torpor.

–- Uma coisa.

–- Onde?

–- Num lugar.

–- Que lugar?

–- Um lugar, George.

–- Que lugar? – ele insistiu. Angel não respondeu. Ela pegou sua mochila e abriu a porta, entrando novamente no ar frio.

Socorro, ela pensou, olhando pra cima. Fechou a porta atrás de si e saiu, pulando, pela escada do jardim, e então abriu o portão. Saiu correndo.

O ar frio cortou seu rosto. Seu cabelo caiu no rosto. Ela virou numa esquina, depois em outra e em mais outra. Não via as pessoas. Foi ziguezagueando pelas ruas, passando na frente de carros e de motos, parando pra respirar quando o ar já não entrava em seus pulmões.

Finalmente, parou. Era uma avenida larga, onde um ônibus amarelo esperava um cara gordo subir os degraus. Angel se encostou à parede de um banco, escondendo o rosto nas mãos.

Não devia ter ficado, mas não devia ter ido embora. Era confuso.

E ela estava ali, morrendo de vergonha, ofegando, na esquina de uma cidade que ela não conhecia. Sem telefone. Tinha trocados de euros no bolso, mas ela estava em Budapeste.


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Notas finais do capítulo

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