As cinco fases do luto escrita por morangochan


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Oi morangolinas, aqui é a morangochan.
Essa one shot se deu após um sonho que tive. Confesso que é a primeira vez que escrevo algo tão melancólico. Aviso também que não há muitos diálogos, a maior parte do capítulos é apenas relatos de Nathaniel em primeira pessoa.
Boa leitura.



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— É da emergência? Preciso que mandem uma ambulância urgentemente para minha casa. Minha mãe está passando mal e eu não sei o que fazer.

Entre lágrimas e soluços. O corpo de minha mãe comparava-se como uma marionete, talvez. O barulho da ambulância soou, o do desfibrilador logo em seguida. Duas, três vezes. E nada. Nada além do óbito. Era o fim. Era o fim para ela e eu senti como se uma parte minha tivesse chegado ao fim também.

ANOS ATRÁS.

Era final de ano e eu estava na casa do meu pai. Era o que acontecia todo final de ano. Como sempre a família se reunia para comer, beber e depois ir embora e passar o resto do ano olhando com estranheza uns aos outros. Mas nada daquilo importava, o que importava era ter espirito natalino e fazer promessas das quais nem sonhariam em cumprir.

— Nathaniel, como você cresceu. — comentou minha madrasta Agatha. — Está muito mais bonito. Aposto como as menininhas já correm atrás de você.

Meus pais eram divorciados desde que nasci. Minha irmã Ambre sempre teve problemas com minha madrasta. Ambre era oito anos mais velha que eu e essa mulher apareceu na vida do meu pai quando minha irmã tinha apenas quatro anos. Durante nove anos de casamento, meu pai não foi fiel a minha mãe um dia sequer. Ainda tinha a cara de pau de desfilar com a amante na rua e leva-la para a porta de casa com intenção de humilhar a própria esposa.

— Não. Eu não quero namorar agora. — balancei a cabeça. Ela me olhou com estranheza.

— Cuidado para não andar em maus caminhos. — ela avisou. Sem fundamento, com certeza. No mínimo porque respondi algo que ela não esperava ouvir. — Cuidado também com as influências e com as pessoas que acompanham você.

Assenti com a cabeça. Minha irmã estava na companhia de uma prima um pouco mais velha, ambas estavam bem longe das vistas de minha madrasta. Meu pai só esperou que eu nascesse para dar um chute no traseiro de minha mãe e ir ficar com a amante dele. Claro que eu fui criado sem ver todas as coisas que minha irmã viu durante toda a sua infância. Acho que foi por isso que não desenvolvi uma intriga com Agatha como minha irmã desenvolveu.

Minha madrasta me tratava como se eu fosse filho dela. Pelo menos isso quando eu era mais novo. Depois que ela teve uma filha com meu pai, as coisas mudaram um pouco. Mas não posso dizer que fui tratado mal depois disso, pois não fui.

Ambre sempre foi problemática, e agora na adolescência é que estava mais ainda. Nossa prima Letícia estava grávida na época dessa festa natalina. Claro que Ambre se vangloriava dizendo que não ia repetir o mesmo erro da prima. Mas acabou cuspindo pra cima. Anos depois, com a mesma idade de Lety, Ambre ficou grávida.

Nessa época minha mãe havia acabado de montar uma loja de informática. Foi na época em que a internet e computadores se tornaram mais comuns e acessíveis as pessoas. Antes disso a coitada arriscava a vida numa mercearia em um bairro violento. Tudo isso para sustentar a mim e a minha irmã. Nessa época meu pai não tinha tanta condição financeira como depois veio a ter, mas se tivesse um pouco mais de interesse nos filhos, quem sabe seria mais preocupado e tentasse mandar uma pensão decente. Ele só mandava o dinheiro da escola limpo e seco, o resto minha mãe tinha que se virar para conseguir. Por trabalhar tanto minha mãe nunca teve tempo de educar minha irmã como deveria ter sido. Minha avó cuidou de mim durante toda a minha infância, mas uma idosa não poderia impor limites a uma adolescente descontrolada como Ambre.

A meu ver, Ambre sempre foi um caso sério. Estudava no período da tarde, mas voltava para casa às nove da noite ainda com a farda do colégio. Isso quando ela voltava! Tinha dias em que minha mãe saia procurando-a nas praças da cidade. Envolvimento com gente ruim era o que ela mais tinha. Uma vez minha mãe encontrou um caderno onde ela anotava o nome dos garotos com quem ela ficava. Outra vez foi pior: ela flagrou minha irmã pelada na cama com um garoto que nunca nem tinha visto na vida. A situação até melhorou quando Ambre arrumou um namorado fixo, mas foi aí que ela acabou engravidando dele.

Délia era o nome da minha mãe. Ela montou a loja de informática visando o lucro que teria, já que os computadores eram a nova sensação do momento. O objetivo era juntar dinheiro para construir uma casa. A casa que morávamos era alugada e ter uma casa própria era o sonho dela. Entretanto na época em que minha mãe poderia ter juntado algum dinheiro, foi a época em que minha irmã ficou dentro de casa dando despesas. Estava ela, o namorado, a filha recém-nascida e uma moça que havia sido contratada para cuidar da criança enquanto minha irmã concluía o ultimo ano do ensino médio. Em minha opinião fora apenas uma desculpa para não lavar fraldas e assumir a completa responsabilidade que tinha que ter com a criança. Ela nunca descuidou da filha, não mesmo. Mas escola não era uma coisa com que ela se preocupava. Se tivesse preocupação com sua vida acadêmica, não teria repetido de ano três vezes.

— É tudo culpa da sua mãe. — era o que meu pai falava. — Se ela tivesse educado sua irmã direito, isso nunca teria acontecido.

Fácil colocar a culpa nos outros, não? Ele nunca teve participação como pai na vida da minha irmã, nunca educou ela como minha mãe tentou fazer. Educar não quer, mas reclamar quer.

Minha irmã não se tornou um problema só para minha mãe financeiramente. Ambre tornou-se também um problema para mim, mas de outra forma. Eu havia começado a gostar de um garoto da escola e namorava escondido com ele. Um dia ela descobriu e ameaçou contar para meu pai. Isso era horrível, pois se ela contasse para ele, com certeza a culpa seria jogada nas costas da minha mãe. Imagina que vergonhoso seria para o velho ter um filho gay. Então eu acabei terminando com o garoto para prevenir quaisquer escândalos.

Anos se passaram e Ambre mudou de cidade para trabalhar junto com meu pai em uma de suas lojas. Na época ele havia aberto a terceira e a função de Ambre seria administrativa. Era muito para quem nunca quis estudar na vida. Sabe todo o trabalho e todo o dinheiro que minha mãe gastou nela? Pois é. Esse dinheiro todo foi jogado no lixo, toda a paciência foi desconsiderada. Ambre olhava para a própria mãe com desprezo. As vezes eu flagrava a pobre coitada chorando por ser tão desvalorizada pela própria filha.
Eu sabia que aquilo iria ter troco, sabia que ela iria se arrepender. Entretanto confesso que não sabia que seria tão doloroso assim.

DIAS ATUAIS.

Por conta da ausência maternal, fui obrigado a mudar de cidade e ir morar com meu pai. O funeral dela fora na cidade em que ele vivia por puro comodismo. E olha que os poucos parentes de minha mãe moravam em nossa antiga cidade. Aquilo me doía tanto, tentava fingir que aquela mulher naquele caixão não era minha mãe. Não poderia ser, não tinha como ser. Dias atrás ela ria falando sobre algum vídeo engraçado que vira numa rede social. Estava tão cheia de vida, mas agora nada restava.

— Eu lamento tanto por isso. — chorava minha irmã enquanto tentava discursar para os parentes e conhecidos que vieram acompanhar o funeral. — Sempre amei-a tanto. Ligava toda semana para saber como estava, sempre ajudava quando podia. Minha mãe significava tanto para mim.

Foi quando eu não me aguentei. Subi no palco da igreja e fiz Ambre descer as escadas sendo puxada pelos cabelos. Quanto cinismo! Tudo o que falou era mentira, aquela cachorra sempre desprezou nossa mãe. E isso aconteceu principalmente depois que ela fora embora para trabalhar com meu pai. Sabe por que meu pai se tornou o querido herói dela? Por causa de dinheiro. Devo me corrigir, ainda por cima. Seu herói não era o pai, era o dinheiro dele.

— Sua sem vergonha! — exclamei na frente de todos que olhavam com perplexidade a cena de violência. — Deixa de ser mentirosa! Você sabia muito bem a situação financeira da nossa mãe e podia ajuda-la sim, mas nunca deu um sabonete para ela. Nem desejava parabéns quanto ela fazia aniversário. Você sempre foi desnaturada. — a cada frase minha voz ia ficando mais alta, a mão puxava cada vez mais o cabelo loiro de minha irmã. — Eu sempre soube que você era uma mentirosa. E ela iludida sempre acreditou nas suas mentiras! Você vai morrer de remorso, quero que morra de remorso! — nesse momento foi que meu pai resolveu agir. Ele me puxou para um lado, minha madrasta puxou minha irmã para o lado oposto. Ainda consegui levar um bolo de cabelo com a mão fechada, minha irmã chorava desconsolada. — Sua vagabunda! — exclamei com ódio tentando me livrar dos braços de meu pai.

Tenho certeza que esse vexame era a ultima coisa que minha mãe iria querer. Ainda por cima em seu funeral! Ela poderia até negar, mas sei que mamãe sempre teve vontade de fazer o que fiz com minha irmã. Tirar a pele de bezerro daquela cobra cascavel.

Fiquei por dias negociando comigo mesmo, pedindo à Deus que me fizesse esquecer de tudo aquilo. Esquecer do abandono de meu pai e de minha irmã. Queria esquecer que naquele momento eu estava sozinho no mundo. Francis e Ambre não significavam nada para mim. Queria ser uma pessoa melhor, uma da qual minha mãe tivesse orgulho. Jurei a Deus que me tornaria melhor se pudesse tirar aquela tristeza de meus ombros.

— Eu ainda não esqueci daquele vexame. — ouvi meu pai gritar com minha madrasta. Ambos estavam na cozinha, o quarto em que eu estava era de frente para a cozinha. — Tenho vontade de jogar esse moleque na rua só pelo que ele fez.

— Isso tudo porque a sua filha queridinha é aquela safada. Nunca valeu nada. — retrucou minha madrasta. Sendo uma mulher que se envolveu com um homem casado que tinha filhos, ela não tinha muita moral para dizer que minha irmã nunca valeu nada. — Eu criei nossa filha sozinha. Depois que aquela criatura se mudou para cá, você se tornou um pai mais ausente do que já era.

A discussão se estendeu por vários minutos. Por mais de uma hora, para ser exato. Passaram-se três dias e eu apenas me isolei dentro do quarto. Passava horas e horas tendo lembranças de minha mãe. Meu corpo quase desidratava de tanto choro e melancolia. Minha mãe fora tão batalhadora, tudo isso para ser desprezada por uma ingrata. E para ser criticada por um idiota que nunca fez nada e ficava se achando no direito de falar dos outros.

— Cara, eu queria saber o que você tem. — esse foi o dia em que meu pai entrou em meu quarto para conversar. Com certeza não estava fazendo aquilo por livre espontânea vontade. Aposto o que quiser como o que lhe motivou foi a insistência de Agatha.

— Eu sempre tive tanto medo do senhor. — o começo foi tão suave. Mesmo minha voz estando rouca, mantinha-se em um tom suave. — Quando eu passava o final do ano e fazia alguma coisa errada, o senhor me surrava e sempre fazia um comentário maldoso sobre a minha mãe. Mas quer saber? — estreitei meus olhos. O tom de voz que antes era suave, foi engrossando cada vez mais. Apesar de que continuava a falar baixo. — Sempre pensei que você iria morrer primeiro. Fumou durante dez anos e só parou quando pensou que ia bater as botas. Pelo menos parou de fumar. Já os nojentos dos seus irmãos continuaram. Foi por sua culpa e por culpa deles que eu tive bronquite alérgica com dois anos de idade. Mamãe contou que o senhor fez até um testamento de distribuição de bens para sua linda esposa não passar a mão em tudo. Aliás, que porra de casamento é esse? Você mesmo se gaba que come uma boceta diferente todos os dias. Isso tudo por causa da crise da meia idade? Reclamar você sempre quer, mas aposto como nunca se esforçou na cama para agradar a Agatha. Deve ter sido por isso que ela fechou as pernas para você. — meus olhos ficaram mais estreitos. Minha voz tornou-se um sussurro, mas que continha tanta fúria que chegava a estremecer. — Você é uma pessoa tão odiosa. Ninguém gosta de você. Acha que minha irmã ama você? Ou que todas aquelas mulheres bonitas que transam com você, que aliás têm idade de serem suas filhas? Sabe o que todos ao seu redor amam? Seu dinheiro. Todos são interesseiros. Deveria ter me amado tanto por nunca ter gostado de você por causa do seu dinheiro. Mas você nunca me visitou por causa da Agatha e apenas ficou me mandando uma pensão mixuruca enquanto poderia mandar muito mais. Minha mãe de besta nunca colocou um cafajeste como você na justiça. Aliás, sabia que a ideia de te por na justiça foi da Ambre? Hoje ela te ama tanto. Será que amaria se soubesse que você arruma amantes pro marido dela? Nem sei que tipo de pai é você. Mas se ela é desnaturada, teve a quem puxar. — os olhos de meu pai estavam fixos em mim. Vidrados, tristes. Mas a sensação atual era de vitória, de desabafo. — Eu sempre tive tanto medo do senhor me encher de tapas como fazia antigamente, mas agora eu não ligo. Bata em mim. Me dê a maior surra de todos os tempos. — foi aí que meus nervos começaram a vir à flor da pele. — Bata em mim! Me mata! Me mata logo! Eu não quero mais viver! Anda, me mata logo! Seja homem pelo menos uma vez na vida!

Há cinco fases do luto: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Sabia que a aceitação foi a unica da qual eu nunca provei? Quem me contou sobre as fases do luto foi um psiquiatra do qual meu pai me enviou depois daquela conversa galante. Infelizmente psiquiatras não funcionavam comigo como funcionaram com a Lynn, a filha retardada que ele mandava para o psiquiatra quando a menina era apenas burra e só precisava estudar mais. Me encontraram com o pescoço pendurado em uma corda presa as grades da janela.

O conceito da vida é complexo. Apesar de aparentemente ser tão simples: você vive e depois morre. Quem sabe se minha mãe tivesse sido valorizada, a morte dela não viesse acarretar tanto remorso. Não sei se sentiram alguma coisa quando me encontraram enforcado. Meu pai teve dezesseis anos para valorizar seu filho. E se teve que enterrar um filho, é uma pena.


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