My Little Runner escrita por Angie


Capítulo 34
Importante pra mim


Notas iniciais do capítulo

Oioi gente! Como vão vocês? Espero que bem!
Não me matem se eu disser que esse capítulo já estava praticamente pronto há umas duas semanas kkkkkk Mas não tive como finalizar antes, então não deu pra postar.
De qualquer forma, aproveitem a leitura!
Como bônus, esse capítulo ficou GIGANTESCO.
Sério, eu não esperava escrever isso tudo, juro que foi sem intenção, haha.
Enfim, até lá embaixo!



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Chegar nas montanhas foi a parte fácil. Jorge tinha razão em dizer que em pouco tempo estariam lá, o que realmente não contavam era com o quão cansativo seria subir suas encostas íngremes. Apesar disso ― e de terem andado durante a noite inteira ―, o sentimento de frustração geral parecia dar-lhes força para prosseguir.

As montanhas mantinham a mesma aparência marrom avermelhada que o resto do deserto, porém os diversos rochedos e as grandes árvores mortas davam um ar novo ao local, além, é claro, do sobe e desce causado pelas formações irregulares do relevo.

Ninguém falou uma única palavra por um bom tempo, contentando-se em absorver em silêncio o calor enquanto envolviam-se em seus próprios pensamentos e se concentravam em não escorregar por entre as partes mais elevadas do solo.

Minho andava a passos largos, sustentando no rosto uma carranca permanente. Tentava manter sua mente focada no caminho, preferindo não divagar sobre a situação atual.

A técnica funcionou por um tempo, mas depois das primeiras duas horas de caminhada constante, o cansaço poderia levar seus pensamentos para o lugar que bem quisesse.

Minho olhou com o canto dos olhos para onde Camille estava, andando um pouquinho a frente do grupo e parecendo incapaz de encarar alguém naquele momento. Os outros garotos também pareciam evitar o contato com qualquer um dos dois, provavelmente temerosos por mais alguma discussão. A tensão ali poderia ser cortada com uma faca.

Ele chutou uma pedra no caminho, gostaria de quebrar alguma coisa. 

A verdade é que nenhum deles queria ter tido aquela discussão. Depois de finalmente terem conseguido se entender, aquilo era infantil e sem sentido. Estavam irritados, incrédulos e, acima de tudo, assustados com o surto de Teresa e o possível futuro de Thomas.

Apesar de tudo, a falta de energia também o ajudava a se acalmar e colocar as ideias no lugar. Ele sabia que havia sido mais grosso do que deveria. Tinha consciência de si mesmo o suficiente para conhecer seu próprio temperamento e suas próprias ações e sabia que às vezes poderia ser… bem, um pouco demais para os outros.

Era fato que não se importava com o que 90% das pessoas pensava sobre ele. Mas por mais que quisesse negar, odiava a maneira como Camille conseguia fazê-lo se sentir culpado, especialmente se ela o olhasse com lágrimas naqueles grandes olhos azuis.

Ok, talvez ele tivesse exagerado. 

Reprimiu o desejo de falar com Newt sobre aquilo. O britânico teria mais paciência com toda aquela mértila e deveria surgir com algum conselho idiota que, é claro, ele provavelmente seguiria. Por outro lado, a última coisa que queria fazer era pedir aconselhamento ao cara que beijou sua namorada. Aquilo ainda não estava totalmente curado.

De qualquer forma, ele ainda era teimoso e não queria dar o braço a torcer. Mesmo sabendo que talvez não devesse tê-la tratado daquela maneira, ainda acreditava firmemente que tinha razão. Thomas ainda estava com problemas e aquelas garotas ainda eram o motivo disso. Especialmente Teresa. Não havia desculpas para ela que o convencessem a perdoá-la. Camille deveria saber daquilo.

A culpa não é minha se ela é sensível demais. Pensou, tentando se convencer enquanto encarava suas costas. 

 

***

11:48 AM.

Minho olhou o relógio de pulso, limpando a poeira com o dedo e franzindo o cenho para enxergar as horas. 

― Beleza, vamos parar.

O suspiro de alívio foi coletivo. Estavam exaustos. As pernas de todos queimavam, fazendo com que vacilassem em seus passos, vez ou outra escorregando nas encostas. O Sol brilhando no alto de suas cabeças também não era de grande ajuda.

Os clareanos ainda andaram por mais uns minutos com o intuito de adentrar num desfiladeiro entre as montanhas. Havia um grande paredão de pedra, proporcionando-os sombra para descansar. Não era nada como um oásis em meio ao deserto, mas ajudava-os a respirar melhor.

 Depois de todos estarem devidamente sentados, abriram as mochilas e distribuíram o alimento e a pouca água que ainda mantinham no estoque. 

Camille ergueu os olhos quando Brenda lhe passou um dos enlatados. Agradeceu num murmúrio. Ela ainda a olhou por um segundo.

― Você tá legal?

― Hum-hum.

― Certeza?

Camille piscou, ela parecia genuína.

― Sim, claro. Obrigada por perguntar.

A garota deu de ombros.

― Não por isso ― respondeu antes de caminhar para outra direção.

Suspirou penosamente, olhando para a lata em suas mãos.

― Mas que grande mértila ein, Cammie ― murmurou para si mesma.

Sentia-se horrível, essa era a realidade. A caminhada não ajudou nem um pouco a acalmar seu coração ansioso, ao contrário, só a fez lembrar de coisas que não gostaria.

A placa no quarto de Teresa, o título que haviam lhe dado: “A Traidora”, recordava. Então era isso? Tudo culminaria naquele momento?

Camille não era estúpida. Ela não queria proteger Teresa cegamente, sabia o que havia visto antes e a forma como ela tratou a todos, a forma como a tratou. Olhou-a como se nunca tivessem sido amigas. 

O que ela falou para as outras garotas também martelava em sua cabeça. Alegando que era traidora, incitando-as a ficarem contra ela. 

Era demais para tentar compreender, não fazia ideia do que ela estava falando. 

Além disso, conhecia o grupo B. Elas eram duronas, especialmente Harriet, e era difícil acreditar que seguiriam Teresa sem questionamentos ou ao menos sem um ótimo motivo. 

Sentia-se ainda pior ao pensar em Thomas. A sensação de impotência era avassaladora. Vê-lo sendo machucado daquela forma partiu seu coração e não tinha a mínima noção de seu estado atual. Mas de uma coisa tinha certeza: pensar se estava vivo ou morto não era uma opção. Ela não se torturaria com aquilo, ao menos não antes de chegarem ao refúgio.

Estava tudo uma bagunça, mas precisava dessa esperança para prosseguir.

― Precisamos dormir, partiremos ao anoitecer ― ouviu Minho falar. Ela não o encarou, sabia de seus motivos, não o culpava por perder a calma, mas não podia evitar sentir-se magoada.

― Você não vai comer? 

Camille se assustou momentaneamente com uma voz repentina surgindo ao seu lado. Olhou para seu dono, encarando Aris que a olhava de perto.

― O que?

Ele fez um movimento de cabeça, apontando para a lata em suas mãos.

― A comida. Não vai comer?

― Ah. Claro, vou ― respondeu, baixando os olhos. Concentrou-se em abrir a embalagem com cuidado. Ainda mantinha uma sensação estranha toda vez que chegava perto dele, principalmente depois da conversa que tiveram no deserto. Depois de dias, constatou que devia ser um bom garoto, resolvendo dar uma chance a ele, mas ainda era incômodo pensar que recebia memórias sem ninguém nunca ouvir do que se tratava. Era como se ele sempre soubesse mais do que falava.

Ele deu uma risadinha, como se lesse seus pensamentos.

― Você ainda não gosta muito de mim, não é?

Camille se surpreendeu com a pergunta, voltando sua atenção a ele.

― Por que diz isso?

― Dá pra notar. Eu sei quando não sou bem vindo.

Por um segundo ela sentiu pena do garoto. Talvez devesse ter separado mais tempo para conhecê-lo, afinal. 

― Me desculpe ― murmurou com sinceridade. ― Não é nada pessoal, sei que você deve se sentir estranho conosco. Quer dizer, faz pouco tempo que o encontramos e a primeira vez que te chamei pra conversar não foi muito acolhedora.

Ele deu de ombros, como se não se importasse muito.

― Tudo ok, Cammie. Não sinta por mim.

Camille se remexeu, desconfortável, como sempre se sentia perto dele, o apelido ainda soando estranho ao sair de seus lábios. Mudou o rumo de seus pensamentos, a grande pergunta escapando da ponta da língua. 

― Ei, Aris ― chamou. ― Sei que não quis falar, mas… O que acha que aconteceu com o grupo B?

― Além do surto? ― ergueu a sobrancelha ― Não faço ideia.

― Você esteve com elas, sei que não foi tanto tempo, mas…

Ele a interrompeu. Aparentemente as pessoas estavam se empenhando em nunca deixá-la terminar uma frase.

― Olha, você quer mesmo que eu diga o que penso ou só o que quer ouvir?

Ela se afastou com o tom venenoso em sua voz.

― Não preciso disso, só seja sincero.

Aris balançou a cabeça.

― Certo então. Eu não sei o que pensar, tudo que sei foi que mataram a Rachel, a única pessoa importante pra mim. Se acho que são capazes de matar o Thomas? ― deu de ombros novamente, o tom frio em sua voz não vacilando. ― Acredito em qualquer coisa.

Camille se recordou da garota, a pessoa com a qual Aris conseguia se conectar mentalmente, assim como Thomas e Teresa.

 ― Sinto muito por Rachel, de verdade, eu faço, mas Beth foi controlada pelo CRUEL. Você mesmo disse. Foi como… como o Gally com Chuck ― murmurou a última parte, uma imagem do pequeno garoto ensanguentado passando por sua mente.

― E não é sempre assim? Tenho certeza que se lembra de nossa conversa anterior, eu já disse o que penso. Todos temos nosso papel nesse jogo.

Camille franziu o cenho.

― Você continua a dizer isso. O que significa, afinal?

Aris sorriu para si mesmo, como uma piada interna. Ela quis se afastar.

― Você disse que não confiava em mim antes. Por que confiar agora?

― Só quero entender o que está havendo.

Ele suspirou, cansado. Mas algo nele era diferente, parecia mais incomodado do que tentava demonstrar.

― Você sempre foi assim, não é Cammie? ― desviou de sua pergunta, olhando-a no fundo dos olhos. ― Sempre achei que você e Teresa eram opostas.

Camille prendeu a respiração por um segundo, seu estômago pareceu se dobrar.

― Você se lembra.

― Não é como se você já não suspeitasse disso ― retrucou. ― Mas não se preocupe, me lembrar de vocês não vai mudar em nada nossa situação. 

― Eu preciso saber ― insistiu. ― Aris, preciso saber o que se lembra. Por que isso está acontecendo? Por que dessa maneira?

― Eu não sei. Sinceramente, não sei ― ele olhou para o nada, um sorriso triste em seus lábios. ― Eles tiraram a Rachel de mim, aparentemente tudo tem um grande motivo pra eles, não é? Isso ou somos só idiotas.

Camille ficou em silêncio, absorvendo suas palavras. Ele voltou a encará-la.

― Mas você sempre foi a mais sensível, Cammie. Eu só espero que não fique tão mal depois de tudo. 

Camille piscou algumas vezes.

― Tudo?

Ele sorriu novamente, mas ainda não parecia alegre. Ergueu o corpo, pronto para se deslocar a outro lugar. 

― Deveria comer… vai ser melhor não morrer de fome. Bons sonhos, Cammie. 

Dito isso, afastou-se, deixando-a sozinha para afundar em seu mar de pensamentos.

 

***

 

Brenda aproximou-se a passos lerdos para se sentar perto de Jorge. Ela esteve chateada durante as últimas horas de caminhada ao pensar em Thomas, pelo qual, tinha que admitir, começava a suprir estranhos sentimentos. Ainda não tinha total conhecimento deles nem entendia o que realmente significavam, mas sabia que estavam lá, espreitando seu interior como um pequeno animal faminto. Imaginar o que acontecia com ele naquele momento só a deixava pior, mas ele tinha mais coragem do que demonstrava, só tinha de acreditar que estava bem. 

Balançou a cabeça, como se tentasse expulsar os pensamentos logo quando começaram a pender para Teresa, a garota de quem ele tanto parecia gostar e que, em sua sincera opinião, parecia ser uma pessoa insuportável. Era fato, nenhuma das duas mostrava gostar uma da outra.

Jorge estava sentado junto a Minho, os dois mantinham uma conversa enquanto terminavam de se alimentar. Brenda tentou se concentrar o suficiente para entender do que falavam, mas não parecia nada além de probabilidades e rotas ao suposto refúgio seguro.

― É garoto, as coisas podem complicar quando encontrarmos aquele outro grupo. Mas não há nada que realmente possamos fazer agora.

Minho fez um movimento de cabeça, como se já soubesse daquilo. 

Depois de um momento, Jorge resolveu que precisava de umas boas horas de sono, dando tapinhas nas costas de Brenda antes de virar-se para dormir.

Ela ainda observou o asiático por um tempo, ele parecia chateado, os olhos voltados para nenhum ponto em especial. Depois de um tempo com os garotos, entendeu porque fora escolhido para ser líder, ele tinha um ótimo senso de direção e uma personalidade decidida. Por um segundo tentou imaginar o que estava pensando.

 ― Vai ficar aí me olhando o dia todo?

Brenda piscou, surpresa.

― Desculpe, eu não quis encarar.

Ele bufou, não ligava para aquilo, mas seu humor também não parecia dos melhores.

― No que está pensando?

― Por que se importa? ― rebateu com outra pergunta. 

― Não sei, só fiquei curiosa. Você parece aborrecido.

Minho riu com o nariz, recostando-se na encosta e colocando as mãos atrás da cabeça.

― Desde quando os cranks são formados para psicólogos? 

― Haha, engraçado ― ela revirou os olhos, mas não se ofendeu, notando o tom mais calmo do garoto em comparação a mais cedo. ― Então… Aquela garota, Teresa, ela sempre foi daquele jeito?

Seu semblante mudou novamente, prendendo-se em uma carranca.

― Que jeito? De traidora? É só isso que aquela garota é. 

― Não entendo, ela é bem diferente do que imaginei.

― Ha, essa é boa ― ele riu, irônico. ― Nunca fui muito com a cara dela, é verdade, mas também não imaginei que chegasse a esse ponto. Ah sim, ela nos enganou direitinho.

Brenda pensou sobre suas palavras cheias de rancor. 

― E o outro grupo? Camille as conhecia, não é?

Minho fez uma careta, sem conseguir impedir seus olhos de procurá-la no meio de todos. Brenda notou seu movimento e seguiu seu olhar, encontrando a garota num canto do grande paredão, encarando uma lata vazia de comida. Se perguntassem, Brenda diria que ela estava com um semblante entre perturbação e mágoa, parecia se sentir um peixe fora d’água.

― É ― ele respondeu.

Brenda voltou-se para ele, saindo de seus devaneios, o garoto voltara a olhar para outro local, a expressão ainda amarga no rosto.

― “É” o que? 

― É, ela as conhecia.

― Oh ― fez uma pausa, pensando por um tempo. ― Ela parecia mal.

Minho não respondeu, continuando a olhar para um ponto qualquer.

― Você gosta muito dela, não é? 

O garoto suspirou.

― Olha, garota crank...

― Brenda ― corrigiu.

― Que seja, Brenda. Não é nada pessoal, mas realmente não estou afim de conversar sobre sentimentos.

Ela o encarou, nem um pouco abalada. Tocar no assunto não melhorou seu humor, notou, especialmente pela discussão que ele e Camille tiveram mais cedo. Ela respirou fundo, soltando o que estava em sua cabeça.

― Você é sempre babaca desse jeito?

Minho virou-se para ela.

― Como é?

Brenda revirou os olhos mais uma vez.

― Ah, eu não pude deixar de notar. Ainda não a conheço direito, mas sou uma garota e… Bem, garotas não precisam que caras as tratem como você a tratou na frente de todos.

― Não foi você quem disse que me apoiava?

Ela cruzou os dedos uns nos outros.

― Olha, eu estou do seu lado, sinceramente, gostaria de ser a primeira a bater naquelas meninas. Mas tem certeza que era com ela que queria agir daquela maneira?

Minho abriu a boca, sua língua sempre se adiantando com uma resposta afiada, mas resolveu se calar, apertando os dentes. Admitir suas atitudes para si mesmo era pior do que imaginava.

Brenda reparou em sua reação e não pôde deixar de sorrir para si mesma. Ele nunca se calaria daquele jeito se não se importasse com ela. 

― Bom, cabeça quente, vou te deixar sozinho ― levantou-se. ― Mas se quer um conselho, vai falar com ela. 

O garoto quis retrucar, mas ela já havia saído. Ele bufou, logo sentindo um olhar pesando em cima dele. Girou a cabeça, encontrando um certo britânico de braços cruzados a uma pouca distância.

Ah, ótimo. Pensou, constatando que ele ouvira a conversa.

Newt se limitou a olhá-lo antes de fazer um movimento de cabeça em direção à Camille. Sua sobrancelha erguida e a expressão em sua face pareciam dizer “O que está esperando?” . 

Minho revirou os olhos, mas ainda lhe devolveu algo como “Não preciso de sermão”.

O britânico riu baixinho, claramente entendendo seus conflitos. Ele próprio decidira não comentar nada: Além de não querer se meter muito, sabendo que fora a causa de seus últimos problemas, estava preocupado com suas próprias limitações em relação a terem capturado Thomas. Mas é claro, não pôde deixar de incentivá-lo naquele momento. Minho podia ser um idiota, mas não era um idiota estúpido.

O asiático fechou os olhos, decidido a ignorá-lo. 

[...]

Se forçou a tentar dormir pela próxima meia hora, mas não conseguia largar aquela sensação estúpida de insatisfação. 

Virou de lado pela sexta vez, amaldiçoando os criadores e aquele deserto maldito e novamente naquele dia os olhos chorosos de Camille passaram por sua cabeça.

Ele suspirou em irritação. 

Oh, garoto, ele se sentia uma mértila. Ela conseguia deixá-lo na ponta dos pés e aquilo o irritava até o mais profundo do seu ser. Permitiu-se ficar deitado por mais um minuto.

Mas que grande porcaria, Minho. Desde quando ficou tão mole? 

Esse foi seu último pensamento antes de, por fim, sentar-se. Preparado para resolver aquilo.

 

***

 

Se Minho tinha problemas para dormir, Camille poderia ganhar um prêmio. O desejo de “bons sonhos” de Aris foi em vão, visto que os trinta minutos que se passaram foram preenchidos com diversos flashes de memórias, fazendo-a acordar diversas vezes em sua falha tentativa de descanso. Depois de um tempo nesse vai e vem, decidiu que a melhor coisa a se fazer seria ficar acordada por uns minutos para organizar os pensamentos.

Sentou-se de pernas cruzadas, apoiando os cotovelos nas coxas e afundando o rosto nas mãos. 

Fechou os olhos e respirou fundo por entre os dedos, pensando nas duas últimas pequenas lembranças que coletou antes de desistir de dormir.

—_______________

 

― Cammie!

A garota mais nova ergueu a cabeça de onde estava se esticando e enxergou Sonya, seus cabelos avermelhados emoldurando perfeitamente o rosto enquanto saltitava em sua direção com um enorme sorriso. Camille não resistiu a sorrir ela mesma com a visão alegre da amiga.

― O que foi dessa vez? ― perguntou, escorando as mãos na grama úmida.

― Deu uma olhada na novata que chegou?

― Eu não estou com tanto tempo livre quanto você, Sonya ― brincou. ― Enquanto você ficava babando a novata, eu corria pelo labirinto para arrumar um jeito de livrar sua bunda desse lugar.

Sonya estalou a língua.

― Ok, espertinha, justo. Mas precisa conhecê-la. Juro que vai ser a nossa próxima corredora!

Camille riu de sua empolgação infantil.

― A garota chegou hoje, já quer jogá-la aos verdugos?

[...]

—_______________

 

Camille olhava seus pés descalços tocarem o porcelanato branco. Estava sentada num banco comprido que ficava junto a uma parede de um corredor. Seus chinelos jogados num canto ao lado.

― Quanto tempo faz? 

Ela girou a cabeça para encontrar Thomas ao seu lado. Mais novo, a voz mais aguda do que se lembrava. 

O garoto tinha as costas levemente curvadas, seus cotovelos apoiados nas coxas enquanto tremia as pernas ansiosamente.

― Tommie, se passaram apenas 15 minutos.

Ele bufou com uma carranca. 

― Estou curioso, o que será que estão conversando? Achei que eu era o parceiro da Teresa.

A Camille mais nova riu, revelando uma voz mais infantil que antes. Ambos estavam de frente a uma porta fechada, onde Aris e Teresa se encontravam junto de Ava Paige. Nenhum dos dois sabia o motivo, então Thomas pediu para que esperasse com ele. 

― Quem sabe ― ela deu de ombros, tentando se distrair com algo. Olhou para o próprio braço, fazendo círculos com os dedos em volta das pequenas marcas roxas nele.

Thomas observou seus pequenos movimentos de lado, mas não disse uma palavra, tendo ele as suas próprias. 

O garoto quase se levantou quando a porta da sala se abriu. Camille ergueu os olhos, notando as expressões de Teresa e Aris ao saírem do local. Pareciam pensativos, talvez preocupados.

Ters? começou. 

Teresa a encarou, mudando a expressão imediatamente. Ergueu uma sobrancelha.

O que estão fazendo aqui?

Camille sorriu com cumplicidade.

― Tommie não consegue ficar longe de você.

Thomas ficou vermelho, mas Aris quem se pronunciou.

― Ninguém sentiu minha falta?

Antes que alguém pudesse responder, Ava Paige atravessa a porta, fazendo com que todos se calassem. Passou os olhos por todos e caminhou em silêncio até atravessar o final do corredor. Aris e Teresa trocaram olhares.

Camille franziu o cenho, repentinamente mais curiosa que Thomas para saber do assunto.

[...]

 

Suspirou, cansada, apertando os fios de cabelo entre os dedos. Não importa o quanto tentasse, não conseguia se lembrar do resto.

Aquelas não foram as únicas lembranças que recebeu, tendo pequenos cenários perpassando por sua mente, especialmente da antiga clareira. Eram coisas simples, mas que faziam com que sua mente não abandonasse os pensamentos nas garotas e em tudo que houve.

Ela só queria ter uma pausa de tudo aquilo, um dia em que não fosse ela mesma. Considerando sua sorte, talvez estivesse pedindo demais. 

― Ei.

Camille abriu os olhos por entre os dedos, surpreendendo-se ao ouvir a voz a chamando. Ao reconhecer a quem pertencia, respirou fundo, fechando-os novamente. 

Depois de alguns segundos o garoto chegou à conclusão de que ela não responderia. 

Bom, sorte a dele, nunca havia sido uma pessoa de desistir tão fácil. 

― É falta de educação deixar as pessoas sem resposta, sabia? ― provocou, tentando aliviar o clima.

― Me deixa sozinha, Minho… ― respondeu ainda de olhos fechados, as palavras saindo em murmúrios. Por um segundo divagou se era o que realmente desejava.

Ele claramente não deu ouvidos, uma vez que ela sentiu sua presença sentando-se ao seu lado.

Nenhum dos dois disse uma palavra por um tempo. O silêncio não era confortável como deveria ser, deixando-os mais incomodados do que antes. Minho ainda esperou mais um minuto, chacoalhando as pernas em antecipação. 

― Cammie ― chamou, numa nova tentativa.

Ela nem mesmo se moveu,  a testa ainda escorada nas palmas. 

O garoto tentou seu caminho mais uma vez, agora colocando uma mão sobre seu joelho. Camille reagiu no mesmo instante, encolhendo o corpo e afastando-se do toque. 

― Dá pra pelo menos olhar pra mim? ― ele exigiu, lutando para conter a frustração na voz.

Ela se virou imediatamente, um sentimento forte eclodindo em seu peito ao erguer o rosto e encará-lo.

― O que você quer?

Minho recuou, surpreso com seu olhar penetrante, suas orbes azuis pareciam perfurar sua cabeça. Ele respirou pelo nariz antes de falar qualquer coisa, precisando se lembrar do porquê estava ali.

Não estrague tudo, idiota. Pensou consigo mesmo. 

― Podemos conversar?

― Pra quê? ― questionou, seu tom era azedo, carregado de chateação. ― Ah, espera. Talvez você queira me explicar sobre como eu deveria ter ido ser surrada no lugar do Thomas. Ou quem sabe eu as convenceria a parar com um de meus discursos moralistas, não é?

Minho abriu e fechou a boca, as respostas que queria finalmente fugindo de sua língua. Ele se perguntou mentalmente por que diabos havia dito aquilo antes.

― Você sabe que não é o que eu realmente penso.

Ela bufou, balançando a cabeça.

― Não Minho, eu realmente não sei.

 O asiático bateu com o indicador no joelho algumas vezes, tentando organizar algo decente para dizer.

― Olha ― começou ―, eu não sou bom com essa coisa de sentimentos. Só achei que seria melhor…

Ela o interrompeu antes que pudesse continuar.

― Sério? Obrigada, Minho, eu nunca teria percebido se não tivesse falado.

Minho deixou escapar um rosnado irritado do fundo da garganta. Ela estava realmente disposta a levá-lo ao topo. Teria esquecido de todo o seu propósito ali e começado outra discussão. Realmente teria. Mas quando seus olhos se encontraram novamente ele não enxergou a ironia presente em suas palavras, apenas a mágoa, crua e exposta diante dele.

Suas palavras desapareceram novamente, o garoto começava a suspeitar que ela tinha o dom de fazer aquilo. Camille desviou o olhar, abaixando levemente a cabeça para encarar as pernas cruzadas.

O silêncio parecia um estranho sentado entre eles. Permaneceu ali até ele finalmente suspirar, deixando a sentença escapar de seus lábios sem que notasse.

― Desculpe por te fazer chorar ― murmurou.

Ela ainda permaneceu no lugar, mas apertou os lábios um no outro.

Minho passou uma das mãos pelos cabelos e prendeu as mechas no fundo da cabeça.

― Droga Camille, seria tão mais fácil se você só gritasse comigo de volta ― confessou, já sem se importar em como soaria. ― Ficar calada só faz eu me sentir mais babaca do que geralmente sou. Mas você não quer facilitar pra mim, quer? 

Ela ainda não respondeu, os lábios comprimidos.

― Não vai mesmo dizer nada?

Depois de cinco segundos sem resposta Minho já estava prestes a desistir. Então Camille finalmente falou, sua voz pequena ao sair de sua boca.

― Eu sei que só estava irritado com tudo ― começou, não o olhando nos olhos ―, mas não pode me tratar daquela forma e achar que vou ficar bem com isso.

O garoto deixou escapar o ar preso, absorvendo sua fala por alguns segundos.

― Tudo bem… ― disse. ― Tudo bem, eu entendi.

Ela enfim ergueu os olhos em uma súbita vontade de expressar o que pensava.

― É difícil saber se entendeu.

Minho bateu com a palma na própria perna.

― Por que acha que estou aqui, afinal? Acha mesmo que eu viria me desculpar se realmente não me importasse?

Camille encolheu os ombros, pensando sobre a pergunta.

― Não  ― balbuciou ―, não viria...

― Então o que quer que eu faça, Camille? ― questionou, frustrado. ― Não é tão fácil te decifrar.

― Só queria que tivesse me escutado, é só isso! Não tomado conclusões precipitadas daquele jeito. 

― Bem, eu estou escutando agora ― argumentou. ― E se quer a verdade, não foi a única chateada nessa história ― disse apontando um olhar acusador em sua direção ―, o que esperava que eu pensasse quando começou a defender aquelas malucas? 

Camille abriu os braços, exasperada.

― Você nem mesmo me deixou falar! Não acha que me preocupo com o Tommie tanto quanto qualquer um de vocês? ― falou em voz alta, abaixando em seguida o tom de voz ao ouvir alguns clareanos resmungarem no sono. Prosseguiu, mais baixo: ― Depois de todo esse tempo, realmente pensa isso?

Minho apertou os nós dos dedos, sabendo da resposta. É claro que ela se preocupava, não seria ela se não fosse assim.

Camille balançou a cabeça com sua falta de respostas.

― Por acaso considerou como eu me sinto sobre tudo isso? ― continuou, não esperando mais um retorno. ― Eu não fiquei alguns meses com aquelas garotas, fiquei anos! E se fosse o contrário? E se os outros garotos fizessem algo assim de repente? Algo que nunca conseguiria acreditar que fariam?

Minho foi rápido em objetar, suas palavras sinceras escorregando da língua com facilidade.

― Sabe que eu não teria problema algum em quebrar a cara de cada um desses trolhos se algo assim acontecesse.

Camille suspirou, massageando as têmporas.

― É claro que eu sei. Mas também sei que ficaria magoado e que não conseguiria aceitar aquilo.

Ele abriu a boca para retrucar, mas ela foi mais rápida.

― Não tente negar. Acha que não te conheço o suficiente? 

Ela o encarou com advertência, as orbes azuis severas. Minho fechou os olhos, apertando a ponte do nariz. Precisou mais uma vez se lembrar de que não estava ali para uma briga.

― Olha, Cammie ― começou, mantendo o tom de voz calmo ―, você pode até ter razão. Mas isso não muda as ações da Teresa. Ela teve a coragem de olhar em nossos olhos e fazer tudo aquilo. Eu não sei que diabos se passa na cabeça daquelas garotas, mas nenhuma delas estava sendo controlada pelo CRUEL. Você viu como Gally ficou, foi totalmente diferente dessa vez ― disse, antes que ela pudesse interromper. Ainda mantinha o timbre calmo, mas não dava espaços para contestação quando citou o ex-clareano. ― Eu só queria melhorar as coisas entre nós, mas essa conversa não vai mudar minha opinião, você sabe o que eu penso.

O semblante de Camille murchou.

― Não é exatamente isso que os criadores querem? Nos deixar uns contra os outros?

― Bom, aparentemente está funcionando.

Ela piscou devagar, observando as linhas que se desenhavam na palma de sua mão direita. Percebeu que sua chateação anterior se desvanecia aos poucos, sendo transportada para o fundo de sua cabeça.

― Falei com o Aris hoje… ― murmurou depois de um tempo, sentindo que deveria contar a alguém.

― É, eu vi.

Camille se remexeu, incomodada.

― Ele se lembra de mim ― confessou. ― Lembra de antes da clareira, de antes de tudo.

Minho olhou para o nada antes de processar as palavras, permitindo-se ficar confuso.

― Ele o quê? O que ele sabe?

Deu de ombros levemente, unindo as sobrancelhas.

― Não sei, ele não quis falar. 

― Como assim não quis falar? ― sua voz já continha traços de irritação. ― O que aquele trolho está escondendo? 

Ela o olhou por debaixo dos cílios.

― Ele disse que não importava, que não mudaria nossa situação. 

O asiático bufou.

― Vamos fazê-lo abrir o bico.

Camille balançou a cabeça novamente.

― Não acho que vá adiantar… É como se ele soubesse que algo vai acontecer. Desde o começo, desde quando o encontramos, é como se ele sempre soubesse. Eu disse a vocês.

Minho a encarou. Ela realmente havia dito. Disse que não confiava nele.

― Tudo bem ― avaliou ―, acredito em você.

A garota respirou fundo,  abraçando as próprias pernas, sentia-se fragilizada.

― Tudo parece tão errado, tão fora do lugar.

― E quando foi que as coisas estiveram certas, Cammie?

Ela lhe lançou um sorriso triste.

― Eu só queria entender. Apesar de tudo, Aris não parece… Bem, não parece uma má pessoa. 

Ele ainda piscou algumas vezes antes de escorar os braços no solo, erguendo a cabeça para o céu da tarde.

― Você sempre faz isso, não é? Sempre tenta ver alguma coisa boa em toda essa mértila. 

Camille não respondeu e ele completou.

― Isso também serve para suas amiguinhas piradas.

― É pedir demais para que dê uma chance, certo?

Ele riu em descrença.

― O que você acha?

― Eu sei dos seus motivos ― iniciou, sincera. ― Não vou pedir que me entenda. Mas quando as encontrarmos de novo, e eu sei que vamos, pode por favor ao menos ouvir o que elas têm a dizer?

Minho ficou em silêncio por um tempo antes de responder.

― Se isso te faz sentir melhor, Cammie.

― É… Vai fazer. Talvez me dê alguma certeza.

O garoto pareceu pensar em algo antes de soltar uma risada sem humor.

― Talvez eu também não devesse te culpar de ficar do lado delas. Esteve com aquelas garotas há muito mais tempo que conosco. 

Camille piscou os olhos, surpresa. Sabia sobre a raiva com a situação, mas era aquilo que tanto o incomodava em relação a ela?

― Minho, elas são importantes pra mim ― disse. Ele não falou nada, mas ela pôde ver seu maxilar se contrair.

Soltou o ar levemente antes de enfim se arrastar para mais perto dele, segurando seu rosto com uma mão, coagindo-o a olhá-la.

― Mas vocês também são. Você também é. Nunca foi uma questão de tempo, eu nunca escolheria entre vocês assim.

Minho fechou os olhos, o maxilar relaxando sob seu toque macio.

― Estou frustrado, Cammie ― desabafou. ― Não me sinto a droga de um líder.

― Nós vamos resolver isso, eu sei que vamos ― afirmou, em seguida deu de ombros. ― Nem que eu tenha de usar o tal poder da amizade.

O peito de Minho se mexeu quando ele riu, uma careta em seu rosto.

― É, desculpe por isso.

― Você tem mesmo de pedir desculpas ― estalou.

Ele ergueu as sobrancelhas com seu tom de voz, os cantos dos lábios começando a se erguer.

― Mais alguma exigência?

― Não sei, ainda preciso pensar sobre o caso. Eu não deveria te perdoar tão fácil.

― Não se culpe, Cammie. É impossível resistir a mim.

Ela empurrou seu rosto com a mão.

― Não abuse da sorte, senhor.

― Eu não ousaria, trolha.

Camille fez um “tsc” com a boca, mas lhe enviou um pequeno sorriso. Ele não durou muito, entretanto, novos pensamentos invadindo sua mente.

― Sabe, eu nunca escolheria assim ― reafirmou ―, mas se realmente fizessem aquilo… Se realmente cumprirem com a sentença do Thomas… ― respirou, esforçando-se para terminar. ― Se machucassem qualquer um de vocês, nunca tentaria defendê-las. Eu sei de que lado ficaria, não importa o quanto isso me magoasse.

Minho olhou em seus olhos, ela parecia triste.

― Você é boa demais pra todos eles… Porra, você é boa demais pra mim.

Ela morde o lábio inferior com sua palavras, tentando não desabar novamente. A ação não passa despercebida pelo garoto, de modo que ele levanta um braço de forma convidativa.

― Venha cá.

Camille atende o pedido, aproximando-se para encostar a cabeça debaixo de seu queixo e agarrar as costas de sua camisa.

― Eu só queria que tudo acabasse ― sussurrou.

― Eu sei, pequena, vai ficar tudo bem ― ele respondeu, utilizando do mesmo tom sussurrante.

― Apesar de tudo, as vezes acho que tem razão. Queria não sentir tanto por todos.

Ele a apertou em seus braços.

― Gosto do seu coração mole, Cammie. Gosto de como você é.

Ambos ficaram em silêncio por um tempo, apreciando em quietude a presença um do outro e a reconciliação após seu pequeno desentendimento.

― Minho? ― chamou depois de alguns minutos.

― O que foi?

― Se me tratar daquele jeito de novo, vou te dar um soco.

Ele riu.

― Não posso fazer promessas.

― Minho. ― alertou.

― Só brincando, Cammie. Considere-me avisado.


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Notas finais do capítulo

UFA
Esse foi realmente grande.
Espero que essa reconciliação tenha ficado decente. Eu não queria prolongar aquilo, então resolvi tudo de uma vez nesse capítulo.
Me digam o que acharam!

XOXO



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