Imperfeitas escrita por Isadora Nardes


Capítulo 5
Úrsula.


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo vai etr uma música especial :3
Everybody's Fool -- Evanescence



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/596947/chapter/5

Eu entrei em casa.

A primeira coisa que reparei foi minha mãe e meu pai se agarrando no sofá. Minha irmã, Wendy, chorava no canto do tapete. Sem seus dois anos, ela não sabia falar uma palavra. Eu podia ter gritado com meus pais e vociferado pra eles, mas eu preferi manter silêncio e deixar que eles trepassem em paz.

Levei Wendy para o banheiro. A bancada de granito era grande, mas estava suja. Aliás, o banheiro estava sujo. Aliás, a casa estava suja. Coloquei um grande pano em cima da pia do banheiro antes e encostar Wendy ali.

Ela não estava com fralda suja. Talvez estivesse com fome. Porém, quando eu tentei dar comida pra ela, ela jogou a colher no chão. Eu suspirei e a abracei.

Ela era uma gracinha. Rechonchuda, fofinha, sorridente. O cabelinho preto já estava compridinho para dois anos. Eu a embalei até ela dormir. Depois, a depositei no único cômodo da casa que eu fazia questão de manter limpo: o quarto dela.

Minha irmã não ia dormir na imundice. Não mesmo. Meus pais podiam trepar no meio da sujeira, eu podia viver num quarto bagunçado e Yuri podia se drogar no quarto ao lado, mas Wendy não ia dormir no chão frio e sujo.

Eu joguei minha bolsa na cama. Eu quase nunca a arrumava. Até porque não tinha sentido. Pra que arrumar, se eu ia chegar e bagunçar novamente?

Prendi o cabelo e lavei meu rosto. O apartamento era grande, de modo que todos os quartos tinham suíte. O que era ótimo, porque eu não estava a fim de dividir o banheiro com um drogado e dois ninfomaníacos descontrolados.

A água fria escorreu pelo meu rosto. Desceu pelo meu pescoço e desceu até meus peitos.

Yolanda ia gostar disso, eu pensei, distraidamente. Depois, me bati mentalmente. Aquela gorda não tinha nada a ver comigo. Ela era uma lésbica esquisita, só isso.

Enxuguei meu rosto. Liguei o rádio.

Perfect by nature,

Icons of sulf-indulgence

Just what we all need!

Eu cantarolava enquanto arrancava minha roupa fora. Porém, quando eu estava apenas de calcinha e sutiã, olhei para o espelho.

Esse foi meu erro.

De novo.

Eu estava com uma barriga proeminente. Era tanta gordura que eu podia ver um círculo acima do meu umbigo. Eu cobri a boca com as mãos. Como diabos eu chegara a esse ponto?

Corri até meu banheiro. Agachei-me na frente da privada, e levantei a tampa. Levantei o dedo em riste, depois o coloquei na minha garganta, que protestou. Eu a ignorei. Algo se remexia no fundo do meu estômago, e eu continuei.

That never was and never will be!

Fechei os olhos, como se fosse acabar mais rápido.

Senti algo saindo da minha garganta. Eu cuspi para me livrar do gosto de vômito.

Eu fui me levantar. Minhas pernas fraquejaram. Eu apoiei-me nas bordas da privada, com os braços tremendo. Meu cabelo havia se soltado, de modo que os fios lisos caíam na minha frente.

Don’t you see me?

Eu joguei a cabeça pra trás, e respirei fundo. Fechei os olhos.

Um soluço veio, e com ele o gosto de vômito aumentou.

Eu botei tudo pra fora novamente.

Depois, me joguei contra a parede do banheiro. Encolhi-me ali, sentada no chão frio. Apertei meu estômago, tentando fazê-lo ficar menor.

Somehow you got everybody’s fool!

Balancei a cabeça em negação. Arrastei-me até o Box do banheiro. Abri o chuveiro. A água fria me atingiu. Eu permaneci ali, de olhos fechados, até a água ficar quente.

Look here, she’s come now!

Quem eu era? Ninguém. Só uma gorda ridícula tentando ganhar a porra de um concurso.

As lágrimas desceram.

Eu era patética. Onde estava a grande vencedora? Estava escorrendo pelo ralo, junto com as lágrimas. Deitei-me no Box do banheiro. Eu não conseguia respirar direito, com os soluços me atrapalhando.

Oh, how we love you!

Enchi minha boca de água, depois cuspi. O gosto diminuiu. Eu fechei o chuveiro e me enrolei na toalha.

She never was and ever will be!

Sentei-me na cama.

O que eu estava pensando?

Eu era uma vencedora.

Uma vencedora que se ajoelhava na frente da privada quase todos os dias. Uma vencedora que gastava uma fortuna em maquiagem. Uma vencedora que não sabia se controlar direito. Uma vencedora que ficava quarenta minutos fazendo chapinha, porque detestava seu cabelo ondulado.

Uma vencedora.

You don’t know how you be trait me!

De alguma forma, aquela garota no espelho havia me traído. E eu havia traído-a de volta. Ela havia prometido não comer. Eu havia prometido não vomitar. Ela não tinha ideia de como havia me traído.

Mas eu estava fazendo os outros de idiotas.

Somehow you got everybody’s fool!

Enfiei-me em meus pijamas. Joguei-me na cama. Fechei os olhos.

Imagens começaram a vir na minha mente. Eu as tranquei num quarto escuro, no fundo do corredor. Porém, elas ocasionalmente conseguiam escapar, eu tinha que vociferar para elas voltarem para onde deveriam ficar. Afinal, era apenas eu na minha mente. Não havia outra garoa, havia? Não deveria haver.

Porque eu estava ali.

Eu tinha que estar.

Eu estava em algum lugar no meio daquelas mentiras.

Can’t find yourself,

Lost in your lies!

Eu senti algo em minha garganta.

“Não”, eu pensei. “De novo não”.

Levei os dedos aos lábios. Não, aquilo não ia sair. Se era pra sentir dor, eu tinha que engoli-la.

I know the truth now!

Deixei meu estômago se acalmar. Respirei fundo. Senti cheiro de maconha, mas já estava acostumada. Yuri sempre fumava. Do quarto de Wendy não dava pra sentir, ainda bem. Eu conseguia dormir com aquele cheiro. Ela não.

And I don’t love you anymore!

Eu costumava fazer acordos com a garota do espelho. Acordos mínimos e secretos. “Você não vai comer isso”. “Vou, sim”. “Tá. Mas então não vai almoçar”. “E você não vai botar pra fora”. “Feito”.

Tudo pra ser uma vencedora.

Tudo pra ser magra.

Never was and never will be!

Mas ela havia comido.

E comido.

E comido.

E eu havia botado tudo pra fora.

Porque era meu corpo. E, sim, ela estava aqui junto comigo. Eu quase podia ouvi-la me culpando. Afinal, eu a fazia sofrer, e ela me fazia sofrer de volta. Não era justo, mas a beleza dói assim mesmo.

You don’t know how you be trait me...

A beleza dói, especialmente quando é a única coisa que você tem.

Mas aquela garota? Ela não era real. E por mais que ela me confortasse algumas vezes, ela não podia me salvar de mim mesma – ou do concurso. Ou dos espelhos. Ou da hostilidade.

You not really and you can’t save me!

Finalmente adormeci.

Afinal, as coisas sempre ficavam melhores quando o sol ia embora.

Somehow you got everybody’s fool...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vocês não tem a mínima noção do quanto eu amei escrever esse capítulo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Imperfeitas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.