Demônio do Norte escrita por Enya Flowers


Capítulo 1
Winterfell - 295 DD.




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Sansa estava furiosa. Na noite anterior Arya, sua irmã mais nova, a presenteou com um bocado de estrume escondido em seu colchão de penas o que resultou em uma péssima noite de sono em um dos quartos de visitas de Winterfell onde o colchão era feito de palha. Como se isso não pudesse ter sido horrível o suficiente, quando ela reclamou da atitude da irmã para os pais tanto Lorde Eddard quanto Lady Catelyn não puniram Arya como ela esperava, apenas orientaram para que as duas se entendessem. Aparentemente os seus pais estavam mais ocupados em organizar a chegada do novo bebê, o quinto filho do casal. Seus outros irmãos reagiram de forma ainda mais drástica quando ouviram sobre o ocorrido, rindo da atitude escolhida pela caçula para atormentar a mais velha. Até mesmo Theon Greyjoy se uniu ao coro de zombaria.

- Quero ver se continuarão a rir depois de me vingar de todos eles! - Exclamou para si mesma enquanto adentrava o Bosque Sagrado na manhã seguinte do acontecimento.

A primeira filha mulher de Lorde Stark podia ter só os seus sete anos e meio, mas era tão vaidosa e caprichosa quanto uma mulher adulta e sentia-se terrivelmente ofendida quando as coisas não saiam do seu agrado.

- Poderia me vingar deles da mesma forma que Arya me humilhou - A ideia fez com que seus lábios se alargassem em um sorriso que não durou muito tempo. Pensar em ter de recolher um monte de estrume por conta própria enjoava o seu estômago. Ter deitado em um colchão cheio de fezes de animais era o máximo de contato que ela teria com excrementos por um longo tempo.

- O que eu posso fazer, então? - Se questionou enquanto adentrava o Bosque Sagrado. Talvez se perguntasse aos Deuses Antigos eles lhe mostrassem o caminho, mesmo que no fundo ela acreditasse que os deuses não aprovariam esta ideia de vingança.

Com o início do verão o Bosque Sagrado estava em seu máximo esplendor. As árvores exibiam as suas folhagens no verde mais vibrante possível, algumas exibiam flores e outras davam frutos, exceto o grande represeiro com a face do Deus esculpido. A árvore sagrada era branca, seu tronco largo e as folhas avermelhadas. Nunca nenhuma flor, muito menos um fruto fora germinado pela árvore-coração. De frente para o represeiro havia a lagoa termal que emitia um calor muito bem vindo aquela hora da manhã. Independente da estação, o Norte de Westeros sempre era abençoado com o frio, claro que com mais intensidade no inverno, pelo menos era isso que Sansa ouvia daqueles que já tiveram o prazer de viajar para o Sul. Um dia também irei para o Sul, dizia a si mesma sempre que ouvia histórias de Porto Real e Correrrio.

Em sinal de respeito, Sansa ajoelhou-se de frente para o represeiro, fechou os olhos e juntou as mãos na frente do próprio peito como vira diversas vezes o seu pai fazer. Não tinha certeza como começar uma oração, mas isso não a impediu de fazer o seu melhor. Primeiro ela começou pedindo bênção para a sua mãe que estava carregando um novo irmãozinho seu na barriga. Pediu para que os deuses lhe dessem uma irmã e que dessa vez fosse menos selvagem do que Arya. Também pediu por um verão longo, pela saúde de seus entes queridos, por mais menestréis em Winterfell e por fim que descobrisse uma forma de fazer com que sua irmã sentisse o que era ser atormentada por uma arteirice.

Depois de ter feito a prece a garotinha continuou com os olhos fechados na esperança de receber a realização de seu pedido feito aos Deuses do Norte. Quando finalmente os abriu procurou o rosto esculpido no tronco da árvore-coração. A face permanecia rígida com as eternas lágrimas vermelhas imóveis. Nenhuma palavra lhe foi dirigida, nem o vento trouxe consigo um sussurro como resposta as suas preces. Talvez os deuses não tenham me ouvido, pensou e se recusou a rezar para eles novamente.

Com relutância pôs-se em pé lançando um olhar zangado àquele rosto. Sansa se arrependeu amargamente de ter feito isso. Havia algo naqueles grandes olhos vazados ensanguentados que a fez sentir como se estivesse sendo observada. Com medo a garota cambaleou um passo para trás e então um movimento vindo de dentro do bosque chamou sua atenção fazendo com que seu coração perdesse o ritmo.

As folhas atrás da árvore-coração farfalharam e gravetos foram quebrados indicando a presença de algo ou alguém ali.

- Quem está aí? - A garota questionou com sua voz infantil cheia de temores. Algo dentro de si dizia que podia ser um filho da floresta e ao mesmo tempo dizia que podia ser a chave para se vingar de Arya e de seus irmãos.

Mais uma vez não houve resposta alguma, contudo ao ouvir as palavras disparadas ao ar, o que quer que estivesse ali desatou a afastar-se do Bosque Sagrado, mas antes de fazê-lo Sansa pôde ver de relance a anca de uma corsa no meio das folhagens.

Sansa nunca havia visto uma corsa ou um cervo vivo em sua vida. Algo no animal a fascinou e antes que pudesse perceber o que estava fazendo ela acompanhou o animal, embrenhando-se no meio das árvores.

A corsa era muito mais rápida do que qualquer humano, contudo pela mata ser fechada a habilidade de se camuflar se fazia mais importante do que a agilidade. Não demorou muito para que Sansa conseguisse alcançar aquele animal tão esbelto e perceber que ela estava procurando alguma coisa, farejando o chão cada vez que parava e virando seu longo pescoço de um lado para o outro enquanto as orelhas vibravam na espreita de qualquer som que indicasse a presença de outro ser vivo dentro de seu alcance.

Coitadinha, deve estar perdida, constatou. Era incomum ver cervos andando sozinhos e tão próximos de Winterfell. Aquela deveria ter se perdido do grupo com quem andava e a aproximação do animal dos humanos poderia ser explicada pelo fato da temporada de caça na Mata de Lobos ter sido suspensa pela gravidez da Lady Stark. Se eu a seguir talvez encontre outros de sua espécie. Esta perspectiva esquentou o coração de Sansa e durante toda a perseguição esqueceu-se completamente do desejo de vingança que havia nutrido.

Quando saíra de casa naquela manhã para ir ao Bosque Sagrado o sol mal havia nascido e agora enquanto olhava para o céu que estava visível através das copas das árvores ela percebeu o quão tarde já deveria ser. Devo ter perdido o almoço, lamentou ao sentir sua barriga reclamar de fome. A esta hora alguns servos deveriam estar procurando por ela. Septã Mordane provavelmente a repreenderia por ter sido imprudente, ficando tanto tempo fora de casa. Eu avisei que iria ao Bosque Sagrado, mas ela não estaria lá quando viessem procurá-la. Sansa engoliu em seco percebendo o quão mal ela havia agido. A corsa ainda estava perdida dentro daquela mata e agora Sansa também. Se a corsa que tinha o faro melhor do que ela não conseguia achar o caminho de volta ao lado dos seus, quem dera uma simples criança humana que nunca estivera mais longe do que alguns passos fora da fortaleza de seu castelo e na companhia de conhecidos.

- Eu preciso voltar - Desesperou-se.

Já não se importava mais em seguir o animal perdido e muito menos em elaborar um plano de vingança. Naquele momento ela só queria voltar para o calor das paredes de Winterfell e ver aqueles rostos conhecidos.

Sansa correu até as pernas começarem a arder e a respiração sair entrecortada. O medo e o exercício faziam com que o seu coração se chocasse contra sua caixa torácica. O terror a estava dominando. Não conseguia se lembrar do caminho que a levara até ali. A garota não havia seguido uma linha reta e tinha caminhado por um bom par de horas. Talvez tenha andado por ainda mais tempo, era difícil contar as horas quando se é tão nova e o sol está a maior parte oculto por uma selva.

- Eu quero ir pra casa... - Choramingou, sentindo os olhos umedecerem.

Sansa apoiou-se em uma árvore e escorregou pelo tronco dela, sentando-se em um grande raiz saltada. A garota abraçou os próprios joelhos em uma atitude de proteção.

Os deuses deveriam estar castigando-a por sua vaidade. Mesmo que Arya tivesse agido de má fé com ela, não era próprio de uma lady procurar vingança. Agora, por sua culpa ela estava presa na Mata de Lobos e uma das únicas coisas que conseguia pensar era nos contos de sua velha ama sobre as criaturas que viviam ali. Snarks e Gramequins, Lobos Gigantes, Filhos da Floresta e Gigantes. A voz da senhora ecoava em sua cabeça, seguida pela de sua mãe que se referia à essas criaturas como Demônios do Norte. É assim que os sulistas conhecem os seres das florestas do Norte. Sansa nunca havia visto nenhum desses seres, mas com sua imaginação conseguia visualizar todos eles. Se eles me encontrarem eu nunca mais verei minha família, chorou feito a criança que ela de fato era.

Não sabia dizer quanto tempo mais ela desperdiçou naquele lugar sem fazer nada. Ela só sabia que quando se levantou sua perna e seu quadril estavam gelados pela umidade vinda do solo que vazou através de sua capa e de seu vestido de lã acinzentado, criando uma grande mancha marrom, prendendo algumas folhas velhas no tecido que sentara em cima. Entretanto a garota não sentira o gelado em sua pele ao pôr-se em pé. O coração mais uma vez estava disparado e sua cabeça estava virada para o lado direito, de onde ela julgou ter vindo o grito de um animal ferido.

- A corsa... - Recordou-se de sua velha amiga que havia abandonado ao decidir procurar o seu caminho de volta.

Com o grito agonizante do animal diversas aves voaram para o lado oposto de onde veio o som e Sansa se questionou se estava fazendo certo ao caminhar na direção do caos. A corsa poderia ter se ferido e ela duvidava que pudesse fazer algo para ajudá-la, mas sabia que se fosse um caçador que tivesse abatido o animal ela teria chance de ser levada de volta em segurança para casa. Mas se for gramequins... engoliu em seco com a possibilidade. Se fosse realmente um demônio do Norte, então ela estaria precipitando a sua própria morte.

- Não são caçadores... - Sussurrou para si mesma.

O animal que emitira aquele som histérico ainda permanecia vivo. Quanto mais próxima ela estava do bicho, mais claro era o grito que a fera emitia.

- Talvez ele esteja machucado - Disse, em busca de algo que a convencesse a continuar. Ou talvez seja uma armadilha feita pelos filhos da floresta para te capturar.

No fim do percurso seus passos estavam tão arrastados que demorou mais do que o necessário para cruzar a última fileira de árvores e encontrar uma clareira no meio da mata fechada que ostentava um represeiro possuidor de uma face diferente daquela do Bosque Sagrado de Winterfell.

Os lábios de Sansa se entreabriram em surpresa e maravilha e decidindo que não queria expor a sua figura por completo, se escondeu atrás de um arbusto de amoras silvestres.

Dependurado pelas pastas traseiras em um dos grandes galhos da árvore-coração estava o animal que soltava aquele grito de sofrimento, cada vez com uma intensidade mais baixa, como se estivesse perdendo a voz. A garota reconheceu como sendo um cervo filhote, talvez fosse aquela criaturinha que a corsa estava procurando. Ele grita de uma forma tão horrível... Sansa estreitou os olhos para ver melhor o que se tratava. Era óbvio que uma criatura era responsável por ter amarrado o bebê-cervo daquela forma, isso não a admirou, o que de fato a admirou foi o que alguém se mostrou capaz de fazer com um animal indefeso como aquele. O bebê-cervo não estava diminuindo a intensidade do choro por estar perdendo a voz e sim por estar morrendo. Toda a pele do animal havia sido removida de seu corpo enquanto seu coração ainda batia. A garota viu-se obrigada a elevar as mãos à boca para que sua voz não se unisse à do animal moribundo. Se não tivesse tão chocada com aquela visão ela teria se entregado ao pranto.

Seu corpo inteiro tremia. Nunca soubera de tamanha maldade e questionou a espécie do ser que fizera aquilo. Com certeza não era um humano. Sansa conhecia muitos lordes e cavaleiros e tinha certeza absoluta que nenhum deles era capaz de fazer algo como aquilo, não enquanto o animal ainda estivesse vivo. Em seus contos a velha ama nunca retratou nada semelhante à isso, mas ela também nunca se aprofundou nas façanhas de todas as criaturas da floresta. Snarks e gramequins! Foram snarks e gramequins!, acusou ao se recordar da descrição dos filhos da floresta, dos Outros, dos gigantes e dos lobos. Com exceção dessas duas espécies, o destino do bebê-cervo não podia ser atribuído a mais ninguém.

- Gramequins e snarks são muito inteligentes, minha criança. - A velha ama lhe disse. - São criaturas traiçoeiras que vivem cobertas de sujeira. Eles se alimentam do medo do ser humano e gostam da carne de crianças de até seus doze anos. Sua pele é morena para que se camuflem no meio das matas, mas não se sabe se são realmente morenos ou se são cobertos por uma grossa camada de sujeira, já que detestam água. Seus olhos são brancos para que enxerguem melhor à noite e seus dentes são pontudos, assim como as unhas das mãos e dos pés para que possam subir com agilidade nas árvores e furar sua presa como se cortassem manteiga. Os Septões os chamam de Demônios do Norte, mas os nortenhos os identificam como Gramequins e Snarks. Quando você ver um deles, Sansa, corra o máximo que puder e não olhe para trás. Apesar de não serem nada além de bestas eles têm a forma humana. Não se deixe enganar, garotinha, nunca diga o seu nome, caso o contrário eles levarão sua vida.

Sansa fez como a velha ama ordenara. Sem olhar para trás para ver se estava sendo seguida ou não ela desatou a correr pelo mesmo caminho que viera ou que ao menos julgara ter vindo.

A garota já não tinha mais a mesma energia do começo de sua aventura e logo começou a arfar, diminuindo a velocidade a cada segundo. Estava tão esbaforida que não se preocupou em silenciar os seus passos como costumava fazer enquanto brincava de esconde-esconde e pega-pega com os irmãos. Dessa vez foram poucas as folhas e os gravetos secos que seus pés perdoaram e trouxe consigo uma tempestade de ventos que farfalhou os arbustos. Se não houvessem snarks e gramequins vindo atrás dela, provavelmente agora estariam.

Sem aguentar dar um passo a mais, a garota se escondeu atrás de uma árvore e olhou furtivamente para o caminho que acabara de traçar. Não havia nada atrás dela e nenhum barulho além do vento, dos pássaros, do choro abafado do bebê-cervo ao longe e do seu próprio coração batendo nos ouvidos podiam ser escutados.

Felizmente ou infelizmente esta sinfonia durou por pouco tempo, recebendo um som a mais que ecoou há milímetros de distância do topo de sua cabeça. Em suas costas alguém disparou uma flecha que vibrou ao se prender no casco grosso da árvore centenária em que se escondera. Preocupada com o que deixara para trás, não se dera conta do perigo que estava em sua frente.

Girando rapidamente sobre os calcanhares os seus olhos se maravilharam com a figura de um rapaz robusto, com ar selvagem e roupas de senhor, o que dava incoerência ao que ele demonstrava ser apesar de estar encoberto por terra, folhagens e suor. O que mais assustou Sansa no que ela viu não foi nem a flecha que quase a matou e sim os pálidos olhos acinzentados daquela criatura das matas que quase se ocultavam pela cortina de longas madeixas castanhas que caiam sobre sua face alva.

Você deve correr. Corra! Corra! comandou a si mesma. Os pensamentos foram em vão. Suas pernas não obedeciam sua mente. Estava fraca e hipnotizada. Desejava também desviar o olhar, mas aquele ser prendia toda sua atenção. Nem ele e nem ela se falaram ou se moveram por algum tempo. Os grandes lábios carnudos dele estavam entreabertos empregando um ar bobo naquela face cruel. Sansa percebeu que ele não deveria ser muito mais velho do que Robb, atribuindo à ele uns treze ou quatorze anos.

O farfalhar de folhas alguns metros deles foi o que rompeu o contato visual que formaram. Sem dizer nada o rapaz caminhou em sua direção, retirou a flecha que prendera na árvore acima da cabeça da garota e ajeitando-a em seu arco partiu em direção do barulho.

Com o afastamento daquele ser de olhos pálidos Sansa finalmente se permitiu respirar com naturalidade. Até onde sabia aquele garoto poderia ser um demônio do Norte. Não era algo humano aqueles olhos pálidos. Na verdade eles se identificavam na descrição de snarks e gramequins que a velha ama lhe deu. Não reparei em suas unhas e não pude ver os seus dentes, talvez eles sejam pontudos... gemeu com o pensamento. Mas se ele for um demônio do Norte, por que não me atacou? pensou. Ela era uma criança de quase oito anos, ele deveria gostar de sua carne, não que ela fizesse questão de ser devorada. Ele pode muito bem ser só um garoto humano, o pensamento encheu seu coração de esperança e sem pensar duas vezes ela o seguiu pelo caminho em que ele desaparecera. Não foi necessário muito tempo para que ela o encontrasse.

O rapaz estava se movendo com cautela por trás de grandes arbustos silvestres e esgueirando-se atrás das árvores de olho em algo que Sansa não conseguiu enxergar até que tivesse se aproximado mais. Quando fez isso os seus olhos se maravilharam com a visão da corsa que levara ela a se embrenhar na mata. A garota sabia que era o mesmo animal pois aquela corsa tinha uma mancha branca característica no formato de uma máscara que abrangia a extensão de seu focinho e de seus olhos.

A corda do arco esticou ao seu máximo, Sansa escutou o barulho e soube naquele segundo que o rapaz iria disparar a flecha que mataria o pobre animal.

- Não a mate! - A garota exclamou, fazendo com que a corsa percebesse a presença de humanos e corresse para longe dali.

A flecha escapou do arco, mas não havia sido lançada. A surpresa do rapaz foi tão grande que deixou sua arma cair aos seus pés e os seus olhos pálidos escureceram ao perder sua caça. Toda a sua frustração foi descontada em Sansa.

- Você arruinou minha caçada! - Gritou com o rosto vermelho.

Sansa sentiu vergonha de sua atitude, entretanto ela precisava salvar a vida daquela criatura da natureza, mesmo que seja por culpa dela que ela tenha se perdido ali. Tendo consciência de seu erro, sentiu-se incapacitada de voltar a fazer contato visual com aquele indivíduo, optando por olhar para os próprios pés e segurar ambas as mãos contra o seu peito para que o rapaz não percebesse que ela tremia.

- Por que você estava me seguindo!? - O garoto perguntou ainda aos gritos e aproximou-se da garota, fazendo sombra sobre sua figura ao parar com menos de seis passos de distância entre eles por ser bem mais alto e robusto do que ela.

Continuar em silêncio era uma opção tão confortável que se o bom-senso não tivesse a forçado a falar teria continuado assim.

- Estou perdida... - Confessou em um sussurro e os seus olhos tornaram a se encontrar e permaneceram assim por um tempo tão longo quanto a primeira vez.

Foi a chegada de outro indivíduo que rompeu a ligação visual que formaram.

A nova figura trajava uma roupa tão remendada que parecia que ele estava vestindo trapos. O rosto era coberto por marcas de bexiga, o cabelo castanho escasso revelava traços de calvice no topo da cabeça e mesmo que ele fosse vinte anos mais moço do que de fato era e tivesse a idade daquele rapaz de olhos pálidos ele não seria nem um pouco bonito, principalmente exalando aquele odor que anunciou sua presença na região antes que se revelasse para os dois jovens.

Em instinto Sansa tampou o nariz e a boca com as mãos para que não fosse tão afetada por aquele cheiro desagradável que se assemelhava ao de animal morto que teve a carcaça abandonada ao ar livre por dias. Esse deve ser o cheiro de um demônio, constatou.

- Finalmente o encontrei, mestre! Caçou mais alguma coisa? - O mais velho deles falou, indicando que eram conhecidos.

- Silêncio, Fedor! - O garoto de olhos pálidos exclamou, olhando de seu servo para Sansa.

O homem chamado de Fedor acompanhou os olhos de seu mestre e só então percebeu a presença da garotinha que tinha os olhos esbugalhados e parecia lutar muito para se manter em pé tamanho era os tremores que tinha no corpo.

- Milorde caçou uma menininha, heh? - O homem riu e então se silenciou, analisando o achado de seu mestre.

- Não ainda - O jovem respondeu, preparando outra flecha em seu arco e a mirando em Sansa.

A garota vendo aquilo arfou. O rapaz pretendia feri-la como se fosse um animal qualquer. Lembrou-se do bebê-cervo que vira pouco tempo atrás e do fato de ter-lhe roubado a caça. Sansa fechou os olhos com toda a força achando que aquela seria uma compensação justa pelo o que fizera, embora preferisse não ter de passar por aquilo. Em sua cabeça ela tinha um espaço que questionava se aqueles dois não seriam os snarks e gramequins que esfolaram o pequeno cervo. Se eles fossem, eles bem que podiam tirar toda a sua pele enquanto ela ainda estivesse viva e então tostar a sua carne para se alimentarem dela. Aflita com os seus próprios pensamentos ela desatou a chorar.

- Odeio crianças choronas! - O rapaz exclamou com o rosto ainda mais avermelhado.

- Você vai preferir não soltar esta flecha, milorde! - Fedor o alertou, entrando no meio dos dois - Não percebeu de quem ela é filha? - O homem fedido sorria em sua fala tamanha era a empolgação que tinha - Olhe bem para ela! - Ordenou, saindo do meio deles assim que o rapaz abaixou sua arma.

Dessa vez o garoto a examinou dos pés a cabeça, levando o seu tempo para observá-la da forma mais profunda possível tomando notas sobre a identidade dela. Não se deixe enganar, garotinha, nunca diga o seu nome, caso o contrário eles levarão sua vida, as palavras da velha ama ecoaram em sua cabeça.

- Ela é uma Stark de Winterfell! - Fedor exclamou, aplaudindo a descoberta mesmo que o seu senhor não tivesse dito nada.

- Eu posso ver com os meus próprios olhos, Fedor! - Bufou o rapaz - E até onde eu saiba não há nenhum Stark que não seja de Winterfell! - E dito isso voltou-se para a garota - Qual o seu nome, menina?

Sansa mordeu o lábio inferior para que nenhuma palavra escapasse de sua boca. Se eu lhes der o meu nome, eles levarão minha vida! Contudo ela precisava dar um nome. Em tom baixo para não irritar o seu mestre, a menina ouviu Fedor murmurar algo para si mesmo sobre Starks na Muralha e Karstarks.

- Arya Stark - Respondeu. Ela desejava se vingar da irmã e esta havia sido a melhor forma que encontrara, mas no momento em que o nome deixara os seus lábios Sansa sentiu um incomodo no estômago, pois sabia que havia condenado a irmã, todavia ela mudaria de ideia.

- Arya Stark... - O rapaz repetiu o nome que ela dera com suavidade em sua voz, algo que não combinava com ele - E o que Arya Stark faz tão longe de casa?

Sansa sentiu-se aliviada por eles terem acreditado no nome que dera. Para qualquer habitante de Winterfell a distinção entre as irmãs Starks era fácil de ser feita por Sansa ter os cabelos acobreados e Arya ter suas madeixas castanhas.

- Eu me perdi enquanto seguia aquela mamãe corsa que você quase matou - Optou por dizer a verdade sobre este fato.

- E como você sabe que aquela corsa era uma mãe? - Fedor a interrogou, sentindo-se curioso sobre a análise que ela fizera.

Sansa olhou de um rosto para o outro. Não tinha certeza se deveria contar o que sabia. Eles podiam devorá-la, mas se essa fosse realmente a intenção eles estavam demorando muito para agir. Ela era uma criança e estava sozinha. Se eles se alimentavam de medo aos poucos o que ela sentia ia se esvaindo.

- Eu vi... - Mordeu o lábio por alguns segundos antes de continuar, deixando transparecer a sua agitação - ...Eu vi o filhinho dela preso na árvore-coração chorando pela sua mamãe enquanto morria sem nenhuma pele no corpo... - A lembrança trouxe lágrimas nos olhos dela.

Sansa percebeu de relance que os dois sujeitos trocaram um olhar e rapidamente após essa ação o garoto que ela não sabia o nome lhe dirigiu a palavra novamente.

- Milady deseja voltar para casa, suponho. Estou certo? - Havia um sorriso zombeteiro estampado na face do rapaz.

Sansa meneou a cabeça em sinal positivo.

- E milady acha que eu tenho o dever de levá-la em segurança para os seus familiares, não é mesmo?

Sansa poderia ter concordado com isto também. Seu pai era o Protetor do Norte o que significava que todas as Casas do Norte eram seus vassalos e aquele rapaz que era chamado de milorde pelo seu servo tinha o mesmo sotaque que ela, indicando que ele também era sujeito ao senhor seu pai.

O silêncio da garota revelou o que aquele garoto pensava e ele voltou-se para o seu servo.

- Você sabe o que fazer, Fedor e faça antes do meu retorno. Irei levar Lady Arya Stark de volta para sua família - E voltou-se para Sansa, pegando-a pelo braço com uma mão e levando o seu arco na outra embrenhou-se no meio da mata para onde parecia ser o caminho que os fariam chegar à Winterfell.

- Você está me machucando, senhor! - Choramingou, sentindo os dedos do rapaz marcarem sua pele.

- A garotinha é muito chorona pra alguém que se embrenha na mata sozinha - Observou, sem soltá-la e sem parar de caminhar - Não sabe dos perigos que tem na Mata de Lobos?

- Eu sei... - Recordou-se do bebê-cervo esfolado e olhou com desconfiança para o garoto. Até onde sabia aquele que disse que iria devolvê-la para a família não era de total confiança.

- Não deveria entrar na mata, então! - Esbravejou.

- Nem você! - Retrucou, sentindo os nervos se agitarem devido a dor que sentia no braço esquerdo onde ele a segurava.

- O que disse!? - O rapaz cessou os passos e voltou-se para ela, furioso com o que ouvira.

Sansa engoliu em seco.

- Eu disse "nem você"... - Respondeu com um orgulho arrependido, desviando o olhar por ser incapaz de sustentar a sua pose de autoridade - ...Essas são as terras do meu pai e a temporada de caça está cancelada porque a gravidez da minha mãe está quase no fim... - Justificou.

- E você acha que eu dou a mínima para o que o seu pai diz? - Gargalhou das palavras dela.

Os lábios de Sansa se entreabriram, chocada com o que ele dissera. Nunca conhecera ninguém ou ouvira falar de alguém que desobedecesse as ordens do Senhor Protetor do Norte. Até mesmo a Patrulha da Noite tem medo dele e ela não depende da vontade de Lorde Stark para continuar dona de suas terras, diferente daquele garoto que Sansa nem sabia quem era.

- Por que está me levando pra ele, então? - O desafiou, sentindo-se corajosa.

- Porque eu não posso matar a filha de Lorde Eddard Stark e esperar que sua ausência não seja notada - Disse com seriedade e aquela confissão fez Sansa se arrepiar. Ele realmente é um demônio do Norte! exclamou para si mesma em silêncio, enxergando borrado pelas lágrimas que se formaram - Se você chorar novamente dessa vez eu juro que a matarei e nem me importarei de quem você é filha! - O rapaz gritou, chacoalhando-a pelo braço.

A atitude fez com que Sansa soluçasse sendo que se ele não a tivesse agitado as lágrimas teriam caído em silêncio. A garotinha temia por sua vida. Nunca conhecera ninguém que morrera, nem mesmo um animal de estimação, mas ela estava familiarizada com o conceito e pra ela significava se afastar eternamente de tudo e de todos que ela amava. Até mesmo o pensamento de ser afastada de Arya eternamente a atormentava. E o meu novo irmão ou irmã eu nunca o conhecerei! este pensamento intensificou seus soluços.

- Maldita menina! - Esbravejou, vendo que sua atitude não a silenciava. De modo a honrar com sua palavra, o rapaz se afastou de Sansa finalmente a libertando de seus dedos viciosos e ajeitando uma flecha em seu arco tornou a mirar nela - Pare de chorar!

Sansa berrava, incapaz de se controlar. Havia andado e corrido tanto desde o período da manhã com apenas o desjejum na barriga que sentia-se exausta. Desejava ter tirado o seu cochilo da tarde em sua confortável cama e enchido a sua barriga com bolos de limão e a única coisa que ela tinha ali era a presença de um demônio do Norte que desejava feri-la com sua flecha enfeitiçada que lhe roubaria a vida.

- Eu não consigo! - Soluçou com dificuldade sua condição, escondendo o rosto em suas mãos - Eu quero ir pra casa... Tenho fome, sede e sono... - Reclamou.

O barulho da flecha sendo lançada para ela nunca fora ouvido. Até que o choro da menina se acalmasse nem mesmo a respiração do rapaz podia ser escutada. Quando Sansa finalmente parou de soluçar e apenas as lágrimas quentes ainda formavam caminhos em sua face ela ergueu o rosto e aquele garoto não estava em lugar nenhum que pudesse ser visto.

Com esta constatação ela não sabia se ficava ou não satisfeita. O demônio havia deixado-a para trás sem levar a sua vida, mas ele também era o único que parecia conhecer o caminho de volta para Winterfell. Sem saber se devia ou não seguir um caminho qualquer que a aproximasse mais de seu objetivo, Sansa se viu sucumbir ao cansaço, encontrando o lugar que parecesse ser mais confortável entre as raízes das árvores ao seu redor e ali, embolotada como se fosse realmente um filhote de lobo ela fez o seu ninho como um passarinho e ficou em silêncio, esperando que alguém a encontrasse, mas antes que sua espera chegasse ao fim ela adormeceu e quando acordou ela não estava mais naquele lugar.

A brisa carregada com cheiro de suor superior ao cheiro de grama a fez despertar de seu sono. Sansa sentia-se muito melhor comparado com antes de ter adormecido. Entretanto agora ela sentia quão pesados os seus olhos estavam pelo choro e sua garganta doía pelos nós que formara somada com a sede. A figura do demônio do Norte parecia ser parte de seus sonhos e não da realidade e ela teria de fato acreditado nisso se não estivesse sendo carregada por ele e seus olhos pálidos não estivessem depositados nela.

Se estivesse mais desperta teria gritado pela surpresa, mas estando ainda sonolenta a única coisa que fez foi corar inconscientemente.

- Estamos indo pra casa? - Perguntou de forma dócil.

- Pra sua casa - Concordou, com o semblante carregado. Era óbvio que ele desejava um pedido de desculpas, algo que Sansa não estava disposta a oferecer por não perceber o desejo dele que estava tão claro.

- Falta muito para chegarmos? - Questionou, se movimentando no colo do rapaz para que pudesse voltar a andar.

- Algumas milhas - Respondeu o garoto, colocando-a no chão - Beba isso - Ordenou, empurrando para ela o odre de água que carregava consigo - E depois coma isto - Continuou a lhe passar ordens, entregando-lhe uma romã das várias que ele havia colhido e guardado no bolso de sua capa, esclarecendo onde ele havia ido quando a deixara.

A ideia de encher o seu estômago vazio com qualquer coisa era muito tentador e receber uma fruta para saciar sua fome nunca antes fora tão bem vindo, principalmente após ter saciada a sua necessidade por líquido com aquela água pura que ele lhe entregara. Tendo matado a sede. Sansa esticou as mãos para trocar o odre pela fruta que lhe era ofertada quando o rapaz tirou a romã de seu alcance.

- Primeiro diga algo para merecê-la - A provocou.

- Obrigada, milorde - Agradeceu estampando um sorriso gentil nos lábios e fazendo uma pequena reverência com a cabeça ao recordar das cordialidades que Septã Mordane lhe ensinara.

- Você acha que um obrigado basta!? - O garoto exclamou com o rosto ruborizado.

- Não basta? - Perguntou com ingenuidade.

O rapaz bufou.

- Você roubou minha caça, me seguiu, fez birra apesar de eu estar te levando aos seus familiares, me fez procurar algo para que pudesse beber e comer e ainda por cima me fez te carregar durante um tempão por um longo trajeto e acha que um obrigado é o suficiente!? - A cada palavra o rapaz ficava ainda mais corado. Ele deve sofrer de nervos, analisou.

- Sinto muito... - A menina gemeu, encarando os próprios pés envergonhada pela sua criancice, mesmo que ela tivesse só os seus sete anos e meio.

- "Sinto muito senhor Ramsay, sou muito grata pelo o que tem feito por mim e por não ter tomado a minha vida mesmo que ela não mais me pertença" - Disse o garoto - Vamos, repita o que eu acabei de falar!

Sansa o obedeceu, estampando um pequeno sorriso no fim da frase. Ramsay, o nome dele é Ramsay. Se ela fosse um snark ou um gramequim ela poderia levar a vida dele agora. Quando recebeu a romã ao ser elogiada pelo seu bom comportamento ela não pensou duas vezes e abocanhou a fruta, sujando o seu rosto e suas mãos com o sumo do alimento. Sansa detestava comer romãs porque elas a sujavam muito, contudo agora ela não se importava com a limpeza, ela só queria colocar algo em sua barriga.

- Você come como uma besta - Ramsay comentou, demonstrando ter prazer em observá-la comendo.

- Eu não sou uma besta... - Sansa ofendeu-se profundamente e no mesmo instante parou de alimentar-se, jogando o que sobrara no chão e limpando as mãos na saia de seu vestido. Sentia-se satisfeita por ter ingerido algo, mas no fundo sabia que podia comer mais umas duas frutas da mesma até sentir-se satisfeita.

- Se fosse uma serva minha eu a obrigaria a comer do chão o que desperdiçou - O garoto a repreendeu - E já lhe teria dado umas boas bofetadas por ter sido desrespeitosa.

Os olhos de Sansa se arregalaram. Aquele rapaz não era cordial como os que conhecera e ela agradeceu com todo o ardor por ela não ser uma serva dele.

- Você está toda suja - Observou o garoto. Esforçando-se o máximo para ser delicado embora o seu espírito estivesse longe de o sê-lo, ele limpou as manchas do suco da romã que estavam no rosto da menina com a manga de sua camisa.

Sansa não reclamou mesmo estando com as bochechas doloridas com a fricção do pano. Ela sabia que Ramsay estava tentando mostrar cordialidade e decidiu aturar aquilo, todavia recusou a agradecer o favor.

- Quero ir pra casa... - Insistiu, não sabendo ao certo se era seguro falar.

O garoto franziu a testa, lançando um olhar frio para a sua companheira e então tomou-a pelo braço e voltou a traçar o caminho que supostamente a levaria de volta a Winterfell.

- Está me machucando! - Queixou-se, lutando pela sua liberdade.

- Você só reclama! - Disparou a acusação, soltando-a com impaciência.

- E você só me fere! - Retrucou, sentindo as lágrimas voltarem a brotarem em seus olhos.

Ramsay umedeceu e mordeu o lábio inferior enquanto a analisava friamente.

- Que se dane você! - Foi a melhor resposta que ele conseguiu pensar.

Sansa podia se considerar vencedora, mas sentia-se derrotada pela ofensa que ele lhe direcionara. A garota não sabia o que aquelas palavras significavam, contudo ela tinha certeza que não eram boa coisa e que não seria apropriado perguntar.

Apesar do desentendimento entre ambos o rapaz não desistiu da ideia de cumprir o que determinara e em silêncio durante todo o restante do trajeto ele conduziu o caminho para a casa dela e Sansa o seguiu de perto.

Não foi preciso que ninguém dissesse que ela havia retornado para a segurança de seu lar. Quando estava a menos de trinta metros de distância do lugar onde ela havia buscado a bênção dos Deuses do Norte ela reconheceu a familiar coloração branca da árvore-coração do Bosque Sagrado.

- De volta ao seu lar, criança chorona - Gargalhou com crueldade o seu guia parando de caminhar perante o represeiro, estudando o rosto ali esculpido.

- Muito obrigada por me trazer de volta para os meus familiares, senhor! - Sansa exclamou, dominada pela felicidade que sentia ao retornar para o ambiente que estava familiarizada. Lembrando das cortesias que aprendera com Septã Mordane retirou o lenço azul que trazia ao redor do pescoço e o enfiou nas mãos do rapaz - Como prova de meu agradecimento, senhor - Sorriu o mais docemente que conseguia. Já não temia mais aquela figura que a levara até ali em segurança.

- E o que devo fazer com este lenço, milady? - Ironizou as cortesias.

- Amarrar em sua espada... ou em seu arco - Sugeriu com incerteza - Também pode usar como marcador de página.

Ramsay gargalhou com as ideias.

- Veja: este pedaço de pano apenas me atrapalhará se eu o amarrar em minhas armas e não sou o tipo de pessoa que sente prazer em leitura - Informou - No entanto, você o oferta para mim como forma de agradecimento e por isso devo mantê-lo, mas não posso me satisfazer apenas com isso - Os olhos do rapaz voltaram a se dirigir para a árvore-coração - Dizem que os Deuses habitam estes velhos troncos. Você acredita nisso? - Recebendo a resposta positiva, ele continuou - Pois na frente de nossos Deuses, jure que quando chegar na idade apropriada se tornará minha noiva.

- Você é um demônio? - A pergunta escapou de seus lábios. Ramsay esperava uma resposta e o que ela fez soara como um deboche - Se eu disser sim, você levará a minha alma? - O desespero a abateu mais uma vez naquele dia. Acreditara durante um bom tempo que aquela criatura era um demônio do Norte, porém quando ele não a devorou e ainda por cima a devolveu aos seus, Sansa se auto-repreendeu por tê-lo julgado mal e agora, bem, agora ela tinha sérias dúvidas sobre a humanidade dele.

Ramsay abriu um sorriso amarelo.

- Eu levarei sua alma mesmo que negue - Confessou - A única diferença é que se recusar a levarei agora e se aceitar darei um tempo para se despedir de sua família.

Ele é um demônio! Os lábios de Sansa abriram-se em espanto. Sempre sonhara em se casar com um príncipe e a perspectiva de ter uma criatura do Norte como marido lhe causava horrores.

- E então, o que será? - O rapaz insistiu em saber.

- Quando eu for maior - Respondeu por fim, com a voz não mais alta do que um sussurro.

- Eu sei quem você é e onde você mora. Quando chegar na idade certa, Arya da Casa Stark eu virei buscá-la pessoalmente - Ramsay tomou a mão direita da garota nas suas e a ergueu a altura de seus lábios, depositando um beijo simples no dorso dela - Nos despedimos com essa promessa, então. Visto que gosta de guardar lembranças, fique com o meu anel - Retirando aquele aro dourado de seu próprio dedo o pôs no dedo anelar da garota - Quando for moça o suficiente o substituirei por um novo - Prometeu - Lembre-se de que este deve ser o nosso segredo e se contar a alguém pode ter certeza que tanto você quanto o seu confidente ficará em uma situação semelhante ao do cervo que você viu mais cedo naquele outro represeiro - Os lábios do rapaz se arquearam em um sorriso cruel.

Sansa puxou sua mão de volta para si e a segurou em seu colo, cambaleando para trás por sua própria segurança. Era uma péssima confidente, mas dessa vez seria o mais discreta possível. Ele é um demônio que vive em minha floresta, ele saberá tudo o que faço e deixo de fazer, estremeceu.

- Agora vá - Ordenou.

Sem esperar uma nova ordem Sansa correu o máximo que podia. Estava fatigada pela jornada daquela manhã e seus passos eram bem mais lentos que o normal. Quando entrou dentro da fortaleza do castelo a garota percebeu que uma agitação ocorria ali e não era ela o motivo daquele caos. Diferente do que esperava a sua ausência não fora notada por ninguém, pois conforme descobriu mais tarde, algum tempo depois que ela saíra para rezar no Bosque Sagrado a sua mãe entrara em trabalho de parto, dando a luz ao quinto e último filho daquele casal Stark, que para o desprazer de Sansa não fora uma garota como queria e sim um menino batizado com o nome de Rickon.

Sobre o Demônio do Norte que encontrara naquele verão de 295 ela não voltara a pensar mais do que um par de vezes e nem revelara o fato de tê-lo conhecido para ninguém, tratando o ocorrido como um fruto de sua imaginação, embora tivesse o anel que pertencera à ele como recordação de sua promessa feita sob os olhos dos Deuses. Por sorte ou azar, o Demônio nunca viera clamar por ela e três anos mais tarde, em 298, ela de fato teve o seu sonho de infância realizado ao se ver noiva do príncipe Joffrey, o primeiro na linha de sucessão ao trono.

No dia em que embarcara com destino à Porto Real, Sansa ficara ansiosa pensando que a qualquer momento Ramsay apareceria e a levaria para o seu reino dentro das matas, mas isso não aconteceu. Talvez o nome errado que dera à ele de fato a ajudara a manter a sua alma até aquele momento, contudo qualquer que fosse a razão, ela manteve o anel que ele lhe presenteara junto a si por todos aqueles anos até que enfim eles se reencontraram no inverno de 303, quando ela tinha os seus dezesseis anos e ele os seus vinte e dois anos.


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Notas finais do capítulo

Este shipper quase não tem fãs por ser extremamente improvável e para alguns é grotesco pensar em Ramsay como parceiro romântico de qualquer personagem, mas eu não posso deixar de ser fortemente afetada por este casal.
Espero que tenham gostado deste capítulo e tenho de dizer que dedico esta fic à Tathiane Rodrigues de Souza, uma amiga mais do que especial que consegui convencer a shippar esses dois! ♥
Enfim, comentários são bem vindos! :)