— Meu pai? — Minha pergunta fez com que os anões rissem. — O que sabem sobre ele?

Brokk subiu em um pequeno banco, voltando a mexer em sua forja.

— Não muita coisa. — Respondeu Eitri. — Digamos que Mathias é um homem muito misterioso e não nos contou quase nada.

— Me digam o que saiba.

Os anões me olharam de forma irônica.

— Cumpra a missão e conto tudo o que seu pai nos disse. — Falou o anão que permanecia atento em seu trabalho. — Agora recomendo partirem o mais rápido possível, pois não vão querer lutar com Gullinbursti quando o sol se por.

♦

— Quem é Gullinbursti?

Já estávamos procurando pelo tal animal há mais de uma hora, na floresta após a colina de Santa Clarita. O sol estava longe de se por, mas se continuássemos nesse ritmo só o encontraríamos no dia seguinte.

— Uma das várias obras-primas dos filhos de Ivaldi. — Informou Teseu, que assumiu o comando da exploração. — Um javali dourado que foi dado de presente a Frey, um dos deuses chefes da agricultura na mitologia nórdica, e somente ele pode controlar a fera, que por muitos anos foi o terror de Midgard.

— Quantos nomes... — Quem disse isso foi Logan, e eu tive que concordar, pois a cada pergunta respondida, tinha duas novas em mente.

— Midgard é um dos noves reinos da mitologia nórdica. — Explicou Kendall, que foi rápido e objetivo.

Sem querer me lembrei do filme Thor, que era uma boa referência para a mitologia nórdica, embora soubesse que o Homem de Ferro ou o Capitão América não fizesse parte daquele universo divino.

A espada que havia recebido dos anões estava presa em minha bainha e eu sentia seu peso no meu quadril, incomodando-me a cada passo. A minha mente viajava toda vez que percebia sua presença, pensando na possibilidade de meu pai ainda estar vivo e que havia deixado um presente a mim.

— Kólasi... — Sussurrei o nome da espada que os anões haviam dito.

— Inferno. — Teseu havia diminuído o ritmo, ficando do meu lado.

— O que?

— Kólasi significa Inferno em grego.

Aquilo serviu para meu cérebro desaparecer de vez. Jovens da minha idade recebem carros, celulares ou outros presentes mais comuns dos pais, não espadas que recebiam o nome de um lugar sombrio e temido por todos.

— Por que? — Perguntei curioso.

— Isso quem vai ter que descobrir é você. — Respondeu Teseu, atento para qualquer situação. — Mas saiba que espadas recebem nomes por um motivo próprio.

Olhei para Kendall, que estava segurando sua espada de fada e me perguntei se ela possuía algum nome próprio.

— Teseu... — Chamou Logan, que parou de repente, atrás de nós. Ele parecia estar tentando ouvir alguma coisa com sua audição aguçada.

— Ouviu alguma coisa?

Ele assentiu de leve, mas sua expressão continuava séria. Até que ele, repentinamente, virou sua cabeça, obrigando-nos olhar para a mesma direção.

Há alguns metros estava um javali inteiramente dourado, com uma expressão sanguinária. Dois chifres brilhantes brotavam de seu focinho enquanto nos olhava de forma ameaçadora. Ele devia ter pelo menos 1,5 metros de altura, muito maior do que um javali comum.

— Não se mexam... — Ordenou Teseu, mas Aine apenas riu.

— Acha mesmo que vai funcionar com ele? — Zombou, no mesmo instante em que ele saltou em nossa direção para um ataque violento.

Pelo fato de eu ser o mais próximo do animal, fui o primeiro a quase ser atingido pela sua fúria, obrigando-me a saltar para o lado, escapando por pouco de seu chifre.

No entanto, Aine não teve tanta sorte, pois decidiu utilizar suas asas para escapar de Gullinbursti, não tendo tempo suficiente. O chifre da fera acertou em cheio a perna da fada, fazendo o sangue jorrar assim que cortou sua pele.

A fada gritou quando caiu no chão, gemendo de dor, o que chamou a atenção do javali para mais um ataque. Porém, antes mesmo dele avançar contra Aine, Kendall correu na direção do animal, jogando seu peso contra ele e o derrubando.

Kendall tentou prendê-lo com sua força, mas a cada vez que ele conseguia fazer o que pretendia, o javali aumentava significativamente de tamanho, até que o garoto não tinha mais forças para prender ele.

— Santo Zeus. — Murmurou Teseu, assim que Gullinbursti ficou frente a nós novamente, com sua nova altura, que chegava a 2 metros.

— Não sabia que recorria as suas divindades quando está em perigo. — Comentou Aine, que ainda estava no chão tentando aguentar a dor. Era incrível como, mesmo ferida e ensanguentada, ela ainda tinha capacidade de retrucar.

O javali não deixou a gente nem se recuperar para mais uma investida, desta vez na direção de Teseu, que disparou uma flecha de sua aljava, apenas se chocando contra o corpo dourado do monstro e ricocheteando.

A velocidade do animal havia aumentado também, além de sua força, se chocando contra duas árvores após todos se esquivarem de seu ataque brutal. As árvores não tiveram nenhuma chance, pois assim que os chifres do animal as atingiu se partiram em centenas de pedaços.

Gullinbursti grunhiu assim que se virou, defendendo um ataque de Logan com algumas pedras que encontrava no meio do caminho. E então ele avançou na direção de meu amigo, que esperou o momento certo para saltar e se salvar.

— É impossível detê-lo. — Gritei, assim que o vi se preparando para mais um ataque.

Toda vez que conseguíamos nos salvar, ele rapidamente se virava para mais um ataque, não nos dando muito tempo para recuperar. Qualquer hora ainda seriamos atingidos por um de seus ataques e poderia ser fatal.

Sem que pensássemos em algum plano para conseguir domar a fera, ela nos atacou pela décima vez, mas este ataque nos custou caro quando Kendall não conseguiu escapar da fúria do animal, sendo pisoteado pelo javali.

— Kendall! — Gritou Aine, que até então havia se recuperado, embora sua perna ainda estivesse completamente ensanguentada com um corte profundo.

Felizmente o garoto saiu vivo, no entanto estava muito ferido para resistir a mais um ataque do javali, que pelo visto já estava sendo planejado pelo mesmo.

Antes que Gullinbursti atacasse, Logan salvou a vida de Kendall, correndo na direção do javali e o parando com suas duas mão no chifre, sendo empurrado pela força do animal.

Peguei a espada que havia recebido, mas no mesmo instante em que a brandi, a lâmina se incendiou. Porém, o fogo era diferente, apresentando uma coloração azul e sombria, que bruxuleava lentamente e emitia uma onda de frio cálido e penetrante.

— Fogo Negro... — Murmurou Aine, assim que viu as chamas ao redor de minha espada.

O fogo então se alastrou pelo ar, atingindo as árvores e se iniciando um incêndio. Porém, as chamas não queimavam as árvores ou a vegetação, ela as congelava.

Todos ali, inclusive o javali, olhavam aterrorizados para as chamas, que se dissipavam lentamente, até desaparecer de vez, deixando um rastro de destruição fria e congelada.

— O que foi isso? — Sussurrei, vendo que as chamas de minha espada também haviam desaparecido.

No entanto, Gullinbursti não nos deu oportunidade para pensar, pois já estava atacando novamente. Logan tentava segurar a fera com suas mãos em seus chifres, mas a fúria do animal era tanta que ele simplesmente era levado e arrastado. Até que o javali se irritou, revidando com um chacoalhar de cabeça, lançando Logan para o chão e por pouco pisando em meu amigo, que acabou saindo ileso.

Ainda estava atordoado com o que havia acontecido, mas fui obrigado a revidar quando o javali veio em minha direção, para um ataque certeiro. Brandi a espada novamente, temendo que ela voltasse a criar suas chamas sombrias, e atingi o corpo do animal, que não fez nada a não ser retaliar o ataque.

Gullinbursti estava cada vez mais furioso, atacando mais de uma vez seguida. Era insano ficar ali tentando detê-lo, pois a cada ataque nossa situação se tornava mais perigosa.

Isso até todos estarem no chão, frente a frente com o animal, que nos encarava com uma sede de sangue no olhar. Ele se preparou para mais um ataque, provavelmente sendo o último e então partiu em nossa direção.

— Chega! — Gritou Logan, que havia se recuperado, se pondo entre nós e o javali.

Por um instante pensei que o animal iria apenas esmagar meu amigo como um inseto, mas inacreditavelmente ele parou no meio do ataque.

Ele, então, encarou Logan, que ainda expressava um tom de autoridade e fúria em seus olhos. Nunca antes havia visto meu amigo tão sério e disposto a nos proteger, a não ser, talvez, quando tentou ajudar Teseu contra Gymir.

Após examinar meu amigo, o javali inclinou sua cabeça, como sinal de respeito, se curvando perante Logan, que passou a demonstrar confusão.

— O que acabou de acontecer? — Perguntei com um sussurro.

Teseu exibia um sorriso de admiração.

— Gullinbursti reconheceu a coragem de Logan.

♦

Seguimos em frente, rumo à aldeia dos anões, quando conseguimos, enfim, domar e controlar Gullinbursti. Bom, na verdade, foi Logan quem fez todo o trabalho.

Ainda pensava no que havia acontecido com minha espada quando a brandi. As chamas ainda estavam em minha mente e em como elas haviam sido destrutivas.

— Tome cuidado Kevin. — Levei um susto quando Aine se aproximou de mim. — O Fogo Negro é extremamente perigoso e quase impossível de ser controlado.

Lembrei-me de quando a fada havia se referido as chamas como sendo Fogo Negro.

— O que é isso?

— É um tipo de fogo sombrio, que queima a alma e a vida. — A voz de Aine demonstrava medo. — E só existe em um lugar...

— Inferno. — O significado de Kólasi enfim fez sentido, mas eu não tinha tanta certeza se realmente devia ficar com aquela espada, embora fosse presente de meu pai, como os próprios anões haviam dito.

— Não há nenhum lugar mais sombrio e assustador do que o próprio Inferno.

Não demorou muito para chegarmos à aldeia dos anões, encontrando a residência dos filhos de Ivaldi. Sendo que os anões já estavam do lado de fora nos esperando, surpresos com a nossa vitória.

— Acho que subestimei vocês. — Comentou Brokk, olhando para Gullinbursti admirado pelo tamanho do animal e de sua magnitude. — Vamos lá irmão.

Assim que Logan saltou do dorso do javali, ambos pegaram uma barra de metal extremamente pesada para criar uma jaula ao redor do animal. No entanto, meu amigo logo percebeu a intensão dos anões e se colocou no meio.

— Vocês não vão prendê-lo de novo. — Ralhou Logan. — Sabem que ele pode escapar.

Os anões riram.

— É, claro, e iremos deixar ele solto para que todos morram. — Ironizou Eitri. — Muito inteligente da sua parte.

— Eu não precisei derrubar ou sequer feri-lo. — O tom de voz de Logan era surpreendentemente autoritário, algo não muito comum vindo de meu amigo. — E vocês também não vão precisar.

Então, Logan se virou para Gullinbursti e colocou a mão em seu focinho, fazendo o javali se ajoelhar perante meu amigo. Ele disse algumas palavras, pedindo para que o animal não voltasse a fugir ou atormentar os outros, até que ele se levantou novamente e rumou em direção a casa dos anões, deitando próxima a ela.

— Agora ele não vai mais atormentar esse lugar.

— E como podemos confiar em você?

Logan exibiu um sorriso travesso, idêntico ao dos anões.

— Da mesma forma que eu estou confiando em vocês. — Aquilo fez os filhos de Ivaldi se entreolharem e ficarem surpresos com a ousadia de meu amigo. — Agora creio que vocês me devem uma espada!

Brokk sorriu, olhando rapidamente para Eitri que fazia a mesma coisa. Então, ele colocou a mão em seu macacão de ferreiro, tirando de lá um bastão pequeno de metal, com aproximadamente 10cm de comprimento, por fim o entregou a Logan, que pegou o bastão sem entender absolutamente nada.

— O que é isso?

— Sua espada. — Respondeu o anão com um sorriso de felicidade ao ver a sua obra-prima. — Ou seu machado. Ou seu martelo. Lança. Qualquer coisa.

— Basta pensar na arma que deseja e pronto.

Logan fitou o bastão, ainda confuso, mas então fechou os olhos, provavelmente pensando em alguma arma. De repente, o bastão emitiu um brilho fraco enquanto vibrava aceleradamente, aumentando de tamanho de forma significativamente. O metal começou a se achatar, virando uma lâmina afiada e pontiaguda, até que a parte em que Logan segurava se engrossava, se transformando em um cabo.

Em questão de segundos, Logan já não segurava mais um bastão qualquer e sim uma espada brilhante e resistente. Ele, então, a brandiu com maestria, cortando o ar.

— Incrível!

Os anões se sentiram orgulhosos pelo que haviam feito, até que me olharam, fitando minha espada.

— Pelo visto já viu do que ela é capaz, não é garoto? — Perguntou Brokk de forma séria.

— Acho que você me deve algumas respostas.

— Claro. — Disse ele. — Vamos conversar em um...

Antes mesmo que o anão completasse sua frase, ele arregalou os olhos, abrindo a boca enquanto colocava sua mão no peito, de onde surgira uma flecha ensanguentada.

— Brokk! — Gritou seu irmão ao vê-lo caindo no chão, morto.

Ele se virou para ver o que estava acontecendo, mas ao fazer isso um machado pequeno surgiu, cravando-se em sua testa e o derrubando ao lado do irmão, também morto.

Ouvi gritos de guerra vindo do outro lado da campina, enquanto seres monstruosos e verdes, todos armados com machados, arcos e qualquer tipo de arma, trajando armaduras pesadas e impenetráveis.

— Orcs...