Green escrita por Bah


Capítulo 6
Porto Seguro




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Taylor recebeu alta na manhã do dia seguinte.Sofia ligou para seus pais para dando uma falsa justificativa para o período em que estaria fora, mas agora pareciam não ligar.Não lhe dirigiam a palavra em nenhum momento enquanto ela estava em casa, mal a respondiam no telefone e nem sequer olhavam em seu rosto.Quando todos haviam se preparado para sair do hospital, Sofia perguntou:

_Senhora Evans, eu...

_O que é isso, querida, me chame de Sarah.

_Tudo bem, Sarah, será que vocês se importam se eu for para a casa de vocês?Lá em casa está com um clima pesado, e eu queria fugir disso o máximo possível.

_Mas é claro, meu bem!Você sempre será bem-vinda em nossa casa, fique o tempo que quiser!

Sofia gostava do jeito dos pais de Taylor.Apesar de serem ricos, não vestiam nada sofisticado e, diferentemente de seus pais, eram de riso solto e expressões serenas, não importando a situação.Sarah vestia saias de chita, usava cabelos longos e maltratados, o que incrivelmente não ficava mal nela, calçava rasteirinhas e nunca estava com menos de cinco pulseiras em seus braços.Malcolm, além de ser vegetariano, carregava seu jeito tranquilo, cabelos longos e camisetas floridas.A casa combinava bem com aquela família hippie.Taylor era sofisticado em suas vestimentas, mas de algum modo Sofia enxergava o lado hippie que ele carregava consigo, e ela amava isso.

Ambos subiram para o quarto de Taylor, que era cheio de pinturas de mandalas, um tocador de vinil e um rádio dos anos setenta.

_Uau!Seu quarto é demais!Olha só todas essas coisas...

_Alguns são artigos de colecionador.

_E olha só essas mandalas!

_Eu pintei.

_O que?Você fez tudo isso?

Ele assentiu.

_Sabia que a cada dia eu me acho mais sortuda?_Ela disse sentando em sua cama.

Taylor estacionou sua cadeira em frente à ela.

_E eu, então?Existe sorte mais linda do que essa minha?

Sofia sorriu e o beijou levemente para não machucá-lo por causa dos hematomas.

_Senta aqui na cama comigo, eu ajudo você.

_Igual você ajudou na praça?_Ele deu uma gargalhada.

_Seu bobo...aqui é mais fácil!

E antes que ele pudesse contestar, Sofia colocou os braços de Taylor atrás de seu pescoço e passou os braços por debaixo de suas pernas.

_Vamos lá!1...2...3!

E o colocou na cama no primeiro impulso.

_Viu?Não foi tão difícil...

Sofia colocou suas pernas em cima da cama, o ajeitou para que suas costas se apoiassem na cabeceira e finalizou com um beijo em sua testa.

_Tcharam!

Mas quando terminou não conseguiu identificar a expressão de Taylor e nem o que ele trazia no olhar.

_O que foi?Eu te machuquei?

_Não...

_O que foi então?

_Talvez suas amigas tenham razão, talvez a gente não dê certo.

_Por que está dizendo isso?

_Imagina ter que fazer isso toda vez que você me ver...eu até tenho praticado passar da cama para cadeira e vice-versa sozinho com a tábua de transferência, mas...

_Tábua de transferência?

_É, é só colocar debaixo de uma das pernas e deslizar até a cama, mas com a pouca força que eu tenho nos braços, duvido muito, mas enfim...o fato é que eu não posso te dar a vida que você merece.

_Eu sei o que eu mereço, e o que eu não mereço.Sei que não mereço um cara tipo o Ben, que nunca me escuta, age como se eu fosse um objeto, que só se importa com os próprios problemas...isso ninguém merece!Agora...um cara que se importa comigo, que presta atenção em cada detalhe meu, que fala com um jeito doce e além de meu namorado é meu melhor amigo, eu acho que mereço sim, afinal, que garota não sonha com tudo isso?

A palavra "namorado" fez o coração de Taylor parar.Não que ele achasse que não se tornaria nada sério, mas a palavra em si soou tão oficial e melodiosa saindo da boca de Sofia, que tudo o que ele queria era continuar ouvindo.

_Não me importa quantas vezes essa cadeira participe das nossas vidas, Taylor, ela faz parte de você, por isso eu a amo também.

Taylor sorriu e deu um beijo longo em sua testa.

_Namorado?_Ele sussurrou.

_Namorado.

As testas estavam coladas e ambos sorriam em um silêncio nada constrangedor, e sim melhor do que qualquer palavra que poderia ser dita.

_Eu trouxe uma coisa_Disse ela quebrando o silêncio.

_O que você trouxe?

Sofia tirou da mochila um adesivo do tamanho de uma cartolina que, no papel, não era possível saber o desenho.

_O que é isso?

_Na verdade é um adesivo de parede, mas se cola em parede, cola em cadeira de roda também.Você confia em mim?

_Confio, vá em frente.

Sofia colou o papel nas costas da cadeira e puxou-o lentamente deixando o desenho de uma galaxia azulada que se misturou perfeitamente com o preto do estofado.

_Sofia...é lindo!

_Que bom que gostou, porque não sai mais.

Sofia voltou a se sentar ao seu lado e ele a abraçou.

_Me abraça forte_Ele pediu.

_Aquilo é um violão?_Disse Sofia após alguns minutos.

_Isso que é atração por música...nem eu me lembrava dele alí e você viu a pontinha do cabo.

_Porque deixá-lo atrás do guarda-roupa?

_Na verdade é da minha mãe, mas ela não tem mais tempo para tocar.

_Posso?

_Claro!Você toca?

Balançou a cabeça afirmativamente, levou o violão até a cama, tocou todas as cordas e um som desafinado saiu.Após afiná-las, Sofia pigarreou e cantou um pedaço de "How long will I love you".Era impressionante o modo como sua voz doce e frágil se transformava quando ela começava a cantar.A menina Sofia se transformava em mulher em questão de segundos com seu tom firme e afinado.

Taylor a olhava com expressão admirada e não sabia o que dizer.

_Você parece um anjo..._Disse com um sorriso largo deixando as covinhas mais evidentes que nunca_Por favor, toca mais uma.

_Só se você me acompanhar na próxima...e não adianta dizer que não canta, eu e sua mãe conversamos muito enquanto estávamos no hospital.

_Ai ai...dona Sarah e sua boca grande.

_Não precisa ter vergonha comigo, que música eu toco?

_Conhece "Collide" do Howie Day?

Sofia pegou a cifra na internet e se surpreendeu com a voz de Taylor, que ficava ainda mais grossa e linda quando ele cantava

Hora ou outra a empregada levava algo para comer e assim passaram a tarde.O dia ia escurecendo, eles se ajudaram com as lições de casa.

_Agora eu preciso ir, Tay, já são sete horas.

_E daí?Amanhã é sábado!

_Eu sei, mas ainda quero tentar conversar com os meus pais...

_Tudo bem então...

Sofia o beijou e desceu pelas escadas deixando-o na cama com um sorriso abobado no rosto.

Malcolm recusou-se a deixar que ela fosse sozinha, prometendo parar um pouco antes de sua casa para que seus pais não vissem com quem ela havia chegado.

_Muito obrigada, Malcolm.

_Eu que agradeço, Sofia.

_Mas pelo quê?

_Por fazer meu filho tão feliz.

_Ele também me faz...

Sofia lhe deu um abraço e desceu do veículo.Teria que andar somente mais um quarteirão até chegar a sua casa.Andava pensando em Taylor quando alguém a puxou com violência, tampou sua boca e a jogou no chão.Era Ben, com o nariz quebrado com um curativo e os olhos injetados sob o efeito de cocaína.

_Ben, o que você tá fazendo??_Perguntou desesperada.

_A pergunta é: "o que eu vou fazer", gatinha.E respondendo, vou fazer com você o mesmo que você estava fazendo com aquele aleijado.

_Ben, sai de cima de mim, eu te imploro!

_Quanto mais você implora, mais eu fico com tesão!

Ele puxou seus cabelos e tirou o pênis de dentro da calça.Sofia tentava gritar, mas ele abafava seus gritos.Sentia seu pênis roçar em sua coxa quando conseguiu soltar uma das mãos e apertar com toda força seu nariz quebrado.Ben gritou e caiu no chão ao lado de Sofia, que correu até a próxima rua, onde havia uma aglomeração de pessoas, ele não tentaria nada alí se tivesse um pingo de amor a si próprio.Sofia chorava.Agora tudo estava claro, esse era o motivo das mudanças de Ben, ele estava viciado em drogas.

Ao abrir a porta de casa correu para o abraço de sua mãe, que ao ver o desespero da filha, a abraçou de volta.

_Mãe, me perdoa, me perdoa por ter me envolvido com aquele marginal, me perdoa!

_O que está acontecendo aqui??_Disse Ernest atraído pelos gritos da filha.

_Sofia, se acalme e diga o que aconteceu.

_Eu quase...

_Você quase...?

_Eu quase fui estuprada, mãe!

Todo o gelo do coração de Mary se derreteu e ela chorou abraçada à filha.Ernest pousou as mãos nos ombros das duas e perguntou:

_Quem fez isso com você, minha filha?

_O Ben...

Mary olhou em seus olhos incrédula.

_Você não estava com ele?

_Eu preciso contar sobre alguém.

_Quem?

_Todos esses dias, eu...eu não estava com o Ben, estava com o Taylor.

_Quem diabos é Taylor?_Perguntou Ernest.

_A melhor pessoa que eu já conheci em toda a minha vida, pai.

_E transou com ele também?_Começou Mary.

_Por favor...deixa eu falar!Será que podemos conversar sem você me insultar pelo menos por uns minutos?

Mary respirou fundo.

_Eu o conheci na escola, ele tem dezenove anos, é bonito, gentil, me respeita...

_Espera...dezenove anos na escola?

_É, pai, ele teve uma infância complicada por causa de uma doença.

_Doença??

_É, uma doença congênita que atrofia os músculos.Por causa dele ele está em uma cadeira de rodas e...

_"E...?", tem mais??

_E tem a mobilidade das mãos reduzida.

_Eu não to acreditando em uma coisa dessas..._Começou Mary_isso é um absurdo!Um absurdo!

_Por favor, me deixem continuar...foi aí que o Ben começou a nos perseguir e agora quer nos prejudicar a qualquer custo.

_E é assim que você pretende levar sua vida?Trocando um imbecil por um aleijado?_Disse Ernest.

_As vezes vocês são iguaizinhos ao Ben...

_Escute aqui, Sofia...ou você acaba de vez com essa palhaçada, ou nós te deserdamos, ouviu bem?

_Eu não preciso do dinheiro imundo de vocês.Fiquem com ele, eu insisto!

_Sofia..._Começou Mary com um tom aparentemente mais controlado_a polícia vai prender esse safado desse Ben, ele não a incomodará mais, mas eu estou te avisando: afaste-se desse garoto, porque se não for por bem, será por mal.

Sofia subiu as escadas e foi olhar as estrelas.Não chorava mais, não gritava.Seu coração estava tomado pelo ódio, e nem mil lágrimas poderiam aliviar o peso.E então ligou seu celular e viu uma das fotos que tirou com Taylor.Os dois deitados no gramado da praça, ele beijando sua bochecha e um sorriso espontâneo desabrochava nos lábios dela.O que ela sentia por ele era maior que Ben, Mary, Ernest e até que as constelações.Sofia havia aprendido a viver no aconchego de seu coração e a sempre chamá-lo de casa, a única casa onde ninguém a perturbaria ou a acordaria de seus sonhos mais belos e profundos.

Meu porto seguro.


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