Katie entrou em seu chalé, tomando cuidado, como sempre fazia. Sabe-se lá o que um certo filho de Hermes poderia ter feito daquela vez. Andou até sua cama com cuidado, e se jogou nela ao concluir de que não tinha nada de errado. Mas na verdade estava tudo errado.

Desde a hora que saiu de sua cama de manhã Katie tinha sido o mais cuidadosa possível com tudo o que fazia, como sempre, mas o Stoll não deu nenhum sinal. Nenhuma pegadinha, nenhum "Bom dia Kit-Katie", nada que a fizesse ficar irritada com ele. E isso estava irritando-a.

Se mexeu um pouco e ouviu o barulho de um papel. Levantou seu travesseiro e encontrou um envelope branco ali, com uma única palavra: Travis. Katie poderia ter jogado fora, queimado, rasgado, mas uma preocupação súbita fez ela abrir o envelope.

Pegou a folha que estava ali e começou a lê-la.

"Querida Kit-katie.

Bem, como se começa uma carta? Posso até imaginá-la revirando os olhos e pensando "Isso não é óbvio?", mas bem, não é tão fácil quanto parece, mesmo porque, o que tenho para dizer-te aqui não é tão fácil de escrever.

A questão é que eu não aguento mais Katie. Pensei que eu poderia viver com isso, com você me odiando, mas não posso. Sempre fiz de tudo para que você se afastasse de mim, Katie, para que você não gostasse de mim. Você merece algo melhor do que eu.

Que coisa estúpida e egoísta que é o amor. Passei os últimos anos me preocupando somente com você, fazendo de tudo para te dar o melhor, sempre fazendo coisas que você odeia, sempre cuidando de seus machucados de noite, quando você já estava dormindo pesadamente, sempre seguindo você em suas missões. Sempre estive disposto a dar minha vida por você.

Sim Katie, eu a amo, amo como nunca amei ninguém, amo mais do que amo a mim mesmo. Isso está prejudicando os outros Katie.

Passei tanto tempo preocupando-me somente com você, que me esqueci de mim mesmo. Não percebi o que as noites em claro, tentando afastar seus pesadelos, estavam me fazendo, não percebi que eu estava sempre movido a adrenalina.

Connor veio falar comigo há alguns dias. Disse que estava preocupado comigo, que ele percebia a mudança em mim. Na hora, eu não liguei para o que ele estava dizendo, mas inconscientemente eu comecei a prestar mais atenção em mim mesmo.

Não sou mais uma criança Katie, sei me cuidar, ou pelo menos era isso o que eu achava. Descobri que estou muito mais magro, mais pálido, minhas olheiras estão escuras e fundas e me tornei obcecado em faze-la feliz.

Meu irmão está preocupado comigo, andei prestando atenção nele também. Percebi que ele não sorri mais como antes, não se diverte tão facilmente, e isso é culpa minha.

Tentar faze-la feliz fez meu irmão triste. E você não sabe o quanto isso me dói, Katie. Por um tempo, pensei que teria que escolher entre a felicidade sua ou dele.

E então a solução me veio. O que a faria mais feliz do que se eu fosse embora? Você me odeia, pelo menos isso deu certo, então não fará diferença. E vou embora com meu irmão, pararei de pensar tanto em você e cuidarei mais de mim e de Connor, o que o fará feliz.

Não sei exatamente se eu estarei feliz com isso, mas não me importa. Passei tanto tempo sem me importar comigo mesmo, não vai ser justo agora que vou me importar, então estou indo Katie.

Estou lhe contando isso porque eu preciso saber que você sabe o que sinto, e você merece saber também. Provavelmente, na hora que você ler essa carta, já estarei longe, bem longe de onde você está.

Imagino como vai reagir. Uma parte dentro de mim, uma parte bem egoísta, torce para que você fique triste, nem que seja só porque não vai ter mais ninguém para chamá-la de Kit-katie, baixinha, jardineira, Gardiner, moranguete, trigo... mas a maior parte de mim pede para que você fique feliz com isso, assim tudo o que eu fiz não terá sido em vão. Por isso Katie, se estiver triste, tente ficar feliz, por mim, não que eu tenha crédito para pedir isso para você.

Junto com a carta, tem uma foto. É nossa primeira e única foto juntos, foi tirada duas semanas depois que você chegou no acampamento. Ambos éramos tão pequenos, e pela primeira vez nós dois estamos sorrindo juntos.

Eu tinha que lhe dizer isso Katie. Eu te amo. Adeus.

- Travis Stoll."

Katie dobrou a carta novamente e deixou a primeira lágrima cair. Releu-a mais uma vez, e a cada linha uma nova lágrima caia até que as palavras se embolaram e ela chorava compulsivamente. Ela pegou o envelope e tirou a foto lá de dentro. Olhou ela por muito tempo, lembrando-se daquele dia. Deitou-se novamente, deixando que as lágrimas caíssem. Adormeceu abraçada na foto e acordou horas depois com sua irmã, Miranda, lhe chamando.

- Katty, eu li a carta, como você está se sentindo? - Miranda perguntou.

- Estou péssima, Mi. - Katie disse se sentando.

- Você gostava dele não é? - Miranda perguntou.

- Mais do que isso, eu o amo. - Katie disse. Miranda sorriu.

- Você vai saber o que fazer, irmã. - Disse e se levantou. - Se precisar de mim, pode chamar.

Então saiu do chalé, lançando um último olhar preocupado á Katie, essa que pegou um dracma debaixo de sua cama e saiu praticamente correndo até o lago. Jogou o dracma ali e pediu a deusa que aceitasse sua oferenda, e que lhe mostrasse Travis.

E ele apareceu. Estava sentado em uma pedra perto de um lago, Connor não estava por perto. Katie olhou para ele por alguns segundos, e hesitou ao chama-lo, mas o fez. Travis olhou assustado para ela.

- Katie? - Perguntou. Katie assentiu.

- Travis, por favor, volte! - Ela pediu. - Você é tão idiota! Eu te amo! Como não percebeu isso?

Travis fechou os olhos e suspirou.

- Travis, volte para mim. - Ela disse calmamente. Uma lágrima caiu do olho de Travis, mas ele não moveu nem um músculo.

- Não, Katie. - Disse por fim. Katie olhou-o surpresa. - Por favor, esqueça que eu existo. Eu não mereço você, você é boa demais Katie. Só... procure uma pessoa e seja feliz com ela, é isso que eu te peço.

- Travis...

- Katie, por favor! - Travis pediu. - Adeus, Kit-kat.

E ele balançou a mão na mensagem de íris, fazendo-a desaparecer. As lágrimas rolavam ainda mais nas bochechas de Katie, ela se sentia como se tivesse tomado um soco. Tinham tantas coisas que ela queria dizer para ele, e que não poderia dizer mais. Nunca mais.